Durante dias o único assunto que perambulava das tabernas ao castelo era sobre a nomeação do novo Cavaleiro da casa de Sandard. Muitos questionavam a decisão do rei enquanto outros o admirava por tal coragem. Porém, um amanhecer frio trouxe mais do que apenas neblina e neve. Um corvo estabelece seu pouso na janela de um dos seis conselheiros do rei, em sua pata havia mais do que um mero pedaço de pergaminho velho.
Harold
Desde a noite de seu quase assassinato, Harold estava destinado a encontrar o armeiro produtor daquela adaga, que quase havia lhe roubado a vida, talvez este fosse o único jeito de realmente encontrar a identidade do assassino morto ou de seu mandante.
Levantava antes mesmo do nascer do sol, as janelas grandes de seu quarto estavam embaçadas pelo frio cortante do lado de fora, era um dia escuro e nublado, o sol timidamente se escondia por trás das pesadas nuvens. Esfrega os olhos e se joga para fora da cama, firmando os pés no assoalho de madeira frio. Procura durante o caminho que o levava até o banheiro, uma capa para cobrir seu corpo seminu, com o único propósito de não congelar. Ao sair do banho quente e relaxante, sente que seus músculos estão menos congelados do que antes, isso lhe permite vestir sozinho suas roupas pesadas de couros quentes e tecidos grossos.
Havia marcado para aquela manhã uma reunião com o conselho de sua Corte, estava na hora de começar a assumir as responsabilidades dos reinos. Caminha com passos firmes pelos corredores, sempre sendo seguidos pelos cavaleiros de manto branco, inclusive o mais recente nomeado por ele, Sir. Chandler.
- O senhor está muito bonito hoje meu rei – A voz de Danaë o fazia parar próximo aos castiçais presos ao lado da porta do quarto preparado exclusivamente para ela.
A jovem Danaë abre um doce sorriso enquanto o encarava, sempre deslumbrante e sutil em palavras e gestos. Delicadamente ela se inclina em uma respeitosa mesura, fixando os olhos ambares nos do rei enquanto se levanta.
- Seu elogio é sempre música para meus ouvidos minha rainha – Responde Harold com um sorriso discreto preso nos lábios – Devo dizer que estou muito contente que vossa família tenha acatado meu pedido para ficarem em meu castelo um tempo maior que o esperado.
- Minha família nunca se sentiu mais honrada majestade – Era possível ver os olhos de Danaë brilharem na pouca luz daquele dia cinzento – Eu queria também lhe agradecer pelo convite estendido a meu pai, é uma honra saber que minha família agora tem um lugar em vosso conselho, espero que seja de grande utilidade.
Harold continua sustentando aquele sorriso gentil e educado enquanto encarava sua futura esposa nos olhos. A dias atrás havia nomeado o novo Conselheiro da Corte, que substituiria o lugar do falecido Jamnan Swordhand, um nobre da casa de Kusha que serviu a seu pai até em sua morte, morrendo em batalha junto ao mesmo.
- Seremos muito mais próximos do que em uma mesa de conselho, isto posso lhe assegurar. Serás muito em breve minha rainha e nossas casas serão uma só – Responde o rei com sinceridade – Desculpe-me mas agora tenho que partir, para assim cuidar de alguns assuntos de urgência.
Em um gesto rápido ele pega a mão da bela Danaë e lhe deixa um beijo educado, gentil e breve. Ao soltar nota a reverencia dela e o quanto suas bochechas havia corado novamente, ela era de fato adorável, daria seu coração a ela se já não o tivesse ofertado a Eirian.
Segue seu caminho por entre os corredores até por fim adentrar a sala do conselho. Era uma sala larga, com janelas que vinham até o chão, cobertas por cortinas pesadas e grossas, criadas para o intenso inverno. Havia também, uma extensa mesa de madeira nobre, com cadeiras aveludadas em tecidos vermelhos, distribuídas pelos nove lugares daquele ambiente. Cada um dos seis conselheiros se curvava diante da entrada do rei.
- Sentem-se por favor – Brandamente dizia o rei, em um gesto rápido com as mãos, indicando os assentos.
