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História Beauty and the Beast (hiatus) - Let it go


Escrita por: ArumGirl

Notas do Autor


Ai, gente, que saudade que senti de vocês!
Perdoem-me por esses quase 2 meses sem atualização, foram tantos os problemas que eu simplesmente não conseguia gostar do que tentava escrever. Como sempre, não quis trazer um capítulo feito de última hora, gosto de manter a intensidade dessa história o mais intacta possível.
Enfim, avante!🌹

Capítulo 40 - Let it go


Fanfic / Fanfiction Beauty and the Beast (hiatus) - Let it go

Ode à Mentira

Crueldades, prisões, perseguições, injustiças,

como sereis cruéis, como sereis injustas?

Quem torturais, quem perseguis,

quem esmagais vilmente em ferros que inventais,

apenas sendo vosso gemeria as dores

que ansiosamente ao vosso medo lembram

e ao vosso coração cardíaco constrangem.

Quem de vós morre, quem de por vós a vida

lhe vai sendo sugada a cada canto

dos gestos e palavras, nas esquinas

das ruas e dos montes e dos mares

da terra que marcais, matriculais, comprais,

vendeis, hipotecais, regais a sangue,

esses e os outros, que, de olhar à escuta

e de sorriso amargurado à beira de saber-vos,

vos contemplam como coisas óbvias,

fatais a vós que não a quem matais,

esses e os outros todos... - como sereis cruéis,

como sereis injustas, como sereis tão falsas?

Ferocidade, falsidade, injúria

são tudo quanto tendes, porque ainda é nosso

o coração que apavorado em vós soluça

a raiva ansiosa de esmagar as pedras

dessa encosta abrupta que desceis.

Ao fundo, a vida vos espera. Descereis ao fundo.

Hoje, amanhã, há séculos, daqui a séculos?

Descereis, descereis sempre, descereis.





Paige Brown era uma garota movida pelo altruísmo.

Desde que começara a viver, sentia a frequente necessidade de se dispor a ajudar quem aparecesse à sua frente, independente de quem fosse; por isso, apesar do limitado acesso às informações na pequena New Westminster, onde a maior parte da sua família nascera e se criará, não abriu mão do sonho de estudar para ser uma exímio enfermeira na cidade grande.

Trabalhou junto ao médico do vilarejo durante alguns meses, aprendendo na prática o que era servir. Apesar de não ser tão sangue frio quanto a tarefa pedia, conseguiu se sair bem e o Dr. Genkin a presenteara com uma enciclopédia de anatomia humana.

 Aquela fora uma das coisas mais legais que pôde alcançar no curto prazo de sua existência.

Chegou em casa extasiada, "falando pelos cotovelos" como diria o pai, e a primeira pessoa para quem foi correndo mostrar o livro foi à irmã mais nova, cuja fisionomia, desde muito pequena, se assemelhava à sua mais do que qualquer outro dos dois irmãos. Millie tinha oito anos na época, ela quinze, mas a diferença de idade não importava. As duas passaram a tarde analisando e comentando as ilustrações do livro, apesar da menor por várias vezes desviar o olhar enquanto entravam em alguma seção detalhada. A garotinha era corajosa, porém não a ponto de estar em contato direto com sangue dentro de um vasto período de tempo.


Era uma noite chuvosa em Vancouver, cuja os raios cortavam os céus e o vento revolto ameaçava carregar tudo que pudesse para si, quando a fera adentrou o Castelo com ira incontida, levando à parede cadeiras, castiçais e qualquer objeto que visse pela frente.

Paige, Sadie e Gaten estavam no cômodo mais próximo, o que os levou a correr depressa a fim de ver o que acontecia.

Ingênuo erro. Finn e a fera não eram a mesma criatura, com os mesmos pensamentos, apesar de dividirem uma única existência. O monstro agitou-se ainda mais ao se dar conta da plateia, sem domínio de si, e ameaçou ir até eles, que se agitaram aos gritos pelo cômodo repentinamente pequeno demais.

