22:02 – 14 DE ABRIL
Vagar pelas ruas as levou a um lugar bastante movimentado, longe do Danúbio e através de uma praça, cercada por prédios de aparência industrial pichados. É a primeira vez naquele dia que Heejin sentiu a exaustão se instalar lentamente em seus ossos, mas ela não deixou transparecer.
– Sabe o que me deixa com raiva? – Hyunjin perguntou, balançando as mãos entrelaçadas.
– O que?
– Todas essas pessoas falando sobre como a tecnologia é ótima e como poupa tanto tempo. Mas, de que adianta poupar tempo se ninguém o usa?
Demorou um pouco para Heejin responder, distraído pelas pessoas nas ruas. Cada um era comicamente diferente do outro. Motociclistas vestidos de couro, apoiados em suas motocicletas. Amigos juntos para uma noite fora. Uma garota que provavelmente acabou de sair da cama. Um músico com uma enorme guitarra amarrada às costas.
– Sim. – Heejin murmurou.
– Certo. Você nunca ouve alguém dizer: ‘’Com o tempo que poupei usando meu processador de textos, vou a um mosteiro zen descansar.’’ O tempo livre apenas se transforma em mais trabalho.
– O tempo é abstrato de qualquer maneira. – disse Heejin, olhando para Hyunjin. – Está olhando para aquela garota?
Heejin não precisou perguntar - Hyunjin estava, na verdade, encarando a mulher parada na entrada de um bar. Mas, infelizmente para Hyunjin, Heejin gostou de vê-la confusa.
– Eu não estava. – ela negou, suas bochechas se transformando em um lindo tom de rosa. –Você, uh, você quer entrar aqui?
Ela apontou para a entrada do bar e Heejin assentiu, entrelaçando seu braço no de Hyunjin. O segurança grande e corpulento que guardava a porta da frente pediu cinquenta xelins como taxa, e Hyunjin acabou pagando pelas duas. Heejin prometeu comprar uma cerveja para ela.
O interior do bar era bom. Não estava muito lotado, com paredes adornadas com tapeçarias e o som de uma voz masculina, acompanhada por um violão, flutuando no espaço. Elas pararam em uma mesa para ouvir alguns versos, até que Hyunjin puxou seu braço, sussurrando em seu ouvido.
– Você vai me pagar uma cerveja, certo?
Um estremecimento a percorreu quando a respiração de Hyunjin soprou em sua orelha.
– Sim. – disse Heejin, já caminhando em direção ao bar com Hyunjin atrás.
22h33 – 14 DE ABRIL
– Ah, merda!
Heejin martelou as laterais da máquina de pinball, observando com frustração enquanto a bola escorria pela pista. Levou apenas um momento para Hyunjin assumir o controle do jogo, jogando com concentração silenciosa.
Ela é competitiva. Heejin deveria saber que ela seria o tipo. Ficou óbvio desde o início, quando eles avistaram a máquina no canto do bar e Hyunjin implorou para ela jogar.
– Então. – Hyunjin disse, olhos focados no jogo que ela estava jogando. – Ainda não falamos disso, mas você tem namorada, namorado? Alguém esperando por você em Paris?
– Não, no momento não. – respondeu Heejin.
– No momento… – Hyunjin murmurou, xingando quando ela perdeu a bola logo depois. Heejin assumiu o jogo mais uma vez, entregando a Hyunjin sua cerveja.
– Mas você tinha?
Ah.
– Nós terminamos há seis meses. – disse Heejin, olhando para ela. Hyunjin parecia incomodada, e antes que ela pudesse perguntar o que havia de errado, ela venceu Heejin.
– Seis meses? Oh, sinto muito. – Hyunjin disse apressadamente. – Quero dizer, obviamente não sinto muito por isso. Mas, uh, rompimentos são uma merda.
Vindo de qualquer outra pessoa, Heejin teria dado de ombros, mas este era Hyunjin. Alguém que conversou com ela, a conheceu e ainda decidiu que Heejin era alguém que ela queria beijar. Parecia diferente vindo dela.