Seguia ao seu próprio e ajeitava na cintura a espada de sua família, para assim pudesse ter conforto ao sentar. Afasta para trás a capa grossa que lhe cobria até a frente dos braços e enfim se ajeita sentando na cadeira aveludada e confortável. Um servo empurra a cadeira para o rei e em seguida, começa a servir as taças de vinhos a cada um dos conselheiros.
- É muito bom vê-los finalmente, este é o nosso primeiro encontro oficial desde a minha coroação – Inicia o rei enquanto pega a taça de vinho, bebericando com cuidado.
- Sempre foi uma honra para mim e minha casa servir a família de vossa majestade em todas as gerações que nos foram permitidas – Fala Leoice Songsteel, Conselheiro do Tesouro e das Riquezas, filho da casa dos sábios, portador do manto verde que representa o deus Nelothel.
- Temo que eu não traga boas notícias meu rei, hoje pela manhã acordei com um corvo em minha janela. Era meu próprio corvo, enviado a uma semana para o reino de Orthos – Relata, o nobre Conselheiro dos Dez Reinos, conhecido por Shaeak Tigersoul – Temo que minha mensagem não tenha sido recebida por ninguém. A semanas não recebemos as carruagens de mantimentos e nenhuma notícia, por isso enviei o corvo, mas temo que também foi uma atitude em vão.
Harold abaixa a taça conforme escuta com atenção o que Tigersoul relata e se ajeita um pouco na cadeira, cruzando as mãos em cima da mesa, percebendo que todos agora o olhava com preocupação nos olhos.
- Está me dizendo que o reino de Orthos pode ter se rebelado contra o meu trono? – Ergue as sobrancelhas enquanto indaga de maneira direta o Conselheiros dos Reinos.
- Ou podem ter sido dizimados e até dominados pelos rebeldes, majestade – Quem responde é outro filho da casa de Nelothel, mas este é o Conselheiro das Guerras e Estratégias, conhecido pelo nome de Oloward Gellantara – Um pouco antes da morte de vosso pai, recebemos relatos de que alguns grupos rebeldes da casa de Pyriel, estavam tentando invadir a província próxima aos territórios de Orthos. Pode ser que tenham conseguido, por isso não temos notícias a semanas de ninguém por lá.
Harold joga o corpo contra o encosto de seu assento enquanto pensa um pouco sobre as palavras de Oloward. Leva a taça a boca e bebe do vinho um pouco mais, deixando o sabor invadir os lábios com experiência. Cada um dos conselheiros fazem o mesmo enquanto olham com expectativas o rei.
- Posso pedir que os profetas do templo acendam o fogo e tentem encontrar a revelação através dos deuses, majestade – Sugere Balázs Ganesha, que além de guardião das escrituras sagradas, era também Conselheiro dos Deuses diante da Corte.
- Acredito que opção mais sábia a se fazer é enviar um mensageiro ao reino, só assim saberemos de fato o que está acontecendo – O conselho vem do pai de sua futura esposa, Yenros Beathag Tafadzwa, Conselheiro da Corte.
O rei passa a ponderar todos os pontos levantados por seus conselheiros, uma decisão difícil de ser tomada, mas quando abaixa a taça de volta a mesa tem a certeza em cada palavra que sairá de seus lábios.
- Não enviarei mensageiro, tão pouco acenderei as fornalhas dos profetas. Eu mesmo irei ao reino de Orthos para saber o que se passa por lá!
- Majestade.... Creio que exista opções mais seguras, temo que os acontecimentos por lá possam ser de alguma forma uma armadilha para capturar nossos homens e o senhor, por isso peço que seja cuidadoso em suas escolhas neste momento – O primeiro a falar diante da decisão do rei é Oloward, seu conselheiro de guerras e estratégias.
- Não morrerei até que os deuses decidam que chegou minha hora. Sou o rei daquele povo também e se algo está acontecendo por lá, precisam mais do que um mensageiro, precisam de seu rei – A decisão podia ser sentida na voz de Harold por todos ali presentes.
