História As borboletas são azuis desse lado - Em meu coração;

As borboletas são azuis desse lado

Suas asas foram desenhadas de uma forma diferente, haviam algumas pintas escuras, porém o tom de azul era diferente. Era aquele que você só presencia quando está desse lado. Quando uma borboleta perde suas asas, ela não tem mais como continuar, sua essência se vai até que não sobre mais nada. Desculpe-me, as minhas asas estavam muito frágeis e se foram cedo demais.

Já fazia alguns minutos que estava caminhando naquele bosque, meus pés desnudos tocando a grama macia que vez ou outra fazia cócegas entre meus dedos. Você costumava questionar todas as vezes que me via descalço, dizendo que algo poderia vir a me machucar, acredito que qualquer farpa não iria fazer diferença, nenhuma dor seria capaz de se comparar com o vazio do meu coração.

Apoiei em uma das árvores, mais um suspiro.

Dia após dia, eu pensava em como nossa vida teria sido. Poderíamos estar em um lar afastado de toda a civilização, sentados na varanda de casa com uma boa xícara de café observando a chuva ou neve cair, lembro-me que você queria viver em um lugar que nevasse. Ou poderíamos estar sentados no sofá, a vitrola deixando escapar a música que rodearia toda a nossa sala, eu sei que você iria levantar animado para dançar e me puxaria. Iria se mexer devagar e pacientemente, afinal eu iria ter que poupar meu fôlego.

Você iria beijar meus lábios e dizer o quanto teve sorte em me encontrar, porém essa sorte era toda minha. Eu teria tido sorte por olhar todos os dias em seus olhos e me enxergar, me sentir vivo e amado.

Voltei a caminhar enquanto encarava os céus, o dia estava nublado do jeito que gostávamos. Ao voltar a olhar para frente, pude observar que já estava no fim do bosque que dava acesso a farol que ficava próximo ao mar. A brisa veio contra mim, fria e um pouco úmida, as ondas estavam fortes naquele dia. O farol permanecia desligado, como sempre, mas eu lembro que você dizia que queria ir até ali à noite para que pudesse vê-lo ligado e contemplar sua suposta beleza.

Você era um amante de coisas antigas.

Comecei a seguir em uma pequena subida que dava acesso à pedra que ficava próximo ao mar e ali me sentei, observando o vasto oceano. Era incrível e assustador ao mesmo tempo; palavras que você usava para me descrever. Ri baixinho ao lembrar.  

Era inicio de outono, eu sabia que você chegaria a qualquer momento ali, não demorou muito para que eu escutasse algumas palavras de resmungo. Você ajeitou o chapéu novamente e pôs sua bengala um pouco mais a frente para que pegasse impulso, em sua outra mão estava um buque de flores. Desta vez havia vindo com uma pequena bolsa em seu ombro esquerdo.

Depois de muita dificuldade, pude observá-lo dar a volta na pedra e se sentar ali,  deixando o buquê ao seu lado e retirando seu chapéu. O olhar estava mais cansado, seus cabelos já estavam tomados pelo branco e seus olhos já não pareciam enxergar tão bem. Você estava ofegante, porém sorriu ao encarar o horizonte. Passei a olhar junto a ti.

“Jungkook-ah...” disse “Mais um ano se passou, eu tenho tantas novidades! Eu fugi novamente do asilo, eles não queriam me deixar vir aqui. Eu sei que não vou ter muito tempo dessa vez, não vou poder passar a tarde aqui com você, eles vão chegar logo. Jungkook-ah, você pode me desculpar?”

Voltei a olha-lo, não estava entendendo.

“Sabe a árvore em frente a nossa casa? Aquela que brincávamos quando éramos crianças. Ele a retiraram, eu protegi o quanto pude. Quando me mandaram para aquele asilo maldito, eles... eles...” observei você enxugar suas lagrimas “Era a nossa história, a nossa lembrança, me perdoe.”

Você desabou e eu estava ali, como platéia. Eu queria tocar você, sentir seu toque, mostrar a você que tava tudo bem, que não havia problema, que as nossas memórias estariam sempre vivas em nossos corações.

“Desculpe.”

Meus olhos marejaram, eu estava ali, eu estava ao seu lado.

“Mas não quero chorar hoje, não é para ser um dia triste, né?” você fungou “Jungkook-ah, sabia que hoje nós fazemos 49 anos juntos? Eu estou ansioso para te ver novamente, se você estivesse aqui, estaríamos comendo o mousse que você tanto gosta. Você sabe que enquanto estava no hospital, todos os anos, nesta data, eu preparei. Eu achei que você voltaria.”

Minhas lágrimas escorregam por minhas bochechas incansavelmente, sua mão estava sobre a pedra, eu queria tanto tocá-la, mas eu sabia que me machucaria ainda mais.

“Jungkook-ah, eu não tenho muito tempo. Esse ano, eu quis fazer algo diferente.”

Com suas mãos tremulas você se ajeitou para que pudesse verificar algo em sua bolsa.

“Eu te trouxe um presente, pedi à uma das velhas chatas do asilo para fazer para mim. Custou um copo de café só.”

Eu ri baixinho ao escutar aquilo enquanto te observava, vi você retirar de sua bolsa algo amarelo e ao ver melhor em suas mãos, sorri com os olhos marejados novamente. Você deixou sobre a pedra.

“Eu sei o quanto você adorava borboletas, eu lembro que você dizia querer ver um dia uma amarela. Nunca consegui achar uma para fotografar, mas eu havia te prometido uma. Eu espero que goste, é de crochê.” Você suspirou enquanto encarava o objeto. “Eu preciso ir, Jungkook-ah, eu espero que não esteja se sentindo sozinho onde quer que você esteja.”

Não, eu não estava. Você estava comigo, em meu coração.

“Acho que não vai demorar muito para que eu me junte a você.” Gemeu um pouco ao se por de pé. “Eu te amo, Jeon Jungkook. Para sempre.”

Observei você caminhar devagar, refazendo todo o trajeto que havia feito para chegar ali. Fiquei um tempo encarando a borboleta amarela que estava sobre a pedra, até que alguns pingos frios começaram a escapar dos céus. Pude sentir um pequeno toque em meu indicador e ao me virar, era uma borboleta em um tom azul incrível, tão linda que fazia meu coração se aquecer. Foi ali, naquele momento, que te senti mais perto e mesmo que por um instante, a sensação do teu toque.

Você era como aquela borboleta, com características únicas.