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História Belas Criaturas (fanfic Lady Dimitrescu) - Falsa calmaria


Escrita por: Arwen_Nyah

Notas do Autor


I'M BACK, BITCHES!!!!!!!!!!!!!!!!!

Então, venho lhes dizer que passei na primeira fase da OAb o/ Os estudos continuam, tem mais uma fase mas agora poderei escrever com calma.

Esse capítulo é o maior até agora e contém informações importantes, então prestem atenção meus amores... E espero muito que gostem.

Como sempre, peço que favoritem a história e comentem, isso me ajuda muitoooo a crescer aqui e me motiva a continuar. Adoro ouvir as ideias de vocês.

Boa leitura!

Capítulo 19 - Falsa calmaria


Calmaria.

Sub. Feminino, Cessação completa de ventos; falta de ventos.

[Figurado] Excesso de tranquilidade, sossego; calma.

[Figurado] Período tranquilo, geralmente após um tempo conturbado; bonança: após a tempestade veio a calmaria.

 

Assim se encontrava o castelo Dimitrescu na última semana, nenhuma ocorrência extraordinária, nenhuma situação com a qual precisasse lidar e isso lhe rendeu mais tempo para ficar de olho em Ella; foi quase como se suas filhas estivessem se contendo para não causar maiores problemas, Bela se encarregou de gerir o castelo e ordenar o que fosse preciso, assim Alcina pode trabalhar em quarto a despeito da opinião de Ella de que poderia muito bem ficar sozinha por algumas horas. Bela também fazia companhia a Ella sempre que Alcina precisa se ausentar, fosse para visitar o vinhedo ou dar lições de piano a Judith, sentava-se ao seu lado na cama e liam juntas ou conversavam aos sussurros como se conspirassem um segredo delicioso demais para guardar, o que fazia a condessa ter certeza de que estavam aprontando alguma coisa; toda aquela conspiração a fazia sorrir, jamais tentou perguntar à sua amada do que se tratava, era um segredo entre as duas e Alcina não desejava fazê-la quebrar a confiança conquistada e, além disso, era bom vê-las sorrindo juntas.

Nos primeiros dias era praticamente impossível ver Ella sorrindo a não ser que estivesse dopada devido à medicação para dor, no máximo conseguia fingir um sorriso quando Judith ou Daniela apareciam para uma visita, Cassandra por outro lado entendeu a situação e deixou claro que não devia fingir nada para fazê-la se sentir bem e Ella jamais tentaria enganar Bela de alguma forma. Mesmo quando chegou ao castelo e era tida como uma prisioneira, Ella não deixou de sorrir vez ou outra, principalmente ao conquistar a confiança das garotas, então era deveras doloroso para Alcina vê-la naquela situação.

Demorou para que Ella pedisse a ajuda de Alcina para qualquer coisa, e quando o fez foi timidamente como se a condessa pudesse lhe negar qualquer pedido. Alcina rapidamente a ajeitou sobre os travesseiros macios e chamou uma criada para que lhe trouxesse algo para comer, acabou por abandonar o trabalho pelo resto da tarde e se ocupou em garantir que Ella tivesse o que fosse preciso, inclusive mais uma conversa sobre poder pedir qualquer coisa à Alcina.

Foi um pouco frustrante notar como Ella hesitava em lhe pedir ajuda, sempre parecendo travar uma batalha silenciosa consigo mesma como se tentasse decidir se devia ou não comunicar suas necessidades a Alcina; contudo, a condessa entendeu que sua amada sempre foi independente e jamais pode contar com alguém para lhe dispensar carinho e levaria tempo para aprender que agora tinha alguém que gostava de lhe prestar os devidos cuidados.

Apesar disso, aos poucos, Ella conseguiu se soltar e pedir a Alcina que ajeitasse seus travesseiros ou que lhe trouxesse algo para comer ou beber. Era uma grande evolução, um passo em frente ao seu relacionamento.