- Devo dizer que não é uma decisão sábia a que está tomando meu rei, existem opções, vossa majestade nem mesmo tem um herdeiro, tão pouco está casado. Se morrer quem assumirá o trono? Os dez reinos precisam do senhor agora – Adverte com sensatez, Shaeak, o conselheiro que representava todos os reinos.
- Ele tem razão majestade, não é prudente e os presságios não indicam vitórias para esta precoce guerra que o senhor pensa em travar. Se for, morrerá e deixará dez reinos sem nenhum rei – Complementa Balázs sobre as palavras de Shaeak.
- Sugiro que envie um mensageiro, ele levará duas semanas para ir e duas para retornar, em um mês vossa majestade estará casado e já poderá ter colocado um herdeiro no ventre de sua esposa, se assim for da vontade dos deuses. – Quem falava agora era Oloward novamente, sempre sábio e estrategista - Se o mensageiro não voltar em um mês, prepararemos o exército para leva-lo até o reino de Orthos.
Os olhos do rei acompanham cada um daqueles que falam na mesa, o olhar sempre sensato e adepto aos mais sábios conselhos. Por fim assente lentamente e umedece os lábios bem desenhados que tinha em seu belíssimo rosto.
- Que assim seja então, um mês, nem um dia a mais nem um a menos. Se nada soubermos de Orthos até lá, eu partirei em viagem. – Se levanta e joga a capa para cobrir diante de seus braços, protegendo-os do frio novamente – Senhor Martiln Hawklight, és o Conselheiro das Festas e Celebrações, quero que providencie dentro de três semanas meu casamento.
Eirian
Havia levantado a menos de duas horas e já estava caminhando pela neve que cobria o chão da parte oeste do castelo, cortava o jardim interno daquela ala com passos leves e delicados, não deixando pegadas fundas nas camadas de neve onde passava. Seu corpo estava totalmente embrulhado em um manto azul claro que lhe cobriam até mesmo a cabeça, deixando a vista apenas os brilhantes olhos igualmente azuis. Não demorava mais que o necessário para encontrar a passagem escondida por trás de uma estátua de bronze, posicionada em um dos corredores manos povoados do castelo, puxa a maçaneta escondida atrás da estátua e espera que duas servas terminassem de passar pelo extenso corredor. Ao avistar seus corpos sumindo nas sombras do fim, segurava a ponta do manto próximo aos lábios e puxava para olhar mais uma vez a sua volta, antes de finalmente deixar seu corpo escorregar para dentro daquela passagem.
O caminho era estreito, sujo e úmido, mas havia uma tora com fogo queimando vivamente presa a parede a sua esquerda. Estica a mão e a segura com vontade enquanto abaixa a parte superior do manto e deixa o rosto livre das vestes. Começa a caminhar lentamente em direção as sombras que cobriam o horizonte daquele corredor, mas logo se vê dentro de uma sala, nem pequena, nem grande, era afinal de um tamanho ideal para o que havia ido fazer.
- A muito tempo não recebia algo como isto, creio que planejam algo especial para você – Uma voz rompe o silencio pleno daquele ambiente, possuía um tom grave e rouco, talvez de um homem.
- Eu vim assim que recebi sua mensagem – Responde Eirian rapidamente e passa a tora com fogo pelo ambiente querendo saber quem era o dono da voz.
- O pacote está em cima da mesa de madeira a sua esquerda, dentro há um bilhete para você. – A voz saia por trás de um capuz negro que lhe deixava amostra apenas olhos cinzas e escuros.
Eiriam prende a tora de madeira em chamas no suporte próprio para isto na parede a direita e se vira para a esquerda em seguida, segurando firmemente o pacote. Apalpa lentamente todo o embrulho, mas logo guarda dentro de seu manto. Pega a tora de madeira novamente e segura com força.
- Obrigada, vou me indo então.
- Espere! – A figura sombria se levanta e a segura pela mão direita, passa os dedos ásperos pelas linhas desenhadas na palma de Eirian e depois a encara nos olhos com precisão e certeza - Os deuses tem planos grandes para você jovem sacerdotisa, mas para isso não poderá amar nada nem a ninguém além deles ou estará condenando a si mesma.
