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História Apenas um sonho II - Respingos de uma vingança - Crescendo...


Escrita por: Maallow

Capítulo 7 - Crescendo...


Eu as olhava, em silêncio. Celeste e Kênia riam entre si, apesar de estarem no meu quarto, elas pareciam ser mais chegadas uma nas outras.  

O assunto era sempre o mesmo.  

Garotos.  

Mas por poucos segundos o rumo da conversa mudou. Kênia penteava os longos cabelos escorridos de minha prima. – Eu estou feliz por ele ter escurecido. – Disse Celeste, pegando uma mecha grossa e enrolando em seus dedos. – Meu cabelo era terrível, vermelho como um tomate.  

-Agora está um belo castanho acobreado, os garotos gostam desse tom. – Kênia respondeu. – O meu é que não tem jeito, será sempre preto. Eu queria que fosse loiro. – Suspirou.  

Elas se olhavam no espelho de minha penteadeira. – Pelo menos não forma tantos cachos, apenas algumas ondas. Veja o da Valen! – Celeste apontou. – Ela nem mesmo consegue penteá-lo.  

Alisei uma de minhas mechas rebeldes e vermelhas. – Vocês podiam me ajudar em algum penteado, estou aqui há horas, só vendo vocês se produzirem.  

-Pois você não pediu! – Kênia se animou. - Sente-se aqui, esse banco é espaçoso para as duas.  

E assim me sentei, logo que Celeste me deu espaço. Pentear os cabelos era um terror para mim, principalmente secos.  

A escova de cerdas de madeiras fazia o possível para alinhar os meus fios, mas eles eram indomáveis como cavalos selvagens. Eu observava a expressão cansada de Kênia após forçar a escova por minhas mechas, seus braços pesavam pelo esforço, tenho certeza.  

Fechei os olhos, como doía.  

Mas era tudo em nome da vaidade.  

Talvez eu me sentisse melhor com os cabelos penteados, tranças o deixavam domados e bonitos. Mas eu estava sempre com eles soltos e quase sempre armados, batiam quase em minha cintura, e crescia cada dia mais.  

Abri os olhos, me encarando no espelho. Os fios ruivos completamente para o alto, a quantidade de cabelo parecia ter duplicado. Eu os alisei com a palma da mão, movimentando rapidamente, precisava baixar aquele volume. Não adiantava.  

O meu desespero aumentou.  

 – É melhor molhar um pouco. – Avisou uma das duas.  

-E-esqueça. – Funguei. – Quem disse que preciso penteá-los?! Meu cabelo nunca terá jeito! 

-Não diga isso, Valen.  

-E-eu não sou como vocês. – Elas se entreolharam depois de minha declaração. – Definitivamente eu não ligo para penteados, meu cabelo está muito bem assim, obrigada! – Levantei, evitando me olhar no espelho. 

Caminhei até meu closet. – Alguns vestidos meus estão apertados, vocês podiam me ajudar a separá-los, vou doar para alguns clãs menos favorecidos.  

As meninas me ajudavam a tirá-los dos cabides. – Você tem sorte, Valen. Seu pai faz os vestidos mais bonitos de Wonderland. – Kênia sorriu.  

-Hum. Eu pago um preço alto por eles.   

-Como assim, prima? Você nem mesmo tem dinheiro! 

-Não literalmente! Eu quis dizer que enquanto o meu pai... – Peguei um vestido, era verde escuro, o meu favorito. – faz meus vestidos, ele não tem tempo para mim. – Afastei os cabelos desgrenhados que caiam por cima do meu rosto.  

-Você está exagerando. – Celeste sorriu. -O meu tio Tarrant sempre foi legal comigo. Ele me ensinou a dançar!  

-E o senhor Hightopp me ensinou a fazer chapéus. – Kênia também comentou. – Quer dizer... eu era uma aprendiz em Marmoreal. Mas ele era o melhor professor.  

-Ele parece ser muito bom em ensinar vocês. – Me sentei, cabisbaixa. 

-Mas olha, você tem sorte de ter um pai. – Celeste alisava meu ombro. – O meu me deixou, e o pai da Kênia... – A olhamos, juntas. – Bom, ele a deixou também. 

