Naquela manhã como em poucas desde que engravidei, acordei com muito apetite. A mesa do Castelo de Marmoreal estava impecável como de costume. Muitas frutas, além de todos os tipos de pães, doces e tortas. As sete da manhã a maioria dos súditos e hóspedes estavam reunidos para o desjejum e todos tinham uma dúvida em comum.
“Onde está a Rainha?”
Bom, agora havia se passado um pouco mais de quinze minutos desde a confusão que aconteceu no hall de entrada.
E que me tirou completamente o apetite.
- Não consigo acreditar! – Exclamei enquanto entrava para o quarto.
Afastei as cortinas, observando os soldados do jardim que marchavam em direção do castelo a mando de Mirana.
Para que prendessem Gilbert. – Estão o tratando como um criminoso!
Evitei o choro, mas segurei o batente da janela, abaixando a cabeça e sentindo meus olhos queimarem. “Querida, acalme-se. “ – Pediu meu marido, alisando meus braços enquanto lentamente me abraçava por trás.
Me virei, agarrando seu pescoço. – Tem algo errado, Tarren. – Retruquei com a voz abafada na gola de seu terno. – Você também sabe que tem. – Seu olhar desconfiado me dizia.
- Sim, meu bem. Eu sei.
O abracei mais. Me sentia acolhida em seus braços. – Não sei como posso me acalmar sabendo que minhas duas filhas estão perdidas e meu filho está preso.
O ruivo me afastou. – Duas filhas?
Me soltei aos poucos, limpando a única lágrima que teimou em descer de meus olhos.
Fazia um tempo que eu pensava em como contar.
– E-eu sei que errei em esconder de você. – Ele me ouvia, aguardando uma breve e impactante conclusão. – A Tina atravessou o espelho.
- E-ela fez o que??! – Ele mal me deu tempo de prosseguir.
Tentei impedir que uma reação explosiva acontecesse e prossegui o mais rápido que pude. – F-faz sete dias hoje.
Seus olhos aumentaram. – Sete dias?!
- Mas o Gilbert estava cuidando dela! – Tenho certeza que estava.
- Sete dias, Alice??!!
Massageei as têmporas. – Por favor não grite! Talvez se você não a obrigasse a se casar, ela estaria aqui!
- Como soube? – Aos poucos ele se esforçava para se acalmar.
- Francis me contou. Inclusive ele deve voltar ao castelo hoje e pelo visto ele não fez questão em ir atrás dela.
Tarrant retirou sua cartola e coçou a nuca. – Talvez ele saiba que isso só pioraria as coisas.
- Bom, de qualquer forma, Tina estando aqui ou não, as coisas para mim estão cada vez piores. – Me sentei na banqueta da penteadeira. Minha barriga já estava aparente para os mais observadores. Eu a alisei. – O médico disse que eu posso perder o bebê.
Meu marido se ajoelhou, alisando minhas coxas. – Por isso você tem que descansar.
- Como posso descansar nessa situação?! – Me levantei. - E-eu não o quero preso... E-ele está doente, você o viu, viu o quanto ele emagreceu e... E a Tina está lá no outro mundo e eu só tento pensar que nossa filha mais nova está com ela. Se algo acontecer com um dos três, principalmente com a bebê eu não vou me perdoar!
Antes de retrucar, ouvimos batidas insistentes.
– Talvez possa ser a Rainha. – Previu Tarrant ao levantar. – Fique calma e não diga nenhuma bobagem.
Assenti, embora o feto em minha barriga estivesse tão agitado quanto eu.
O assisti caminhar para a porta.
E ao abri-la, uma surpresa. – Bom dia, senhor e senhora Hightopp. – Dizia a jovem criada.
Com Catharine adormecida nos braços.
Meu rosto resplandeceu de felicidade, assim como Tarrant.
