Cosima abriu os olhos sentindo uma dor forte em sua cabeça, percebeu que não estava mais no mesmo lugar, seus óculos ainda estavam em seu rosto e estava no colo de alguém que a abraçava, com um pouco de esforço conseguiu se lembrar dos fatos acontecidos minutos antes, ouviu alguém sussurrando repetidas vezes em seu ouvido “não morra Katja, não morra”.
Era Delphine.
O barulho lá fora era assustador, podia ouvir objetos se quebrando, móveis sendo arrastados e os homens se comunicando, Cosima agradecia em silêncio por ter sido trancada com Delphine no lavabo, embora não era realmente daquela maneira que Cosima tinha imaginado ficar a sós com a sua professora em um banheiro.
“Katja, fique comigo”
Delphine sussurrou novamente fazendo a outra tirar a sua atenção do que estava acontecendo lá fora e olhar para ela, seus rostos estavam muito próximos e Cosima estava sendo embalada de uma forma protetora, jamais poderia imaginar que aquilo poderia acontecer quando acordou para ir ao trabalho de manhã, ela sabia que toda essa atenção não estava sendo dispensada por ela e sim por alguém com o nome "Katja", a mais nova ficou um tempo encarando os olhos vagos de Delphine pensando se era o momento certo de começar a conversar e tentar trazê-la para a realidade, dizer que era Cosima e não Katja.
Se afastou um pouco de Delphine percebendo que a roupa de sua professora estava suja de sangue, se assustou ao pensar que ela poderia ter se machucado, mas logo percebeu que era seu próprio sangue nas roupas de sua professora, sua cabeça ainda sangrava, com certeza precisaria de alguns pontos. Delphine a trouxe para perto novamente a embalando firme, Cosima decidiu ficar quieta até que o barulho lá fora acabasse e elas pudessem sair em segurança.
Era surreal que alguém tivesse coragem para roubar a universidade, mesmo com tantas câmeras, mesmo com seguranças, o que aconteceria com os projetos? Será que Delphine tinha backups dos seus trabalhos e projetos em algum outro local?
Ficaram mais alguns minutos em silêncio e sem nenhum movimento até não ouvirem mais barulhos vindos da sala de Delphine, Cosima então se afastou de sua professora ficando de frente, só então Delphine notou que não era Katja ali, se sentiu um pouco fora de si ao perceber que o que estava passando não era um sonho, Cosima encostou em seu rosto o virando de um lado para o outro parando para observar o lado que estava machucado, um pequeno corte próximo a orelha esquerda, onde Delphine levou a coronhada que a fez cair no chão.
– Merda, você se machucou Delphine.
A mais nova alcançou uma toalha de rosto e começou a passar no ferimento para tirar o sangue e limpar o rosto de Delphine, a urgência de cuidar da outra falou mais alto que qualquer outro sentimento, levantou-se e molhou um pouco a toalha para facilitar a limpeza, Delphine a encarava sem saber o que dizer, Cosima também estava machucada e talvez fosse por culpa dela.
– Cosima…
Delphine segurou as mãos de sua aluna a encarando com os olhos marejados, se lembrava de tudo o que acontecera minutos antes e se envergonhava por ter perdido o controle de seu corpo e da sua mente que viajou anos mais cedo em um dos piores momentos de sua vida.
– Me desculpe….eu… Cosima...eu…
– Sim, sou eu... sou eu Delphine, você ficou em choque – Cosima terminou de limpar o pequeno corte no rosto de sua professora – Está doendo?
Delphine negou com a cabeça, não conseguiu tirar mais nenhuma palavra de sua boca, o enjoo que sentia em seu estômago a incomodava muito, mas não mais do que as lembranças dolorosas que vieram a tona, mas mesmo assim incomodava, a dor do corte em sua cabeça parecia não existir perto de todo o medo que sentiu assim que se deu conta de que sua atitude poderia ter machucado Cosima seriamente, se os bandidos estivessem nervosos ou se sentissem ameaçados elas com certeza teriam ficado muito mais machucadas, mas Cosima estava em sua frente a encarando preocupada e temerosa, com um pequeno fio de sangue descendo da sua cabeça, passando por trás de seu pescoço, tal constatação fez Delphine se sentir ainda pior, lembrou do momento exato em que Cosima se levantou para defendê-la e no segundo seguinte estava no chão agonizando de dor junto com ela.