-Mas vocês não acham muito pior ter um pai que não lhe dá atenção? O de vocês se foi e ponto, o meu está sempre aqui. E por mais que eu tente conseguir sua atenção, eu fracasso completamente. Nesses últimos anos ele está sempre tentando ser o melhor chapeleiro. Até mesmo minha mãe reparou.  

-Valen, até quando usará gola borboleta?! – Kênia questionou, acho que numa tentativa de me tirar do foco daquela conversa triste. A vi separando os inúmeros vestidos em minha cama. 

-O que tem de errado com gola borboleta? 

Elas se entreolharam. – Isso é coisa de criança! – Ambas concordavam com isso. 

-Como quer participar de nossas conversas sobre garotos se você não quer deixar de ser criança?! 

Me levantei. – E o que os meus vestidos tem haver?! 

-Prima, veja só o meu vestido. – Celeste apoiou as mãos em sua cintura, jogando os cabelos escorridos para trás. – O que achou? – Sorria, orgulhosa de si.  

Reparei em sua vestimenta com mais atenção do que antes. Era um cor de creme, tinha pequenas pérolas em suas bordas, perto do pescoço, um linho branco sobressaia por baixo de laços grandes e pretos. – É lindo. – Admiti. 

-E quer saber? Foi o seu pai quem fez pra mim. Por que não pede para ele te fazer um desses? Ou um como o dela. – Apontou para Kênia. 

-Olha, você tem quase quinze anos e a Kênia está com dezessete, eu não sou como vocês, eu tenho só dez anos!  

-Tudo bem. Mas... você precisa usar gola borboleta em todos os seus vestidos?! – Cel se aproximou, balançando a gola que imitava uma asa em meu vestido. – Parece dois babadores.  

Me irritei, estava cansada. – Vão embora! 

[...] 

Aquela manhã era um completo tédio. Nem mesmo pintar me trazia divertimento, estava farta de tentar entender as pessoas em minha volta. 

Observei minha mãe pela janela, ela tomava chá enquanto descansava de seus afazeres, sentada a uma cadeira de balanço acolchoada. A brisa daquela manhã parecia reconfortante.  

Desci as escadas.  

-Oi. – Tentei sorrir.  

Minha mãe abaixou o livro que sempre vivia com ela. – Oi meu amor. – Ela sim conseguiu sorrir, um sorriso aberto e espontâneo, aquele sorriso que eu poderia tentar pintar mas que eu não captaria totalmente a sua beleza.  

Me aproximei e torci os lábios.  

Sorte que estava de bom humor, e se minha mãe estava assim certamente tinha algo a ver com o meu pai. Pelo menos eles estavam se entendendo, afinal.  

Sentei no murinho, quase próximo a bandeja de chá com biscoitos que ela mesma preparou. – Mãe, o que acha do meu cabelo?  

Ela guardou o livro em seu colo. – Ele é lindo. Por quê? – Inclinou a cabeça, gostava de perguntas tanto quanto eu.  

Alisei a trança que o mantinha pelo menos ajeitado. – E se ele for vermelho demais, cacheado demais... E se os garotos não gostarem?  

-Desde quando isso importa? – Questionou. – Eu já te falei que você tem que se preocupar apenas com o que pensa de si mesma. E não o que os outros irão pensar.  

-Isso está sendo muito difícil.  

-Eu nunca liguei para a minha aparência.  

-M-mas... – Eu a olhei. – O seu cabelo é impecável e você nunca usa gola borboleta, por isso não se importa! O seu rosto não tem sardas, suas mãos não tem manchas, você não entende como é!  

-Valentina?! Desde quando eu permito que fale comigo nesse tom?!  

-As coisas estão confusas, mãe! Desde aquele sangramento... E acredite, ele ainda não acabou. – Cruzei os braços.  

Ela tornou a se afundar na cadeira acolchoada. – Vai acabar, logo.  

-E vai começar tudo de novo no mês seguinte, o que eu fiz para merecer isso?! – Me deitei no murinho, quase derrubando a bandeja de alumínio. – Eu não aguento mais ter que usar forro de linho, e ter que lavar de novo para limpar esse sangue nojento.  

-Acho que o seu período menstrual está afetando suas emoções.  

-A senhora também tem esse período? – Ela assentiu. – Somos azaradas, mamãe. 

-Mais cedo ou mais tarde você vai acabar se acostumando.  