Paige se pôs na frente dos outros dois, enfrentando o príncipe com um olhar bravio que nem a própria fera ousou desafiar; os olhos dela eram como uma barreira impenetrável - avisou seus instintos - convidando-o a se retirar da sua própria casa antes que perdesse o mínimo controle restante. Finn saiu depressa, disparando janela à fora como um animal desenfreado, deixando um rastro forte de sangue pelo chão.

O fluido revelou que ele estava machucado, provavelmente os tiros que ouviram há pouco saíram da arma de algum caçador insano que resolvera se esgueirar pela floresta mortífera. Finn poderia até ter escolhido deixá-lo vivo, era uma possibilidade, todavia os lobos de Íris certamente não optaram pelo mesmo.

A garota Brown não pensou uma terceira vez, respirou fundo e deu um passo adiante, sendo interceptada somente por Sadie e Gaten que se puseram a tentar recobrar-lhe o juízo aparentemente perdido. Infelizmente nenhum dos dois conseguiram contê-la, a jovem disparou atrás do regente do castelo, parando apenas para pegar a capa decrépita há muito pendurada no cabideiro.

A chuva a recepcionou sem gentileza quando pisou do lado de fora, levando-a a erguer o braço na tentativa de proteger a visão e enxergar em meio a penumbra o rastro de sangue deixado pelo príncipe. Ao contrário do que se poderia pensar, ela não estava pensando em nada que não fosse salvar o homem amaldiçoado; o mesmo homem cuja arrogância havia lhe indignado desde a primeira vez que o vira falar e o qual também sequer trocara mais de uma palavra durante sua estadia no castelo.

Ir até lá à procura de emprego fora um erro e a própria Paige tinha consciência disso. Lembrou-se de seu pai, da maneira que ele implorou para que ela não viesse, dizendo que uma vez tendo feito isso, jamais poderia vê-la outra vez, todavia a garota bem sabia as dificuldades que estavam passando. As invenções do seu pai não estavam retornando o lucro de antes, os mercadores não pareciam mais tão interessados naquele amontoado de bugigangas que se transformou o abrigo antibomba dos Brown, e Charlie estava trabalhando o dobro para despachar os remédios que conseguia, ao mesmo tempo em que permanecia sem previsão de quando conseguiria dinheiro para repor o que estava sendo vendido.

 Millie e Ava ainda eram jovens demais para ajudar com a despesa, então restou-lhe reunir coragem para ir além dos limites de New Westminster. Vancouver era a terra dos sonhos, da prosperidade, apesar de mudanças drásticas virem acontecendo desde que todos foram noticiados da condição do príncipe mais novo, não era possível que não conseguisse encontrar nenhum trabalho ali.

Paige nunca tinha se deparado com a fera cara a cara. Estava há quatro dias no castelo, ajudando no que podia embora todos pedissem para que ela retornasse o mais breve possível à sua família, que ficasse longe de tudo que dizia respeito à família Real. Falavam na crueldade da tal bruxa como se esta fosse o demônio em pessoa, o que assustava obviamente a novata, porém por outro lado despertava o interesse crescente em conhecer mais a história.

A irmã de Millie não sabia com o que estava lidando. Ter saído praticamente ilesa da Floresta Invernal não havia sido apenas sorte, pois soubera mais tarde que os caçadores que a levaram até lá não haviam retornado para casa.

E Finn também a protegera.

Mesmo que não tivessem se cruzado sequer uma vez antes daquele dia, o príncipe sentiu que não poderia deixar a garota desconhecida definhar nas garras dos lobos. Coincidentemente, Paige e os dois homens que a acompanhavam se aproximaram enquanto ele perambulava pela floresta, se esforçando para conter a transformação que começava a pressionar seus ossos.

Grunhidos a guiaram até onde a fera estava, fazendo a garota arregalar os olhos ao perceber que ele estava apoiado sobre a torre do masmorra, os pés ainda não completamente humanos deslizando com agonia sobre as telhas enquanto tentava se reequilibrar. Paige experimentou no peito a dor que a criatura sentia a partir do seu último uivo antes de desabar, não caindo de vez por causa da perna agora presa no telhado. 

