Atiradores de Amor: Membros da humanidade à mando direto dos deuses. Responsáveis por distribuir o amor no mundo, seja ele fraternal ou romântico.
César Cohen era uma pessoa simplista, geralmente visto pelos corredores da Ordem do Amor com seus longos cabelos escuros em um coque solto, barba surpreendentemente bem cuidada, uma grande bolsa preta e suas roupas militares. Era observado com admiração por seus colegas de profissão, considerando que César era um dos atiradores mais famosos do escalão, abaixo apenas de seu capitão — vulgo Arthur Cervero.
No geral, quando alguém se forma como um Atirador de Amor, estabelece-se duas regras que, acima de todas as outras, nunca; jamais; em nenhuma hipótese, deveriam ser quebradas: 1.É proibido se apaixonar por seus alvos ou por Alvoradas.
Os atiradores, quando se formavam na academia, recebiam dos deuses em suas graduações o poder de ver o que chamavam de Aka Ito: um fio do destino criado para ligar as pessoas entre si de modo a juntá-las no futuro e quando chegassem no momento adequado, os deuses mandavam seus atiradores para que o destino daquela duas almas se iniciasse novamente. Tal fio era a coisa mais forte que já tinha se visto em todo o mundo, ele poderia se esticar, enrolar e até mesmo dar-se um nó, mas jamais se cortar.
Pessoas sem o fio eram as ditas Alvoradas, que significa a primeira claridade. Elas ainda não têm o destino definido e estão em sua primeira reencarnação, são intocadas até que se decida um destino para suas próximas vidas.
Porém, vale ressaltar, são diferentes dos casos de Atiradores de Amor: atiradores escolhem abdicar de seu fio para servir aos deuses, que lhes concedem o poder de vê-los, mas não o de possuir.
E 2.Não se pode interferir na vida dos alvos, mesmo que eles sejam próximos a si.
Não importa se os alvos são seus amigos ou família, jamais se pode interferir no destino que lhes foi imposto.
E César — ou Kaiser, para seus colegas de equipe — sabia muito bem disso, assim como tratou de aprender essas duas regras acima de tudo.
E ele nunca as quebraria.
[...]
César estava particularmente cansado naquele dia. Seu uniforme era pesado, sua arma era pesada e, sinceramente, ele não estava nem um pouco à vontade para terminar os dois últimos alvos que sobraram para completar a meta do dia — mas ele precisava de dinheiro de qualquer forma.
Olhou o relógio, faltavam duas horas para o fim do expediente e já estava esperando os horários para finalmente atirar as Balas de Amor. O problema do trabalho não era atirar — modéstia à parte, ele era um dos melhores em relação à mira — mas sim esperar o horário certo em que os alvos se posicionavam.
Já eram 17:00, ainda tinha tempo de dar mais uma olhada nas fichas antes de o alvo chegar.
Nome: Beatrice Portinari
Idade: 23 anos
Pronomes: Femininos
Aparência: Cabelos castanhos longos, olhos castanhos e sardas no rosto. Veste uma blusa simples junto de um casaco jeans e geralmente leva um urutau chamado Orpheu em seu ombro.
Localização: Cafeteria Monsenhor. Bairro Aristóteles, Rua Ptolomeu das Flores, 23. Mesa 03. Às 17:35
Fio: Tristan Monteiro
Suspirou pesado, olhando o relógio em seu pulso por puro reflexo e percebendo que ainda era 17:05. Maravilha, próxima ficha.
Nome: Tristan Monteiro
Idade: 29 anos
Pronomes: Masculinos
Aparência: Cabelos castanhos à altura do ombro e barba curta. Veste um uniforme rosa listrado e um chapéu simples do trabalho.
Localização: Cafeteria Monsenhor. Bairro Aristóteles, Rua Ptolomeu das Flores, 23. Mesa 03. Às 17:39
Fio: Beatrice Portinari
Ótimo! Já era o quinto clichê do dia, será que os deuses não se cansam das mesmas histórias e destinos? Revirou os olhos, garçom e cliente era, se possível, o maior dos clichês em toda a história dos clichês existentes.
Ele soltou um riso irônico, um Atirador de Amor que odiava clichês. Simplesmente hilário.
