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História Apenas um sonho II - Respingos de uma vingança - O melhor dia?


Escrita por: Maallow

Capítulo 9 - O melhor dia?


~*~ 

Sei que era um pesadelo.  

Mas aquele tipo de pesadelo que parecia real e lúcido, como uma lembrança pertinente que vagava nas profundezas de minha mente sem que eu permitisse.  

Eu ainda me lembro das pessoas. Elas caminhavam pelo salão, algumas estavam apenas em pé, outras tomavam as bebidas que os garçons ofereciam, sempre taças cheias do que por algum motivo, faziam os adultos gargalharem.  

Minha mãe foi de longe a primeira pessoa que reconheci. Estava tão linda. O vestido impecável, azul claro, sua cor preferida. Os cabelos caiam em cachos grossos, e uma trança embutida prendia o topo de seus fios dourados, terminando o penteado com uma bela coroa de pedrarias mas seu olhar era vazio, ela assentia com a cabeça enquanto conversava com um senhor tão bem vestido quanto qualquer outro convidado. 

Eu era pequena.  

Bem pequena.  

Sei disso por que eu ainda precisava levantar a cabeça para enxergar o rosto daquelas pessoas, apesar de serem desconhecidas. Estava sentada num belo trono de camurça com detalhes de ouro, os meus pés nem se quer pensavam em tocar no chão, na verdade tudo meu era pequeno. Desde meus braços até os meus dedos, perfeitamente cobertos por luvas de cetim com babados nos pulsos. Minhas pernas também curtas e meus pés num sapatinho branco, lindamente polido para que brilhasse. Eu cabia por completo naquele trono.  

-Valentina. – E então, me lembro que naquele sonho levantei o meu rosto. Era um homem de vestes pretas, com certeza um dos mais altos da festa.  

Seu rosto estava embaçado, completamente embaçado. Só havia como perceber pelo seu tom que ele não parecia gostar daquilo. – Venha comigo. – E assim apertou o meu braço, me tirando do trono confortável. Descemos os degraus juntos, eu não entendia sua falta de paciência em me arrastar pelo salão. Ele andava tão apressadamente, apertando minha mão com força. - Lembre-se do que combinamos. Fique em silêncio. – Ele exigiu.  

Dois convidados pareciam nos aguardar. 

-Soberano. – Um senhor gordinho com sua bela esposa se prontificaram em mensurarem.  

Olhei para o lado, levantando o meu rosto. 

O rosto daquele homem alto continuava embaçado em minha visão. – Esta é minha... – Sua voz barganhou um pouco. – Filha, a futura herdeira do trono. 

A mulher se abaixou para alcançar a minha altura. Buscou minhas mãos. – Que criança adorável.  

-É mesmo uma princesa. – Disse o seu marido.  

Eu só os olhava, sem compreender aquela situação. 

 – Ela fez dois anos hoje, como os senhores sabem. – Avisou o homem da coroa. – Ela não fala muito.  

-Ela é tímida! – A moça parecia ainda mais encantada.  

Aquilo era com certeza um pesadelo.  

-Se parece com Mirana.  

A mulher levantou, ambos me encaravam. – Eu não achei, querido. Ela tem os traços da Rainha Alice.  

Os dois me observavam. – Os olhos, talvez.  

-Mas é muito bem comportada.  

Virei o rosto para olhar o homem de preto. – Ela precisa ser. Tento educá-la de forma rígida. – Ajeitou o chapéu que tampava meus cabelos. – Afinal, não queremos que ela se torne uma desajuizada como sua mãe. 

-Muito bom saber que é isso que pensas de mim, meu marido. – Olhamos juntos para trás.  

Minha mãe estava zangada. Dessa vez eu sei que não era minha culpa. 

-Majestade. – O senhor e sua esposa mensuraram.  

O homem alto tocou a garganta, pigarreando. -Sabemos que é verdade, Alice. – Ele puxou o seu braço, trazendo-a para perto. – Sabemos o que você e aquele louco fizeram.  

Mamãe me olhou, soltando-se depressa. – Não me arrependo. – Apenas respondeu.  

Estiquei meus pequenos braços.  

-Venha, minha bebê. – E assim estava em seu colo, a primeira coisa que fiz foi deitar a cabeça em seu ombro, eu adorava sentir o tecido confortável do seu vestido. – Eu vou levá-la, com licença. 