– Obrigada. Você não precisa se sentir mal, no entanto. Foi muito chato.
– Eu duvido disso. – disse Hyunjin. Ela cutucou seu lado, provocando um olhar de Heejin. –Vamos, me conte.
Só de pensar nisso já fazia a cabeça de Heejin doer, mas ela decidiu que uma versão resumida não faria mal. Ela tentou canalizar sua indiferença mais cedo, a parte dela que não se importava com o que Hyunjin pensava dela. A parte que ainda a considerava uma estranha, e nada mais.
Ela falhou.
Acontece que ela se importava - e muito.
– Ok. – Heejin começou. – Fiquei muito desapontada. Pensei que esse ia durar um tempo. Ela era muito estúpida, ruim de cama, alcoólatra. Ela era muito bonita, no entanto.
– Uma verdadeira premiada. – Hyunjin brincou, percebendo o sarcasmo dela. – Pena que não durou muito.
Heejin abriu um sorriso.
– Sim. Eu estava fazendo um favor a ela, mas ela me deixou. Disse que eu a amava demais e, aparentemente, estava 'bloqueando sua expressão artística'. – Ela fez uma careta, lembrando-se de como sua ex disse isso de forma tão ridícula, como se lhe doesse dizer isso a ela. Em retrospectiva, entrar nesse relacionamento provavelmente não foi a melhor decisão que Heejin tomou na memória recente.
– Mas enfim, fiquei traumatizada e me tornei totalmente obcecada por ela…
Heejin parou por um momento para tentar encontrar as palavras para explicar isso, a distração fazendo com que ela perdesse a bola do jogo. Ela então encarou Hyunjin, cujos braços estavam apoiados na máquina de pinball, olhos focados em Heejin.
Ela costumava achar isso opressor antes, mas agora ela se deliciava com a forma como a atenção de Hyunjin parecia ser descaradamente dela o tempo todo.
– Foi meu primeiro relacionamento de longo prazo. – Heejin admitiu timidamente. – E, bem, eu fui ver esse psicóloga. Acontece que eu havia escrito uma estória estúpida sobre uma mulher tentando matar a namorada e como ela faria isso, com todos os detalhes de como fazê-lo e não ser presa...
– Ela ia matar a namorada? – A expressão de Hyunjin mostrava diversão. Não era nada do que Heejin esperava.
Apesar de sua reação, Heejin ainda se sentia um pouco constrangida ao falar sobre isso.
– Sim, ela ia. Não era nada que eu faria, era só uma estória.
– Confie em mim. – Hyunjin interrompeu, movendo-se para pegar sua vez no jogo de pinball. –O desejo de matar um ex não é muito incomum. É uma coisa universal, não se culpe por isso.
– Sim, eu sei. – Essa não era a parte que preocupava Heejin, de qualquer maneira. – Mas, essa psicóloga estupida acreditou que eu faria isso. Então ela chamou a polícia.
Isso pareceu atrair a reação que Heejin esperava - havia um pouco de choque nas feições de Hyunjin, a surpresa fazendo-a perder a rodada que estava jogando.
– Ela teve que chamar a polícia?
– Sim, porque ela estava tão convencida de que eu faria aquilo. Embora eu tivesse explicado que era só uma estória. Ela continuou dizendo: '’Olhe nos meus olhos e diga que não vai fazer isso’'. Ela estava completamente fora de si. Foi a minha primeira e última sessão.
Hyunjin assentiu para si mesma, como se dissesse que era completamente compreensível. E foi. Heejin passou os últimos seis meses dizendo isso a si mesma. Mas uma pequena coisinha de ansiedade já se enraizou no fundo de seu cérebro, e vai ser um inferno ignorá-la. Foi demais? É isso que finalmente vai assustá-la?
– E o que aconteceu depois? – Hyunjin perguntou, aparentemente despreocupada depois de superar seu choque inicial.
– Me recuperei totalmente dela. Eu segui em frente. – disse Heejin. – Mas agora estou com medo de que ela morra de acidente, bem longe, e eu seja a acusada. Eu penso nisso o tempo todo. Por que ficamos tão obcecados por pessoas que odiamos, afinal?