Aquelas telhas não aguentariam o peso dele por muito tempo e pelo sangue perdido, o príncipe também não seria capaz de lutar contra a queda outras vezes.

Ele teria a impedido de subir até lá se o ferimento em seu ombro já houvesse entrado no processo de cicatrização, como ocorria constantemente. Não sabia o que exatamente havia sido usado na flecha, mas com certeza era um tipo de veneno. Malditos caçadores, nunca estavam satisfeitos em caçar os animais menores!

 A chuva agressiva piorava muita coisa, espalhando o sangue ao invés de auxiliar o rapaz a contê-lo. A camisa de linho estava em farrapos, oferecendo visão ampla da mancha escura desde o ponto superior da clavícula direita e começava a descer, alcançando naquele momento o primeiro músculo do braço.

Seus olhos cresceram ao ver a garota tentar dar os primeiros passos na sua direção, bambeando o corpo para os lados como fizera um pouco antes. Não havia firmeza onde quer que pisasse.

Gritou para que ela fosse embora, o som gutural demonstrando a si mesmo o quanto ainda era dominado pela fera. Paige balançou a cabeça em negação, tateando as telhas com o tronco inclinado para se aproximar dele.

O que será que tinha dado naquela garota? Ela não prezava pelo própria vida?

 Finn não estava acostumado a ser ajudado. Não quando não havia se restabelecido completamente. Tinha seus amigos no castelo, mas há meses não se aproximava de nenhum deles. Podia ver o medo nos olhos de cada um, até de Caleb, que lhe era o mais próximo, e recuava no exato instante que compreendia tal fato. 

 Eles tinham razão em temer o monstro que era, por isso o Wolfhard escolhera tomar distância, falando-lhes somente o essencial. Não queria viver à base da compaixão alheia, deixasse dizer que era orgulhoso.

 E ali estava a garota que conhecera poucos dias atrás, quem se recusava a voltar pra casa independente de quantas vezes os outros a explicasse a situação, se arriscando para chegar até ele e oferecer-lhe uma mão amiga. Finn não pôde negar o que sentiu com a percepção disso. Ainda existia pessoas boas no mundo, tolas ou valentes o bastante para arriscar suas vidas em prol de outras.

 Com sacrifício, Paige conseguiu fechar a distância entre eles da melhor maneira possível, perto o suficiente para se desfazer da capa e jogá-la ao príncipe, que prosseguia analisando-a espantosamente. Ela o instruiu a segurar o tecido contra o ferimento a fim de estancar o sangue e seguiu tentando acalmá-lo a cada grunhido atônito que este soltava, percebendo as bordas da visão escurecerem nos instantes corridos.

Brown sabia que a flecha fora envenenada, pois já cuidara de um paciente em condição semelhante durante o seu trabalho com o Dr. Genkin; sabia mais ainda o perigo que era deixar aquele elemento agir no organismo por tempo prolongado. 

 Paige repassou tudo que precisava fazer na sua mente um segundo antes de ficar de pé, sem usar as mãos para apoiar-se nas telhas lisas como antes. Tinha consciência do perigo da manobra, porém estava mais preocupada em não conseguir salvar o rapaz pelo controverso "e se".

Tinha avançado dois passos, não mais do que isso, quando Finn rangeu os dentes e se movimentou automaticamente perante a dormência que percorreu o membro prejudicado, quase chegando à mão. O teto cedeu em novas regiões, levando Paige a perder estabilidade novamente, as pernas balançando por completo sob o telhado.

Não conseguiu gritar ao acompanhar o corpo deslizando para baixo, sem descobrir onde se segurar para evitar o baque em meio ao desespero. Acima de sua cabeça, um raio poderoso iluminou tudo ao redor, deixando-a ainda mais consciente da altura a qual se encontrava prestes a perder.

