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História Artificial Love - Questionamentos.


Escrita por: suhotus

Notas do Autor


Obrigada pelos novos favoritos e pelos comentários. ♡

Capítulo 5 - Questionamentos.


O despertador que me obrigava a sair da cama todas as manhãs provavelmente era um dos objetos que eu mais detestava na casa. Estava frio e ainda chovia, era possível escutar as gotas batendo contra a janela do meu quarto. Não demorou para que minha consciência voltasse de vez e eu percebesse que abraçava algo macio e quente, o que descobri ser Yixing.

“Yixing?” O chamei baixinho, desfazendo aquele contato e me sentando sobre o colchão, recebendo apenas um resmungo em resposta. “Está na hora de levantar, vamos”. Estiquei o braço para alcançar o criado mudo, tateando a superfície de madeira até conseguir acender o abajur e enxergar com clareza o rosto tomado pelo sono e os olhos miúdos retribuindo meu olhar.

“Já?” Sua voz era manhosa, tornando a expressão sonolenta ainda mais adorável.

“Quer se atrasar no seu primeiro dia, mocinho?” Levantei a contragosto, passando a revirar meu guarda-roupas em busca de roupas descentes para Yixing, já pensava em cobrar a ele o dinheiro gasto naquele investimento, uma vez que aquilo tudo havia sido uma ideia sua. “Essa vai ficar boa”. A roupa social de tons claros parecia ter sido feita exatamente para ele, lembrava-me bem de quando ele a experimentara na loja. “Já para o banho, vou fazer café enquanto isso". Aquela frase pareceu espantar o sono por completo de seu corpo, uma vez que levantou aos tropeços.

“Eu faço!”

“Isso tudo é medo de que eu exploda a casa usando o fogão?” Falei para os ares, já que ele havia corrido para a cozinha sem ao menos calçar algo nos pés. Optei por um banho rápido, mas que acabou se prolongando, a água quente parecia se tornar viciante em dias chuvosos e mais gelados. Quando finalmente tive de deixar aquele calor reconfortante, me amaldiçoei por não ter levado uma roupa para o banheiro, o que não era novidade alguma, aquilo era algo corriqueiro.

O caminho até o quarto foi torturante, tremia dos pés à cabeça e foi inevitável não me jogar na cama, enrolando o corpo ainda meio úmido com o cobertor macio.

“Devo perguntar?” Yixing surgiu no quarto como num passe de mágica, a sobrancelha erguida tornaria sua expressão ainda mais engraçada se não fosse minha vergonha por ter sido pego naquele tipo de situação. Às vezes me esquecia que não morava mais sozinho.

“É frio”. Respondi enquanto escondia parte do rosto com o cobertor também e me encaminhava ao guarda-roupa em busca de algo para vestir.

“Só vim dizer que o café já está pronto... Myeon?” O olhei curioso e pedi que continuasse. “Quantos anos você tem?”

“Que tipo de pergunta é essa?” Acabei soltando a frase num tom mais alto que o normal, aquilo fez Yixing rir e provavelmente aumentou sua curiosidade. “Vinte e seis... Não se pergunta a idade dos outros assim, menino”.

“Ah, você já é um senhorzinho”. Minha expressão deveria estar transbordando indignação, já que ele parecia ter dificuldades em segurar o riso. “É brincadeira, vovô. Você age de maneira engraçada às vezes, até parece uma criança”.

“Isso por um acaso é uma tentativa de elogio?” Cruzei os braços, por um momento me esquecendo de que precisava segurar o cobertor. Só lembrei daquele fato quando senti o frio percorrer meu corpo e rapidamente me abaixei para segurá-lo, voltando a envolver o corpo com o tecido macio.

“Viu só? Quase uma criança!” Toda vez que ele sorria, uma covinha surgia em sua bochecha, coisa que eu achava adorável. Acharia mais se ainda não estivesse mais vermelho que uma pimenta, enquanto ele parecia sequer se importar com aquilo, apenas achando graça em meu embaraço. “Vou deixar você se trocar, bebezão". E com isso saiu do meu quarto, deixando-me ainda mais envergonhado e revoltado com a situação, como ele conseguia dizer aquelas coisas e ainda sair rindo?

Vesti-me o mais rápido possível para escapar daquele frio e ir tomar o café da manhã delicioso que Yixing havia feito. As panquecas macias eram cobertas com muito mel, acompanhadas de um café bem forte, agradeci, passando a comer enquanto o observava fazendo o mesmo.

