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História Através dos meus olhos - Cair


Escrita por: evaamaca

Capítulo 4 - Cair


Me pego ausente presente no curso, a rabiscar qualquer coisa em minhas folhas brancas, somente escrito com o nome do curso no topo das linhas. A voz do professor ecoando pelo salão grande demais para poucos alunos, é convidativo demais para uma tirada de soneca, caso eu estivesse com sono –sinto inveja de quem consegue dormir em sala de aula – e sou levada ao nada. Em absolutamente, nada.

Sei que os meus olhos fixam o papel e que minhas mãos deslizam na folha lisa do meu caderno, mas sou atraída por essa sensação de nada tomar meu cérebro. É quase tão satisfador quanto dormir e só realmente caio na realidade, quando os alunos levantam-se de suas cadeiras apressados.

Corro até o ponto de ônibus e o espero. Pensei que nunca admitiria isso, mas sinto falta de casa. Sinto falta da comida e do idioma e das pessoas, mesmo das desconhecidas que passam por mim apressadas. Sinto falta até das coisas que detestava, como o trânsito caótico, o clima sempre a bagunçar meus cabelos e do barulho dos escapamentos, de repente tocando no silêncio da noite. Mas acima de tudo, sinto falta de fazer alguma coisa a não ser ficar andando de um lado pro outro, tentando aprender um idioma dificílimo e conhecendo lugares escondidos.

Hoje ao acordar, coloquei uma meta. Aprenderei a cozinhar pratos deliciosos para mim mesma e após sair do curso, passo em um supermercado para a compra dos ingredientes. Farei frango empanado e batatas salteadas.

O nome é mais complicado do que parece, concluo ao ler a receita por completo. Faço as compras rapidamente, sempre verificando uma lista que sempre faço, quando algo acaba em meu apartamento e sem essa lista, eu sairia sem o frango e sem detergente. Devo sempre fazer listas desse tipo, pois acabo sempre me empolgando com outras coisas e tirando-me do foco principal. Na verdade, eu deveria fazer uma lista para listas, pois assim que chego no apartamento, esqueço que eu deveria ter comprado um presente para Tuva –Amanhã é o seu aniversário.

Ela irá celebrar seu aniversário em sua casa recém construída e me pediu ajuda para decora-lo com alguns balões e alguma faixa, enquanto ela faria alguns aperitivos e o bolo. Sempre achei intrigante o fato de Tuva parecer do tipo que te socaria arrancando seus dentes em um beco escuro e cozinhar maravilhosamente bem com receitas sofisticadas. Me pergunto, qual seria meu paralelo –caso eu tenha um.

Cozinhar é que não é, tenho provas suficientes quando esquento o óleo demais, fritando demais por fora e deixando o frango cru por dentro. E na tentativa de salvar a peça, coloco-o de volta na fritura, levantando um aroma enjoativo de óleo queimado com alguma coisa do frango saindo, fazendo o óleo pular no chão e em meus pés descalços. Solto um grito –de susto e de frustração e olho para o gato, sempre a espreita, parecendo sempre me criticar. Gato assustador.

Ele tem os olhos verdes e tediosos como um professor que eu tivera. Steele e é assim que eu o vejo –sempre me analisando, como se ele fosse capaz de colocar uma nota em tudo que faço nesse apartamento, fazendo uma média e enviando para o seu dono. Falando em seu dono, Mikael jamais me ligara de volta, nem para perguntar sobre seus animais, nem para saber como está seu apartamento, o que me faz crer que ou ele realmente confia em mim, ou que sua mãe ou o porteiro esteja dando relatos diários de minha presença.

Sua mãe aparecera uma vez, no meio da noite, com rações para os animais. Não sei se ela estava realmente ajudava Mikael com a compra das rações, ou talvez fosse sua curiosidade em saber quem eu era e como eu estava cuidando do apartamento de seu filho e eu acredito que seja mais a opção dois do que a um. Pois eu noto seu interesse quase atrevido em relação à mim. Principalmente por meu envolvimento com Mikael, sugerindo, pelo seu tom e pelo teor das perguntas, como se nós fossemos amigos mais próximos, do que realmente somos.

