Consigo sentir porque essas carruagens são tão populares, igual eu a alguns dias, Tsaida faz suas anotações com essas letras lindas sendo escritas por um lápis comum apesar de tudo. O que ele anota é um mistério, tanto por eu não ter a mínima ideia do que significa quanto por não ficar espiando, seria rude, porém, enquanto ele se distrai, deixo as pernas relaxadas sobre o meu assento e me escoro contra uma das portas que ele me garantiu que não vai abrir do nada.
É bom sentir a luz fria do Sol no rosto, algo que nunca achei poder dizer algum dia. Ao menos agora dá pra ver melhor, as montanhas estão bem mais perto e parecem muito maiores do que eu achei poderem ser. O arenito avermelhado com marrom e branco conta sobre eras de calor e seca intensa, até imagino os anos para acumulares, ou a erupção que fez origem a isso, os primeiros Nanci chegando, até como devem ter achado oportuno ter uma passagem para atravessá-la, como encurtou dias e dias de viagem para rodeá-la e se resumir a algumas poucas horas por entre as montanhas. Acho que posso ouvir a falta de ar que tiveram ao descobrir que atravessa tudo, posso quase ver como se olharam e deram ao seu amigo ao lado palavras de inovação.
— Celeste, Franklyn! – dois estalos perto do meu rosto me tiram da janela.
— Oi? O que foi?
— Vamos descer, o caminho a seguir é acidentado demais para as Carruagens da Areia, vamos a pé. – se levantando, ele arruma o seu colar dourado sobre o peito e pescoço, mas antes de sair, aponta para baixo, para uma das quatro gavetas logo abaixo do meu assento. – Calce seus calçados e esteja lá fora em... se prepare para andar bastante.
Talvez como um ato falho, ele soa como falaria com seus soldados e corrige com um pouco de constrangimento nos olhos.
— Eu estou com saudade de andar. – até tento ser gentil com o tom, mas, o guepardo quer apenas sair daqui o quanto antes.
Ele abre a porta a sua esquerda sem falar mais nada e sai junto com o som do nosso guia pulando do assento até a areia. Apenas deixo o guepardo e sua melancolia enquanto volto ao meu celular, um seis e um sete, nessa ordem, são os números da bateria dessa vez.
Acho que nunca vou me acostumar, sempre procuro o carregador e a tomada que não existem, mas deixo isso pra mais tarde. O enfio no bolso e calço os pés antes de sair pelo meu lado, apesar de sentir um geladinho refrescante desse Sol de tarde, a luz dele ainda é bem forte, o bastante pra que eu me vire para o fundo da carruagem, pra onde os soldados estão postos em forma um ao lado do outro.
De mãos e ombros para trás e o olhar reto junto a postura ereta, todos os seis se colocam contra a luz do Sol, e recebem o seu líder com atenção. Eu também notei o quanto estou distraído, o quanto os meus pensamentos me levam para viajar por aí, talvez seja por isso que estou olhando-os de longe, para não atrapalhar, mas é por isso também que eu deixo os ouvidos atentos, como os deles, pra não ignorar o chamado do Dat’al Katish, caso ele o faça.
— Jaya, repasse a missão.
Igualmente polido na postura, Tsaida fica a frente de todos os outros, uns cinco ou seis passos apenas, mas, a gueparda Jaya apenas baixa a cabeça e dá um passo para frente, não se vira para os seus parceiros, só fala em alto e bom som.
— Investigaremos a suposta ruina relatada a nós, há indícios de que se trata do Templo de Vaentrir. Faremos uma incursão de reconhecimento simples. Eu e Naji acompanharemos os soldados e o senhor Celeste e, como ordenado pelo senhor Tsaida, não adentraremos a estrutura por motivos de segurança, uma vez certificado se tratar do Templo de Vaentrir, reagruparemos e retornaremos para o acampamento, senhor!
Assentindo com a cabeça para o Tsaida, ela recebe o mesmo gesto, mas ele só baixa o focinho um pouco, bem pouco, na verdade.