“Você sente o gosto das coisas mesmo?” A pergunta escapou e me desculpei logo em seguida por estar sendo intrometido, recebendo um aceno para que ficasse tranquilo.

“Sinto sim, é muito bom, aliás. E não digo isso porque fui eu o cozinheiro”. Suspirei pensativo tentando imaginar o quanto seu interior era complexo, como um ser artificial era capaz de tanta coisa? A capacidade do ser humano em inventar coisas me assombrava às vezes.

Não demoramos muito no café e enquanto Yixing tomava um banho rápido, me pus a buscar por um guarda-chuvas, não queria repetir a cena do dia anterior naquele estacionamento sempre lotado. Quando finalmente achei o objeto, tive de grunhir em reprovação, era de um vermelho gritante com bolinhas pretas, provavelmente o objeto pertencera a minha mãe. Poderia ser visto a quilômetros!

“Eu disse, você parece um bebezão. Olha esse guarda-chuva! Só faltou duas anteninhas para parecer uma joaninha!” Mais uma vez ele me surpreendeu chegando repentinamente, soltando aquelas provocações no ar e rindo logo após enquanto eu tentava acertá-lo com o objeto, falhando em todas as tentativas.

“Era da minha mãe!” Minha voz saiu em um tom anormal, quase esganiçado, enquanto eu deixava o quarto em fortes pisadas, o deixando para trás com suas risadas para que se trocasse logo. Agora tinha a absoluta certeza de que não possuía o mínimo de respeito naquela casa.

“Como ficou?”Assim que ele saiu do quarto devidamente vestido e com o sorriso doce de sempre, acabei suspirando, passeando os olhos por cada centímetro de seu ser. "Hein?"

“Você está incrível”. Achava graça quando via suas bochechas coradas pela vergonha, era uma forma de retribuir todas as situações embaraçosas em que me colocava. “Vamos?” Ele assentiu e fomos para o carro protegidos pelo meu guarda-chuva de joaninha, quase espremidos para que não nos molhássemos.

 

Não foi difícil localizar Jongdae na recepção, suas roupas revelavam rapidamente a profissão de cientista. O jaleco branco tinha os bolsos cheios com canetas, bloco para anotação e algumas ferramentas pequenas demais para adivinhar sua real função. O cumprimentei com uma breve reverência, recebendo um sorriso animado em troca.

“Vamos, vamos! Hoje estamos lotados de coisas para fazer!” Ele exclamou, fazendo Yixing se sobressaltar com seu tom animado, até agora estava totalmente distraído com a magnitude do prédio. “Vejo que está cuidando bem de Yixing, ele é meu segundo melhor protótipo!”

“Quem seria o primeiro?” Acabei trombando em suas costas quando parou de andar e me encarou com um sorriso engraçado.

“Gostei do seu ‘quem’. Sabe, meu jovem, normalmente é 'isso', 'os androids', 'as máquinas'. Fico feliz que os reconheça como pessoas, porque é assim que os vejo também. E respondendo à sua pergunta, é claro que o melhor sempre vai ser Minseok”. Dito isso, ele seguiu pelo corredor até o elevador que nos levaria ao subsolo. Meu estômago já dava sinais de desespero ao visualizar a caixa metálica cada vez mais próxima.

Quando entrei naquele espaço apertado meu corpo estremeceu, o que apenas piorou conforme sentia a superfície ficando para trás, até o ar parecia mais pesado ao passo que descíamos mais e mais. Algo quente tocou minha mão e só depois de alguns segundos percebi ser a mão de Yixing, seu olhar parecia tentar me passar tranquilidade e isso apenas se confirmou quando ele mais uma vez sorriu, deixando visível a covinha em sua bochecha.

“Você disse que tinha medo”. Me disse em sussurro enquanto apertava um pouco mais firme minha mão. Permanecemos o tempo todo com os dedos entrelaçados, até que finalmente as portas se abriram, revelando o extenso corredor que seguia por uns bons metros, iluminado por luzes muito claras. Ao invés de paredes, as laterais eram essencialmente compostas por vidros muito grossos, sabia que eram salas como a que Yixing estava naquele dia.

Nossos passos ecoavam pelo espaço conforme seguíamos, minha vontade era dar as costas e voltar correndo para o elevador, agora as mãos de Yixing pousavam sobre meus ombros como um incentivo para que continuasse andando, meu nervosismo era tão perceptível assim?