Seu irmão por outro lado, era intrigante.

Há algo assustador em seus olhos, um mistério que parece me hipnotizar. Seu olhar congelante, ao mesmo tempo que me paralisava, fazia percorrer emoções impulsivas e acho que não consigo esconder, como ele me atrai. Por vezes me pegava encarando-o, investigando cada detalhe de seu rosto geométrico e atraente. Ele não faz completamente o meu tipo físico que sempre me atraiu. Sua pele é alva demais, quase branca como o papel de meu caderno, seu cabelo apesar de ser escuro, possuía reflexos acinzentados, perfeitamente estruturado em sua cabeça. Talvez usasse mais produtos para cabelo do que eu. Carl tem olhos intensos, sobressaltados por sobrancelhas ralas e claras e ao mesmo tempo que possuía esse um porte forte –quase autoritário –seu jeito tímido e voz acalentadora quebrava o gelo que havia quando nós nos encontramos. E quando penso nele, tento encontrar algum defeito capaz de me fazer desistir dessa força que me faz querer tê-lo perto de mim.

Enquanto retiro o frango todo cortado na minha tentativa de observar se havia cozido por dentro. Vasculho algo no armário, capaz de disfarçar o sabor de queimado e o gosto enjoativo do óleo impregnado na carne. Abro a porta do ármario e o sinto pender levemente de um lado. Desço da cadeira que eu pegara para poder olhar melhor dentro do armário alto demais para mim e verifico se o armário tenha realmente dançado para um lado e o meu pior medo se concretiza. Eu quebrara algo na casa.

Desesperada afim de concerta-lo, procuro por ferramentas com o olhar constante censurador do gato. Aquele gato. Piso firme em sua direção para afugenta-lo, vá que ele realmente tem um poder de comunicação com seu dono. Ele corre para a sala e eu me desespero na cozinha. Fecho a porta devagar, rezando para um deus dos armários quebrados para que suporte o peso, até que eu consiga ajuda. Fecho e nada cai. Aliviada, começo a lavar a louça rápido, pensando em ligar em seguida para Tuva, na esperança que ela consiga me trazer alguma ferramenta para apertar o parafuso, caso seja o parafuso. Será que é o parafuso?

É o parafuso. Vejo cautelosa por baixo do armário que me faz lembrar a torre de Pisa. Procuro por um parafuso perdido no chão brilhante e escuro da cozinha e abro a porta novamente para ver se há algum parafuso, perdido entre pratos de louças brancas e copos de vidro transparente. Um erro. Um erro idiota, pois assim que respiro dentro, o armário quase pende verticalmente. Exagero, pois fico aflita, completamente aflita e o seguro com as duas mãos para o alto e soltando uma das mãos, retiro o meu celular do bolso da calça traseira.

Ligo para Tuva, e ela me atende depois de alguns toques.

-Tuva, você não acredita, eu quebrei o apartamento do Mikael.

-Como assim?

-O armário da cozinha está caindo!

-O que você fez?

-Só abri, preciso de ajuda! Não posso chamar alguém do prédio se não vao falar para ele.

-Espere aí, que vou ver se meu pai pode ir até aí.

-Ok.

Espero por cinco minutos e meu braço começa a cansar. Provavelmente o tempo tenha sido menor, mas para mim foi quase meio dia de espera por sua ligação.

-Effy, meu pai não está. Eu consegui o número de um marceneiro que pode ir até aí e consertar o armário.

-Me passa então.

Ela me passa por mensagem e prova a minha inabilidade com os recursos do celular, quando não consigo fazer a ligação direta para o tal marceneiro. Passo pela minha lista de contatos, tentando encontrar o número do tal marceneiro que jurava que havia adicionado à lista. Mas a minha incapacidade em pensar corretamente em momentos de pressão me faz parar em um número e um nome.

Carl.

Talvez seja meu inconsciente controlando o meu raciocínio, mas eu ligo para ele mesmo assim.

-Alô? –Ele diz sem saber quem era do outro lado da ligação. Eu pegara o seu número, mas ele não pegara o meu.