Levantei a cabeça para observá-la. Estava tão diferente de ontem de manhã.  

Ontem de manhã parecia tão triste. 

E hoje sua felicidade quase me contagiava. Eu pensei em perguntar o que havia acontecido mas uma força maior me impediu.  

Olhamos juntas para o portãozinho de ferro que se abria. – Tarren! – Minha mãe deixou tudo para correr.  

Ela nem mesmo esperou que ele atravessasse o quintal e parasse na varanda.  

Na verdade meu pai ainda fechava o portão quando ela correu, o belo vestido dourado como seus cabelos balançavam ao vento. Eu os olhei, meu pai segurou o seu rosto, o tomando para si e então seus lábios se uniram depressa, embora aquele beijo demorasse para acabar. Fiz uma careta, eu não conseguia distinguir qual lábio era de quem.  

Aquilo certamente era nojento para quem observava. E como pintora, eu me atentava a todos os detalhes.  

A forma como o meu pai segurava sua cintura com uma mão e retirava a cartola com a outra, seus cabelos batiam na altura do pescoço, voando ao ritmo do vento, ele não se importava com o cobre intenso e pigmentado de seus fios, apenas sorria para minha mãe depois que aquele beijo longo finalmente terminou. 

Eles conversavam entre si. Como se tivessem ficado separados por séculos.  

Cruzei os braços e fechei a cara.  

Percebendo uma sombra com uma cartola se aproximar de mim por trás do muro. Ele me abraçava, beijando o meu rosto carinhosamente. – Oi princesa.  

-Oi.  

Ele sentou no murinho. – O que acha de ir comigo até a cidade, uhn? – Apertou minha bochecha. 

Afastei sua mão. – Eu não sei.  

-Ora, vamos, vai ser divertido, passaremos o dia juntos! – Ele pegou minha mão, acolhendo-a por completo nas suas. – O que me diz?!  

-Se for para ser divertido eu vou. – Sorri.  

-Q-que ótimo, estarei na melhor companhia do mundo.  

-Eu não sei se é uma boa ideia. – Minha mãe se intrometeu, pegando a bandeja sobre o murinho.  

-Ah querida, eu não vou tirar os olhos dela, eu prometo! Lembra do que conversamos ontem?! Estou tentando ser um bom marido...E um bom pai! – Eles entraram.  

[...] 

-Mas não foram esses os tecidos que encomendei! – Meu pai se irritava com o senhor da loja de tecidos. – Veja só, são tudo de segunda linha, senhor.  

-Como tem tanta certeza? – O velho ajeitou o monóculo. – Só pelo toque?! 

-Não tente me enganar. Sabe quem eu visto? A monarquia! E a monarquia só usa tecidos nobres! 

-Certo. – Assentiu. – Eu vou verificar se há algum erro. – O senhor deu as costas, caminhando devagar até a porta atrás do balcão, feita com cortinas de miçangas.  

-Essa é a sua ideia de divertimento, papai? – Perguntei sem encará-lo, observando alguns vestidos do mostruário. 

-Não mecha em nada! – Avisou, ainda bravo.  

-Isso sim é um vestido. – Sussurrei. 

Pela primeira vez desejei uma vestimenta. Era azul turquesa, as mangas curtas batiam só até a dobra do braço, depois das mangas era feito se tule. Havia pequenas flores costuradas no tecido de cetim, desenhando perfeitamente a barriga. E o melhor de tudo... 

Nada de golas borboletas. 

-Pai. – Amassei o seu terno, ele se distraia com os pequenos botões atrás do vidro do balcão. – Olha aquele vestido! – Assim consegui atraí-lo. O trazendo para perto do manequim. 

-Hum, como gastaram tanto tecido para um vestido assim! – Desdenhou.  

-O que tem de errado nele?!  

-Está tudo errado! Essa cor não é bonita... E veja esse tule nas mangas, quem o fez é um amador. 

-Sabe o que eu acho?! Você só acha feio por que não foi o senhor quem fez! 

Ele parou de observar o vestido e passou a me encarar. -Ora... – Parecia não ter o que dizer. – Meu bem, se você gostou não tem o que discutir. 

-Eu gostei dele sim, e para ser sincera, é muito mais bonito do que todos os que o senhor já fez, o senhor pode se achar o melhor mas não é tão bom assim! 