– Não sei. – Hyunjin encolheu os ombros com sua pergunta e tomou um gole de sua cerveja.
– E você? – Heejin perguntou. – Você está com alguém?
Sua resposta fez o estômago de Heejin cair. Hyunjin parecia um cervo pego pelos faróis, soltando uma risada nervosa.
– É engraçado como conseguimos evitar esse assunto por tanto tempo, não é?
– É, mas agora você tem que me contar. – Heejin franziu a testa.
– Bem. – Hyunjin disse, apertando os botões das nadadeiras bastante agressivamente. – Eu vejo o amor... como um escape para suas pessoas que não sabem como ficar sozinhas. É engraçado, realmente. As pessoas sempre falam sobre como o amor é essa coisa não-egoísta, doadora. Mas se pensar bem, não há nada mais egoísta.
Não era preciso ser um gênio para ver que ela estava bastante ressentida com isso e, por um momento, Heejin se lembrou da maneira como Hyunjin reagiu a cigana antes. É a mesma irritação, a mesma amargura.
– Não há nada de errado em ser um pouco egoísta. – disse Heejin. Ela bebeu um pouco de sua cerveja antes de perguntar. – Então, quem terminou com você?
– O que? – Hyunjin riu.
– Parece que alguém te machucou. – Heejin apontou.
– Sim, bem. – Hyunjin estendeu os braços, como se admitisse a derrota, e sustentou o olhar de Heejin. Heejin achou cativante - como Hyunjin não tinha problemas em encará-la por horas a fio, mas achava difícil olhar nos olhos de Heejin sempre que ela mesma tinha algo a dizer.
– Tudo bem. Hum, grande confissão. Eu deveria ter te contado isso antes...
O pavor encheu o estômago de Heejin, esperando o pior.
– Eu não vim para a Europa apenas para andar por aí... – Hyunjin confessou com um sorriso cansado. – E ler Hemingway em Paris e coisas assim. Não. Economizei dinheiro a primavera toda para ir para Madri e passar o verão com minha namorada, que estava..
– Sua namorada? – Heejin perguntou, sentindo sua garganta fechar.
– Minha ex-namorada. – Hyunjin se corrigiu, para alívio de Heejin. – Jisun estava num curso de história da arte no ano passado. Enfim, cheguei até aqui e finalmente reencontramos. Saímos para jantar, na primeira noite, com quatro de suas amigas: Jiheon, Chaeyoung, Jiwon e Gyuri. Ela conseguiu evitar de ficar sozinha comigo nos primeiros dias. Ainda assim, fiquei por lá até perceber que ela não queria que eu tivesse vindo. Então comprei a passagem de volta no voo mais barato, este que sai daqui de Viena amanhã. Mas o voo não saía antes de 2 semanas, então comprei esse passe de trem.
Havia uma fragilidade em Hyunjin agora, e isso fez o coração de Heejin doer. Foi então que ela percebeu que não havia amargura ou cinismo se escondendo atrás das palavras de Hyunjin antes - estava magoada. É o resultado de alguém que teve o coração partido, mas ainda escolheu amar de qualquer maneira.
– Sabe qual é a pior coisa de alguém terminar com você? – Hyunjin perguntou com uma risada oca. – É quando você se lembra do pouco que pensou nas pessoas com quem você terminou, e você percebe que é pouco assim que elas estão pensando em você. Você gostaria de pensar que os dois estão sofrendo, mas na verdade, estão só: ‘’Ei, estou feliz que você partiu.’’
Heejin esperou para ver se ela tinha mais a dizer, apenas para obter silêncio em troca.
– Você deveria procurar as cores claras. – Heejin brincou, empurrando Hyunjin levemente para dar sua vez na máquina de pinball.
– O que?
– Foi o que minha psicóloga me disse. – explicou Heejin. – Logo antes de ela me acusar de ser uma maníaca homicida, ela sugeriu que eu deveria procurar cores mais vivas para me livrar da minha obsessão.
– E funcionou?