– Eu não deveria ter te chamado para almoçar comigo.
– Ainda bem que eu estava aqui, você teria morrido sem mim.
Cosima tentou mostrar o seu melhor sorriso, queria fazer Delphine sorrir também e foi exatamente isso que conseguiu, aquele sorriso de canto de boca, provocador e malicioso.
– Não seja tão convencida.
Delphine abaixou os olhos cessando o sorriso, a partir daquele momento não conseguiria mais ser a mulher corajosa e segura de si que sempre foi, no fundo agradecia internamente por Cosima estar com ela, como seria se ela estivesse sozinha? Delphine abraçou Cosima no momento em que a viu desmaiada no chão pensando que era Katja, a segurou firme enquanto outras pessoas arrastavam elas para o banheiro e a embalou em seus braços rezando para que ela sobrevivesse. Mas Delphine pensou ser Katja e aquilo acabou com ela. Só percebeu que chorava em silêncio quando sentiu os dedos gelados de Cosima enxugando suas lágrimas, somente depois disso voltou a olhar para cima e encarar mulher morena, com dreads e um sorriso incrivelmente encantador por quem sabia que tinha um interesse maior do que deveria.
– Não chore, o pior já passou, agora temos que sair desse banheiro.
Cosima se levantou enquanto Delphine permanecia estática no chão, a mais nova tentou abrir a porta do banheiro que estava trancada, bufou alto enquanto dava pancadas na porta, tentaria chamar atenção de alguém, mas quem? O lugar estava deserto.
– Não se preocupe Delphine, Felix vai tentar me ligar quando eu não chegar em casa, espero que ele me ligue ou sinta a minha falta, quando ele não conseguir falar comigo virá até aqui, com certeza ele nos encontrará.
Olhou para sua professora que permanecia em silêncio, alheia a todo o barulho que Cosima fazia, ao tentar abrir a porta ou chamar atenção de alguém que pudesse ouvi-la e tirá-las dali.
– Hoje é um péssimo dia para ficarmos trancadas no banheiro, não é mesmo? Minha maré de azar chegou, se todos os dias forem assim não sobreviverei até o próximo final de semana.
Tentou mais uma vez sem sucesso algum conversar com Delphine, sua professora que sempre demonstrou ser alguém inabalável agora estava ali, acuada e calada, deixando aquele lugar mais claustrofóbico a cada minuto vivido.
Sem saber ao certo o que fazer, Cosima se sentou ao lado de sua professora, a mesma que há minutos atrás tinha um sorriso singelo e um olhar sedutor em seu rosto, agora a lembrança daquela mulher parecia vagar há anos luz de distância junto com tantas outras lembranças que Cosima fazia questão de não esquecer, segurou as mãos da mais velha e a trouxe para perto de si, puxou delicadamente a cabeça de Delphine para que deitasse em seu ombro e ela o fez sem protestar, Cosima então ficou ali esperançosa que alguma boa alma passasse e destrancasse a porta para elas.
Delphine dormiu rapidamente escorada no ombro da aluna e Cosima agradeceu por isso, talvez ela precisasse dormir um pouco e quem sabe acordaria sendo a mesma Delphine convencida de sempre, Cosima riu sozinha ao lembrar de como gostava e ao mesmo tempo se irritava com as atitudes da mulher ao seu lado, estava dividida entre o desejo de sentir seus lábios novamente e se perder neles e a sua consciência que dizia que tudo aquilo era errado e que diferente da outra vez Cosima deveria fugir enquanto podia, mas será que ela podia?
– Sim, Delphine, eu também senti.
Não precisou de muito tempo para Cosima ouvir alguém se movimentando do outro lado da porta, o barulho de passos foi seguido por um fraco “Olá???”, assim que ouviu levantou-se desajeitada, acordando a outra que ainda dormia em seu ombro, para bater na porta.
– Aqui!!! – Cosima gritou o mais alto que pôde – Estamos aqui! Por favor abra!