Eu mal o deixei pegá-la. – Minha filha! – Eu a trouxe para os meus braços enquanto a criada ainda a passava para o dele. A bebê sonolenta acordou aos poucos. Eu beijava seus cabelos finos e bem penteados.
Quantas saudades senti daquele dourado intenso do seu cabelo, além do cheirinho de leite que sempre exalava da sua pele.
A analisei.
Estava perfeita, na medida do possível. Sem machucados ou qualquer tipo de ferida.
Embora, um pouco febril, o que não era bem uma surpresa.
– Talvez seja pelo sereno. – Explicou Amélia, cobrindo o corpinho da bebê com a manta que segurava. – Ela pegou muito frio pela noite.
- Pela noite?
- Sim, senhora. – Ajeitou seu óculos redondo. – Foi quando seu filho... – As bochechas da jovem criada ganharam cor, junto a um sorrisinho que nascia sem querer. Amélia não havia se esquecido do dia em que me ajudou com Gilbert na banheira. – Quando seu filho a trouxe.
Tarrant e eu nos entreolhamos.
Mas nossa confusa conclusão foi interrompida por um choro que irritou a profundeza dos meus tímpanos. A bebê se debateu em meu colo, sacudindo as perninhas, principalmente.
Eu a coloquei no chão. E a assistimos engatinhar pelo quarto com toda a energia que possuía em seu corpinho.
Ela engatinhou até a perna da cama, onde passou a mordiscar o metal fresco da mesma. – Queridinha! – Tarrant correu para pegá-la. – Isso está sujo, uhn? – Mas Cat se agarrou a perna da cama como se fosse um imã. – Solte! – O chapeleiro fazia certo esforço.
- Preciso ir, senhora Hightopp. – Avisou a criada, me tirando do transe que era observá-los.
Quando notei, Amélia fechava a porta e seguia seu caminho. – V-vamos, solte! – Implorava Tarrant enquanto a bebê mordia e babava a perna de nossa cama. – Ela não larga mais. – Ele a soltou. – É uma garotinha muito determinada.
- Ora, dê um brinquedo para ela! – Me irritei. – Eu já volto. – Aproveitei sua outra tentativa de puxá-la dali...
E saí para o corredor.
– Amélia! – Por sorte ela não estava longe.
A criada parou assim que solicitei. Como todas as outras, ajeitava seu avental e mantinha a mesma posição de sempre. As mãos juntas por cima da barriga. – Sim, senhora?
Eu queria dizer que toda aquela formalidade me deixava enjoada mas achei melhor não perder meu tempo.
– Disse que Gilbert estava com a minha filha ontem a noite... – Comecei, intrigada. – Você o viu ou só repetiu o que te falaram?
Ela pareceu pensar. – Bom, eu o vi, senhora.
Precisava de mais detalhes. – Como ele estava? Nervoso? Irritado? Transtornado?!
Amélia pensou. – Sério, como sempre, mas apenas sério. – Um sorrisinho lhe escapou dos lábios. – Quando me viu desviou o olhar, acho que pela maneira inusitada como nós dois nos conhecemos. – Ela pausou, ajeitando seu óculos, percebeu que eu ainda não estava satisfeita com o seu relato. – Talvez eu deva ser mais detalhista.
- Sim, por favor. – A puxei para o canto, desobstruindo a passagem.
- A senhora sabe que nós, criadas, dormimos num grande quarto, todas juntas. – Assenti. – A maioria de nós dormíamos quando bateram na porta, passava das duas da manhã. Eu fui a única que atendi e então... Era o senhor Hightopp e a bebê. Ele pediu que eu cuidasse dela e trocasse seus panos e só lhe entregasse pela manhã, para não acordá-la. – Ela bocejou, escondendo os lábios abertos com as mãos. – Perdão, senhora, eu não dormi.
- Não há o que se perdoar. – Pausei, pensativa. – Tem certeza que ele estava bem, Amélia?
- Absoluta. – Assentiu.
- E o que mais você viu?
