Gerard foi o primeiro a acordar na manhã seguinte, poucos minutos antes de Frank. Ele espreguiçou-se longamente, piscando diante dos feixes de luz solar que ultrapassavam a janela e alcançavam seus olhos. As folhas das árvores que sustentavam a casa barravam parte da luz, fazendo com que ela chegasse ao interior do quarto sob formas irregulares e móveis conforme o sopro do vento.
Frank se mexeu ao seu lado e bocejou, provavelmente desperto por sua movimentação. Gerard virou a cabeça e observou-o abrir os olhos e olhar ao redor, como que localizando-se no tempo e no espaço. Ao perceber Gerard fitando-o com uma expressão doce, se aproximou, abraçando seu peito.
– Bom dia – murmurou.
– Bom dia – disse Gerard, envolvendo-o com os braços.
– Você sabe que horas são?
– Não.
Frank acomodou-se melhor e os dois permaneceram em silêncio, imersos em seus próprios pensamentos, aproveitando aquele momento de paz e preguiça de domingo. Pela luz que entrava pela janela e pelas poucas faixas de céu que conseguiam enxergar através da luz e das folhas, o dia parecia estar lindo e com uma temperatura agradável, o que era ótimo – eles poderiam aproveitar bastante a pousada antes de ter que voltar para casa e para suas rotinas. Ao menos este pensamento era compartilhado por ambos: não querer voltar para casa.
Vários minutos depois e com muita relutância, Frank finalmente criou coragem para quebrar a bolha de paz, pois afinal de contas, embora a ideia fosse muito tentadora, não seria passando o dia naquela cama que eles aproveitariam a pousada.
– Quem vai tomar banho primeiro? – ele perguntou, erguendo a cabeça.
– Eu – respondeu Gerard. – Você fica aí descansando mais um pouco, que eu sei que você não gosta de acordar cedo.
– Você nem sabe que horas são – argumentou Frank.
– Cedo. É domingo, Frank. Qualquer horário antes do meio dia é cedo no domingo.
Frank revirou os olhos e sorriu. Gerard correspondeu ao seu sorriso, depositando um beijo em seus cabelos, e desvencilhou-se dele, saindo da cama. Vasculhou sua mala à procura de uma muda de roupas sob o olhar atento de Frank, e em seguida desceu, levando o que precisaria para o banheiro.
Frank levantou da cama após poucos minutos. Enquanto esperava sua vez de tomar banho, arrumou a cama onde dormiram e separou as roupas que vestiria durante o dia, descendo para o andar inferior.
Gerard saiu do banho e Frank imediatamente foi tomar o seu, decidido a não perderem mais muito tempo, já que Elizabeth os convidara para tomar o café da manhã no restaurante. Gerard esperou-o sentado na sala, e quando Frank finalmente terminou o seu banho, os dois saíram rapidamente da casa em direção ao restaurante.
Como haviam deduzido ao observar pela janela, o dia estava muito agradável, com uma temperatura amena e um lindo céu azul limpo de nuvens resplandecendo acima das árvores. Os pássaros cantavam com animação, produzindo uma sinfonia de sons diferentes durante todo o caminho.
Eram quase 10 horas da manhã quando eles adentraram o restaurante. O lugar estava quase vazio, exceto por duas mesas, e eles logo avistaram Elizabeth limpando uma das mesas vazias.
– Meninos! Venham, sentem-se aqui! – chamou ela ao avistá-los, puxando uma das cadeiras da mesa. – Pensei que vocês iriam me fazer desfeita.
– Não foi nada disso, é que a cama estava muito aconchegante – respondeu Frank, com um sorriso, aceitando o lugar que ela oferecera, enquanto Gerard tomou o lugar à sua frente. – Não é todo dia que se pode acordar em meio a tanta paz.
– Ah, isso é verdade – concordou ela. – É por isso que gosto daqui, porque parece impossível ter um lugar assim logo embaixo do nariz, e ainda assim, cá estamos nós. Mas enfim, tomei a liberdade de escolher o cardápio de vocês, se não se importam.
Elizabeth se retirou brevemente, deixando os dois se encararem com olhares curiosos. Quando voltou, trazia uma bandeja repleta de comida, e estava acompanhada de um funcionário do local que trazia outra bandeja igualmente cheia. Ela pôs a mesa para os dois: café, leite, frittatas, bagels, panquecas, torradas, maple syrup e geléias variadas.
