~¥~¥~
Lawliet sempre julgara-se um entendedor assíduo do medo. De todas as suas vertentes, os modos como se manifesta — em cada organismo — e de seus resquícios miseráveis que quase sempre resultam em pernas trêmulas e olhares perdidos. Sua profissão, querendo ou não, exigia tal conhecimento. O sentimento inevitável do medo, na percepção de L, perdurava no mundo como algo difícil — se não impossível — de ocultar sob palavras bem ditas e um semblante confiante.
E acaso um dia sua certeza a respeito disso viesse dar as costas, desistiria imediatamente, após o instante em que as pupilas de Lawliet estagnaram no jovem acanhado que adentrava os portões da mansão Blackwell.
“Steve” fora o nome que escutara, com precisão.
Jamais imaginara que o medo pudesse exteriorizar-se de modo tão sagaz, quase imperceptível, dentre o olhar inibido e cabisbaixo daquele que caminhava lentamente. Ele parecia evitar o contato visual; especialmente, com Dylan Blackwell. Por um lado, julgara que qualquer um em sã consciência e com pelo menos um neurônio funcionando, sentiria a repreensão constante de Dylan, protelando encará-lo. Contudo, o que denunciava a face encabulada de Steve, escapando entre arfadas fervorosas, não era nada menos que o puro e escancarado medo.
Não era receio, ou temor. Era medo. E Lawliet sentira esse sopro de terror, principalmente, quando o rapaz alcançou a enorme mesa, causando um sorriso em Blackwell apenas por não ser capaz de controlar a tremedeira que se fundiu às suas palavras:
— Perdoe o atraso.
— Sente-se, Steve. Não se preocupe com isso! — Blackwell respondera, com tanto apreço por cada sílaba, que soara exagerado aos ouvidos de L. — Esse é o nosso vizinho Ryuzaki. Um convidado da Olívia e, sendo assim, meu!
Não esboçara sequer um sorriso. Steve parecia ser incapaz de sorrir. Não por falta de interesse, ou ausência de entendimento... mas por medo. E tal pavor descabido, ainda imperceptível, refletia nos olhos de Lawliet como crucial.
Havia algo de errado com aquele rapaz.
Entretanto, agindo como se os ares da mansão já não estivessem pesados o suficiente, Olívia pigarreara, desviando a atenção de Steve para si e lançando-lhe um sorriso de canto. Como se, ao menos por um segundo, pudesse aliviar a tensão do rapaz; ou, até mesmo fosse capaz de entendê-lo no fim das contas.
Lawliet não pudera deixar de apreciar sua atitude.
Certamente, se Blackwell quisesse, teria argumentos suficientes para nomear Olívia com qualquer adjetivo que divergisse do elegante e delicado. Descuidada, despudorada e até barulhenta em certas situações. Porém, havia algo que Dylan jamais conseguiria negar, acaso tentasse. O fato de que sua filha era ousada, e ainda que a possiblidade de confortar e preencher alguém com a felicidade que desejava estivesse abaixo de zero, ela tentaria fazê-lo.
Olívia não pudera pensar em muita coisa durante aquele jantar. Seu costume defronte eventos importantes alcançara tal nível que estes tornaram-se maçantes. E, enquanto para a maioria das pessoas encontros chiques e pomposos realizariam sonhos celestiais de princesa, para ela, apenas soavam como fúteis e superficiais.
Talvez, seu comportamento fosse desleixado demais para acompanhar a glória de seu pai. Ou, quem sabe, as exigências dele que fossem realmente inalcançáveis. Ainda assim, pudera ver um terror estampado nos olhos de Steve, e se ele não fosse companheiro fiel da família, atreveria-se ao palpite de que também fora forçado a estar ali.
Refletira a respeito daquela situação por um breve momento, até que pudera voltar sua atenção à Ryuzaki, em instantes tão velozes que perdera a noção dos segundos.
E fora assim durante todo o jantar. Blackwell, como de costume, exibindo sua inteligência e sabedoria dentre palavras bonitas e bem colocadas; Steve, com uma postura tão forçada que restava pouco para que suas roupas rasgassem contra o corpo; e Olivia, pela primeira vez, sorrindo, diferentemente de todos os outros encontros dos quais participara naquela casa.
Observava Ryuzaki, com tamanha displicência, esfregando os pés acima do acolchoado da cadeira. E o jantar fora de mal a pior a partir dali. Ou, como ela preferia nomear, o melhor de sua vida.