Também foi um novo desenvolvimento pensar que tinham, de fato, um relacionamento. Alcina precisava admitir para si mesma que amava Ella e que não pretendia deixá-la ir a qualquer lugar, não que a prenderia no castelo mas estava disposta a fazer de tudo para que sua metade estivesse feliz e apaixonada. Durante muito tempo, ninguém além de suas filhas conseguiu penetrar em seu coração endurecido, mas Ella conseguiu e ainda lhe deu outra coisinha, uma versão em miniatura dela mesma com cabelos e olhos castanhos, para amar. E Alcina, que passava as décadas dividia entre proteger as filhas e governar o castelo com mãos de ferro, se viu amando uma nova mulher; adorava ter Ella em seus braços, ressonando tranquilamente com a cabeça pousada em seu peito.

Uma criatura como Alcina, que não costumava amar facilmente, se encontrou mais uma vez perdidamente apaixonada por uma humana frágil. Desta vez protegeria Ella, cuidaria dela até que fosse forte o bastante e imortal como o resto de sua família.

Levou alguns dias, mas Ella finalmente voltou a sorrir. Para quem estava sempre correndo por aí, aprontando ao lado de suas filhas ou percorrendo a floresta sozinha, ficar presa no quarto foi um desenvolvimento difícil, mas eventualmente Ella resignou-se de que precisaria de tempo para se curar, até que pudesse voltar às suas atividades normais, e procurava passar seus dias da melhor forma possível; Alcina ainda não havia lhe falado dos planos de Mãe Miranda colher seu sangue, mas esperava que a jovem concordasse com os experimentos sobre sua compatibilidade com o cadou. Nada seria feito sem a permissão expressa de Ella, afinal de contas tratava-se do seu corpo e Alcina jamais permitiria que tocassem-na sem que ela assim desejasse.

É claro, a calmaria não duraria para sempre e em algum momento Alcina teria uma pequena explosão para resolver. Nunca antes suas filhas ficaram tanto tempo sem perseguir uma criada ou quebrar um vaso sequer, tanto que começou a imaginar se não haveria algo a mais por trás de tanta tranquilidade, talvez estivessem aprontando alguma coisa e, se assim fosse, ela logo descobriria. Alcina sempre descobria as travessuras das filhas, ainda que Bela muitas vezes tentasse acobertar as irmãs para que não lhes desse uma bronca. Apesar de tudo eram boas filhas e Alcina era grata a Mãe Miranda por tê-las, por isso mesmo acreditava que precisava estar sempre atenta e ser rígida em sua educação, principalmente no inverno, para que nada de ruim lhes acontecesse, e agora havia Judith com quem se preocupar; a criança estava ficando impaciente no castelo, Alcina podia sentir isso, mas com Ella na cama e o verme que seu pai era rondando pela floresta, a condessa não estava disposta a deixá-la a solta por aí sem a devida supervisão. Talvez as irmãs mais velhas não se importassem em sair com a menina, talvez levá-la até a casa de Donna para tomar chá com Angie.

Foi com esse pensamento que Alcina se recolheu para a noite. Ficaria mais tranquila se Cassandra e Agatha levassem a criança até a casa de sua irmã, talvez até Bela as acompanhasse; apesar de ser preocupante que Judith gostasse tanto de Angie, a boneca tinha um humor ácido demais para o próprio bem.

Ella adormeceu ao seu lado enquanto lia um livro, então Alcina o tirou de suas mãos e marcou a página onde parou antes de colocá-lo sobre a mesa de cabeceira. Titubeou brevemente, pensando se devia ou não puxar Ella para seu colo e deixar que apoiasse a cabeça em seu peito – do lado mais macio, é claro, o que sempre fazia Alcina sorrir -, mas acabou decidindo pelo contrário ao ver como dormia pacificamente.