Eu não havia percebido o quanto falei alto. Só reparei depois que as mulheres em volta pararam o que faziam para sussurrar entre si. Meu pai ficou em silêncio, me olhou outra vez e olhou para o vestido e para as pessoas ali. Me encolhi depois que as clientes começaram a sussurrar sobre o ocorrido. 

Eu sei disso pois elas olhavam para mim.  

O senhorzinho retornava para o balcão. – Agora fique sentadinha ali como prometeu. – Ele pediu com fraqueza.  

Fiquei parada ainda no meio daquela loja. Me torturava em pensar no que eu fiz, enquanto meu pai analisava os novos rolos de tecidos, dessa vez pareciam os certos. 

Me lembrei de seus olhos carregando um brilho de decepção. 

 Como pude gritar assim com o único homem que eu realmente amava?! 

Este sangramento repentino me transformou em um monstro. 

-Papai. – Busquei sua mão, entrelaçando nossos dedos.  

Mas ele me soltou para buscar o outro rolo de fita, sem me olhar. Acho que ele só estava disfarçando a sua tristeza por minhas palavras. 

Eu sei que fazia de propósito, eu sei que estava magoado. Tudo o que eu queria era sair dali o mais rápido possível para nunca mais voltar.  

Olhei para a porta depois que o pequeno sininho acima dela soou, novos clientes entravam além das damas requintadas que já estavam ali, sendo atendidas por outras moças. Observei pela pequena brecha da porta antes de se fechar por completo, havia tantas outras opções de lojas lá fora. – Papai. – Eu insistia em tocá-lo, queria sua atenção. – Eu posso ir lá fora? 

-Você pode fazer o que quiser. – Disse sem sorrir. – Só não se machuque.  

Eu o deixei, sabia que estava chateado. Precisava pensar em uma forma de pedir desculpas.  

O sininho soou mais uma vez depois que saí.  

As ruas e calçadas eram tomadas por pessoas, elas andavam para cima e para baixo. Nas ruas, muitas carruagens e cavalos de cargas passavam seguidamente. Nas esquinas, barraquinhas de frutas e artesanatos se montavam pronta para vender. Além das lojas, é claro, uma do lado da outra, ocupando o máximo de espaço que pudessem. 

Torci os lábios, sem saber para onde ir. Eram tantas opções... certamente se eu estivesse só com a minha mãe, ela jamais me deixaria perambular pela cidade só.  

Mas além do meu pai não ter o juízo completamente perfeito, ele também era muito mais liberal, a favor que eu conhecesse o mundo. 

-O rei das espadas. – Parei para ler o letreiro acima da porta, na entrada, era uma placa de madeira, presa de forma que balançasse.  

Observei lá dentro depois que o som de alguém batendo no metal me chamou.  

Eu não sei o que deu em mim.  

Apenas entrei.  

Dentro era quente e abafado, e aquele barulho não poderia ser maior.  

Gilbert desentortava a espada com uma marreta de madeira mas parou quando me viu ali. Ele parou tudo, limpando o suor que acumulava em sua testa curta. Os cabelos ondulados e castanhos num corte mal feito também estavam molhados de transpiração, principalmente por causa da boina. Ele saiu de trás do balcão, foi quando percebi que não usava mais nada além das calças e suas botas de montaria. Eu nunca tinha visto nenhum garoto sem camisa antes, o que me deixava ainda mais sem jeito. – Garota valente. – Ele guardou o pano sujo que usava para secar o seu rosto no bolso da calça. – Veio até a cidade me procurar? – Um sorriso torto se desenhou em seus lábios rosados. 

-De jeito nenhum. – Aquiesci. – É que... eu te vi lá de fora. – Ele chegava mais perto, cheirava a metal queimado. Dei um passo para trás, podia me sentir intoxicada só por seu cheiro. – Eu só vim te agradecer por ter sido cavalheiro. – Seu sorriso tolo quase me tirava as palavras. – E ter me acompanhado até em casa e por todo o resto...sendo assim... – Estiquei minha mão. – Muito obrigada, Gilbert. 

-Sabe. – Ele guardou a mão no bolso, recusando o meu comprimento. – Você poderia me agradecer de outra forma. – Enrolou uma madeixa de meu cabelo, colocando atrás da minha orelha.  