Cosima ouviu o barulho de algo se arrastando atrás da porta, pegou Delphine que permanecia calada pelas mãos e a levantou, a porta se abriu revelando um rapaz magro e jovem com um capacete em uma mão e uma sacola em outra.
– Vocês estão bem? – O rapaz perguntou desviando o olhar de Cosima para Delphine.
– Parece que fomos salvas pelo almoço.
Cosima forçou um sorriso saindo do banheiro e agradecendo o homem. A sala de Delphine estava completamente revirada, todas as gavetas abertas e até os quadros e certificados que estavam nas paredes foram arrancados, os computadores não estavam mais lá, não conseguiu localizar sua bolsa, deduziu que eles a levaram também, olhou para Delphine que também observava o local não acreditando que aquilo tinha acontecido.
– Você pode colocar na minha conta?
Finalmente Delphine se pronunciou, apontava para a sacola com o almoço.
– Cla….claro, vocês precisam de alguma ajuda?
– Sim – Cosima respondeu rapidamente – me empreste seu telefone, preciso ligar para a polícia.
– Espere, Cos - Delphine a interrompeu apertando firmemente a sua mão, só depois disso percebeu que estavam de mãos dadas – deixe que eu ligo.
O rapaz estendeu o telefone para Delphine fazer a ligação e entregou a sacola com os lanches para Cosima, que recebeu sem nenhuma vontade de abrir o que tinha dentro e comer.
Cosima ainda tinha esperança de encontrar sua bolsa com as chaves de seu carro e apartamento junto com seu celular na bagunça que eles tinham deixado, procurava em todos os cantos enquanto Delphine se deliciava com um pouco de uísque e voltava aos poucos a ser o que era.
– Não se preocupe Srta. Niehaus, eu te levo para casa hoje novamente, minhas chaves estavam no bolso, eles não pegaram – Observou sorridente a aluna revirar os olhos –, se continuarmos assim, isso virará rotina.
– Então temos que parar de nos vermos, o universo está dando claros motivos para isso. – Apontou para a sala bagunçada ao seu redor.
– Pois para mim o copo está meio cheio.
Delphine tomou o restante da bebida em seu copo assim que viu a policial entrar em sua sala.
– Cosima? O que faz aqui?
A voz conhecida amigável chamou a atenção de Cosima fazendo ela abrir um sorriso verdadeiro, aproximou-se da mulher de cabelos castanhos e olhos avelã, vestida com um uniforme policial, que a encarava curiosa e a abraçou.
– Beth!
Assim que sentiu o abraço forte de sua amiga seu sorriso se transformou em um pranto silencioso, a força que sentiu que precisava ter para acalmar Delphine se esvaiu de seu corpo imediatamente, como se naquele momento ela tivesse se dado conta do que realmente havia acontecido naquela sala.
– Calma, Cos, está tudo bem agora.
Beth afagava a cabeça de Cosima e a abraçava firme quando notou Delphine caminhando na direção das duas, respirou fundo e negou com a cabeça olhando seriamente para a loira, esse pequeno movimento fez Delphine parar e apenas observá-las de longe.
Quando Cosima finalmente se acalmou afastou-se da amiga, enxugou o rosto e deu dois passos para trás olhando para Delphine, se preparava para apresentar as duas quando Beth se adiantou.
– Delphine Cormier. – Disse Beth.
– Elizabeth Childs, não posso dizer que é um prazer ver você.
Delphine finalmente se aproximou das duas e cumprimentou Beth, Cosima observava curiosa a mais essa coincidência de suas vidas, as duas já se conheciam.
– Ah, vocês já se conhecem? - Cosima perguntou.
– Hã… mais ou menos, é uma longa história Cos - Beth respondeu sem tirar os olhos de Delphine –, tem um policial lá fora, preciso que você vá até ele e conte o que aconteceu, vou conversar com a Srta. Cormier enquanto isso – Cosima confirmou com a cabeça, quando estava saindo Beth a segurou pelo braço –, Cos, depois disso você precisa passar no hospital, vai precisar ver esse corte na cabeça, ok?