— Naiji irá acompanhar Agrum, Basê e Tisma. Jaya, eu e o Celeste... – o guepardo fala olhando para trás, para mim. – Formaremos um segundo agrupamento, lembrem-se, vamos nos certificar da origem do local, nada além disso, entendido?!
— Sim senhor!
Eu até respondo igual, mesmo que não saia nenhum som da minha boca.
— Partiremos em cinco minutos, levem somente o necessário. Dispensados!
Todos os seis batem o punho fechado no peito e baixam a cabeça para o seu líder antes de seguirem para a Carruagem da Areia que vieram, já que eu não estou nessa patota, reservo a incerteza de não ter nada para preparar, não até o guepardo se aproximar de mim junto a Jaya, que imediatamente me cumprimenta com o topo da sua cabeça e o olhar baixo.
— Celeste, observaremos as ruinas da forma mais segura possível, se for, deixarei que os dois façam alguma pesquisa. – ele aponta pra mim com o indicador e para a gueparda com o polegar.
— Também não está interessado?
— Numa ruina? Prefiro lugares com gente.
— E você, Jaya?
Ser posta na conversa parece uma novidade pra ela, pois levanta as orelhas tão rápido quanto perde o olhar para o do Tsaida, como se pedisse permissão para falar, coisa que eu não sei se deixou ou não, mas ela diz mesmo assim.
— E-eu adoraria vasculhar uma ruina, imagino os segredos que pode esconder, a história que pode estar esperando para ser desenterrada.
— Aí! Olha! – me animo por ter mais um interessado. – Tomara que seja seguro, então.
— Temos que chegar lá para ver, antes de mais nada.
Com a expressão mais cordial que já o vi fazer na frente de outro Nanci, o guepardo aponta para trás, em direção as montanhas que alguns soldados já estão observando enquanto levam as costas mochilas com equipamento.
— Então... vamos lá. Mas, as carruagens vão ficar aqui, sozinhas?
— Não, Celeste, temos um método peculiar para escondê-los. – estalando os dedos para a gueparda, Tsaida chama a atenção da Jaya.
— Senhor.
— Já pegou tudo que queria, Celeste? – apontando pra mim, ele pergunta outra vez.
— Já sim. – até bato no meu bolso pra sentir o meu celular de novo. É aquele famoso caso de não ter certeza do garantido.
— Ótimo, Jaya, pode selar a carruagem.
Com o queixo, o guepardo aponta para a carruagem que é fechada as janelas entreabertas que deixamos por Icid, e só depois que o tigre a fecha completamente e confere que ambas as portas estão trancadas, ele acena para a conjuradora, que estende as mãos para frente e faz com os dedos o mesmo símbolo que o Dio consagrou na sua carreira, falo do Ronnie James Dio, não aquela porra de anime estranho.
Os indicadores e dedos mínimos se esticam assim como os polegares que ficam na mesma altura, tal como um pintor ou fotógrafo faria pra pegar um enquadramento, e se não fosse o bastante, o seu
— Vocem meam ad imperium mitto; terra dat spatium sepeliendi!
De seus dedos, linhas laranja e brilhantes surgem como quando se brinca com linhas pra fazer formatos complicados, mas isso é bem diferente, pois onde cada linha raspa uma na outra saem faíscas, como quando se esmerilha metal. Mas, nada faz o que vejo, a terra e a areia abaixo da carruagem simplesmente se tornam fluida, como se houvesse logo abaixo um buraco que engole o veículo todo e deixa para trás apenas a falta de pedrinhas como o resto daqui é.
A areia que recobre o teto onde a pouco estava abaixo, o mesmo acontece com a outra. Eu fico alguns segundos olhando a gueparda empurrar pedrinhas do chão com as suas patas, chutando-as a esmo enquanto o seu líder segue para as montanhas e me chama com a mão e um aceno.
Os outros quatro soldados seguem formando um círculo ao nosso redor, proteção é o nome da ideia, aliás, enquanto ando junto com eles e tento não tropeçar em nenhuma pedra solta, me pego imaginando os ladrões da areia, não é uma questão se existem ou não, mas, eu só posso imaginá-los com aqueles turbantes árabes pra proteger do Sol nos olhos. Talvez esse seja eu imaginando um lado fofo para todas as situações, apesar de saber que Nancis, por mais fofinhos podem ser cruéis e monstruosos, gosto de imaginar que teriam um pouco mais de honra, principalmente sendo devotos de entidades tão mais... presentes.