Finn atreveu-se a se mover, jogando o corpo para frente e agarrando a mão mais próxima da garota antes que esta viesse abaixo. O gesto, é claro, agravou a sua lesão, porém se manteve teso, focado em ajudar Paige como ela tentara fazer com ele.

A primeira coisa que ela fez foi noticiá-lo o que deveria ser feito para conter o veneno, lançando uma gama de informações que fizeram a confusão mental do rapaz, induzida pelo agente tóxico, aumentar.

"Não vai aguentar segurar nós dois por muito mais tempo" - a novata sussurrou, fazendo uso de um tom que o príncipe nunca soube especificar.

Finn gritou o nome dos amigos o mais alto que conseguiu, rezando para que eles aparecessem depressa e pudessem fazer algo, embora a sua consciência lhe dissesse que a masmorra era a parte mais distante do castelo e talvez nenhum deles estivesse por perto.

"Eu não quero te soltar" - replicou o jovem com dificuldade. A fera não havia ido embora na totalidade, a dor no ombro estava incomodando a sua parte primitiva e também a humana, trazendo uma oscilação condizente ao seu aspecto, ora aparentando ser o príncipe humano que nascera, ora sendo dominado pelos vestígios do monstro.

"Eu sei que não quer" - a garota disse uma última vez, deixando as lágrimas mesclarem-se às gotas penosas da chuva.

Paige tinha razão; aquele homem assustado e reprimido pelas suas próprias ações não fora capaz de salvar os dois da fatalidade. Era um fracote, um inútil miserável como ouviu da boca do seu pai por tantas vezes, e foi impossível não relembrar tais palavras odiosas enquanto acompanhava com horror os dedos da garota esgueirar-se entre os seus, zarpando como se qualquer coisa insignificante, não uma vida, dependesse deles.

Era uma noite chuvosa em Vancouver, cuja os raios cortavam os céus e o vento revolto ameaçava carregar tudo que pudesse para si. E após o ínterim de escuridão, nenhum dos dois pôde alcançar a luz outra vez.



- O quê? - Millie recuou um passo à medida em que Finn tentou se aproximar, tonta pelo que ouvira dele.

- Foi um acidente. Eu não queria que nada de mal tivesse acontecido à Paige, mas não fui capaz de segurá-la. - a voz do príncipe vacilou - Millie, acredite em mim...

- Mentira! - Louise estreitou os olhos cinzas, disposta a causar ainda mais ressentimentos - Você poderia tê-la salvo, poderia t...

- Cala essa boca! - a castanha bradou feroz, o que levou as sobrancelhas da farsante ao topo da cabeça - eu não quero ouvir ninguém além do Finn.

As íris avelãs, tempestuosas como jamais vistas antes, regrediram para o cacheado, que em momento algum mudou o olhar para longe. Esteve tentando durante cada hora dos últimos dias chegar àquela temática, expor tudo que nunca deveria ter sido escondido de Millie para início de conversa.

- A Paige tentou me ajudar, mas acabou desequilibrando no telhado liso e eu a alcancei pouco antes que caísse. Lutamos juntos pela vida durante o que pareceu uma eternidade e ao mesmo tempo não deve ter se passado meros segundos. Ela estava com medo - o príncipe reprisou, arrepiado com a intensidade das lembranças  - foi a primeira vez que olhei tão fundo nos olhos de alguém e o medo que vi ali me assombrará para sempre. 

Rija, a irmã de Paige balançou a cabeça em afirmação, compreendendo a lacuna na última frase de Finn. A segunda filha dos Brown era a garota mais corajosa que já conhecera na vida e imaginá-la temerosa trazia um tipo diferente de angústia; o Wolfhard não sabia como externalizar esse fato, porém não havia necessidade. Mais uma vez, numa situação taxativa, Millie o entendia.

- Ela escorregou - Millie sussurrou, reparando no salão cada vez menor. A expressividade das cenas adentravam em sua mente sem delicadeza, sem amenidades.