Minhas pernas perderam a força. Nunca antes um garoto enrolou o meu cabelo para trás da orelha.  

Pensei no que pudesse vir a seguir... 

 – Eu n-não sei do que está falando. – Ele me segurou quando tentei mais alguns passos para trás.  

Olhei para trás. Um arsenal de espadas estavam ali, prontas para caírem quando eu esbarrasse. – Obrigada. – Corei por fim, ele estava sempre me salvando.  

-Me diga o seu nome e então saberei que está realmente grata. E assim meu ato de cavalheirismo terá valido a pena, afinal.  

-Valerá a pena se por em risco só para saber como me chamo?  

-Eu sou curioso. – Retornou para a espada, martelando até nivelar. – Quando vejo algo que me chama a atenção... – Ele me olhou. – Quero saber tudo o que posso. 

Fomos interrompidos quando um homem encapuzado chegou. De repente, Gilbert tornou a martelar a espada concentradamente. O homem não tirava os olhos de mim quando decidiu abaixar o capuz. – Olá. – Tinha o cabelos pretos, quase lisos e uma terrível cicatriz desenhava quase todo o seu rosto, um tapa olho em formato de copas cobria seu olho esquerdo por completo.  

Eu sabia reconhecer sorrisos maldosos. E aquele homem estranho possuía um. 

-Oi.  

Ele era alto e amedrontador. Minha respiração mudou por completo, tornando-se forte e apressada. O meu estômago se remexia, sei que já o vi em algum lugar.  

Em meus piores pesadelos.  

– Gilbert, não me apresentou a sua amiga. – Dizia, ainda a me olhar. Ele simplesmente não tirava os olhos de mim, eu conseguia perceber sua surpresa, quase na mesma medida que sua maldade. 

-Na verdade, nem ela se apresentou, pai. 

Olhei para o menino que se retraiu no mesmo instante em que seu pai apareceu. 

Seu pai. 

-Mas que menina misteriosa... – Ele passou por seu filho, chegando até mim. O sorriso amedrontador se tornava mais intenso. – Sorte que sou bom com sobrenomes. – Ele estendeu sua mão para mim. - Senhorita Hightopp.  

Estremeci, sem lhe dar a mão. – Como o s-senhor sabe? 

Estava cada vez mais curiosa. Essa era uma das situações que eu sentia que poderia estar correndo algum perigo. 

Um homem com a cicatriz tão grande não poderia ser uma boa pessoa, poderia? 

Bom, até poderia se não tivesse o sorriso mais maléfico que já vi. 

-Eu reconheceria um Hightopp em qualquer lugar. – Apenas justificou. – Esses cabelos ruivos... Simplesmente não dá para não reconhecer. – Ele me analisou, agora da cabeça aos pés. – Como está crescida. – Seus olhos brilharam de admiração.  

Ou ambição talvez. 

-Eu tenho que ir. Obrigada Gilbert.  

-Espere. – O homem de preto rapidamente segurou o meu braço. Tentei gritar, mas o medo não deixou que minha voz saísse. – Gilbert. – Ele virou para trás, curiosamente o seu filho carregava quase o mesmo medo que eu. – Você não me disse que conhecia a senhorita Hightopp.  

-Na verdade. – Ele buscava o pano sujo para secar suas mãos. – Como eu já disse, ela não me falou o seu nome. 

-Venha aqui. – O chamou, gesticulando com as mãos enquanto eu ainda tentava me libertar das suas. O garoto hesitou. – Venha aqui, me obedeça! – Dei um saltinho com o grito que ecoara. Gilbert deu a volta pela bancada. – Quero ver vocês dois juntos, fique do lado dela. – Ele o obedecia, um pouco sem graça. – Tire essa boina ridícula! – Puxou de seus cabelos. 

Por fim me soltou. Ele olhava para nós dois. – Ora ora... – Coçava seu queixo, nos estudando. – Ela é um pouco baixa mas vocês formam um casal bonito, devo admitir. Veja como ela é bonita, filho. Vocês combinam.  

 Gilbert percebeu. – Está a constrangendo. O senhor está muito mal intencionado, somos só amigos.  

-Colegas. – Corrigi. 

 Ele não tirava seu único olho de meu rosto. – É difícil como sua mãe. Aliás... O que uma criança tão bonita faz na cidade, está sozinha? 

-E-eu estou com o meu pai.  