Logo, depois de ficar mais alguns minutos titubeando sozinho, se posicionou com sua Sniper na janela do prédio abandonado que ficava em frente à cafeteria. Pegou um pequeno pote retangular que continha apenas duas Balas de Amor azuis — sinalizavam amor romântico — e colocou na arma à qual estava escrito Beatrice Portinari.
Seus olhos estavam vidrados no alvo, mas vez ou outra se desviavam para a bela visão do fio vermelho ainda opaco se estendendo, quase como se refletissem no sol da tarde.
Balançou a cabeça, foco!
E então, às 17:33, Beatrice entrou pela porta da frente, esperou cerca de um minuto e sentou no lugar vago às 17:34.
Nos exatos 17 horas e 35 minutos, César apertou o gatilho. O mundo pareceu passar mais devagar, a bala atravessou a parede da cafeteria quase como se esta não existisse e, sendo certeira como sempre, acertou a Portinari.
Beatrice, que estava com sua mão no ar para chamar algum garçom, sentiu um pequeno formigamento em sua nuca, na qual rapidamente ignorou o sentimento e continuou a procurar alguém para lhe atender.
César foi rápido em logo colocar a bala com o nome de Tristan, tão logo que quando viu já eram 17:39 e ele já estava na mesa da morena. O tiro foi certeiramente na testa, fazendo com que seus olhos mudassem a expressão e os fios que os ligavam tivessem um pequeno brilho momentâneo, sinalizando que seus destinos haviam começado.
Suspirou cansado e estalou o pescoço sentindo os ombros tensos, guardando sua arma, saindo quase que imediatamente do local e voltando o mais rápido possível para a base. A única coisa que importava no momento era tomar uma boa ducha no com certeza vazio vestiário, já que sempre era o último de seu turno à voltar para a Ordem.
O mais discreto que podia, andou pelos becos e vielas, prédios e apartamentos vazios, tudo para que não fosse visto pelos civis com suas roupas repletas de símbolos da armada dos deuses. Tão logo chegou no seu destino, sendo prontamente recebido com um sorriso por alguém que conhecia bem.
— Demorou, Cesinha. Tá enferrujado? — Seu tom era regado de brincadeira, a voz grossa e alta ecoando no lugar.
Arthur Cervero era alguém baixinho, musculoso e brincalhão. Tinha apenas um braço — que César, mesmo depois de todos esses anos, nunca soube como ele perdeu — e algumas mechas brancas nos castanhos cabelos médios presos em um coque que davam um charme a mais em sua aparência, sempre andando com um sorriso doce quando estava fora de missão.
Quase nunca era visto sem Dante e o próprio César, já que os três participaram do mesmo batalhão por muito tempo antes das missões solo do cabeludo serem cada vez mais recorrentes.
— Eu tô bem, Arthur, só um pouco cansado ultimamente de tanta missão — Respondeu tirando sua máscara e soltando os cabelos, logo os desembaraçando com os dedos para que não tenha perigo de nenhum nó. Apesar de desleixado com a aparência, seus cabelos eram a única coisa às quais tinha um cuidado especial.
— É, né? Tá fazendo tanta missão que parece até que esqueceu dos amigos.
— Ah, qual é, Arthur? Foi só esse mês que eu não tô indo pra noite de jogos — Revirou os olhos abrindo o armário onde guardava seu equipamento — Além disso, eu tô com carga horária dobrada por… Algumas questões financeiras especiais.
— “Especiais” — Arthur fez uma voz brincalhona e um gesto de aspas com as mãos — Eu vi o seu contracheque, César, você só tá querendo comprar mais skins de LOL.
— Eu não tô… — Pausou por um segundo, processando a primeira parte da frase e apertando os olhos desconfiado — Por que caralhos você tá com meu contracheque?
Arthur deu de ombros como se isso não fosse um detalhe muito importante.
— Tava entediado e a folha tava dando telha, ué. Não é culpa minha se tu deixa tudo largado por aí.
— O negócio tava dentro da minha gaveta.
— E? Eu tava entediado.
César revirou os olhos, deixando a discussão morrer ali. Anos convivendo com Arthur e ele certamente ainda não tinha aprendido que era quase impossível ganhar dele em uma argumentação já que das duas, uma: ou ele fazia um malabarismo argumentacional, ou ele simplesmente fazia aquela expressão de cachorro abandonado o qual sabia que César não resistiria.