 Finn estava aturdido na mesma intensidade em ter que relembrar um dos piores estados aos quais já presenciara. Conviver dia após dia com aquilo era mais um dos muitos tormentos que o destruía lentamente.

- Eu deveria ter sido mais forte que minha dor. - finalizou, desviando o rosto ao se julgar indigno de continuar olhando para a castanha.

 Uma das pessoas mais importantes da vida de Millie estava morta por causa dele. Ele trouxera sofrimento para a única alma que esteve disposta a livrá-lo da maldição que o cercava, a amá-lo apesar de cada árduo limite.

 Ele não merecia sequer misericórdia.

- Você tem noção do que fez? - a pergunta saiu trêmula, baixa, porém categórica o suficiente para trazer uma nova onda de arrepios a quem presenciava o episódio de perto.

- M-Millie - Finn percebeu as pernas tremelearem - eu e a Paige não éramos amigos, não a deixei se aproximar como deveria ter feito, mas eu teria trocado de lugar com ela se pudesse! Não tenha dúvidas disso, eu juro a você que eu...

- Eu sei! - ela quase gritou, apertando os dedos na palma da mão - Eu sei, Finn, e é isso que mais me dói. Você me conhece mais do que o bastante para saber a importância que a Paige tem na minha vida e o que fez perante isso? Escondeu-me a terrível verdade sabendo como ninguém de toda ela!

Millie parou e respirou fundo. Se tinha algo que detestava mais do que tudo no mundo, era a mentira. A mentira que destruía vidas, famílias, amores, trazia amargura e enganava até o mais racional dos homens.

Ela lembrava bem do que o príncipe a dissera quando perguntou-lhe pela primeira vez pela irmã. "Sinto muito. Nunca a vi."

Nunca a vi. Essa era a pior frase que ele poderia ter dito.

- Eu não tive coragem para contar a você antes. Acredite, dói profundamente em mim também lembrar disso.

- Tem noção de tudo que estou, todos os dias, renunciando a mim mesma para poder continuar aqui? Sabe como foi ser obrigada a abandonar a minha família para viver com um homem rude, esnobe, que tratava todos como se fossem seres insignificantes?

O Wolfhard engoliu em seco, sentindo os próprios olhos marejados. Seu grave orgulho, aquele que o impedia de mostrar vulnerabilidade diante dos outros, por ora não parecia existir. Ele estava a um passo de se ajoelhar ante a garota e implorar o seu perdão.

O problema é que ele não sabia como redimir-se a alguém por uma coisa que não havia sequer perdoado a si mesmo.

A Brown se segurou no mesmo lugar após pensar brevemente sobre tomar proximidade ou não, optando pela última alternativa ao perceber que as pernas não obedeciam os seus comandos. O choro não cessava tampouco, molhando seu queixo e vestido.

- Eu entrei em estado de negação, Finn. Neguei muito do que acreditava piamente para permanecer aqui ao seu lado, te ajudando a se reconstruir, te ajudando a ajudar as únicas pessoas que, não tendo escolhido esse destino, estão passando por isso contigo. Eu me apaixonei por você! - aquela frase o fez se curvar para frente, como se tivesse levado um soco no estômago. Na verdade, a sensação era pior do que essa.

Eu também estou apaixonado por você - disse a mente dele, mas a língua grudara-se ao céu da boca, o impedindo de verbalizar a frase.

 Era um imenso covarde! estava diante da única mulher que o fez nutrir um sentimento amável, um forte sentimento, e não conseguia demonstrá-la isso. Não conseguia fazer nada além de piscar os olhos dezenas de vezes, tentando desanuviar a visão embaçada pelas lágrimas por pouco contidas.

- Eu não recebo notícias do meu pai há tanto tempo que vivo somente para orar e pedir a Deus que ele esteja bem, caso contrário… - negou com a cabeça, não querendo se prolongar no assunto que martelava na sua mente em todas as noites antes de dormir, afugentando-lhe o sono.

- Se quer saber, ouvi comentários recentes sobre Robert Brown - Millie se moveu para frente antes de sequer se dar conta do que fazia perante o comentário da Hempton.