Heejin colocou uma moeda dentro da máquina e começou a bater nos botões das nadadeiras.
– Bem, eu não matei ninguém ultimamente.
– Não ultimamente? Isso é bom. Você está curada então. – Hyunjin disse com alegria fingida.
Heejin deu a ela um olhar seco.
– Veremos.
23:11 – 14 DE ABRIL
– Eu vi um documentário sobre isso. Chama-se dança de nascimento.
Assim que se cansaram da máquina de pinball no bar de mergulho, elas retomaram o passeio pelas ruas. Nesse ponto, Heejin não tinha ideia de onde estavam, mas ainda assim é bom, com a brisa fresca da noite e o luar iluminando as ruas. Elas pararam em uma esquina para assistir a uma dançarina do ventre dançando ao som de um percussionista, e Heejin lembrou de ter assistido na TV alguns meses atrás, identificando-a como uma dança de nascimento.
A mulher estava vestida com tecido escuro, bordado com pedras e miçangas, a saia envolvente balançando ritmicamente ao ritmo do tambor do percussionista. O som de seu cinturão de moedas adicionou seu próprio elemento à música, e Heejin ficou encantada com a apresentação, até que terminou sob os aplausos e aplausos de seu pequeno público.
– Devo dar dinheiro a ela? – Hyunjin perguntou hesitante, apontando para o pequeno pote na frente delas.
– Claro.
– Tudo o que é interessante custa um pouco de dinheiro. – Hyunjin se abaixou e jogou algumas moedas no pote.
Heejin revirou os olhos com o comentário, já se afastando da esquina. Hyunjin correu para o lado dela rapidamente e agarrou seu braço.
– Dança de nascimento, hein? – ela disse casualmente, parecendo um pouco cética. – Elas dançam em torno de uma pessoa dando à luz ou...?
Heejin riu da imagem mental de um monte de gente dançando ao redor de uma mulher em trabalho de parto.
– Quem dança é a grávida.
Hyunjin cantarolou em resposta, soltando o braço dela em troca de entrelaçar as mãos. Era reconfortante, a forma como o silêncio entre as duas não chegava nem perto de ser constrangedor. Caminhando mais adiante, elas chegaram a uma rua tranquila, sem pessoas e lojas fechadas ao longo dos quarteirões.
– Como é que ela consegue dançar, o trabalho de parto não deveria ser realmente doloroso? –Hyunjin perguntou, quebrando o silêncio.
– Aparentemente, dançar ajuda a diminuir um pouco a dor. – respondeu Heejin.
As sobrancelhas de Hyunjin franziram.
– Realmente? Sabe, é estranho como o parto ainda é uma coisa muito dolorosa de se passar. A medicina e a tecnologia chegaram tão longe, mas a melhor maneira de uma mulher dar à luz ainda é… este evento altamente perigoso e excruciante. – Ela deu de ombros. – As pessoas falam sobre o parto como uma coisa mágica e maravilhosa. Quem sabe.
– É estranho. – Heejin concordou, parando quando viu um pequeno banco na frente de uma loja, logo abaixo de um poste de luz. Ela puxou a mão de Hyunjin e os conduziu até lá.
– Falando sério. – disse Heejin, virando-se para olhar para Hyunjin quando elas se acomodaram no banco. – Sempre sinto essa pressão para ser um ícone forte e independente da espécie feminina e não deixar parecer que minha vida toda gira em torno de algum cara ou uma mulher.
– Sim.
– Mas amar alguém... e ser amada, significa muito pra mim. – continuou Heejin. – Sempre faço graça com isso e tal, mas tudo o que fazemos na vida não é uma tentativa de sermos um pouco mais amados?
Heejin observou enquanto um sorriso triste levantava o canto dos lábios de Hyunjin.
– Não sei. Às vezes eu sonho em ser uma boa parceira e uma boa mãe. E ás vezes isso parece bem próximo.
– Sim? – Heejin disse, encorajando-a a continuar.
Hyunjin assentiu.