– Espero que gostem!
– Meu Deus, não precisava fazer tudo isso... – exclamou Gerard, observando a mesa cheia com espanto. – Jamais vamos deixar você nos dar isso de graça!
– Ah, vocês não vão começar com essa bobagem, não é? – reclamou Elizabeth, puxando uma cadeira para si mesma e sentando-se junto à mesa.
– Mas não é uma bobagem... Olha toda essa comida, Elizabeth... Nem em casa nós comemos tudo isso!
– Mais um motivo para comerem aqui. Vai tornar a viagem mais interessante – afirmou ela, indicando que se servissem.
Trocando um olhar de relutância, os dois serviram-se com uma porção de frittata e encheram suas xícaras de café.
– Muito bem! – exclamou Elizabeth, satisfeita. – Agora, me contem mais sobre vocês. Ontem só falamos de mim e da pousada.
Frank deu de ombros, sentindo-se um pouco mais à vontade conforme começava a falar.
– Bem, nós moramos em Belleville. Eu nasci e sempre vivi lá com minha mãe, que morreu no ano passado.
– Sinto muito – disse Elizabeth, tocando em seu braço.
– Tudo bem, aos poucos está se tornando menos difícil, embora eu ainda sinta muita falta.
– Querido, você sempre vai sentir falta. Quando se tem um vínculo forte com a mãe, ele nunca se desfará e essa dor sempre vai existir. O tempo cura todas as feridas, mas elas deixam cicatrizes.
– É verdade. Mas, então... – Frank fez uma pausa, adquirindo uma expressão pensativa e rindo logo em seguida. – Não sei mais o que dizer...
– Você trabalha? – estimulou Elizabeth.
– Ah, sim. Trabalho em um supermercado como repositor. Reponho a mercadoria e garanto que tudo esteja organizado e com os preços nos lugares certos.
– Parece que seu trabalho exige bastante esforço braçal. Mais um motivo para você comer tudo isso. – Elizabeth piscou, ao que Frank deixou escapar uma risada alta. – Agora é a sua vez – disse Elizabeth, virando-se para Gerard.
Ele terminou de mastigar a comida em sua boca antes de falar.
– Bem, ao contrário de Frank, eu nasci em Newark, mas vivi em Belleville durante toda a vida, com minha mãe e meu irmão. É uma história muito extensa, então para simplificar: eu e meu irmão sofremos um acidente, ele ficou paraplégico e eu fiquei assim. Ele e minha mãe saíram de casa e eu fiquei para trás, sendo um babaca. Depois eu conheci Frank e cá estamos. Ah, e trabalho com arte, pinturas, desenhos...
Gerard falou tudo rapidamente, como se não estivesse muito confortável para contar aquela história e desejasse fazer com que ela não despertasse muito interesse – o que, de fato, Frank sabia que era verdade, considerando que a primeira vez que contara aquilo para ele havia envolvido muita raiva contida e algumas lágrimas. Tentou dar um sorriso de apoio para Gerard, mas ele estava muito ocupado fingindo concentração no café da manhã.
– Você passou por um bocado de coisas – disse Elizabeth, séria, entendendo também que aquele era um assunto delicado. – Como vocês se conheceram?
Frank ruborizou imediatamente, e tomou um gole de café para disfarçar.
– Bem... – disse ele, atraindo a atenção de Elizabeth para si. – Eu trabalhei na casa dele e nós acabamos ficando amigos.
Elizabeth sorriu com uma expressão divertida.
– Um pouco de horas extras, hum?
Frank sentiu seu rosto esquentar ainda mais enquanto Elizabeth ria de sua expressão. Gerard sorriu, também um pouco envergonhado.
– Ok, chega de constranger vocês dois. O que vão fazer no restante do dia?
– Não temos nenhum plano concreto – respondeu Frank, agradecido por mudarem de assunto. – À tardinha vamos embora, então queremos aproveitar o máximo que pudermos do restante do dia.
– Se quiserem andar de bicicleta e conhecer a pousada, temos algumas nos fundos da recepção para alugar.
– É mesmo? Seria ótimo! – exclamou Frank, animando-se com a ideia. Fazia muito tempo desde a última vez que colocara os pés em uma bicicleta, então seria uma boa atividade ao ar livre para encerrar bem o final de semana de folga.
– Eu não sei andar de bicicleta – disse Gerard, em tom de desculpas.