Seu sorriso se foi. – Seu pai. – Repetiu, um pouco frustrado e pensativo. – Bom, sendo assim eu acho que você tem que ir. O seu pai não gostaria de saber que seu pequeno moranguinho está numa loja de armas. 

Olhei em volta. Já havia visto espadas melhores em Marmoreal. – Ele não se importaria. Está ocupado com os tecidos. – Apontei para a loja de trás. – Mas eu tenho mesmo que ir.  

-Gilbert, o que está esperando para acompanhá-la até a calçada?! – O homem recolocava o capuz.  

-Não, obrigada. – Toquei a maçaneta, os olhando. – Eu sei muito bem atravessar a rua sozinha.  

[...] 

Delicadamente, esbarrei a ponta do pincel no pequeno borrão de tinta amarelo, misturando com o laranja, o levei para a folha de papel, devidamente presa ao suporte de madeira. Aquele seria o melhor nascer do sol que eu poderia desenhar. Estava pronta para dar o meu melhor.  

Estava inspirada após um dia cheio de emoções. “Senhorita Hightopp?” – Meu pincel foi impedido de tocar na folha em branco, preparada para ele.  

Olhei de imediato para o portão de casa, mesmo ali da varanda eu reconheceria aquela voz meio grossa de alguém que estava há uns três anos a frente de mim, na fase da puberdade.  

Levantei, correndo para o jardim. O portãozinho de ferro era o que nos separava. Segurei as grandes brancas, Gilbert mantinha seu sorriso torto involuntário. – O que está fazendo aqui?! – Abri o portão, mas não me pus para fora. – Vá embora! 

Ele retirou sua boina. – Eu só vim para me desculpar pelo o que aconteceu hoje mais cedo. 

Olhei para os lados. – Tudo bem. Já se desculpou, é melhor você ir. – O empurrei de leve. – Eu não tenho permissão para falar com estranhos, como você já sabe. 

-Eu sinto muito te informar, senhorita Hightopp, mas não sou um estranho desde o momento que me apresentei. Se pararmos para pensar, você é a estranha por não ter me dito o seu primeiro nome. 

Eu o olhei. Usava uma calça social, uma blusa e um colete. – Não está todo sujo e suado como antes. – Mudei de assunto. 

Ele sorriu. – Ah, eu também lamento por isso. Se eu soubesse que viria me procurar, eu com certeza estaria apropriado.  

-A última coisa que eu desejaria no mundo era ir a cidade só para procurá-lo. 

O fiz rir, cruzando os braços. – Orgulhosa você. – Ele desviou o olhar de mim para reparar o quintal de casa. – Você está pintando.  

-É. – Balancei o avental sujo de tinta. – É o que eu gosto de fazer e você está me fazendo perder tempo.  

-O que está pintando? – Ele se aproximou, quase abrindo o meu portão. – Posso ver? 

-N-não! N-não.... Está... Pronto. – Aquiesci, fechando o portão e me pondo por completo na calçada. – Eu quero pintar o nascer do sol.  

Ele assentiu. – É uma boa escolha. Mas, e o pôr do sol é bem mais bonito. – Buscou um relógio de bolso envelhecido. – E o sol está quase se pondo. 

Olhei para o céu. – Está tarde mesmo, você deveria estar na sua casa.  

Gilbert me olhava. Sorrindo. – Você não consegue ser um pouco mais agradável? Eu te salvei de morrer afogada. És muito agressiva para uma garota que parece ser tão meiga. – Ele sacolejou minhas tranças.  

Olhei para os lados outra vez. – Os meus pais não estão.  

-Então podemos ver o pôr do sol. 

-Eu não posso sair sem permissão. – Expliquei. 

-Ah, é mesmo. – Ele se recostou no muro. – Quase me esqueço que você é uma criança. 

Aquela palavrinha passava a me atormentar.  

-Eu não sou criança! – Acabei por cair em sua provocação. – Tudo bem então, eu vou com você. – Apontei o meu dedo. – Mas terá que me prometer que não me chamará de criança novamente. 

 


Notas Finais


Será que o chapeleiro tá se achando muito ou a Valen foi insensível? ahushuahus
Quais serão as intenções do Stayne em juntar a Valen e o seu filho?
E o Gilbert? Hum... meio suspeito
quero teorias!


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