- O que você sabe sobre o meu pai?

- Que deveria vê-lo com os próprios olhos. Parece que o pobrezinho piorou. - acrescentou com uma dose sórdida de desdém, outra vez causando uma palpitação que a Brown lutou para impedir.

Sua maior vontade naquele instante era estalar a mão no rosto de Louise e depois sair dali correndo como se não houvesse amanhã, contudo, seu lado coeso falou mais alto.

Perder-se na floresta a aquelas horas seria apenas mais um problema com o qual não saberia lidar.

Millie fechou os olhos, mentalizando o rosto de Ava, Charlie e Robert para se acalmar ao menos a ponto de escolher as palavras que iria usar em seguida. 

Finn sentiu os dedos tremerem dentro do bolso do sobretudo de seda. Enfrentar os meses restantes com a lembrança do ódio que tinha causada a primeira e única amada, era pior do que a maldição que lhe perseguia dia após dia.

- Eu não te odeio, Finn, mas não vejo como reagir de outra maneira. - pausou, surpreendendo o rapaz ao seguir a linha de raciocínio que este reunia - Vou embora.

A decisão tomada por ela partiu o coração do príncipe, mas ele nada falou. Costumava não ter palavras diante das coisas que mais o feriam, como sempre acontecia ao assistir às infindáveis brigas dos pais quando era criança e em tantos outros momentos dissonantes.

Incapaz de suportar o peso das confissões, que permaneciam no ar mesmo sob o silêncio, Millie juntou um punhado do vestido nas mãos e correu para longe ao passo que seus olhos eram irrompidos por lágrimas.

Finn sentiu uma queimação forte percorrer seus braços e pernas, sintoma que conhecia muito bem. A fera lutava para sair e tomar posse de seu corpo débil pelas emoções. 

Sadie disparou atrás da garota que já alcançava os degraus, seus pés se moviam com tanta pressa quanto o ar que saía dos pulmões.

- Millie!

Sofia envolveu os dedos na mão do marido, puxando-a na direção que as outras duas seguiram.

- Jack, vamos…

- Não.

- Finn - a cacheada ofegou - a Millie vai embora.

- Deixem-a. - Finn se pronunciou, mantendo a cabeça baixa - Deixem que ela vá. 

- Não posso acreditar que está desistindo assim tão fácil - o "tsc" debochado que Louise fez com a língua foi a gota d'água.

Finn deu um passo adiante e a puxou pelo braço. Graças aos reflexos da fera, seus movimentos foram mais céleres do que os amigos puderam acompanhar.

- Suma do meu castelo, Louise! Se eu você voltar e ainda estiver por aqui, não responderei por mim.

 A garota subiu uma sobrancelha.

- Seria capaz de pôr minha vida em risco, alteza?

O rosnado que saiu do príncipe, acompanhado do olhar feroz que a lançou de soslaio, fez recuar sua insolente ousadia.

- Não duvide que eu o faça. Não duvide que, nas condições que estou neste exato momento, eu possa acabar com você!

- Finn! - repreendeu Nick, afastando-o da mulher com um puxão - não se equipare a ela!

O primeiro pensamento do regente foi dizer que não se importava, o que não seria uma mentira por completo, entretanto recuou, percebendo que as forças tinham abandonado-o desde o instante em que Millie saiu.

O mais velho olhou assustado para o irmão, notando que ele não dera um passo sequer na direção que deveria.

- Você não vai atrás dela?

- Não posso.

- Ela é a sua única chance, não pode deixá-la ir embora! A Millie pode nunca mais voltar, Finn, tem consciência disso?

E como tinha! O príncipe afundou os dedos na palma da mão, sentindo como se a cabeça fosse explodir a qualquer momento. Seus nervos estavam estilhaçados.

- Talvez seja melhor assim. Ela merece muito mais do que eu poderia oferecer.

Sem conseguir mais controlar tudo que rugia no peito, Finn deslizou pelo salão em velocidade máxima, comunicando sem virar-se para olhar os amigos:

 - Alguém avise à Millie que Jaeden a levará embora pela manhã. Essa é a minha palavra final.