-Alo, Carl? –Digo seu nome como uma pergunta, na esperança que ele reconheça a minha voz. Como parece que ele não reconhece, explico quem sou –Sou eu, Effy!

-Effy, oi. Como você está?

-Estou fudida –Escolha errada da palavra -Din jävla idiot! –Falo em sueco, como se a escolha da palavra não fosse errada o bastante. Não. Tenho que ser uma completa idiota.

-O que? –Ele parece ofendido –Eu?

-Eu o que?

-O que você quis dizer?

-Eu sou uma idiota !

-Você disse que eu sou um idiota. Você aprendeu isso aonde?

-Com Tuva.

-Ela disse isso à você?

-Não, na verdade, ela disse isso para o seu amigo.

-Ah, sim. Mas porque você é uma idiota? O que aconteceu? –Ele ri da minha desgraça.

-Acho que quebrei o armário do seu irmão. Ele está caindo em mim.

-Em você?

-Literalmente em mim. Preciso de ajuda para parafusar o parafuso que se soltou, urgente, se não vai cair o armário.

-De pratos e copos? –Ele parece advinhar.

-Sim... você pode trazer uma chave ou qualquer coisa ou alguém que saiba prender na parede.

-Eu vou até aí. Você está segurando ele com as mãos?

-Sim.

-Aguente firme, estou chegando.

-Ok - Aliviada respondo e como se encerrasse a nossa conversa, ele responde:

-Ok –E desliga o telefone.

Meu coração bate acelerado. Não por medo ou pela adrenalina do ármario quase caindo em minha cabeça, mas por ter falado com ele.

***

Ele vem surpreendentemente rápido, eu mal havia dado um jeito de apoiar o armário temporariamente para abrir a porta para ele, que ele me surpreende abrindo-a com uma chave em mãos. Eu estava na sala, jogando alguns papéis de desenho por baixo do sofá que recuso a me sentar, e ele abre a porta.

-Hey? –Ele diz abrindo a porta e enfiando seu rosto por entre ela.

-Oi – Respondo.

Ele sempre me cumprimenta como se fosse uma pergunta, como se precisasse de autorização para conversar comigo e eu acho isso extremamente charmoso por alguma razão desconhecida. Acho que por ele ser tão diferente de mim e de qualquer um que eu já tenha conhecido. Sempre tive amigos e namorados confiantes de si mesmo e confiantes perante a mim. Ninguém nunca pareceu se esforçar para estar ao meu lado, ou talvez seja eu mesma que tenha afugentado pessoas assim –é impossível eu nunca ter conhecido alguém assim, seria?

-Eu trouxe umas ferramentas – Ele mostra para mim assim que adentra ao apartamento do seu irmão.

-Ainda bem.

-Ah você apoiou com uma vassoura!

-Com um esfregão. Apoiei para abrir a porta para você, mas vejo que não precisava.

-Tinha as chaves porque eu e Mikael havíamos combinado que seria eu que cuidaria dos animais. Tem algum problema ter a chave?

-Não. Já pensou como pode ser útil em casos assim?

-Mas você bolou um plano, veja só.

Ele se aproxima do armário que parece cair na força do piscar de seus olhos de geleira.

-Sou de humanas, como pode ver –Respondo-o, notando um sorriso formar em seu rosto.

-Funcionou, mas temos que apertar o danado do parafuso, não é mesmo?

-Eu apoio enquanto você aperta, pode ser?

Ele verifica o peso do armário, colocando as duas mãos por baixo e derrubando o cabo do esfregão no chão. Ele faz uma pequena careta e diz a mim:

-Abra a maleta e pegue um parafuso que caiba no buraco do armário –Ele aponta com a cabeça para o armário.

-Você ouviu o que eu disse? Eu sou de humanas, não sei mexer nessas coisas não.

-Não é difícil, você vai ver. Esse armário é muito pesado para você segurar?

-Esta me chamando de fraca?

-Estou sugerindo que você é capaz de fazer isso, acho que melhor do que eu. Eu sou de humanas também.

Abro a maleta e procuro por um parafuso, acho em uma caixa pequena de plástico transparentes.