— Algum problema, rapaz? — Dylan sibilou, em uma entonação provocativa. — Pode abaixar as pernas, o chão não morde.
Lawliet sentira, dentre todas as suas respirações compassadas, um instante de queimor; e sem alterar sequer um músculo do rosto, respondera ao mormaço com um descaso perceptível:
— Não... não temo que o chão possa me morder. — Dispensara explicações — Mas agradeço a preocupação.
E Olívia, que apenas não caíra em uma gargalhada sublime para não correr o risco de ser proibida de ver Ryuzaki, tentava compreendê-lo, possuindo plena consciência de que as provocações de seu pai mais o cativavam do que rebaixavam. Não que Ryuzaki fosse alguém que perdesse a linha, em qualquer que fosse a situação.
O real fato que a intrigava, no fim das contas, era o beijo. Maldição. Seria cômico se não fosse trágico seu pai tê-la atrapalhado num momento crucial e romântico como aquele. Bom... não que fosse do total extraordinário que coisas do tipo acontecessem quando na presença de Dylan.
Contudo, por mais que soubesse que jamais entenderia o que diabos se passava na mente de Ryuzaki durante aquele jantar, Olívia ainda tentava ler nas entrelinhas daquele olhar perdido, que vagava pelos detalhes da sala.
Ele, sinceramente, era um tanto quanto indecifrável.
Suas expressões faciais pareciam ser sempre as mesmas, anuviando os sinais óbvios que poderiam esclarecer o que de fato acontecia em sua mente.
Porém, de certo modo, perceptível o bastante para tornar-se uma certeza, o semblante dos olhos de Ryuzaki costumavam mudar quando estavam juntos. E quando se beijaram, a doçura presente neles fora sublime.
Isso significava que estava apaixonado? Ou foi apenas um beijo, sem relevância?
Olívia perpetuava o questionamento, ignorando completamente o fato de que uma tácita batalha ocorria por entre as paredes da casa, espelhando e refletindo em Dylan e L, como se uma guerra pertinente estivesse sendo desbravada ali
Era perceptível o modo como Lawliet o encarava fixamente, com os olhos arregalados e polegar massageando o lábio inferior. E sua tamanha concentração fazia-o questionar sobre um detalhe:
Então estava certo? Blackwell apenas fizera aquilo para apresentar sua família como comum e afastar suspeitas?
Previsível.
— Me encanta a forma como você narra suas obras, Sr Blackwell. — Steve o enaltecia, forçando uma intimidade obviamente artificiosa. — A cada verso que acompanhei, me senti no lugar exato, com os mesmos sentimentos das vítimas.
— Pois é, Steve... — Abrira a boca em um sorriso orgulhoso. — E essa é a intenção das minhas obras polícias! Destacar o sentimento exato das vítimas, para conscientizar os leitores à não repetir tais atos crueis!
Dissimulado, seria a definição que qualquer um daria, acaso estivesse no lugar de L naquele instante. Porém, Lawliet apenas pudera sorrir, displicentemente, escondendo-o atrás do polegar.
Era do total esperado que Dylan enaltecesse sua obra da maneira que o fizera. Porém, um leitor assíduo e frequente saberia ineditamente que a real intenção dos livros não era aquela que dissera. As descrições eram tão precisas, destacando incontáveis pensamentos, que seria impossível concluir a primeira trilogia sem compreender, perfeitamente, as motivações não das vítimas... mas do assassino.
E aquele deslize, para L, fora tão crucial quanto os olhares ácidos de Dylan sobre si. Logo, para alguém que prefere seguir não pelas provas, mas pela falta delas, pudera comprovar duas teorias certeiras:
A de que Blackwell desconhecia o fato de que lera sua a trilogia, ainda não publicada. E, principalmente - e primordialmente - a de que aquele jantar possuía a intenção de provar, em todos os detalhes, sua definitiva inocência.
L sabia que estava à frente no jogo.
— Suas obras demonstram grande senso de justiça, Dylan Blackwell. — Dissera, quebrando o silêncio primoroso que acobertava o local.
— Ora, então quer dizer que você acompanha a trilogia?
— Sim. — Mantinha os olhos firmes aos dele, estudando cada detalhe. — De fato aprecio o modo como você retrata de maneira tão realista os assassinatos. Seria interessante se a continuação seguisse o mesmo padrão.