Ela juntou as sobrancelhas. – Somente isso, senhora. Ele estava absolutamente bem.
Seu relato não me animava muito.
– Acho que... Nunca saberei a verdade. – Sussurrei. – Obrigada.
Eu e ela seguimos nossos caminhos oposto pelo corredor. – “Senhora Hightopp!” – Eu a ouvi me chamar e quando me virei, a criada corria para mim. – Lembrei de mais um detalhe.
A encarei, ansiosa. – Pois então diga-me!
- Catharine começou a chorar. Eu... Tentei niná-la, sempre fui muito boa com bebês mas ela não parava. Eu não queria acordar minhas colegas de quarto e então, eu fui atrás do senhor Hightopp. Foi fácil encontrá-lo já que ele usava um castiçal no corredor escuro... Q-quando o vi, ele a pegou e de imediato a bebê adormeceu.
Percebi que ela hesitava em prosseguir com o seu relato. – Sim?
Ela olhou para os lados e se aproximou. – A Rainha estava com ele. – Amélia observou minha expressão de espanto. – Acredito que tive a mesma reação que a senhora. É claro que minha Majestade não gostou de ter sido vista acompanhada por um rapaz solteiro como o seu filho, principalmente naquela hora da madrugada, mas agi com descrição.
- Você viu para onde eles foram?! – Desesperada, perguntei.
- Acho que eles entraram em um dos quartos de hóspedes, mas não tenho certeza. – Cochichou.
[...]
Voltei pensativa e silenciosamente para os meus aposentos. Ignorava tudo o que se passava em minha volta, principalmente Tarrant, que estava sentado ao chão junto com a bebê, ao lado de sua caixa de brinquedos.
“E que tal esse, uhn?!” – Acho que o ouvi dizer, entregando uma pequena pelúcia para que a menina parasse de chorar.
Nada disso parecia adiantar, afinal.
Ele procurou por outros brinquedos e achou seu chocalho preferido.
O barulho do mesmo não a distraiu.
E eu só conseguia pensar no que descobri. O relato de Amélia era no mínimo muito intrigante.
Eu não queria possuir pensamentos impróprios quanto ao que a criada me contou.
Balancei a cabeça. – É impossível pensar com esse choro! – Reclamei.
Tarrant e a bebê olharam para mim. – Qual dos dois? – O louco perguntou, notei que também chorava.
Suspirei, levantando. – Tarren acho que descobri algo. – Caminhei fechando a porta do quarto.
Ele percebeu a seriedade do assunto e levantou, ninando a bebê que lentamente se acalmava. – Diga. – Pediu.
Me aproximei do ruivo. – Precisa me prometer que esse assunto não sairá daqui. – Ele assentiu, curioso. Torci meus lábios ao pensar em uma maneira de explicar de forma resumida. – Amélia me contou que viu a Rainha acompanhada do nosso filho ontem a noite. – Ele juntou as sobrancelhas. – Eles possivelmente entraram num dos quartos de hóspedes. S-sei que pode parecer loucura mas... acho que... – Hesitei. – Eles dormiram juntos. – Disse de uma vez, me sentindo corar.
Me afastei. – Você acha que é loucura imaginar isso? – Tarrant estava em silêncio. – Quero dizer... Isso arruinaria a honra da Rainha, certamente.
Ele parecia surpreso, surpreso e ao mesmo tempo em profundos pensamentos. – Tarrant, diga alguma coisa. – O balancei.
O vi sorrir de desespero. – O que acha que devo dizer? – Sua risadinha era um tanto curiosa para mim naquela ocasião. – E-eu não sei! Isso pode ser verdade e pode não ser! – Sacudiu seus ombros e me entregou a bebê. – Eu tenho que voltar ao trabalho!
Carimbou minha testa com um beijo e saiu disparado para o corredor.