-É sua essa mala?

-De um amigo. George, lembra-se?

-Sei, sei ... o advogado que não parece advogado.

-Ele mesmo. Achou?

-Sim. Preciso de algo para apertar, não é mesmo?

-Essa maleta dentro da maleta, está vendo? É a parafusadeira, vai apertar melhor. Pegue-a.

Pego a maleta da parafusadeira e a abro.

-Você precisa encaixar a ...

-Acho que sei. Preciso achar esse negócio para fixar o parafuso, é isso?

-Sim –Ele responde concordando. Eu o olho, pegando a parafusadeira e apertando o botão que a faz ligar e girar.

-Isso é uma arma –Comento apontando-a contra ele, enquanto a levo até o armário. Ele me observa e posso sentir seus olhos parando nos meus. Mas ele é tímido, pois sempre desvia-o de mim, eu sorrio e ele sorri de volta.

E toda essa encenação é incrivelmente erótico.

Furo, parafuso. Ele segura o armário com maior facilidade do que eu, pela sua altura e força naturalmente, e eu subo na cadeira e sinto sua respiração quente em minha perna. Tento me concentrar na tarefa e prendo-o, apesar da distração de sua presença. Apesar de seus olhos da cor da geleira e seu olhar intenso e quase autoritário –seu hálito é quente.

-Acho que consegui –Digo assim que verifico o parafuso parecer encrustrado na parede.

-Só tem um jeito de descobrir –Ele diz e solta o armário que continua preso na parede.

-Será que não vai cair em qualquer momento?

-Parece bem firme ao meu ver. Não se preocupe, está bem firme –Ele diz sacudindo-o.

-Ai, que alívio, obrigada Carl –Digo quase suspirando.

-Eu disse que você podia me ligar quando precisasse.

-Obrigada –Repito.

-De nada.

-Tack –Digo obrigada em sueco para faze-lo entende o quanto estou agradecida.

-Falando em sueco, cuidado com os palavrões que Tuva a ensina.

-Acho que devo me desculpar. É algo meu, sabe? Falar palavrão, sei que pode ofender, mas não é a minha intenção.

-Não é sobre o uso do palavrão em si, mas o correto uso dele.

-Vou me ater a xingar em meu idioma por enquanto. Mas devo admitir de que no seu, parece ser bem mais ofensivo.

-Pensei que a intenção não fosse ofender.

-Não no nesse caso, mas caso eu precise, na minha terra, quero dizer, eu usaria ele.

-Você não pensa muito antes de falar não é mesmo?

-Na verdade, penso sim. Quando estou À vontade é que não.

-Está a vontade comigo?

-Acho que sim. Acho não, sim estou.

Ele me observa com olhos gélidos e distantes, vacilantes e intensos. Eu deveria deixa-lo ir e agradece-lo e quem sabe, convida-lo para algum drink qualquer, que jamais aconteceria, pois eu usaria desculpas qualquer para não vê-lo novamente e assim calar essa vontade de admira-lo. Mas não o faço. Ao contrário disso o convido para comer aqui, nesse momento.

-Eu estava tentando cozinhar, seguindo todas as etapas da receita, quando o armário começou a cair. Não que isso tenha sido à causa do erro da comido, como pode ver –aponto para o prato com aspecto pegajoso e frio na pia.

-A pratica leva a perfeição –Ele tenta me consolar –Você não gostaria de me acompanhar para um almoço, quase café da tarde?

-Eu na verdade iria te convidar para comer um macarrão instantâneo, mas sabe que um café da tarde seria um ótimo almoço?

-Conheço um lugar bom. Melhor café da cidade.

Eu aceito mesmo sabendo que detesto o gosto do café e seu gosto amargo, disfarçado pelo doce açúcar e leite cremoso, mas mesmo assim aceito. Não é a sua aparência somente que me atrai, é essa sensação de querer conhecer um lado meu, totalmente diferente que me atrai com a sua presença e eu tenho que me segurar, forte, assim como o armário que quase caia no chão da cozinha, segurar para não cair, cair de amores. 



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