— Não se preocupe. — Respondera ao olhar de Ryuzaki com intensidade. Porém, ainda assim, uma chama de medo nasceu por entre seu peito. — A continuação não irá demorar muito para ser publicada.
Poderia comentar a respeito das mortes terem acontecido antes da publicação dos seguintes livros. Contudo, não usaria desse trunfo agora. A mídia mascarou os assassinatos com tanto esmero, que apenas a polícia e algumas organizações tiveram acesso às informações a partir do terceiro. Para pessoas comuns, apenas dois assassinatos foram expostos, e provavelmente os outros seriam revelados em sequência com a divulgação dos respectivos livros.
Blackwell desejava mostrar que um fã cometia os crimes baseando-se em suas obras. E a única maneira de desestabilizá-lo, irrevogavelmente, seria revelando parte de seu conhecimento. Apenas assim, perante o desespero sufocante do oponente, alcançaria seu álibi:
— Seria curioso se as mortes aqui de Cambridge ocorressem antes da publicação dos próximos livros. Uma coincidência e tanto. — Dissera, em uma entonação tão impessoal que soava como se falasse consigo mesmo.
— Está se referindo a morte das mulheres? Ah, que horror! Esse caso me faz ter expectativas cada vez mais baixas sobre a humanidade! — Respondeu Dylan.
— Acha que algum fã está se inspirando em suas obras?
— Não chamaria essa pessoa de fã, rapaz. É um absurdo como esse tipo de indivíduo interpreta minhas obras de forma errada.
E mais uma vez, lá estava ele, tentando mascarar sua culpa e impor sua inocência. Seria, em parte, divertido para Lawliet fazer mil perguntas apenas para observá-lo se entregar através de suas próprias palavras.
Contudo, no momento em que prosseguiria com as provocações, sentira um toque rápido em sua perna, congelando imediatamente, ao perceber que este vinha de Olívia.
Quando desviara seus olhos em direção à ela, pudera perceber um semblante tão desconfortável que, se fosse possível, voltaria no tempo apenas para entender o que deu início àquela reação.
Olívia não costumava mascarar seus pensamentos. Ao contrário, acaso estivesse incomodada, seria a primeira a expor tais opiniões independente da situação. Porém, ao reparar que as mãos dela prensavam o tecido carmesim do vestido, incansavelmente, soubera que algo referente àquele assunto a incomodava mais do que aparentava. E sim, seria de sua preferência encerrar o caso sem prova alguma, do que fazer mal à Olivia Blackwell. Jamais se perdoaria acaso o fizesse.
— Podemos ir pro meu quarto? Quero te mostrar umas pinturas que fiz. — Ela disse, repentinamente, buscando algum conforto diante da situação. — Não iremos demorar, pai.
Dylan a encarou friamente, analisando-a por alguns segundos e liberando uma arfada frustrada. Não poderia recusar o pedido de Olívia, principalmente ali, naquele jantar.
— Vocês podem ir. Mas não demorem.
— Não iremos. — Ela respondeu, fitando os olhos aos de Ryuzaki e levantando-se.
Lawliet já presenciara Olívia de diversas maneiras. Contudo, jamais a havia visto andar tão rapidamente por entre os corredores extensos da mansão Blackwell. E, juntamente ao pensamento fatigante que o forçava a entender que diabos a fizera agir daquela maneira, seu encanto perante o semblante agitado que escapava dos olhos dela ainda o fazia desmoronar por dentro.
O fato era que Olívia podia estar de qualquer forma; sempre seria deslumbrante. E ali ela caminhava de forma tão cáustica, que preenchia com cores quentes cada tijolo daquela residência obscura.
Ambos subiram a escadaria sem desprender sequer uma palavra. Olívia até pensara em falar algo, para explicar à Ryuzaki o que de fato estava acontecendo. Porém, acaso seu pai escutasse de algum modo, através das paredes, talvez, estaria arruinada.
A verdade era que não pretendia contar a respeito de sua mãe. Não agora. Não queria que ninguém, nenhuma alma viva, sentisse pena dela por aquele passado horrendo.
Apenas desejava que mortes e crimes não mais rumassem, ou sequer espreitassem, nenhuma lacuna de sua vida. Não gostaria que os livros de seu pai estivessem envolvidos em algo tão macabro.
E, o mínimo que podia fazer era se afastar, juntamente à Ryuzaki, daquele jantar ridículo.