Alcina apagou as luzes, mergulhando o quarto em uma penumbra agradável ao ser iluminado somente pelas chamas na lareira. Normalmente não precisavam se preocupar com o clima nesta época do ano, mas começou a chover algumas horas antes e Alcina se preocupava que, frágil como estava, Ella pegasse um resfriado ou algo pior caso não fosse aquecida da maneira correta. Grande parte de sua preocupação se dava por suas filhas, é claro, e Alcina precisou verificá-las antes de finalmente poder se deitar tranquila e dormir.

Contudo, seu sono não durou tanto quanto gostaria. Alcina foi despertada por algo, ou alguém pensou ainda sonolenta, fungando muito próximo ao seu rosto como se a estivesse farejando.

- Daniela... – Alcina resmungou ao abrir os olhos – É tarde, você devia estar na cama.

- Estou com medo da tempestade e quero dormir aqui com você.

Alcina abriu os olhos com alguma dificuldade, as pálpebras pesadas de sono, e aos poucos a imagem de Daniela entrou em foco.

- Sabe que precisa bater na porta antes de entrar.

- Mas Ella está machucada, então sabia que podia entrar – Daniela apontou em direção aos pés da cama – E ela está lá.

De alguma forma Ella havia se movido e agora dormia tranquilamente com a cabeça voltada em direção aos pés da cama e estava encolhida de frio sem os cobertores.

- Querida, você sabe que às vezes Ella fala e anda enquanto dorme.

Alcina se desvencilhou de Daniela colocando-a ao seu lado, e com muito cuidado pegou Ella em seus braços para deitá-la novamente sobre o travesseiro e cobri-la, seus pés já estavam gelados vez que se recusara a usar meias para dormir. Mal terminou de ajeitá-la quando um raio cruzou o céu tempestuoso e o trovão que veio em seguida fez Daniela saltar e agarrar seu pescoço.

- Por favor, mamãe.

Daniela a ganhou no mamãe e sabia disso.

- Claro, querida, mas ficarei entre você e Ella para que não a morda.

- Eu não mordo mais! – Daniela se defendeu – Nunca mordi a Judy!

- Ainda assim, meu amor, Ella está machucada e devemos ter cuidado.

Como se a menção de seu nome a despertasse, Ella sentou-se na cama e as olhou durante um segundo que pareceu incrivelmente longo.

- Tem um corvo aqui, ele gosta de bicar olhos.

Ella pareceu um pouco estressada sobre isso, coçou a cabeça e voltou a se deitar, dormiu imediatamente enquanto Alcina e Daniela a observavam com os olhos arregalados.

- Ás vezes a Ella me assusta – Daniela sussurrou – E muito.

- Ela é sonâmbula e fala coisas sem sentido – Alcina explicou novamente, porém aquilo havia sido mais estranho do que as coisas que Ella normalmente dizia – Venha, você pode dormir aqui.

Daniela se aconchegou ao seu lado e pousou a cabeça sobre seu peito, era assim desde seus primeiros dias após o despertar e provavelmente continuaria da mesma forma; a caçula era a primeira a correr para o quarto de Alcina em busca de conforto nos braços maternos, o som das batidas do seu coração pareciam acalmá-la o suficiente para que dormisse sem pesadelos, e logo em seguida, talvez guiada pela coragem da mais nova, Bela adentraria o quarto e encontraria um lugar ao lado de sua mãe; Cassandra era sempre a última, a que tentava ir mais longe sozinha antes de finalmente admitir para si mesma que também desejava a segurança que Alcina poderia proporcionar. Nem uma vez sequer a Condessa reclamou ou ficou chateada por suas filhas praticamente se jogarem sobre ela, na verdade gostava da sensação de tê-las por perto; quando Mãe Miranda as deu como um presente, Alcina sabia que aquelas eram suas filhas não importava qual fosse sua história anterior.

Cassandra foi a única a perguntar sobre seu passado, com frequência relatava sonhos com alguém a quem chamava de “Mô” ou Morgan, segundo ela era sua irmã mais nova; levou algum tempo, mas Cass a esqueceu e Alcina conseguiu convencê-la de que sua única irmã mais nova era Daniela, todo o passado foi deixado para trás e foi melhor assim.