– Mas em outros momentos... parece ingênuo. Como se fosse arruinar toda a minha vida. E não é só um medo do compromisso, ou de que eu seja incapaz de cuidar e amar, porque eu sou capaz. É que, se eu for totalmente honesta comigo mesma, acho que preferia morrer sabendo que fui realmente bom em alguma coisa, que me destaquei de alguma forma. Em vez de apenas ter tido um relacionamento bom e carinhoso.
Heejin ficou em silêncio, deixando as palavras de Hyunjin serem absorvidas enquanto elas se encaravam. Olhar nos olhos de Hyunjin era perigoso, concluiu Heejin. Há tanta coisa escondida neles, tanto que Heejin não pôde deixar de derramar suas entranhas na calçada e entregar seu coração batendo em uma bandeja de prata para Hyunjin inspecionar.
– Eu... eu já trabalhei para um senhor. – começou Heejin, evocando a imagem do Sr. Kim em seus anos de colégio. Um sorriso abriu caminho para seus lábios. – Uma vez, ele me disse que tinha passado a vida toda pensando em sua carreira. Ele tinha 52 anos, e de repente percebeu que nunca havia de fato dado nada de si mesmo. Sua vida não era para ninguém, nem para nada. Ele estava quase chorando dizendo isso.
Heejin se mexeu em seu assento, seus dedos brincando com a bainha de sua camisa. Vagamente, ela pensou nas inscrições nas lápides, bem ao lado dos nomes dos falecidos. Um pai amoroso. Um amigo atencioso.
– Acredito que se há algum tipo de Deus, ele não estaria em nenhum de nós. Não em você ou em mim, mas nesse pequeno espaço entre os dois. Se há algum tipo de magia nesse mundo, deve estar na busca de compreender alguém, compartilhar algo. – suspirou. – Eu sei, é quase impossível ter sucesso, mas quem se importa realmente? A resposta deve estar na tentativa.
Mais uma vez, o ar entre elas está parado. Heejin foi a primeira a desviar o olhar, sentindo seu coração pular ao ver o olhar no rosto de Hyunjin. É uma expressão inescrutável, que causou arrepios na espinha de Heejin em sua intensidade.
Heejin não pôde deixar de se perguntar se esta noite seria o mais próximo que ela chegaria de ter sucesso. Em entender alguém e sentir um pouco dessa magia por si mesma.
23h50 – 14 DE ABRIL
Elas tiveram sorte porque os restaurantes funcionavam bem tarde em Viena.
Depois de admitir para si mesmas que andar pela cidade era muito cansativo, Hyunjin agarrou a mão de Heejin e a levou ao restaurante mais bonito que ela pôde encontrar. O que não queria dizer muito, porque ela não tentou olhar muito.
– Tudo bem. – disse Heejin, colocando as xícaras de café vazias em um lado da mesa. – Agora vou ligar pra minha amiga em Paris, com a qual eu deveria almoçar dentro de 8 horas. Tudo bem?
Hyunjin deu a ela um olhar perplexo, mas ainda acenou com a cabeça. Heejin sorriu para ela e imitou um telefone com a mão, levantando-o da mesa e colocando-o no ouvido.
– Ring, ring. Ring, ring.. – Quando Hyunjin apenas olhou para ela confusamente, Heejin gesticulou para as mãos e disse: – Atende!
– O que?
– Atenda o telefone!
Hyunjin soltou um 'oh', finalmente entendendo e colocando seu próprio telefone de mentira em seu ouvido. Heejin tentou novamente.
– Olá?
– Olá. – Hyunjin respondeu, ainda confusa. Heejin riu.
– Olá, Jiwoo! Sou eu, Heejin. Acho que não vou conseguir chegar pro almoço de hoje. Eu conheci uma garota no trem e desci com ela em Viena. Ainda estamos aqui.
Hyunjin soltou um suspiro inaudível, finalmente desempenhando seu papel.
– Você está louca?
– Provavelmente. – disse Heejin com uma risada.
– O quê- ela é austríaca? – Hyunjin perguntou com curiosidade exagerada, fingindo tropeçar em suas palavras.
– Não, não. Ela está de passagem. Ela é coreana e vai voltar para casa amanhã de manhã.