Ela atravessava o salão enquanto atraia a atenção das pessoas. Todos olhavam para nós, mas minha mãe não parecia a vontade em me exibir.  

Com ela era diferente. Ela me protegia. -Está com fome? – Assenti. – Oh, eu sei meu amor, eu sei... – Ela beijava o meu rosto. – Aqui só tem bebida e canapés, isso não é comida para minha criança.  

Mamãe me trouxe para a cozinha, me colocando em cima do balcão de mármore. Havia algumas moças uniformizadas paradas num canto, sem tirar os olhos de mim. – Que tal um pouco de leite? – Perguntou minha mãe. Assenti. Uma das moças rapidamente buscou a bebida numa caneca vermelha, ela me dava com cuidado, sem que eu deixasse levar a bebida a boca sozinha. – Obrigada, Ana. Pode deixar comigo.  

-Sim, Majestade. – Lhe deu a caneca. 

– Segure firme, e beba devagar. Você é uma menina forte e independente. – Dizia enquanto raspava uma maçã com a colher.  

Ela limpou a borda dos meus lábios assim que terminei, levando a papa até minha boca. – Meredith. – Se virou para a senhora gorduchinha. – Eu não sei como fui permitir que Stayne a retraísse dessa forma. Ela já está começando a formar frases e agora não fala nada, desde que a peguei. Estou tão angustiada.  

-Acalme-se, Rainha. Isso não vai prejudicá-la. Sua filha é muito esperta para a idade. Crianças são assim mesmo.  

Ela ainda raspava a fruta. – Consegue dizer maçã? 

-... 

Me lembro de ter me distraído, observando um pequeno roedor de vestido atravessando a cozinha. – Rato.  

Mamãe sorriu. – Sim, é a Dormidonga. 

Apontei, balançando meus pés. -Rato, m-mamãe, rato! – A Ratinha de vestido atravessava correndo o jardim.  

-Ela adora a Mallynkum. Eu posso levá-la para o jardim se quiser, Majestade. 

-Oh sim, isso deve animá-la, obrigada. 

E então, fui para os braços cheinhos da criada. Como uma criança, minhas maiores lembranças era que todas as mulheres do Castelo adoravam me ter em seu colo.  

A senhora desviava dos convidados.  

Voltei a ser a atenção da maioria até chegarmos ao jardim. – Onde será que foi a ratinha? – A senhora sorria. – Olha ela ali. – Segui seu dedo prontamente. Vendo a pequena ratinha de vestido subir no banco do jardim, escalando até encontrar um ombro amigo. – Está com o Chapeleiro.  

-Meredith! – Ela virou de imediato.  

Lá estava o homem de vestes pretas. Eu não conseguia me lembrar de seu rosto, tampouco ver. Era como um grande borrão de tinta. – Para onde pensa em levá-la? Para aquele louco?! 

-M-me desculpe, Soberano, é que ela viu Mallymkum e... 

Ele me puxou de seu colo com violência. Chorei com o susto. – Ela ficará comigo, lembre-se que sou o pai dela agora. E pelos céus, engula esse choro agudo, sua pestinha, eu não o aguento!  

-Majestade, ela é só uma criança.  

Ele deu as costas. – Verá o que vou lhe fazer se não parar de chorar! – Dizia entre os dentes. A atenção se tornava maior. – Estão todos olhando para nós, eu disse que deveria se comportar, sua imunda. – Eu ainda soluçava até que cruzamos o corredor. 

Me pôs no chão, apertando minha mão enquanto me arrastava. – Valentina Hightopp. O cúmulo de minha humilhação. Seus pais pagarão e você também. – Me olhou. – Gosta de ratos não é? – Eu o olhei, amedrontada, minha visão totalmente embaçada pelas lágrimas não me ajudavam. Apenas sei que descemos algumas escadarias e aquele homem empurrou a porta de ferro com a força do seu chute.  

O cheiro de pólvora era forte e o lugar úmido e escuro, parecia abandonado. 

Entre as muitas celas daquela parte do castelo, haviam muitos e muitos ratos.  

Todos sujos, pulando um nos outros como se estivessem lutando por alguma carne. Chorei mais, vendo aqueles roedores nojentos, segurei o braço daquele homem, desesperada para voltar ao seu colo.   