Suas meninas. O sentimento de posse de Alcina era extremamente aguçado quando se tratava das filhas, e frequentemente se forçava a esquecer que houvera uma mãe antes dela, talvez até mesmo uma mãe que chorou a perda da filha amada; mas nada disso lhe dizia respeito ou mesmo importava um pouco sequer, afinal de contas, aquelas eram suas meninas, e Alcina faria qualquer coisa para mantê-las a salvo, ela era a mãe. O mesmo valia para Judith, no que dizia a respeito a condessa seus antigos pais poderiam muito bem caírem mortos e acabarem devorados por vermes, não lhe fariam a menor falta.

Menos de meia hora depois Daniela já havia se virado em seu abraço e mordeu uma porção generosa do seu braço, tanto quanto conseguiu abocanhar, e Alcina riu baixinho ao soltar os dentes da filha e afastá-la, ao que Dnai reclamou brevemente e voltou a se aconchegar junto ao seu corpo. Ao sentir a agitação, Ella murmurou palavras incompreensíveis e se mexeu levemente na cama, os remédios vinham piorando seu estado de sonambulismo tal qual seus sentimentos já fizeram uma vez e Alcina se mantinha atenta para caso resolvesse vagar novamente pelo castelo; seu maior medo era que tentasse se jogar novamente de alguma torre ou do terraço, a queda a mataria instantaneamente e provavelmente sequer acordaria antes de atingir o solo.

O resto da noite transcorreu de forma tranquila, Alcina conseguiu dormir ainda que acordasse a cada tanto tempo com Daniela a mordendo de alguma forma, e a segunda vez que despertou foi muito mais calma do que a primeira. O sol lutava para se infiltrar por entre as nuvens pesadas, mas havia parado de chover, embora o dia tendesse a permanecer cinzento e até um pouco frio; Alcina se lembraria de manter as garotas dentro do castelo por precaução, então a visita à Donna teria que esperar mais um pouco.

Em algum momento durante seu sono, Daniela conseguiu passar por cima do seu corpo e abraçar Ella em busca do calor que seu corpo emanava; Alcina respirou aliviada ao notar que a ruiva havia abocanhado um punhado do cabelo loiro de Ella e não alguma parte sensível do seu corpo.

Alcina tinha a sensação de que jamais se cansaria daquela cena, ver Ella e suas meninas tão confortáveis ao redor uma das outras, como uma família de verdade devia ser.

Depositou um beijo na testa de cada uma e se levantou com cuidado para não despertá-las, resolveu deixar que dormissem por mais algumas horas e talvez até mesmo pudesse fazer algum trabalho sem que precisasse resolver alguma confusão das garotas. Alcina se moveu silenciosamente até o quarto ao lado onde se vestiu rapidamente, aplicou a maquiagem de costume e colocou as luvas antes de se olhar no grande espalho preso à parede; havia escolhido um vestido preto que abraçava suas curvas, mais que ainda parecia agradável para um dia comum.

Ao voltar para o quarto encontrou Ella sozinha, sentada na cama ainda parecendo um pouco desalinhada pelo sono; sem pestanejar, Alcina se aproximou e aplicou um beijo carinhoso em seu rosto.

- Bom dia, draga mea.

- Bom dia – Ella sorriu. Foi um sorriso pequeno, mas ainda assim um começo – Daniela pulou da cama e saiu correndo, disse algo sobre um compromisso inadiável.

- Sempre correndo...

Uma curta batida na porta fez Alcina se empertigar e assumir a postura de senhora do castelo.

- Entre.

A criada de Ella entregou carregando uma bandeja e lhes murmurou um bom dia antes de pousar a comida sobre a mesa que sua companheira usava para desenhar.

- Amor – Ella a chamou timidamente e Alcina se virou em sua direção. Suas bochechas estavam rosadas e a pele ainda exalava a quentura do sono, parecia adorável exceto pelo fato de que aparentava se esforçar para encará-la – Podemos sair do quarto hoje? Por favor? Talvez tomar chá na biblioteca se ainda estiver chovendo, ou ir até o terraço ou...