– Por que você desceu do trem com ela? – Hyunjin colocou a mão livre em cima do peito, zombando de uma expressão chocada.
– Bem... ela me convenceu. – disse Heejin, deixando um sorriso esticar seus lábios. – Na verdade, eu estava pronta para sair do trem com ela depois de conversarmos um pouco.
Heejin observou como uma pitada de surpresa genuína cruzou o rosto de Hyunjin, desaparecendo tão rapidamente quanto veio.
– Ela foi tão doce, não pude evitar. No vagão-restaurante, ela começou a falar sobre ela quando criança, vendo o fantasma da bisavó. Acho que foi quando gostei dela. Apenas a ideia dessa garotinha com todos aqueles lindos sonhos. Honestamente, ela me conquistou.
– Mm-hmm. – Hyunjin disse enfaticamente, seu rosto ainda desempenhando seu papel. Seus olhos contavam uma história diferente, no entanto. – As pessoas podem ser assim às vezes.
– E ela é tão fofa! – Heejin continuou. – Ela tem olhos lindos e lindos lábios rosados.
Hyunjin fechou os olhos e chupou os lábios para escondê-los, fazendo Heejin rir.
– Eu amo isso. Ela é um pouco desajeitada. – Depois, disse baixinho. – Gosto de sentir seus olhos em mim quando desvio o olhar. Ela beija como uma adolescente, é tão fofo!
– O que?! – Hyunjin soltou um grito indignado, quebrando momentaneamente o personagem.
– É, nos beijamos. Foi tão adorável. Ao longo da noite, comecei a gostar mais e mais dela. Mas receio de que tenha medo de mim. Contei a ela a estória da mulher mata o ex-namorado. Ela deve estar apavorada.
Foi a vez de Heejin enviar uma mensagem silenciosa com os olhos, e Hyunjin respondeu balançando a cabeça lentamente. Ainda assim, Heejin precisava ouvir por si mesma.
– Ela deve estar pensando que sou uma mulher manipuladora e maldosa. Só espero que ela não sinta isso a meu respeito. Porque você me conhece, sou a pessoa mais inofensiva. A única pessoa que posso machucar de fato sou eu mesma.
Hyunjin esperou por um batimento cardíaco, o mais longo que Heejin já experimentou.
– Não acho que ela tenha medo de você. Acho que ela está louca por você.
O coração de Heejin acelerou com suas palavras.
– É mesmo?
– Sim. – disse Hyunjin, voltando ao personagem. – Te conheço há muito tempo e tenho um bom pressentimento. Quando você vai vê-la novamente?
Heejin sentiu seu coração palpitar novamente, desta vez por razões muito diferentes e menos agradáveis.
– Ainda não falamos sobre isso. – ela disse rapidamente, colocando seu telefone falso de volta na mesa para 'desligar'.
Essa não era uma conversa que Heejin estava pronta para ter agora, e a melhor solução que poderia pensar era fugir. Ela fez o possível para ignorar a decepção que brilhou nos olhos de Hyunjin.
– Certo, é a sua vez. – disse Heejin, apontando para a mão na orelha de Hyunjin. – Ligue para a sua amiga.
Hyunjin pareceu assustada e levou um momento para ela registrar as palavras de Heejin.
– Tudo bem, tudo bem. Umm... ring, ring.
– Oi, e ai? – Heejin imitou um telefone com a mão mais uma vez e colocou-o no ouvido.
– Ei, Yerim. – Hyunjin cumprimentou, estabelecendo-se em seu papel como antes. – Que bom que você está em casa.
– Sim, sim. E como foi em Madri?
– Foi péssimo. Jisun e eu terminamos finalmente. – Hyunjin bufou.
– Oh, isso é muito ruim. – disse Heejin com um beicinho. – Eu te disse que isso ia acontecer, não?
– Sim, você disse. – Hyunjin disse com um pequeno sorriso. – Essa coisa de longa distância nunca funciona. Só fiquei em Madri por uns dias. Consegui um voo barato que sai de Viena, mas...– Sua voz começou a diminuir, como se ela estivesse prestes a revelar um segredo. – Na verdade não era tão barato assim. Eu só... eu não podia voltar direto pra casa.