– O quê? Como assim você não sabe andar de bicicleta?! – exclamou Frank, encarando-o com uma expressão de surpresa.
– Não sei. – Gerard deu de ombros.
– Não posso acreditar nisso – disse Frank, recostando-se na cadeira. – Bom, eu vou ensinar você, então. Depois nós vamos alugar uma bicicleta. Você vai sair daqui sabendo andar.
– Não acho que seja uma boa ideia... – rebateu Gerard.
– Não, é uma ótima ideia – decretou Frank.
Elizabeth os observava com diversão.
...
Os dois permaneceram no restaurante até terminarem o café da manhã, e agradeceram à Elizabeth antes de saírem, pois graças a ela e ao seu banquete era provável que não precisassem almoçar. Depois, foram até a recepção e Frank solicitou uma bicicleta com bagageiro, pedalando até uma área não muito distante da casa em que estavam hospedados com Gerard sentado no bagageiro.
– Eu ainda não acredito que você não sabe andar de bicicleta. Com que tipo de brinquedos sua mãe gastava dinheiro, Gerard Way? – perguntou Frank, descendo da bicicleta assim como Gerard.
– Eu gostava especialmente de desenhar e jogar videogames.
– Criança de apartamento!
Gerard balançou a cabeça e revirou os olhos, sorrindo.
– Ok, sobe aqui – disse Frank, dando um tapinha no selim da bicicleta. – Não preciso ensinar a você que precisa colocar uma perna de cada lado da bicicleta e que seu traseiro vai aqui, não é? – debochou, ao que Gerard lançou-lhe um olhar fingidamente furioso antes de obedecê-lo.
– Vamos começar de um jeito fácil pra você pegar equilíbrio. Eu vou segurar a bicicleta e você pedala pra trás.
Frank posicionou-se na frente da bicicleta e segurou o guidão, travando também a roda entre suas pernas. Gerard tirou os pés do chão pela primeira vez, mas acabou ladeando um pouco, o que o fez colocá-los no chão de novo. Aos poucos e com o auxílio de Frank ele conseguiu fazer o exercício.
– Agora que você já está mais confiante, vamos andar de verdade... – Frank ajeitou os pedais, de forma que um ficasse mais acima na altura, e o outro embaixo. – Coloque seu pé direito naquele pedal, e se apoie no chão com o esquerdo. – Gerard obedeceu-o. – Você vai impulsionar a bicicleta pra frente com o pé direito, e quando ela começar a andar, vai tirar esse pé do chão e colocar no pedal, e vai pedalar. Quando for frear, primeiro freie com a roda traseira, se não você pode virar a bicicleta e eu vou rir muito da sua cara. Não se esqueça de olhar pra onde está indo... Pronto?
Gerard assentiu.
– Ok, vai!
Gerard fez exatamente o que Frank dissera, mas acabou se desequilibrando e quase deitou a bicicleta.
– Tente de novo, eu vou segurar você – incentivou Frank, posicionando uma mão no selim.
Eles passaram um longo tempo imersos na atividade. Nas primeiras vezes, Gerard teve dificuldades, mas logo foi pegando o jeito, e pouco depois já estava conseguindo andar direitinho. Quando achou que Gerard já estava bom o bastante, Frank decidiu subir no bagageiro para darem uma volta pela pousada, o que acabou se provando uma má ideia.
Gerard conseguiu levá-lo por alguns minutos, mas então acabou se distraindo, e quando Frank deu por si os dois estavam no chão, com a bicicleta por cima deles. Frank explodiu em uma gargalhada, a qual logo Gerard fez coro, e os dois permaneceram no chão por bons minutos antes de Frank finalmente recuperar suas forças e tirar a bicicleta de cima de seus corpos.
– Eu não acredito que com quase 30 anos na cara consegui ralar meu joelho – disse Gerard, inspecionando o local da perna onde sentia uma forte ardência. A calça estava rasgada, e seu joelho, sangrando.
– Você está bem? – perguntou Frank, baixando o apoio da bicicleta para mantê-la em pé e se ajoelhando para inspecionar o joelho de Gerard.
– Claro, é só um joelho ralado.
– Vamos voltar para a casa e limpar isso. – Frank ergueu-se do chão e estendeu a mão, ajudando Gerard a levantar.