— Essa com certeza foi uma fuga ágil. — Ele comentou, enquanto a seguia pelos corredores escuros do andar superior.
— Nem me fale.
— O que te afligiu lá em baixo? — Fora direto.
— Nada preocupante. Só acho que o jantar já estava pesado o suficiente para incluir assuntos como aquele. — Fitara Ryuzaki, sentindo uma fagulha de calmaria afugentar seu peito, brevemente. A presença dele, de fato, era um conforto diante do caos que preenchia a casa em todas aquelas reuniões. — Mas não pense que é algo extraordinário. Isso sempre acontece quando meu pai decide fazer esses encontros formais e regrados. Me sinto presa.
Lawliet compreendera perfeitamente o posicionamento de Olívia. Blackwell, querendo ou não, exalava o respeito. Era revestido pelo próprio verniz que lustrava os móveis, e pelo brilho que tornava suas vestes impecáveis. Seus movimentos eram certeiros, e o balançar das mãos condizia com seus argumentos úteis e palavras claras. De fato, vê-lo, até mesmo com um olhar critico, era uma imagem bem agradável.
Porém, na percepção de L, a única coisa que pudera sentir fora o desprezo, quando os olhos acidentalmente prendiam-se nos dele, por milésimos de segundos; que se tornavam longos minutos.
Mas oras, o que poderia fazer se o próprio homem, que entregava aos convidados vinho tinto sobre a luz de candelabros esbranquiçados, exalava o puro ar de escárnio e futilidade.
Não era a toa que Olívia buscava fugir daquele lugar medíocre.
Apenas assentira com a cabeça, quando, em poucos segundos, pudera assumir para si mesmo que a observar falando, com aquela velocidade e espontaneidade calorosa, sempre fora uma terapia. Ou, na mais profunda das hipóteses, o prefácio de um desejo inabalável.
Não seria a atmosfera pesada de Dylan Blackwell que o atrapalharia. E, colocando a investigação em segundo plano, não permitiria que nenhuma de suas consequências afetassem Olívia.
— Esse não é o caminho do quarto. — Reparou, ao ver que ela o conduzia para outro lugar propositalmente.
— Ainda bem que percebeu. Estamos indo para a biblioteca.
Biblioteca?? Lawliet sentiu um breve desequilíbrio, logo retomando sua postura em milésimos de segundos. Acaso já não conhecesse Olivia, até cogitaria a possibilidade dela estar infiltrada em sua própria investigação. E se aquela não fosse a chance perfeita para conseguir os livros restantes e comprovar sua teoria das capas, essa não existia.
Quando acendera a luz do enorme acervo, o local foi iluminado pouco a pouco, como se até a ordem das lâmpadas precisassem seguir um ritmo padronizado. Previsível, vindo de Dylan. Aos poucos, conforme seguia os passos despreocupados de Olívia, pudera ver, livro por livro; entendendo que Blackwell os organizava por cor e volume, em cada magnânima estante amadeirada. De novo, previsível.
O local parecia não ter fim, assim como o restante da mansão, adornada por uma arquitetura rústica, mas tão ampla e bem planejada que causava dor aos olhos.
Até que chegaram ao final, diante de um acervo do qual desconhecia as obras. E, para seu contentamento, era a estante correspondente às obras apenas de Dylan Blackwell.
— Por que me trouxe aqui? — Questionara, buscando com seus olhos a capa pontilhada da trilogia dos assassinatos.
— Um agradecimento por ontem. Se não fosse por você eu jamais teria conhecido o centro da cidade. — Ela caminhava, pincelando os dedos através das capas grossas dos livros de seu pai. — Sei que você gosta das coisas que ele escreve, então... achei que seria uma boa forma de te agradecer.
E Lawliet sentira outra flechada atingir-lhe o peito, enquanto seu fôlego tornou-se tão cálido quando brasa. E se, por algum acaso, seu sentimento por Olívia ainda fosse brando, ali, naquele instante, avultara-se de modo tão violento, que o fizera prender a respiração.
Vira como cada reação dela tinha um efeito devastador sobre si. Capaz de desmoronar suas barreiras mais firmes, e bombardear seus terrenos baldios.
E apenas aquela demonstração já fora o suficiente para confirmar a profecia. A de que precisava, necessitava, como seu próprio oxigênio, beija-lá novamente.
Mesmo que este viesse a acontecer somente após a conclusão do caso.