— Celeste.
— Opa? Sim? – me corrijo da mania.
— Vai mesmo bater de frente nessa pedra? – o guepardo aponta para um pedregulho alto e fino que estava logo a minha frente, a uns cinco passos apenas.
— Ah, não vou não, só... sabe.
— Pensando? Percebi. Só que eu preciso que se mantenha atento, principalmente para onde andar, o deserto pode esconder escorpiões e outros insetos do tipo nas pedras mais sutis.
Talvez eu devesse avisar que escorpião não é... enfim. Ou talvez só assentir pra ele e tomar mais cuidado sirva também.
— Senhor, vamos encontrar os primeiros resquícios em alguns minutos, vamos passar por essa colina e do outro lado, provavelmente vamos poder ver as ruinas. – o chacal Tisma comunica com o olhar atento a algo mais à frente.
Não é difícil diferenciar os dois chacais que temos aqui, um deles tem a pelagem bem mais escura que a do outro, e nesse caso, também o fato de que o Tisma tem uma coleira feita de metal esverdeado, como cobre um pouco oxidado, e as bordas mais brancas fazem margem para o que há escrito de cada lado, porém, diferente dos escravos, não há um cadeado na frente, e nem atrás, agora que reparo bem, há uma cordinha fina de cor púrpura que o amarra um no outro.
— Mantenham a atenção! – Tsaida fala para mesmo que não olhasse para nada até do caminho que vamos seguir. – Essa ruina pode ser lar de muitas criaturas, ou covil de gente pior.
— Sim senhor!
Apesar de não usarem a voz com toda a firmeza e compostura militar, todos ao meu redor dão a cada um de seus passos a cautela que lhes foram exigidas. Suas espadas na cintura estão com as mãos já no cabo, e os arcos não mais no ombro e sim em punho, só esperando uma flecha chegar da aljava que Icid e o outro chacal de pelagem mais clara levam também na altura da cintura.
Confesso que passo mais tempo imaginando um ataque de bandidos por essa região tão pedregosa, alguns escondidos no alto e outros em fendas e rachaduras, na sombra cautelosa que espera a ordem de atacar.
— Dat’al Katish. – chamo o guepardo com seu título e um balançar da mão. – Não parece que dá pra ter uma emboscada aqui? Gente escondida nas pedras...
— É por isso que temos eles. – apontando para os outros dois guepardos, Tsaida parece empolgado e orgulhoso por poder me mostrar isso.
É um tipo de óculos de cristal azulado que cobrem os olhos dos dois conjuradores, bem diferente do acessório que humanos usam, não tem como apoiarem nas orelhas, ao invés parecem bem mais aqueles óculos de nadadores, o couro branco parte das lentes rodeadas por um tipo de bronze lustrado serve para segurar na nuca, e uma fivela prata mantém tudo firme.
— Esses Óculos de Clareza permitem que eles vejam coisas ocultas, inimigos escondidos mais à frente serão destacados pela magia de movimento, resumindo. – o guepardo fala antes de pular um pequeno conjunto de arenito. – Eles verão bem antes que possam nos atacar.
— Isso é tipo um sonar? Legal.
— Me diga você como era um “Sonar”.
Ouvir isso dele, com o seu timbre felino e o modo que a minha língua soa por ele é quase nostálgico.
— Basicamente esses óculos, mas sem magia. – comento já dando ao alto de algumas rochas a minha atenção. – O engra... – nem sei porque usaria essa palavra nessa situação. – To curioso... isso ultrapassa a pedra? Ou só vai ao redor dela?
— Atravessar a rocha é algo que poucos equipamentos podem fazer, são caros demais para ter, e grandes demais para carregar.
— Ah... certo.
Logo que a boca de Tsaida de abre, curiosa quanto ao que disse mesmo que os seus olhos não tenham a mesma atitude, que fiquem continuamente atentos ao caminho.