— Enfim, relaxa que hoje eu vou pra casa do Dante também. Vou só passar em casa primeiro pra trocar de roupa e comprar umas cervejas no caminho pra gente tomar — Fechou o armário, olhando para Arthur — Quem mais vai tá lá? Você anda mais grudado com ele do que eu.
Arthur sacudiu os ombros.
— Ah, o pessoal de sempre mesmo. Eu, você, Dante, Liz e Thiago, até cheguei a convidar a equipe Brasa, mas eles disseram que vão em um barzinho hoje. — Arthur fez uma cara pensativa, como se estivesse esquecendo de algo. César, como já conhecia o amigo, apenas ficou observando-o lembrar como se já estivesse acostumado com o pequeno processo — Lembrei, porra! Liz e Thiago disseram que vão levar um amigo deles, chegou hoje de férias na cidade cidade.
— Um amigo, é? Nem sabia que eles tinham amigos fora da Ordem.
— E você acha que eu sabia? Aqueles dois vivem de segredinho um com outro. — Arthur deu uma risadinha e começou a cantarolar — Até porque todo o esquadrão sabe que eles tão de rolo~
— Eles tão o quê?
— Ah, qual é, César. Essa fofoca é mais velha que minha vó.
— Oh, desculpe-me, Senhor Onisciente, não sabia que eu tinha que saber todas as fofocas da Ordem. Não sou fofoqueiro igual a você — revirou os olhos, andando para fora da sala enquanto Arthur lhe seguia.
— É por isso que sou eu que te atualizo do que acontece, gracinha — Arthur deu um sorrisinho, caminhando ao seu lado pelo corredor — Se não fosse eu, você estaria perdidinho no que acontece aqui e aí você não teria nenhum assunto na roda sem ser a nova edição de Força G.
— Uau, o que seria de mim sem você, não é? — César respondeu com certa ironia, mas acompanhou o sorriso do amigo.
Logo um silêncio confortável se instaurou no local, com os os dois caminhando lentamente pelos corredores da grande base. César sempre achou agradável os suaves tons de rosa que pintavam as paredes da Ordem, o chão de mármore branco contrastava de maneira positiva e lhe trazia certa tranquilidade depois de dias estressantes e lhe permitia algumas reflexões com a cabeça mais calma.
Refletiu consigo, enquanto atravessavam as grandes portas do prédio disfarçado de biblioteca pública. Um amigo novo, é?
Esperava que conseguisse se enturmar dessa vez.
[...]
O lado bom de morar com Arthur era que existiam certas conveniências, além de seu amigo ser um grande fofo metaleiro.
Primeiro, que ele poderia pegar carona em sua moto para qualquer lugar que quisesse e, por isso, sempre chegava nos locais parecendo muito mais legal e intimidador do que realmente é. O segundo ponto, era que Arthur sempre fazia comidas muito gostosas e não era nada mal deixar que seu amigo cuidasse das refeições e ele limpasse a casa inteira, visto que ele nem conseguia fazer um miojo direito — “Você não aprende porque você não quer, César.”
Ah, ótimo, agora a voz de Arthur sobre culinária estava invadindo a sua mente também.
Enfim, apesar de vários bônus de morar com Arthur, existiam certas coisas… Complicadas quando saíam juntos para algum lugar.
— ARTHUR, PELO AMOR DE DEUS! A GENTE JÁ ‘TÁ ATRASADO FAZEM 30 MINUTOS!
— ‘TÔ SÓ TERMINANDO A BARBA, PERAÍ!
César bateu o pé repetidamente de forma ansiosa, olhando para o relógio na parede. É isso, Liz os mataria e ele nunca viveria para contar a história e dessa vez nem mesmo Thiagão seria capaz de salvá-los das garras dela.
Mas talvez ela perdoasse por ser Arthur.
Dessa forma, ambos correram desesperadamente para Princesa, vulgo a moto de Arthur, para tentarem ao menos diminuir o nível do assassinato que sofreriam por estarem agora 50 minutos atrasados.