A respiração de Heejin falhou, imaginando Hyunjin sentado em um vagão sozinha, lendo Harry Potter e cuidando de um coração partido. A imagem fez seu coração doer.
– Eu não queria ver nenhum conhecido. Só queria ser um fantasma, completamente anônima.
– E você está bem agora? – Heejin perguntou, sinceridade colorindo sua voz.
Hyunjin se animou com a pergunta dela.
– Sim. Estou ótima! É isso, estou... estou em êxtase. E vou te contar por quê. Eu conheci alguém na minha última noite na Europa, acredita?
– Ah, isso é incrível. –disse Heejin, fingindo surpresa.
– Eu sei, eu sei. Sabe o que dizem sobre sermos todos os anjos e demônios uns dos outros? – Heejin assentiu. – Bem, ela era literalmente um anjo de Botticelli me dizendo que tudo ia ficar bem.
Heejin abaixou a cabeça com o elogio, sentindo suas bochechas esquentarem de vergonha.
– Como vocês se conheceram?
– No trem. – Hyunjin respondeu rapidamente. – Ela estava sentada perto de um casal estranho que estava brigando, então ela teve que mudar de lugar. Ela sentou na fileira ao meu lado. Então, começamos a conversar. Ela não gostou muito de mim, no princípio. Ela é super inteligente, muito passional e... linda.
Heejin sentiu como se seu rosto estivesse pegando fogo agora, com o jeito que Hyunjin estava olhando para ela.
– Eu estava tão insegura de mim mesma. Pensei que tudo que eu disse parecia estúpido. – Hyunjin acrescentou.
– Oh, eu não me preocuparia com isso. – disse Heejin, assumindo seu papel. – Não, tenho certeza que ela não estava te julgando. Não, e a propósito, ela sentou perto de você. Tenho certeza que ela fez de propósito.
– Ah, é? – Os olhos de Hyunjin se iluminaram com suas palavras.
– Tenho certeza. – disse Heejin resolutamente. – Sabe, você pode ser boba às vezes. Você tem sorte de ser fofa.
Hyunjin respondeu com uma risada, um som contagiante que fez Heejin sorrir de orelha a orelha.
– Sim, posso ser boba às vezes.
00:58 15 DE ABRIL
Elas embarcam em um barco ao sair do restaurante, um com lindas mesas à luz de velas e dois violinistas tocando juntos. É a hora final, eles anunciaram, e Heejin sentiu um pouco de medo subir por sua espinha com a proclamação. Seu tempo junto com Hyunjin estava começando a terminar, e cada fibra de seu ser implorava para que ela não parasse.
Ela fez o possível para ignorar.
– Esse meu amigo teve um filho. – Hyunjin disse distraidamente, sua atenção na vasta massa de água diante delas. – E o parto foi em casa, então ele estava lá ajudando. Mas ele disse que no momento final do nascimento... ele estava vendo seu filho experimentar a vida pela primeira vez, tentando tomar seu primeiro respiro. Só o que ele conseguiu pensar foi que estava olhando para algo que iria morrer algum dia. Não conseguia tirar isso da cabeça. – Um encolher de ombros. – E acho isso tão verdadeiro. Tudo é tão finito. Mas não acha que é isso que torna nosso tempo e certos momentos tão importantes?
Heejin acenou com a cabeça, mesmo que sentisse a bile subir pela garganta.
– Sim, com certeza. O mesmo vale para nós, essa noite. Depois de amanhã, provavelmente não nos veremos mais, não é?
Hyunjin virou a cabeça na direção de Heejin, pega de surpresa.
– Não acha que nos veremos novamente?
– O que você acha? – Heejin perguntou, fazendo o possível para conter a pequena chama de esperança em seu peito.
A incerteza pintou as feições de Hyunjin, garantindo que não houvesse muita esperança para conter em primeiro lugar. Lá estava: a resposta para sua pergunta.
– Na verdade, não sei. Quer dizer, eu não tinha planejado outra viagem...