— Senhor, movimento! – Naji estende a mão para o lado.
Seu corpo inteiro parece arrepiar, ainda mais a nuca que posso ver exposta fora das roupas e a túnica simples e leve. Esse anuncio contido e mais baixo em tom ecoa para todos os outros, eles se unem e rodeiam a mim e ao Tsaida.
— O que é? O que vê?
Da mesma forma, a outra gueparda leva os olhos para direção noroeste, onde as rochas altas formam fendas e túneis entre elas como se fossem cortes de uma pedra maior, e esses cortes, alguns, tombaram.
— Há algo na areia mais à frente, está se movendo pela terra mais à esquerda, próximos a quinta fenda. – Naji responde.
— Um verme da carniça? – Tsaida até procura um lugar mais pedregoso para levar as suas patas.
— Algo parecido, senhor.
— Deve usar a fenda para caçar. – e os seus olhos amarelos vão para os lados. – O relevo é muito acidentado para os outros lugares, seja fera ou não, vão seguir por aqui. A criatura tem que tamanho, conseguem medir?
— Três a quatro metros, senhor. – um pouco atrás de mim, Jaya o responde primeiro.
— Um verme adulto, montaremos uma armadilha, Icid e Basê, preparem seus arcos, vamos atrair a criatura até uma área mais rasa. – por isso, ele traz os olhos pra mim. – Vermes da areia costumam viver em poços de areia profunda, se há um grande assim por aqui, deverá habitar um lugar assim, se houver chance, atraí-lo para uma região mais rasa será ideal.
O seu olhar imponente passa para os soldados ao redor, posso não saber exatamente como um Nanci deva fazer isso aos seus iguais, mas, todos parecem tão impactados quanto eu pelo seu conhecimento. É diferente ouvir algo tão diferente do que poderia haver no meu mundo, é um misto de empolgação e ansiedade, ver algo assim é mais um tapa na cara da Terra por algo muito melhor do que ela poderia fazer.
— Que foda. – comento pra mim mesmo.
— Senhor, vamos atraí-lo com o quê? – Icid o questiona.
— Quem de vocês é o mais rápido? – a sua pergunta atrai a atenção de todos aqui. São os vinte segundos mais desconcertantes que tive por aqui. – Ninguém?
— Eu, senhor. Fui a mais veloz da turma. – Jaya dá um passo a frente, ao menos no abstrato dessa conversa.
— Ótimo, de Nanci guepardo para outro, quanto consegue correr?
— Senhor, superei um Axcell em voo baixo, mas, confesso que não consigo manter por mais de dez minutos, fico exausta.
— Sei bem disso. – afinal, ambos são da mesma sub espécie de Nanci. – Você vai comigo até o território do verme, vamos atraí-lo até uma região mais rasa de areia, os outros irão se preparar para o ataque, mas antes, vamos observar a região. Celeste!
Estalando os dedos pra me chamar a atenção e o olhar de todos, o Dat’al chega até mim e toca a minha mão com a sua.
— Sim, o que foi?
— Fique próximo ao Naji, ele ficará responsável por mantê-lo seguro.
— Certinho.
— Sim senhor!
Por isso, tenho outro guepardo ao lado, até tenho pra mim o momento de prestar atenção no avanço deles, pois as rochas ficam cada vez mais altas, e a montanha tão imponente a frente e ao alto daqui reluzem a luz do Sol que está alto no céu.
— Avancemos por locais cheios de pedra, evitem pisar forte no chão e cuidado por onde pisam, Vermes da Areia tem a pele muito parecida com elas. – Tsaida dá suas últimas instruções antes de virar-se para frente e prosseguir conosco.
— Celeste, fica junto.
— Tudo bem. – não que houvesse outra opção.
Porém, apesar de toda a tenção e a minha empolgação que vem logo depois, caminho entre os Nancis que deixam as orelhas atentam, igual gatos que querem seguir por um corredor molhado, pisam com muito cuidado mesmo que as pedras pareçam nada além disso.