Esperneava quando ele me empurrou.  

~*~ 

Acordei num baque, sentando-me no colchão da minha cama.  

Num impulso observei o relógio de parede do meu quarto, enquanto ainda suava frio. Minha respiração acelerada parecia não dá trégua. Olhei para os lados, agarrando as cobertas.  

-Você acordou. – Minha mãe acabara de espiar pela fresta da porta, recuperei o meu fôlego. Ela abriu a porta empurrando com as pernas, carregava uma bandeja. – Mingau de amêndoas, é o seu favorito. – Deixou a bandeja em meu colo. – E também tem torta de frango e suco de laranja. – Disse, indo até as cortinas da janela. O brilho do sol invadia o meu quarto. – Feliz aniversário, meu amor. – Ela agraciou o meu rosto com um beijo, tocando minha bochecha. – Algum problema? 

-Só um pesadelo. – Remexi o mingau. – Você já teve algum, mamãe? – Dei uma colherada no mingau.  

-Ah, vários, ainda mais na sua idade, foi quando eu perdi o meu pai. Ele fazia muita falta.  

-E o que fazia para acordar?  

-Nunca te ensinei? – Neguei com a cabeça. – Você só precisa... – Ela puxou o meu braço, afastando a manga do meu pijama. – De um beliscão. – Apertou minha pele, levemente.  

-Estou assustada. – Comentei. – Será que não posso fazer aniversário em um outro dia? Hoje era para ser o dia mais aguardado do ano e eu não queria ter que começar tendo pesadelos. Apesar de que... – Pensei. – Eu acho que também sonhei que era meu aniversário.  

-Apenas tome o seu café. – Levantou. – E esqueça os pesadelos, eles não são reais.  

-Diz isso por que não foi com a senhora. – Murmurei, cruzando os braços. Ela me olhou. - D-desculpe!  

Ela suspirou, com certeza diria que eu não devo responder os adultos assim, no entanto, por ser meu aniversário, ignorou. – Quer falar sobre os pesadelos?  

-Não. – Remexi o mingau, sem muita fome.  

-E o que quer fazer hoje?  

-Eu não quero uma festa no clã. – Decidi. – É sempre a mesma coisa, todos festejam, dançam e comem a tarde toda até chegar a noite, quando abro os presentes e advinha? Sempre são brinquedos.  

Minha mãe sorriu. – Acho que ninguém te daria um vestido, sabendo que tem tantos. 

-Tudo bem. – Afastei a bandeja. – Mas por que não uma joia, ou... um livro?! Por que sempre brinquedos?! Quanta falta de criatividade. Além disso, faço dez anos hoje. Dez. O que significa que é a primeira vez que faço uma idade com dois números. Isso é especial o suficiente, não é? 

-É o suficiente para decidir não querer uma festa.  

-Eu quero uma festa do chá, com os meus amigos. Eu quero poder organizar! – Sorri, abrindo meus braços com a ideia.  

-Estou de acordo, se quer ser independente e fazer uma festa do chá com os seus amigos, então faça.  

Gritei, a abraçando. – Eu te amo! – Seus olhos sempre brilhavam quando eu dizia isso. – Oh! – Levantei meus dedos. – Eu quero usar um corpete, deixa mamãe?! – Juntei as mãos, implorando. – E um vestido sem golas borboletas. 

-Tudo bem um vestido mas... 

-Um corpete é o simbolismo perfeito de que eu sou uma mulher independente agora. 

-Isso é completamente contraditório, esse tipo de vestimenta só representa nossa falta de liberdade em nos expressarmos e o machismo que nos impede de termos o corpo fora de um padrão.  

-Eu não me importo, estou animada para usar um e me livrar das golas! 

-Tudo bem. Já que não tenho escolhas. – Suspirou, se dando por vencida. – Mas tome o seu desjejum.  

Minha mãe penteava meus cabelos depois do café. Eu me olhava no espelho, tocando o meu rosto e espremendo meus olhos. – Não. Nenhuma ruga, fazer dez anos não está sendo como eu esperava. – Apoiei os cotovelos na escrivaninha. – Esse corpete não me deixa respirar. – Levantei o rosto para encará-la. – Mas eu não estou reclamando! – Dei um sorrisinho. – Mãe, esse vestido é divinamente fascinante. – Eu olhava a saia de tule com purpurina. – Nem acredito que estou usando um vestido digno de uma rainha! 