- É claro que podemos, draga mea – Alcina sorriu e segurou seu rosto com delicadeza para selar seus lábios em um beijo carinhoso – O que você quiser e a fizer feliz.

- Obrigada.

O sorriso de Ella valia tudo. Ainda mais quando parecia tão puro e genuíno ao receber uma recompensa tão ínfima quanto sair do quarto ao qual estava confinada para se recuperar.

- Eu faria qualquer coisa por você, draga mea – Alcina sorriu ao acariciar seu rosto – Lhe daria a lua se a desejasse.

- Não desejo tanto...

- Mas poderia. O que desejar, se depender unicamente de mim, será seu – o sorriso em seus lábios não desvaneceu-se completamente, mas diminuiu consideravelmente ao levantar o olhar para a criada que aguardava as ordens – Ajude-a a se preparar para o dia e com o que mais ela precisar.

- Sim, senhora.

Voltou-se rapidamente para Ella e lhe acariciou o rosto mais uma vez.

- Viu só? Fácil assim, meu amor, prepare-se para o dia e tome seu café da manhã; preciso ir ao meu escritório e resolver algumas coisas, mas se o clima permitir tenho certeza que não fará mal algum dar uma volta lá fora.

- Obrigada, Alci – Ella se afastou e beijou a palma da mão que Alcina que permanecia em seu rosto – Isso me deixa muito feliz.

- Nada me faz mais feliz do que me deixar cuidar de você.

E era verdade. Alcina alegrava-se ao realizar os desejos de Ella, cuidar-lhe e proporcionar cada pequena coisa que a fazia sorrir daquela forma. Pressionou os lábios nos dela e sorriram juntas com o contato, beijar Ella fazia com se sentisse mais leve, pura, como se não houvesse tantas mortes em suas mãos, como se não fosse um monstro governando um castelo; Ella trazia seu melhor lado à tona sem nenhum esforço, beijá-la era como um bálsamo capaz de afastar todas as desventuras de um mundo corrompido pelas trevas. Alcina jamais se cansaria da sensação e se lembraria para sempre deste momento em particular, quando Ella parecia frágil e adorável ainda que as chamas de sua bravura permanecessem ardendo como fogo gelado em suas íris azuis, ligeiramente descabelada e ainda quente da cama. Tão perfeita e maravilhosa como sempre...

Com cuidado, como se Ella fosse uma boneca de porcelana frágil, Alcina se afastou e esfregou o nariz por sua bochecha para aspirar seu cheiro e deixar que a envolvesse.

- Posso fazer algo para torná-la feliz, meu amor?

- Já sou feliz, Alci.

- Qualquer coisa – Alcina reforçou – Não hesite em me pedir.

- Eu não vou.

Depositou um último beijo na testa de sua amada e saiu do quarto deixando-a á sós com a criada, Alcina esperava que o clima cooperasse para que pudessem sair um pouco e se fosse demais para Ella poderia simplesmente carregá-la para que não se esforçasse muito. Mal deu alguns passos no corredor antes que sua filha mais nova aparecesse ainda de pijamas e com uma das bonecas em seus braços, pelo menos dessa vez parecia ser uma das que Alcina lhe deu e não Coraline ou a monstruosidade feita por Angie.

- Mamãe!

Judy correu e se pulou para que Alcina a pegasse e assim a condessa o fez, ao que sua menininha abraçou-a imediatamente e colou o rosto junto ao seu.

- Bom dia, mamãe.

- Bom dia, querida – Alcina sorriu e beijou seu rostinho – Você dormiu bem? Não ficou com medo da tempestade?

A menininha negou veementemente com um aceno.

- Eu dormi com Cassie e Agatha!

Cassandra não devia estar nada feliz por ter que dividir a namorada com Judith, mas ela era sua babá afinal de contas.

- Por que Agatha não te vestiu?