Depois de uns dois minutos caminhando como se a areia fosse lava, entramos em fendas dentre o arenito largas que passam pela frente daqueles cortes menores e perdem cada vez mais a quantidade de pedras e gradativamente deixa áreas de areia amarela e bege, que só deixa saltar de dentro dela o branco de ossos, ossadas de animais pelo que posso notar.
Apenas com gestos, Tsaida coloca o seu colar de lado, parece pesar demais para o que ele vai fazer, por isso o coloca sobre o tecido que o enfeita a base ao invés de deixar apoiado na pedra pura. Talvez, o mais curioso seja o fato dele tirar as suas sandálias, é claro, suas garras e as almofadas vão dar bem mais tração que a sola lisa do calçado, mas, esse fato parece correr para todos os soldados que se entreolham pelo instante que ele está abaixado, deixando as sandálias uma ao lado da outra próximo a pedra que mantém seu colar.
Jaya o imita também, sua túnica e equipamentos que carrega na bolsa. Deixa tudo por lá também.
— A partir daqui, só eu e Jaya vamos prosseguir. – com a postura de sempre, ele comanda a todos aqui. – Icid e Basê, façam retaguarda, Tisma e Agrun, subam as rochas pela direita e vão com Naji e o Celeste, vamos atrair o Verme para essa área.
Apontando para o início dessa areia toda, o guepardo já arqueia as costas, estica os braços, as pernas e até a cauda quando se aquece e alonga um pouco como um atleta, ao menos como eu acho que um faria.
— Vejo que lá encima há pedras grandes o bastante, derrubam elas atrás do verme, ou acima dele, se conseguirem, vamos restringir a sua área e ataca-lo em seguida. Naji sabe conjurar as forças da terra, quando a criatura estiver cercada, atacaremos em peso.
— Senhor. – Jaya pede a palavra com a voz, mas, mantém os olhos baixos.
— Fale.
— Creio que o verme ficará confuso com os impactos da pedra também, seria interessante se eu conjurasse Passos Leves para nós?
— Conhece ela?
— Sim senhor.
— Faremos assim. – o guepardo logo olha a todos nós e acena com o focinho. – E Quanto a vocês, movam-se!
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Me abaixo e escoro numa pedra gelada do alto dessas pedras alaranjadas. Os cinco outros soldados não tem tempo de me encarar ou ficar me olhando com o perigo que acontece na fenda abaixo, eu me pergunto como esses três desceriam esses quatro metros de queda até a areia lá embaixo, mas, além do fato de estarem juntando pedras enormes e que o mago guepardo trouxe algumas ainda maiores, só me impedem de desacreditar neles.
Talvez seja sorte ou simples acaso ter essas aqui já também, do tamanho de uma pequena moto, até uma superior a de um boi de corte, mas isso são devaneios meus. Pois eu fico de olho no caminho que os dois guepardos fazem, como andam com suas espadas prontas e as orelhas atentas pela areia.
É um pouco frustrante, não, é muito frustrante não poder ajudar em nada. Não é só essas algemas, é que eu não precisei estudar disparos de arco ou o uso de espadas em casa, talvez teria sido interessante ter estudado um Kendo, imagina, ser um samurai nesse mundo tão misterioso, imagina quantas magias podem te ajudar a ser uma lenda imbatível.
Mas, no meu caso, é diferente, estaria mais pro lado do Naji aqui, esse guepardo tímido que parece ter medo até dos seus companheiros de missão, pois ele não olha nos olhos de ninguém, nem parece agir tão abertamente perto deles. Já tive um amigo assim, que parece estar se escondendo dentro de um moletom, com medo da luz do Sol, não que ele deixe isso ser notado, imagino que nunca teria conseguido trabalho se demonstrasse para eles. A cultura e os modos Nanci levam muito em conta o seu estado, é como ter sempre alguém prestes a te puxar o tapete, te avaliar, de desafiar se mostrar fraqueza, digo, não é “como”, é realmente isso, estou vendo diante dos meus olhos.
O guepardo se coloca atrás das pedras, a cabeça um pouco baixa pra lidar com a luz do Sol tão direta, e os outros dois se colocam a cada lado dele, esperando o sinal de baixo para empurrar tudo isso também.