— Pode escolher o livro que quiser. Vou te deixar à vontade.
Olívia sorrira, verdadeiramente. No fim das contas, sua teoria a respeito dos olhos de Ryuzaki estava correta. E o semblante deles mudara de forma tão drástica, quase mágica, que seria impossível que não chegasse à certeza de que o amor transbordavas dentre aquelas pupilas acinzentadas. E, consequentemente, as dela compartilhavam do mesmo ardor.
Lawliet não pudera fazer muita coisa. Apenas permaneceu fitando os livros, em busca das capas correspondentes à primeira trilogia. Porém, o motivo não era apenas esse, pois, sabia que acaso seus olhos fossem tomados novamente por Olívia, perderia seu desígnio. E isso não podia acontecer naquele momento crucial.
Até que ela, acidentalmente, derrubou ao chão um dos livros.
E L, fitando-a em um impulso, tivera seu ser alastrado por uma fúria violenta, como ondas em alto mar, assim que a observara abaixar.
E perdeu o fôlego por completo.
Seus olhos refletiram Olívia, de modo tão abrangente, que o contraste da luz amarelada da biblioteca fizera com que o corpo dela se tornasse uma obra prima. Direcionara seus olhos para as cochas, parcialmente cobertas pelo vestido sedoso, e, ao sentir uma fisgada atingir não só seu peito, como todo seu corpo, voltara à olhar fixamente para o acervo. E soubera que após aquele beijo, seu desejo por Olívia não mais teria fim.
Sentira dor. Pois, sabia que todas as vezes que saciasse seus anseios de sentir e tocar Olívia, com todo seu ser, e quando o sentimento explodisse como fogos de artifício, ele sempre a desejaria mais e mais.
Isso seria um ciclo infinito, que não deveria ser alimentado. Então, este se mostrara ainda mais nocivo quando ela levantara o rosto, e Lawliet pudera fitar suas maçãs ruborizadas e olhos lampejantes.
E perdera o fôlego novamente.
Ele teria pensado mais sobre isso. Teria, verdadeiramente. Porém, os passos abafados de Olívia aproximaram-se em uma velocidade que não pudera calcular. Ou, quem sabe, estivesse tão submerso em pensamentos que não sentiu ela se aproximar.
— Quando você terminar a área das investigações policiais, te recomendo esse... — Dissera ela, estendendo a mão com um livro grosso de capa empoeirada. — É um romance. Um dos poucos que meu pai me deixou ler, dentre os que ainda não foram publicados.
Sem que Ryuzaki ao menos perguntasse, ela abriu o livro em um trecho tão específico que parecia ter decorado sua página com exatidão.
— Fala sobre destino. Vou ler um trecho: “E quando as linhas do destino se unirem, não haverá universo que nos separe...” — Travara, estagnando suavemente ao processar as palavras que estavam sendo recitadas. E se achara patética por um instante. — Engraçado que estávamos falando sobre isso ontem. Quando aquilo aconteceu.
— Quando nos beijamos? — Ele completou, sem inibição; sentindo novamente seu peito esquentar, acelerando gradativamente, e arrepios alcançarem a nuca.
— É...
Olívia, no fim das contas, por mais que falasse sobre qualquer assunto sem precaução algum, sabia que aquele beijo havia se tornado um ponto fraco. Algo que, por mais que rumasse seus pensamentos, tornando-se uma constante, ainda ressecava sua garganta e a fazia tremular as palavras.
— Não precisa ter vergonha disso. — Lawliet se aproximou, observando a luz desfalecer sobre o rosto dela e desviando seu foco aos lábios rosados. E, por mais que repetisse um dicionário de motivos para que aquilo não acontecesse novamente, ainda questionava-se a respeito de como ela podia fazê-lo estremecer com tanta facilidade!
— Bom, na minha vida costuma ser uma raridade. — Pigarreara, sem mover um músculo sequer.
— Te asseguro que posso dizer o mesmo da minha.
Um silêncio ensurdecedor preencheu o ambiente; como se uma melodia ecoasse através dos ventos sucintos da biblioteca. E, conforme a ausência de palavras se alastrava, os pensamentos se ramificavam, fazendo com que o desejo um pelo outro se tornasse difícil, se não impossível, de ser anuviado. Ambos tropeçaram na própria respiração, e evitar aquele assunto mostrou-se, de fato, impossível.
— Está me olhando daquele jeito. — L disse, com tanta convicção que estremeceu Olívia de uma só vez.