-Pare de se mexer ou seu penteado ficará torto.  

Voltei a me olhar.  

Pensava naquele estranho pesadelo. – Mamãe... Se a senhora é irmã da Rainha Mirana, significa que você também é da realeza?  

Ela parou de escovar os meus cabelos por um momento, se aprofundando em devaneios que duraram o suficiente para ambas. – Sim. – Disse curtamente.  

Pensei. – Significa... oh! Que eu também sou! Sou uma princesa! Mãe, quando vou poder reinar?! 

Minha mãe sorriu um pouco. – Só quando não haver herdeiros mais velhos do que você.  

- Mamãe, a senhora nunca quis ser Rainha? 

-Eu não gosto das bajulações... – Penteava meus cabelos. – Da falta de liberdade e da responsabilidade de ter que reinar para todo um mundo, é muito difícil para quem é tão confusa como eu, suas decisões tem muito peso quando se é importante assim.  

-Parece estar tão certa disso. – Eu admirava sua sabedoria.  

-Um coque de tranças como me pediu.  

Olhei para o resultado do meu cabelo no espelho.  

Sorri. Indo até o espelho principal, o espelho móvel perto da janela. Observei o vestido. 

Era um vestido longo que se tornava mais volumoso embaixo, por causa da anágua que eu ainda precisava aprender a gostar. O vestido era branco com mangas longas que se abriam a partir dos cotovelos. Não tinha um decote, eu sei que não precisava de um, ele tinha belas flores pretas com caules verde escuros costuradas por toda a barriga, começando no peito e se dissipando até a saia, forrada com tule e glitter prateado que brilhavam a medida que se moviam.  

Eu me olhava quase babando naquela vestimenta maravilhosa, realizada por ser uma mulher e por poder usá-la. – Esse é com certeza o vestido mais bonito que já vi em todos os meus dez anos e três horas de vida. – Meus olhos brilhavam.  

-Foi o seu pai quem fez. – Ela beijou o meu rosto. – Feliz aniversário. – E saiu. 

Dei alguns passos para frente. – Eu preciso me desculpar de verdade pelo o que eu disse na loja de tecidos, o papai é o melhor de todos. – Pensei, caminhando pelo quarto. - M-mas como eu vou me desculpar?!  

Parei na frente de minhas folhas de papéis e o meu diário. – Mas... Ele não se desculpou por picotar o meu coração em pequenos pedaços quando teve a chance. – Uma lágrima solitária se desprendeu do canto dos meus olhos, eu a limpei com pressa. Pensando na forma como ele gritou, dizendo que eu não tinha o conhecimento do mundo, que eu não poderia dizer que todas as pessoas são boas. 

Ele estava certo, afinal. 

Ele não era um bom pai.  

[...] 

Eu tentava me distrair com a festa do chá na qual planejei. Estava no bosque dos cogumelos, onde se localizava a mesa de chá mais famosa de Wonderland. Ajeitava os pequenos bolinhos enquanto Celeste arrumava os bules de porcelanas, todos enfileirados. – Prima? Está tudo bem? Não me parece tão animada.  

-Não está sendo como eu esperava. – Precisava admitir. – Planejar uma festa do chá dá um tremendo trabalho.  

-Ainda bem que a Lebre de Março não está aqui, se não seus bolinhos estariam voando.  

Olhei em volta. A mesa era tão grande e estava tão cheia de aperitivos. – Não sei se foi uma boa ideia ocupar algumas cadeiras com meus bichos de pelúcia, isso tira a fantasia de ser uma adulta.  

Celeste e Kênia concordaram. – E os Tleedews, será que virão? – Perguntou Kênia, cortando a torta de limão.  

-Ali vem eles! 

Avistamos os dois gorduchinhos caminhando juntos. Pareciam brigarem enquanto carregavam uma pequena caixa com um laço de fita. Esses sim nunca crescerão.  