Não querendo ouvir uma rejeição total, Heejin decidiu chegar antes dela. É orgulho - uma parte dela não querendo ouvir que Hyunjin provavelmente não gostava dela tanto quanto ela.
– Oh, eu também. – disse Heejin apressadamente. – Eu moro em Paris, você mora na Coréia. Eu entendo isso totalmente.
– Eu odiaria fazer você viajar de avião. – Hyunjin disse se desculpando.
– Não tenho tanto medo de voar. Eu poderia-
– Talvez eu possa te fazer uma visita em Paris ou algo assim, eu vou... O que foi?
Heejin balançou a cabeça e engoliu o desejo de suavizar as rugas na testa de Hyunjin.
– Vamos ser adultas racionais quanto a isso. – É a última coisa que ela queria fazer, mas ela sabia que era a única coisa que elas podiam fazer. – Devíamos tentar algo diferente. Não é tão ruim se esta noite é nossa última noite, certo? As pessoas sempre trocam números, endereços, acabam escrevendo uma vez, se ligando uma ou duas vezes...
Heejin pensou em Jung Jinsoul e na maneira anticlimática que esse relacionamento terminou. Ela não queria que a mesma coisa acontecesse com Hyunjin.
– Certo. – disse Hyunjin, tentando soar alegre, mas falhando miseravelmente. – Coisas assim desaparecem. Também não quero que isso aconteça. Por que todos pensam que os relacionamentos deviam durar para sempre?
– É, por quê? É estúpido. – Heejin concordou, mentindo descaradamente. Ela se sentia uma intrusa em seu próprio corpo, incapaz de dizer as coisas que queria dizer, de fazer as coisas que queria fazer.
Ela sabia, no fundo do coração, que nenhuma delas queria que isso fosse uma coisa única. Mas tudo o que ela tem para mostrar são as batidas de seu coração e as estrelas nos olhos de Hyunjin - isso foi motivo suficiente para mudar completamente suas vidas?
– Mas acha que essa noite é tudo? – Hyunjin perguntou com um sorriso triste. – Quer dizer, que essa é nossa única noite?
– É o único jeito, não? – Heejin disse fracamente.
– Bem, tudo bem. Vamos fazer isso. – Hyunjin disse, apertando suas mãos com força. Suas mãos estavam quentes contra as de Heejin. – Sem desilusões, sem projeções. Vamos só fazer desta uma ótima noite.
– Certo, vamos fazer isso. – disse Heejin.
Hyunjin olhou para as mãos juntas por um momento, antes de levá-las aos lábios para um beijo.
– Á nossa primeira e única noite juntas, e às horas que restam. – ela sussurrou.
Algo deve ter aparecido no rosto de Heejin, fazendo Hyunjin franzir a testa e pedir uma explicação.
– É que... É deprimente, não? – Heejin disse cuidadosamente, sua atenção ainda concentrada na respiração de Hyunjin abanando sua mão. – Agora, a única coisa em que vamos pensar será no momento que tivermos que nos despedir amanhã.
Hyunjin gentilmente colocou as mãos de Heejin de volta na mesa e recostou-se em seu assento. Heejin sentiu suas mãos ansiarem pelo calor.
– Podemos nos despedir agora. Então não teremos que nos preocupar com isso de manhã.
É uma ideia estúpida, ambas sabiam, mas Heejin ainda concordou. Como se tornasse as coisas mais fáceis, como se tornasse as coisas melhores.
– Agora mesmo?
Hyunjin assentiu. Demorou um momento para Heejin reunir coragem para falar.
– Tchau, Hyunjin. – ela disse, sua voz um mero sussurro.
– Adeus, Heejin.
As palavras ecoaram nos ouvidos de Heejin, soando pior do que unhas em um quadro-negro. Não importa quantas vezes ela repetisse isso em sua cabeça, seu cérebro se recusava a acreditar que era real.
Ela pensou que poderia ter algo a ver com como, no momento em que ela saiu daquele trem com Hyunjin, uma parte dela já sabia que ela nunca seria capaz de dizer adeus.
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