Com Gerard no bagageiro, Frank pedalou pela pousada até chegar à casa na árvore. Ajudou-o a limpar seu joelho, e depois de fazer um pequeno curativo – sob protestos de Gerard, que achava completamente desnecessário – deixou-o sozinho para devolver a bicicleta. Enquanto Frank estava fora, Gerard terminou de juntar as coisas dos dois que haviam sido utilizadas e carregou as malas para o andar de baixo.
Quando Frank voltou, os dois relaxaram um pouco na sacada do andar de cima. Joel chegou no final da tarde, e enquanto Frank o ajudava a colocar as malas no carro, Gerard preparou sanduíches para eles comerem durante a viagem, já que com o café da manhã mais do que reforçado nenhum dos dois havia tido fome para almoçar.
Foi com um grande aperto no peito que os dois deram adeus à casa e trancaram a porta. Passaram na recepção para acertar as contas da estadia, e então procuraram Elizabeth para se despedirem.
– Queridos, é uma pena que vocês tenham vindo com tanta pressa... – disse Elizabeth, abraçando Gerard.
– Nós concordamos. Frank planejou essa surpresa para o meu aniversário com muito sucesso – disse ele.
– É seu aniversário? Porque você não me contou antes?! Eu poderia ter feito um bolinho... – disse ela, abraçando-o novamente. – Meus parabéns, desejo tudo de bom para você!
– Ainda bem que eu não contei, se não a senhora iria à falência para nos agradar. Obrigado!
– Um pouco de agrado não faz mal a ninguém, ainda mais para hóspedes tão gentis quanto vocês.
– Gentil é a senhora – disse Frank, abraçando-a para se despedir. – A senhora não vai se livrar de nós, nós vamos voltar aqui com toda certeza!
– Peçam para me avisar quando fizerem as reservas, vou esperá-los com um bolo de milho muito gostoso, receita de família! – Ela juntou as mãos. – Vamos tirar uma fotografia para guardar de recordação! Vocês tem esses celulares modernos, não é?
– Sim... – disse Frank, pegando seu celular e olhando para Gerard. Não sabia se ele gostaria de sair em uma foto, mas como ele não transparecia nenhuma objeção a isso, Frank se sentiu mais seguro.
Ajustou a câmera frontal do celular e esticou o braço, posicionando-se ao lado de Elizabeth, que ficou entre os dois, e tirou a foto.
– Ótimo! Agora fiquem vocês dois aí. Como eu faço pra bater a foto?
Frank ativou a câmera traseira do celular e entregou-o para Elizabeth, apontando o local onde ela devia pressionar.
Caminhou até Gerard e passou um braço em sua cintura. Ele o envolveu, e os dois sorriram para a foto.
– Acho que consegui. Pegue, veja deu certo...
Frank pegou o celular e olhou a foto na galeria. Havia ficado perfeita – a primeira foto dos dois, tirada em um final de semana singular. Não poderia haver ocasião melhor.
Os dois se despediram e voltaram para o carro, iniciando a viagem de volta com o coração apertado de tristeza diante do término de suas mini férias, mas conscientes de que precisavam voltar para casa.
...
Após três horas de viagem, o carro parou em frente ao portão da propriedade. Frank e Gerard dispensaram o motorista assim que pegaram suas malas, deixando que ele voltasse para casa e descansasse.
Gerard destrancou o portão e os dois caminharam pela entrada de cascalho.
– Será que os rapazes já chegaram? – perguntou Frank.
– Não sei, mas acho que ainda está cedo. Eles devem vir mais tarde.
Eles alcançaram o gramado ao final do trecho de cascalho e avistaram a casa. Uma cortina voava para fora de uma janela do andar superior.
– Que estranho – murmurou Gerard. – Por que aquela janela está aberta?
– Talvez os rapazes tenham aberto para ventilar – sugeriu Frank, dando de ombros.
Gerard assentiu, mas não estava muito convencido. Eles contornaram a casa para entrar pelos fundos, e quando alcançaram a porta, encontraram-na aberta. A fechadura estava quebrada, e havia uma rachadura na madeira.
O coração de Gerard começou a bater mais depressa.
Ele adiantou-se com certa urgência até alcançar o interruptor da cozinha, sentindo coisas estalando embaixo das solas de seus sapatos. Uma fraca luz saía de uma fresta na geladeira aberta, iluminando o ambiente e possibilitando um pouco mais da percepção de que algo estava errado. Quando a luz do teto finalmente foi acessa, seu coração quase parou.
– Frank, chame a polícia...
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