##
- Desgraçada. – Circulei em volta da pequena cela em que me encontrava. Pisando em algumas poças d'água que surgiam ali graças a toda aquela umidade. – Sei que me trancou aqui para que eu não voltasse para Londres. – Matutei, pensativo. – Tem algo errado. – Segurei as grades. – Mirana quer Stayne vivo, por algum motivo.
O ruído da porta não me assustou. “Senhor Hightopp?” – Ouvi uma voz feminina.
Era uma das criadas. Chegava com uma bandeja de alumínio, descendo os degraus cautelosamente.
Ela sorria com otimismo para mim. Eu só a olhei com raiva até o instante em que desviei o olhar, não esqueceria tão cedo da humilhação que passei por ela me encontrar desacordado, sem minhas vestes. – O que você quer?!
Seu sorriso encurtou, mas as bochechas ainda coravam. – Vim lhe trazer seu desjejum. – Ela se agachou, levando a bandeja e arrastando a mesma para o chão.
Havia um vão entre o chão e a cela, do tamanho de um palmo de uma mão adulta. – Eu não estou com cabeça para comer, leve de volta. – Respondi com secura. – Obrigado.
A moça insistia em arrastar a bandeja com biscoitos, chá e uma fatia generosa de torta para a minha cela. – Talvez sinta fome mais tarde. – Apenas retrucou.
- Eu não vou sentir fome! – Chutei a bandeja e todo o desjejum foi derrubado ao chão. A moça se encolheu com o meu grito. – Se quer ser útil tire-me daqui!
“Eu não posso. “ – Respondeu com certo pesar.
Eu caminhava pela minúscula cela outra vez. – Então saia da minha frente. – Lhe dei as costas. – Eu não preciso que uma criada tonta venha me servir.
“Tudo bem. Eu peço desculpas.”
Ouvi o som dos talheres e olhei por cima do ombro.
Ela catava tudo o que derrubei, junto com os cacos de vidro da xícara de chá.
Me agachei a sua frente. Ela se assustou com minhas mãos entre as grades, ajudando-a com os cacos, mas não disse nada, apenas prosseguiu com o seu trabalho.
Nossas mãos se tocaram quando buscamos o mesmo vidro. A criada me encarou com seus olhos arregalados e ajustou o óculos redondo que deslizava por seu delicado nariz. – Desculpe. – Ela riu enquanto corava.
- É tudo o que sabe dizer?
Levantamos juntos.
Vi que a bandeja tremia em suas mãos. – É que o senhor me deixa nervosa. – Revelou.
- Por quê? – Juntei as sobrancelhas.
Ela me encarava, boquiaberta. Parecendo admirar-me. – É que eu... – Ela corou, virando seu rosto. – Bom, com todo o respeito, eu o acho muito atraente. – Escondeu seu riso. – Não esqueço do jeito inusitado como nos conhecemos. Desde que vim trabalhar para a Rainha, aquele foi o momento mais empolgante de todos.
Passei a ignorá-la assim que me lembrei de Mirana. Me sentei ao canto da cela, passando a mão na testa. – ... Fiquei pensando no momento em que o veria outra vez. – Ela prosseguia, sem se importar se eu a ouvia. – Não esperava ver o senhor ontem a noite... E muito menos agora, mas sempre que o vejo me faltam as palavras.
Minha cabeça estava cheia e meu coração bombeava vingança. – Não me parece faltar agora, você não parou de falar até então.
Ela deu uma risadinha. – Senhor Hightopp, adoraria que me achasse atraente como eu o acho.
Com aquelas palavras, me aproximei.
Seu rosto me lembrava os rostos de coruja. Os olhos grandes, os óculos e os cabelos presos num coque. – Escute, Amélia... – Balancei a cabeça. – Não faça isso. Não se interesse por mim, não sou pra você. – Ela se preparava para retrucar quando prossegui: - Acho que já está na hora de você ir embora, não é mesmo?
Amélia se calou. Decepcionada outra vez com o meu tratamento hostil.
A bandeja ainda tremia quando a criada subiu as escadarias.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.