- Eu fugi – Judy admitiu com um sorriso sapeca que fez suas covinhas aparecerem – Queria te ver e a Ella também.

- Ella está se preparando para o dia, você pode ficar com ela até a nossa lição de piano e então a deixaremos descansar durante algum tempo.

- Certo – Judith assentiu e pousou as mãozinhas no rosto de Alcina, sua boneca quase caiu e ficou presa por muito pouco entre as duas mas a menina não pareceu se importar e só tinha olhos para sua mãe – Você é linda como uma rainha, mamãe.

Alcina sorriu com o elogio e esfregou o nariz no de Judith. É claro, ela recebia muitos elogios de diversas pessoas acerca de sua aparência, mas havia algo de diferente ao ouvir algo tão puro e singelo de sua filha, algo que só uma criança poderia usar como elogio e não havia dúvidas de que era cem porcento genuíno e sem qualquer interesse.

- Então você é a minha princesinha.

Judy gargalhou e suas covinhas se tornaram ainda mais proeminentes, uma coisinha pequena e fofa como apenas ela podia ser.

- Mamãe, sabe como você é grande e forte? Tipo, maior e mais forte que todo mundo! Sabe, mamãe? Sabe?

Alcina sabia. Já havia entrado em um acordo consigo mesma quanto a sua nova realidade pós cadou, bem como sua aparência, embora por vezes fosse assaltada por pensamentos nada felizes de que em algum momento Ella pudesse encontrar outra pessoa, apaixonar-se por alguém mais adequada, alguém menor, e não raro tais ideias se referiam a Judith também. Haveria a possibilidade de que a criança fosse mais feliz com uma  mãe comum?

- Eu sei, querida.

- É por isso que você dá os melhores abraços! E quando você me abraça eu me sinto segura e feliz, como se nada pudesse me fazer mal.

Tomada pela declaração da criança, Alcina a envolveu em seus braços como se fosse um pequeno bebê e aplicou vários beijos em seu rostinho, em resposta a menina se aconchegou ainda mais junto ao seu corpo parecendo muito contente pela atenção recebida.

- Mais um abraço – Judy pediu – E mais um, e mais outro...

Para alguém que nunca teve uma mãe que se preocupasse com ela, Judy estava se adaptando muito bem e havia se apegado rapidamente à Alcina, sempre a chamando de mamãe como se não pudesse se cansar de usar a palavra; sua pequena menina merecia mais do que a vida que levava, e Alcina faria tudo por ela.

Daniela veio pelo mesmo caminho que Judith trilhara, já vestida e pronta para o dia, e sorriu ao vê-las juntas; Dani correu em sua direção e as abraçou como pode antes de se afastar e levantar os braços para pegar Judith.

- Já chega, nós temos planos.

Alcina a deixou pegar a irmã mais nova e colocá-la no chão, por mais que gostasse de passar tempo com as filhas ainda tinha algum trabalho que precisava ser feito.

- Vamos passar algum tempo com a Ella – disse Daniela – Aposto que ela está ansiosa pela nossa companhia.

- Só lembrem-se que Ella ainda está ferida.

- Pode deixar! – Judy soltou um gritinho feliz quando Daniela a jogou sobre o ombro como um saco de farinha – Tchau, mãe!

As duas adentraram os aposentos de Alcina e Ella, sem dar um último olhada para trás. Crianças, em um momento se jogam sobre você e no outro sequer dispensam um segundo olhar. Com esse pensamento, Alcina retomou seu caminho para tentar ter algum trabalho feito.

[...]

Ella pode ouvir os sons de Alcina e Judy no corredor enquanto comia e sorriu brevemente, seu apetite ainda não havia voltado – algo com o que a condessa preocupava-se diariamente – e mal conseguiu comer duas torradas com um pouco de chá, nem mesmo os mirtilos doces chamaram sua atenção desta vez e sabia que Alcina ralharia se soubesse que comeu tão pouco, mas apenas ainda não conseguia ir muito além.