– Eu a levarei – Delphine respondeu antes mesmo de Cosima confirmar para Beth que faria exatamente aquilo –, isso tudo é minha culpa, eu a levarei no hospital, se tiver tudo bem para você. – Sorriu para Cosima que correspondeu com outro sorriso e assentiu com a cabeça saindo da sala logo em seguida.
Após alguns minutos Beth e Delphine saíram da sala e encontraram Cosima sentada esperando as duas, Beth pediu um tempo para conversar com Cosima a sós e Delphine muito a contragosto a deixou.
– Hoje realmente foi o dia de azar de vocês – Beth falou tirando Cosima de seus devaneios –, encontramos dois seguranças amarrados e desmaiados, eles entraram em outras salas também, mas aparentemente não levaram muita coisa, o maior estrago foi na sala da Srta Cormier, você sabia que hoje ia ter dedetização no bloco? – Cosima negou com a cabeça – Pois é, ela foi cancelada hoje de manhã, mas não chegaram a avisar ninguém, acho que eles já imaginavam que não ia ter muita gente aqui hoje.
– Beth, Você vai conseguir pegar eles?
– Não se preocupe Cos, vou trabalhar para que isso aconteça, mas me diga, o que você estava fazendo na sala da Delphine?
– Ah...eu… nada demais...eu… eu tive um contratempo com o meu carro, tive que vir aqui hoje para buscá-lo e encontrei ela…
Beth observou atentamente a sua amiga, ela mexia no óculos ajeitando-o em seu rosto enquanto conversava, era claramente um sinal de nervosismo que Beth conhecia muito bem.
– Cos, por favor… ela não, ok? – Beth a repreendeu, se sentia no dever de tentar proteger mais uma vez a amiga, conhecia Delphine o bastante para saber exatamente o que faziam em sua sala.
– Do que você está falando Beth?
– Olha… eu só estou preocupada contigo, ok? Se você puder... não se envolva com aquela mulher, tá?
– De onde você a conhece?
– Eu não estou autorizada a falar, mas você pode perguntar para ela – Beth apontou para Delphine que observava de longe as duas conversando –, é melhor vocês irem, você está com uma cara péssima e ela está pior, ainda mais depois que pedi para conversar a sós com você – sorriu para a amiga e lhe deu um abraço –, me ligue se precisar de alguma coisa.
– Tudo bem, na verdade, vou precisar de um novo celular, já que eles levaram o meu.
Cosima se despediu da amiga e foi ao encontro de sua professora, pelo segundo dia consecutivo pegava carona com ela para ir para casa, Delphine a levou primeiro ao hospital, o corte na cabeça de Cosima era pequeno e logo elas foram liberadas, podendo finalmente ir para casa.
O caminho foi silencioso, como deveria ser após um dia turbulento, Delphine respirou fundo ao estacionar na frente da casa de Cosima, quando olhou para a aluna percebeu que Cosima a encarava, em 24 horas as duas criaram uma conexão enorme, Delphine pegou nas mãos de Cosima que pela primeira vez não resistiu a sua aproximação.
– Delphine, você vai ficar bem? – Cosima perguntou vendo os olhos de sua professora desviarem dos seus.
– Sim, vou ficar bem Cosima.
– Quer dormir aqui?
Delphine se surpreendeu com o convite, assim como Cosima que mal conseguiu pensar e as palavras já haviam saído da sua boca, mas ela sentia uma vontade enorme de confortar Delphine, sabia que ela estava extremamente sensível apesar de não demonstrar e não queria deixá-la sozinha naquela noite, pela primeira vez esqueceu que era sua aluna e torcia para que ela lhe desse um sim.
– Não imaginei que você fosse me convidar assim tão fácil.
– Lembre-se do dia de hoje e observe que não foi fácil – disse Cosima – meu amigo nem sentiu a minha falta, já deve ter saído para a festa que iria me obrigar a acompanhá-lo, vou ficar sozinha e se você não tiver alguém te esperando em casa também ficará – Cosima observou o sorriso da outra aumentando a cada palavra pronunciada –, não estou te convidando pra transar, ok?
– Ok, eu aceito. – Delphine respondeu depois de dar uma gargalhada.
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