Um jovem surgiu ao fim do corredor e nos analisou curioso com seus olhos de gato antes de abrir um sorriso para Jongdae. Fomos apresentados, finalmente conhecia a criação perfeita daquele cientista. Minseok realmente era muito bonito e sua aparência jovial apenas intensificava esse detalhe, sorria bastante apesar de não falar muito.

“Bom, hoje vou te deixar encarregado de arrumar aqueles papéis em minha sala. Devo me desculpar com antecedência, está uma zona... Minseok sempre me pede para ser mais organizado, mas é difícil quando se tem tanta coisa na cabeça”. Apontava a mesa e eu percebia que ele tinha razão, haviam contratos, protocolos, livros, pilhas de papéis e só de pensar que primeiro deveria descobrir para qual propósito cada um servia e posteriormente organizá-los me dava calafrios, bem mais do que o medo do subsolo. “Yixing vai te ajudar, então não deve ser tão trabalhoso. Ele é um garoto inteligente”. O vi beliscar a bochecha do outro como se fosse um pai orgulhoso antes de nos deixar a sós na sala, já que Minseok o havia seguido silenciosamente como uma sombra.

“Peculiar”. Ele sussurrou e voltou-se para os papéis. “Vamos começar com isso?” Assenti um suspiro derrotado, já que estava ali, o melhor a se fazer era obedecer às ordens do meu novo chefe.

Os papéis eram tantos! Yifan não havia mentido quando dissera que o novo chefe era o ser humano mais desorganizado do universo. Entre os papéis havia até um lembrete de consulta médica de cinco meses atrás. Se não tivesse Yixing para me ajudar com certeza não terminaria antes do expediente chegar ao fim.

“Depois disso, o que iremos fazer?” Ele perguntou aos sussurros mesmo que estivéssemos sozinhos, agora organizávamos os livros na grande estante que ficava ao canto da sala. Precisei subir em uma cadeira para organizar as prateleiras superiores, feliz por estarmos quase terminando.

“Bom... Provavelmente ajudá-lo a manter essa organização... E cuidando dos pedidos e protocolos para manutenção de outros androids”. A careta que fez foi adorável e senti vontade de beliscar suas bochechas como Jongdae havia feito mais cedo. “O que foi?”

“É estranho ser um android e ajudar a consertar outros como eu. É como ser médico, certo? Fazer uma cirurgia e ver as partes internas de um ser igual a você... Só que no nosso caso... Acabamos por ter a confirmação de que não somos seres reais”. Abri a boca diversas vezes tentando falar algo sobre aquilo, ele deveria se questionar sobre aqueles assuntos? “Desculpe, acho que soei melancólico demais”. Havia um sorriso triste em seus lábios e senti a repentina necessidade de abraçá-lo com força para nunca mais voltar a ver aquele sentimento em seu rosto.

“Você é real, Xing”. Desci da cadeira, segurando uma de suas mãos e a colocando sobre meu rosto com carinho, meio incerto do que estava fazendo. “Eu sinto isso, você está aqui, então é real”. Ele voltara a sorrir, ainda que parecesse confuso com aquele assunto.

“Não nesse sentido, mas fico feliz que pense assim, me faz sentir menos sozinho. Será que estou quebrado, Myeon? Não acho que deveria questionar esse tipo de coisa”.

Ele verbalizou meus pensamentos com precisão, talvez devesse perguntar sobre isso para Jongdae, mas não agora e nem em sua frente. Tratei de mudar de assunto rapidamente, pedindo para que me ajudasse com mais alguns livros e isso pareceu distraí-lo por ora, mas algo em meu peito dizia que aquilo era errado. Se os androids começassem a ter esse tipo de pensamento... Com certeza sofreriam com isso, afinal, aquela tristeza estampada no rosto de Yixing não era falsa. Meu senso de ética e moral apitava naquele momento, ter conhecimento de que aqueles seres tinham sentimentos e mesmo assim continuar usando-os como se fossem meros objetos era a maior crueldade que poderia ser feita.

Meu estômago voltava a revirar assim como os pensamentos em minha cabeça, e dessa vez nem era por estar metros abaixo da superfície. Não queria que Yixing sofresse, não queria que nenhum dos androids sofresse, por que só eu os via como realmente eram? Seres com sentimentos, não muito diferentes dos humanos. Jongdae os via assim também, certo? Então por que os fazia para comercialização se sabia que sofreriam com isso?

O medo de descobrir a verdade me assombrava.



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