— Que jeito? — Tentara disfarçar, já dando-se como perdida.
— Como se quisesse me beijar de novo.
Lawliet sabia que, ao dizer aquilo, poderia estar assinando sua condenação, novamente. Tinha o conhecimento de que suas palavras poderiam resultar naquilo que, ao mesmo tempo em que desejava com todo seu ser, ainda não sabia se deveria ser feito.
Tentara se afastar, porém, ao acompanhar o corpo de Olívia se aproximar cada vez mais, também se vira estagnar. De novo.
Não era como se estivesse agindo por impulso. Aquilo era apenas uma parte, uma mísera parcela, do que vinha rumando seus pensamentos até então. E ele, descaradamente, não pudera mais evitar que aquilo acontecesse.
— Você também está me olhando daquele jeito...— Ela rebateu, já tão próxima à ele que pudera sentir sua respiração pincelar a face. — Como se pudesse ler exatamente o que penso.
E não tivera tempo de raciocinar. Não sabia se retribuir era realmente o certo a fazer, ou se poderia arriscar tudo com aquele simples ato. Mas apenas o pensamento, só a possibilidade de cogitar mergulhar mais uma vez naquela mulher... fez o único tempo que possuía para pensar esvair-se de suas mãos em segundos. Aqueles malditos míseros segundos. Como sempre acontecia.
Olívia Blackwell fazia parte da única vertente em que sua emoção divergia de seu raciocínio, contrariando as razões em um piscar de olhos.
E ali, ambos se renderam.
Afogara-se naqueles lábios com ainda mais vigor que as últimas vezes, jurando poder sentir o mundo explodir dentro de si novamente. Pegava fogo, e cada extremidade de seu corpo ardia gradativamente, causando uma vontade insana de beijá-la com mais intensidade.
Tomara sua nuca firmemente, com uma carência gritante, e quando imaginara que ela se afastaria, sentira seu abdome ser tomado pelas mãos gélidas, que invadiram sua camisa na intenção única de sentí-lo, também, com mais intensidade.
E enquanto o beijo se intensificava, e as respirações se fundiam com uma calidez absurdamente satisfatória, Olívia pudera encostar seu corpo ao dele. E o beijo tomou uma urgência inimaginável. A biblioteca silenciou, e os instantes daquele momento tornaram-se tão cáusticos, que Lawliet jurara estar caminhando sobre o sol.
Se recusava à descolar seus lábios dos dela, e jamais seria covarde o suficiente para ousar separá-los. A maneira que ela o consumia, com tanta voracidade que seria impossível negar que estava apaixonada, apenas o fazia cobiçar por mais. L queria sentí-la. Queria ser dela, inteiramente dela.
E, acaso antes houvesse algo que o impedisse de beijá-la com mais paixão, agora, essas razões foram completamente ignoradas.
Por um instante, ficara tão deslumbrado com a facilidade que Olívia tinha para desestabilizar todo seu ser, que afastara os rostos, causando um estalo potente ao separar dos lábios. E quando a presenciara arfar, corada, tão submersa em paixão quanto ele, jurara que jamais desejaria ser de outro alguém, que não fosse ela.
Tornou-se inevitável.
Segurara seu rosto, fitando-a firmemente e, ao perceber que seria incapaz de olhar em direção àqueles olhos sem que pudesse beijá-la, levara seus lábios novamente aos dela, com uma urgência cálida. E, com aquele desejo se alastrando por todo o corpo, fincara seus dedos firmemente contra a cocha feminina, quando...
— Olívia! Cadê você? Onde estão os dois? — Uma voz masculina ecoou sobre as paredes do corredor, fazendo com que ambos se afastassem em uma velocidade instantânea.
— Estamos no quarto! — Olívia gritou, ofegante. — Vamos voltar agora!
E o único pensamento que atingiu Lawliet naquele instante, fazendo seus neurônios atordoados entrarem em um caos momentâneo, fora o de que Dylan ainda pudesse estragar tudo. Exatamente como temia.
Contudo, esperava que ela, após aquele ato, o que confirmou que a desejava mais que qualquer coisa no mundo, compreendesse que possuía todo seu coração.
Se antes não fosse dono total certeza, agora, soubera que estava complemente entregue. Então, com toda convicção que buscara em sua alma, sabia que um dia, poderia ser inteiramente dela.
E era inevitável que não fosse.
Continua...
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.