Volto os olhos lá pra baixo, deixando a tensão desaparecer com os dois guepardos que cainham um ao lado do outro. Mas, eles param de andar, por isso estalos os dedos e aponto para baixo, para que tornem a atenção até lá.
Tsaida diz algo e Jaya se vira pra ficar de costas com ele, com o olhar, ele me encontra e acena para os outros soldados. Eles que reagem na mesma hora e se aprontam atrás das pedras.
São instantes tensos, assim como eles eu procuro qualquer movimento na areia, talvez eu que vou dar algum sinal para os soldados, não sei, talvez o Tsaida grite pra isso. Mas ele grita apontando a espada para o canto, onde a areia sobe com uma onda que sai de uma das fendas da parede, mas, só tem um pequeno erro de cálculo, a criatura não sai do fundo dessa grande fenda, e sim de onde eles vieram, para onde a areia ficaria mais rasa.
O susto deles tem a mesma reação, ambos baixam as orelhas e se viram contra a onda da criatura, como gatos esperando um ataque, se aprontam e saltam para as paredes a cada lado, suas pernas foçam contra a areia e se projetam para frente com toda força que podem, é bem curioso ver como as suas caudas fazem um contrapeso e giram um pouco enquanto voam por uns quatro metros e levam as patas para frente.
O monte de areia que estava chegando bem onde saíram, mas o impacto o atrai de imediato, aquilo para e se contorce enquanto os dois guepardos correm tão depressa quanto podem, mas esse verme é tão rápido quanto, essa onda de areia que deve se erguer um palmo e meio do chão os perseguem como um tubarão feroz, até da pra ver algumas cristas ossudas saindo dela a medida que se aproximam da parte mais rasa.
O olhar do Tsaida sobe pra cá, não tem medo, na verdade, acho que tá gostando, pois entre cada passada ele deixa escapulir um sorriso, talvez pra mim seja algo bom, mas, quando a sua mão mira para nós, eu não preciso servir de alerta, a atenção dos soldados é paga com prontidão.
— Empurrem! – grita um deles enquanto todos fazem força.
E as rochas enormes parecem se mover muito pouco até o Naji estender as mãos e trazer a palma de cada uma um tom fantasmagórico de verde e castanho. Mas, apesar das pedras mudarem levemente de cor e arranharem umas sobre as outras, não cedem.
— Força homens! Empurrem! Força! – o coro de vozes em esforço conjunto me atrai.
Não chego a pensar meia vez, corro até eles e me escoro numa das pedras com as costas. Sinto o braço do Tisma tocar o meu, e apesar do seu rosto se apertar com toda força que faz, ele arregala os olhos ao me sentir e ver, mas eu mordo os dentes e deixo que as minhas pernas façam toda a força, e vem de uma vez!
A primeira rocha sede, e todas as outras acompanham de uma vez, até as maiores parecem flutuar antes da gravidade as puxarem para baixo e caírem junto comigo. O meu equilíbrio se foi e é o bastante pra que eu caia junto.
O arrepio nas costas vem com o frio de saber que é uma queda imensa, de cabeça ainda, não é o pior dos casos, mas, caralho.
Isso arranha a minha mente, a vertigem de cair de costas deixa a minha barriga gelada, mas, uma mão agarra a minha, na verdade, duas. Naji e Tisma seguram as correntes dessas benditas algemas e juntos se projetam para traz com podem. O som das rochas caindo me contam como seria o meu destino sobre elas, forte, seco e fatal.
Mas eu gosto de cair sobre um joelho aqui encima ainda. Os soldados tem alguns segundos paralisados, arfando com o esforço.
— Celeste! Você tá bem! – o guepardo me pergunta dando seu apoio para que eu me levante do chão.
Mas eu nego com um aceno e um sorriso pequeno, apesar do susto, seguro o tranco.
— Desçam pra ajudar o Tsaida! Eu vou ficar bem, vão!
Talvez era só o que precisavam ouvir, não sei. Posso ser uma prioridade, mas, o Dat’al Katish deles também é.
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