 Perder Millie se igualava a uma parte sua que deixava de existir e nenhum deles, o homem ou a fera, seriam capazes de suportar isso com coerência.

 O amor que sentia era forte o bastante para mantê-la afastada, longe do monstro que ele sempre estivera destinado a ser, essa veedade machucando-o ou não.

Abriu a porta pesada do cômodo principal e observou a tonelada de neve que derramava-se lá fora, segurando o peito conforme consentia que as lágrimas corressem frenéticas por suas bochechas.

No andar de cima, Millie continuou se movendo depressa até estar dentro do seu quarto e não pretendia parar até que Sadie segurasse o seu braço, mais uma vez pedindo atenção bem como fizera durante todo o trajeto.

- Millie! Millie, por favor!

- Não, Sadie - ela interrompeu a ruiva, soluçando enquanto puxava as luvas para fora de seus braços.

- Eu sei que é muito para assimilar, mas você sempre foi tão forte, por favor, não desista!

Para maior aflição desta, a Brown acenou negativamente com a cabeça.

- Eu não posso continuar aqui sabendo que minha irmã está morta e o papai irá morrer sem notícias dela. - fungou, desejando se refrear, mas era uma custosa tarefa.

- Não nos deixe, Millie. Nós precisamos de você.

- O meu pai também precisa e - a castanha piscou, atormentada com toda informação que lhe rondava a mente - eu não estou abandonando vocês, apenas preciso de um tempo para absorver.

Sink tentou não externalizar o que mais lhe agoniava no momento, mas não foi capaz de se conter:

- Esse é o problema, nós não temos tempo.

- Sadie, o meu pai está morrendo! - Millie virou-se para a amiga, os olhos inchados e latejantes - minha irmã é muito pequena para cuidar dele e o Charlie não tem como manter a casa e ainda por cima dar conta do papai. Eles também precisam de mim, não posso mais continuar fingindo que vão dar um jeito de lidar com a situação, porque não é isso que acontecerá!

Os olhos azuis baixaram, envoltos por uma tristeza intensa. Em tempo algum Sadie Sink demonstrou-lhe tamanha angústia.

- Sads, por favor - ela pediu, se virando para a janela com os ombros caídos - me deixe sozinha.

Um suspiro apesarado evadiu da namorada de Caleb e ela sentiu o sabor das próprias lágrimas quando passou a língua sobre os lábios. Sentia por Millie e por si mesma. Aparentemente, a esperança de dias melhores, isentos da maldição que eles tanto sonhavam em se desprender, estava mais distante do que nunca.

Não era egoísta, odiava até mesmo essa palavra, entretanto não pôde deixar de pensar assim; mais uma vez, não tinha poder algum sobre o próprio futuro.

Percebendo que não poderia fazê-la mudar de ideia, a ruiva assentiu, dando alguns passos para trás até chegar à maçaneta da porta.

- Me chame se precisar. - deixou como último aviso, arredando do cômodo.

Sadie mal tinha se retirado e a bibliotecária deixou-se cair de joelhos, cansada do esforço para permanecer de pé diante de tudo que havia passado mais recentemente. Foram descobertas muito duras para uma única noite, uma única hora. 

Tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais, como os dois lados de uma mesma moeda, Finn e Millie agora precisavam lidar com os maiores inimigos que a vida poderia tê-los dado: o próprio eu.


Notas Finais


O que acharam da atitude do Finn em esconder essa parte do passado da Mills? Ele deveria ter contado antes, não deveria...o que vocês acham??
E sobre a Millie? Ela tomou a decisão certa querendo voltar para casa ou ainda assim deveria ficar e tentar compreender nosso Wolfie?

Espero que tenham apreciado o capítulo e que registrem suas opiniões como acharem que devem (lembrando sempre que críticas construtivas serão bem aceitas, mas comentários ofensivos serão excluídos). Beijão!! ♥️


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