Eirian puxa a mão incomodada com aquelas palavras, não gostava de ser vulnerável a ninguém tão pouco a alguém que nem conhecia tão bem.
- Não se preocupe, sei o que estou fazendo – Diz com a voz áspera e fria.
- Tenho certeza que sim, mas jamais se esqueça de seus verdadeiros objetivos – Balbucia a figura humana misteriosa que novamente se afasta indo ficar no canto mais escuro da sala.
Eirian o observa se afastar de volta as trevas daquele lugar, ergue o queixo e se vira, puxando consigo o manto para novamente lhe cobrir a cabeça. Segue pelo extenso caminho de volta, deixando a tora no lugar encontrado e saindo cautelosamente daquela entrada secreta.
Balázs
Mal havia saído da reunião do conselho com o rei e já caminhava apressadamente em direção ao templo, distribuindo amargura a todos que em seu caminho apareciam naquele momento. Empurra as grandes portas do templo dos deuses e passa por todo o altar de adoração, indo diretamente para a sala escura que ficava no lado de trás daquele ambiente. Ao entrar no ambiente particular e pequeno, lembra-se de travar a porta com o trinco, virando-se em seguida para encarar Eirian parada de frente a lareira apagada e de costas a porta, vestindo um manto azul claro que lhe cobria até a cabeça.
- Ele marcou o casamento Eirian, marcou a porcaria do casamento, eu não mandei você impedi-lo de se casar com aquela família de usurpadores? Ele não é digno do trono, sabes disso, mas o que está fazendo para cumprir nosso acordo? Nada! – Esbraveja com a voz alta e raivosa, mas Eirian permanece ainda de costas a ele – Pensei que havia lhe ensinado lições suficientes, mas estou começando a acreditar que não foram eficazes, talvez eu deva te mostrar as coisas das quais sou capaz.
Eirian não se move nem mesmo um musculo, continua encarando a lareira apagada a sua frente. Balázs sente o sangue ferver de irritação e se aproxima em um gesto rápido da filha, levanto a mão ao seu ombro, como se fosse joga-la na parede mais proxima. Porém, o corpo dela se vira em um súbito gesto e o velho sacerdote sente o ar faltar seus pulmões, seu peito explode em um ardor da morte e os olhos se arregalam, apertando ainda mais o manto azul no ombro de Eirian que agora o encarava com frieza e ódio, segurando o cabo da adaga enfiada em seu peito.
- Cansei de ser o seu objeto de prazer sujo, cansei de seguir suas ordens. Você não é nada, não tem poder algum, eu serei mais do que o senhor jamais conseguiu ser. Me diz agora papai, qual é o gosto da morte? – Os olhos da jovem pareciam refletir a amargura reprimida a anos, fazendo-a sorrir sombriamente pelo canto de seus belos lábios.
O velho começa a sentir lentamente a alma deixando seu corpo, as mãos que antes segurava o manto no ombro esquerdo da filha, agora iam se soltando à medida que a força escorria de seu corpo junto de seu sangue quente e denso. O frio é intenso e forte, um cheiro de podridão invade seu olfato e confunde sua mente. A frieza nos olhos da própria filha fazia com que aquele processo fosse ainda mais doloroso e o abraço da morte ainda mais lento. Sente a lamina da adaga escorregar mais fundo em seu peito, proferindo um ferimento ainda mais profundo e largo do que o inicial. Eirian enfiava com mais força a lamina e a puxava lentamente para cima, sentindo a carne separar-se uma da outra. Seus olhos não expressavam remorso algum tão pouco piedade e aos poucos o corpo de Balázs passa a tremer sem ar, sufocado pelo próprio grito de dor e medo. O sangue que banhava o chão agora escorria borbulhante pela sua boca, descendo como cachoeira pelo seu rosto enquanto as expressões se contorciam em um silencioso pedido de piedade. Sem aguentar sustentar, nem por mais um segundo seu próprio peso e sua própria vida, ele se entrega definitivamente ao beijo da morte.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.