Corri para recebê-los. – Bem vindos a minha festa do chá! – Eles esconderam o que tinham nas mãos atrás de suas costas, parei de sorrir, tentando espiá-los. – Vocês estão... Adiantados. Ainda falta alguns convidados como o Chessur e o McTwisp, mas eles não confirmaram. – Pensei em como o meu pai fazia para receber as pessoas. - M-mas sentem-se! – Arrastei uma cadeira vaga. – Vocês querem chá?!  

Os dois irmãos se entreolharam, finalmente podiam falar e falaram em coro. – Feliz aniversário, Valentina!  

-Eu te trouxe um presente.  

-Não, eu quem trouxe. – Retrucou um deles, eu nunca sabia quem era quem. 

-Está enganado, meu irmão, você deu a ideia de darmos um presente para ela e eu trouxe o presente. 

-Acho que foi o contrário! 

Sorri, me agachando para alcançar.  

–Não importa quem trouxe, o que importa é que trouxeram! Eu quero ver!  

Estendi minhas mãos. 

Eles me deram a caixinha. Era pequena. Balancei próximo a orelha, tanto eu quanto as meninas estávamos curiosas. – Parece algo pequeno! – Pensei, sorrindo. – Eu preciso abrir logo! – Os irmãos se olharam travessos.  

Desfiz o laço de fita e de repente, algo pulou da caixa.  

Era a ratinha de vestidos.  

Joguei a caixa longe, o mais rápido possível. O meu grito depois do susto fora tão alto que as aves nas árvores mais próximas voaram para perto do céu. Todos tampavam seus ouvidos enquanto o meu grito se tornava tão forte que nem eu mesma pude suportar. 

Corri dali.  

Passando pelos bosques vizinhos...  

Já era quase anoitecer quando minhas pernas cansaram, o meu pulmão se esforçava o máximo, o corpete foi mesmo uma péssima ideia.  

– Acho melhor eu comemorar meu aniversário sozinha! – Me sentei. – Só eu e você, dona árvore. – Acarinhei seu tronco. – Acho que ser uma árvore não deve ser tão ruim. Você dá morada aos pássaros e nos fornece sombra e ar puro. – Funguei, deitando minha cabeça no seu tronco. – E v-você é uma b-boa ouvinte t-também!  

“Está chorando?”  

Limpei minhas lágrimas de imediato enquanto Gilbert surgia entre as matas. – Vá embora! – Gritei, com raiva. 

-Nossa. – Ele parou. – Você é uma explosão de emoções. Assim não vai ser fácil te conhecer. 

Lembrei do que o meu pai me disse. – Eu não quero falar com você. Estou proibida de confiar nos outros.  

-É proibida de muitas coisas, senhorita Hightopp. – Ele puxava uma flecha atrás das suas costas. – Eu estou caçando corvos, se não se importa. Tem muitos por aqui. – Dizia, concentrado.  

-Não me importo, pra mim não faz diferença!  

-É muito grosseira também! – Balançou a cabeça em negativa, apesar de parecer se divertir com o jeito como eu o cortava, ele mirava em algo que viu entre as árvores, parei para ver sua flecha voar numa rapidez sem igual. – Tudo bem. – Ele se ajoelhou na minha frente. – Eu posso ser uma árvore. 

Eu o olhei, em silêncio. Ele arfou. – Eu posso ser um bom ouvinte, garotinha falante! – Petelecou de leve a minha testa.  

Massageei o local, pensando. – Você se lembra de quando era pequeno? Digo, quando tinha dois ou três anos.  

-Eu me lembro de algumas coisas. – Dizia, sentando na grama. – Lembro de morar em muitos lugares diferentes. – Sorriu. – Isso era divertido para mim. Também me lembro que os meus pais brigavam muito, e eu estava sempre doente. – Pensou. – Mas eu acho que estou falando demais, e combinamos que eu seria o ouvinte. 

-Eu tive um pesadelo. – Murmurei. – Só que nesse pesadelo, eu era pequena e tudo parecia muito real.  

-Hum. – Ele apertou os olhos, coçando o queixo enquanto pensava. – E quantos anos você tinha nesse sonho?  

-Era o meu aniversário de dois anos. – Relembrei. – Eu estava em um castelo, estava sentada em um trono. 

-Então você era uma princesa, ou uma rainha. – Deduziu. – Não me parece um pesadelo.  