Depois de quase três atropelamentos, quatro leis de trânsito quebradas e pelo menos uma troca de xingamento no meio do farol, eles chegaram quase sãos, mas a salvo na frente do prédio condominial que Liz e Thiago dividiam.
Era um prédio simples qualquer padrão, de uma cor azul marinho e portões pretos que cercavam o pequeno quintal da frente. Uma vizinhança tranquila para quem vivia uma vida tão complicada, César conseguia ver a beleza nisso.
Relembrou da fofoca de mais cedo, subindo as escadas e preparando-se mentalmente para dar-lhes os parabéns às escondidas e para ouvir os resmungos sobre como Arthur é um grande fofoqueiro que não consegue manter a boca fechada — mas nenhum deles consegue realmente lhe dar uma bronca sobre isso, ou sobre qualquer coisa.
Quando finalmente chegaram ao apartamento, a música vinha em alto e bom som para seus ouvidos e as conversas soavam altas mesmo com a porta fechada. Sinceramente, não conseguia entender como Liz não tomava multa ou, caso tomasse, o quanto do alto salário ela gastava apenas nisso.
Repentinamente, a porta foi aberta sem cuidado como se a pessoa adivinhasse que eles estavam ali e a música foi abaixada alguns decibéis apenas para o agrado de César como de praxe.
— Chegaram cedo, ein? — A ironia brincalhona transbordava dos lábios de Liz a sua frente, a bela mulher de cabelos negros vestindo uma roupa casual diária. O diálogo se repetindo tantas vezes que César apenas vestiu um pequeno sorriso.
— Culpe o Arthur nessa, eu me arrumei cedo.
— Nem vem, César, você sabe que eu preciso fazer um cuidado especial com a minha barba ou ela fica toda emaranhada IGUAL a de uma pessoa que eu conheço — Arthur se deu a ousadia de dar uma olhada pelo canto de olho para ele.
— Ah, ‘tá bom, Arthur, vai falando vai — Ele riu entrando no apartamento sendo acompanhado por Liz, que seguia com o mesmo riso atrás.
Tudo no apartamento de tamanho até que considerável de Elizabeth estava em seu lugar, todas as poltronas; lâmpadas; almofadas; amigos; todos estavam em seu devido lugar como sempre foi em todos esses anos e César apreciava isso.
Excerto por algo — ou melhor, alguém.
— Opa! Meu nome é Joui, sou um amigo da Liz que ‘tá passando alguns dias aqui. Qual o nome de vocês?!
O coração de César bateu de uma maneira que, pela primeira vez em semanas, pensou que estivesse tendo um ataque cardíaco por enegérticos. Seu estômago parecia engraçado, e então ele tentou agir normalmente.
— César. Prazer.
.
.
.
Talvez o mais normalmente que ele conseguia, afinal.
[...]
César sentia como se sua cabeça fosse explodir.
Seus olhos estavam pesados e as cobertas quentes ao ponto de fazer seu corpo dolorido parecer uma maria-mole definitivamente não ajudavam na árdua tarefa de fazê-lo se mexer ao qual seu cérebro estava empenhado.
Algo se mexeu ao seu lado e ele tomou um susto antes de tentar tomar consciência do local em que estava. As memórias lentamente invadindo a sua mente bagunçada e sonolenta do que quer que tenha acontecido na noite anterior depois de Liz ter sugerido um clássico jogo de verdade ou desafio.
Seus olhos se abriram tentando se acostumar com a claridade do quarto e com uma sombra estranha balançando na frente da grande janela aberta, tal qual uma pessoa completamente livre de ressaca — impressionando, considerando o que tinha acontecido ontem.
— Bom dia! Hoje o sol ‘tá realmente muito bom, espero que não se incomode de eu abrir as janelas ‘pra pegar uma claridade. A senhorita Liz realmente não é muito fã de deixar elas abertas, mas ela fez essa exceção ‘pra mim.
O turbilhão de palavras soltas da boca de… Qual era seu nome? Ah, sim: Joui.
Joui continuou falando de maneira atordoante enquanto seu cérebro acordava cada vez mais e seus olhos, agora arregalados de uma pitada de desespero, focavam em apenas na existência de uma coisa durante o aparente alongamento matinal do homem de cabelos castanhos.
Ou melhor, na não-existência dela: a falta de um fio em seu dedo.
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