-Com certeza foi. Um homem alto me jogou num calabouço cheio de ratos. – Me arrepiei ao relembrar. – E então acordei tão assustada que cheguei a pensar que havia ratos na minha cama. 

-Quem jogaria uma princesa num calabouço? Ou melhor, quem jogaria uma criança em um calabouço com ratos? esse homem dos seus pesadelos consegue ser pior do que o meu pai. – Ele levantou. – Olha, garotinha sem nome, a minha mãe sabe interpretar sonhos mas eu posso dizer que isso não foi só um sonho.  

-Do que está falando?  

Ele encarou os meus olhos, bem lá no fundo. O aroma amadeirado de sua loção quase me entorpeceu, na verdade, me entorpeceria se eu não estivesse tão concentrada em seus olhos, tão iguais aos meus. – Isso é um trauma passado, que se manifestou por algo que você viveu recentemente.  

Gilbert era tão inteligente. 

Seu pai estava certo, eu e ele combinamos. 

-E-eu tenho que ir! – Levantei depressa. Aqueles pensamentos eram loucura, até mesmo para mim. 

“Ei, ruivinha, e o seu nome?!” – Seu grito ecoava.  

Tudo parecia sair errado, como se eu de alguma forma ainda estivesse naquele pesadelo sem fim. Naquele momento já não me animava a ideia de ser o meu dia mais esperado. Meu aniversário não saia conforme eu esperava.  

Eu só queria voltar para casa.  

E depois de andar por mais ou menos meia hora, parei no portão de casa, na qual dali mesmo, percebi em uma das janelas que minha mãe estava só, lendo um dos seus livros que pareciam ser o principal objeto de sua meditação. Pressionei o ferro do pequeno portão que ligava ao quintal de casa enquanto minhas pupilas tremiam.  

Decidi entrar, permitindo que a porta da sala ruísse, era como se avisasse sobre a minha presença. – Você chegou cedo. – Minha mãe me recebeu sorrindo. – O que houve? – Mas logo notou que havia algo errado, os meus olhos não deveriam estar tão irritados...  

Ela sabia que eu poderia chorar de emoção pela festa do chá, mas era diferente. Sei que meus olhos estavam vermelhos, avermelhados, o tipo de vermelho que só carregava lágrimas raivosas. – Apagou a minha memória. – Acusei, desviando o olhar rapidamente para a estante com prateleiras de vidros, todas lotadas de poções mágicas.  

Ela levantou, percebendo o quão grave era a situação. – Valen...  

-Por quê?! – A interrompi prontamente. – Você apagou parte de mim!  

-Eu fiz isso para te proteger!  

Me afastei, atordoada, pensativa. – Eu não queria que lembrasse do que passou... – Minha mãe dizia, tocando o meu braço. – Se foi terrível para mim, imagina para uma criança? Eu sei o que lembranças ruins são capazes de fazer. – Ela buscou o meu rosto, me fazendo deitar em seu peito. Alisava os meus cabelos, eu molhava o seu vestido com as minhas lágrimas.  

-A-apagar lembranças ruins não mudam o fato de que eu as vivi! – Me soltei bruscamente. – T-todas as vezes que te contei sobre... o-os meus pesadelos, a senhora nunca pensou em me dizer a verdade?! 

-Eu pensei que eles acabariam um dia. E que você pudesse viver em paz. – Admitiu, num fio emocionado de voz. 

-Você... Já foi a Rainha?  

Alice se calou, desviando o olhar. - S-sim. E você nasceu em berço de ouro. – Se adiantou ao dizer. 

-E quando você pretendia me contar?  

-Por mim você jamais saberia.  

-V-você é tão egoísta, m-mamãe. 

Ela me olhava com lágrimas. – Eu sei que você vai me compreender um dia.  

Buscou o meu rosto com as mãos mas eu me afastei. – P-pior do que descobrir que os meus pesadelos são reais é saber que eu tenho os piores pais de Wonderland!  

Corri para o meu quarto. Daquele aniversário eu nunca esqueceria. 


Notas Finais


Valen com raiva dos pais, isso não vai dá bom! Mas será que a Alice estava mesmo errada em apagar a memória da filha?

Decidi que o tempo vai dá as caras em alguns momentos da história, o que acham da ideia?
Por favor, não deixem de comentar, são seus comentários que me incentivam.


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