Quando uma batida na porta indicou a entrada de Judith e Daniela no quarto, Ella já estava sentada defronte o espelho com Ophélia penteando seus cabelos; a criada o fazia com cuidado, desembaraçando os nós com a escova e nunca puxando demais, por vezes seus dedos roçavam na nuca de Ella ou massageavam o couro cabeludo.  Ophélia era sempre gentil e prestativa, por isso mesmo Ella não entendia a implicância de Dani e Judy, não havia motivos para tal. Esta manhã, após a saída de Alcina, Ophélia lhe serviu o chá com torradas e depois de comer o pouco que conseguia esta lhe ajudou a vestir uma calça e uma camisa larga e leve o suficiente para não grudar em seus ferimentos.

Daniela e Judy entraram em silêncio, murmuraram apenas um bom dia rápido antes de se jogarem sobre a cama e ali permaneceram observando a cena se desenrolar.

- Seus cabelos são tão bonitos, tem certeza que deseja cortá-los? – Ophélia perguntou sem tirar os olhos dos fios longos que manejava.

- Estive pensando nisso, mas isso só tornaria mais evidente os...

Ella se impediu de falar, não conseguia. Se cortasse os cabelos seria ainda mais fácil notar os cortes e, consequentemente, as cicatrizes que ficariam em sua pele.

- Não se preocupe com isso, essas marcas não afetarão em nada sua beleza.

Daniela pigarreou para demonstrar seu descontentamento pela criada estar elogiando a beleza de Ella, ainda pode ver através do reflexo do espelho que Judy cruzou os braços sobre o peito e fez uma careta.

- Ignore as duas – Ella sorriu – Só estão sendo protetoras.

- E quem não seria protetora com a senhorita? – Ophélia perguntou sem tirar os olhos do cabelo que continuava escovando – E tenho certeza que Lady Dimitrescu concordaria comigo a respeito de sua aparência, tanto quanto tenho certeza que ela deve adorar seus cabelos longos.

Daniela rosnou baixinho.

- Você não sabe do que minha mãe gosta – a ruiva retrucou e se corrigiu rapidamente quando Judith deu um tapinha em sua perna – Do que a nossa mãe gosta.

- Pensarei nisso depois – Ella tentou soar gentil – Só preciso de ajuda nesse momento.

- É para isso que estou aqui, senhorita, para ajudá-la no que for preciso.

Em resposta ao tom condescendente, até um pouco carinhoso, Daniela fingiu vomitar e, ao olhar para ela através do reflexo do espelho, Ella sorriu ao notar que tanto Dani quanto Judy tinham os braços cruzados e uma expressão de desgosto no rosto. Tão ciumentas quanto à mãe, disso não havia dúvidas, ainda que não houvesse real motivo para sentir ciúmes.

Ophélia pareceu não notar, ou ignorou-as deliberadamente, e apenas murmurou como Ella tinha muito cabelo enquanto dividia as mechas; acabou por fazer duas tranças menores nas laterais que uniram-se à central que era um pouco mais cheia e Ella gostou do resultado, parecia elegante ao mesmo tempo que remetia ao tipo de penteado que uma guerreira amazona usaria.

- Isso ficou muito bom, você é ótima – Ella a elogiou – Obrigada.

- Não precisa me agradecer. Como tudo o que se faz na vida requer prática, e a prática leva à perfeição – disse Ophélia ao colocar a escova sobre a penteadeira e voltar para postar-se atrás de Ella novamente – Eu costumava pentear minha irmã mais nova todos os dias.

- Você tem uma irmã? – Ella se surpreendeu – Me desculpe por nunca ter perguntado, às vezes me perco em pensamentos e me esqueço das pessoas ao redor.

- Eu tinha uma irmã mais nova – Ophélia a corrigiu, dando ênfase ao passado – Ela morreu.

- Sinto muito...

Ella se solidarizou com Ophélia, tendo sofrido a suposta morte da irmãzinha durante meses; naquela época a dor pareceu capaz de sufocá-la e drenar toda vontade de viver de dentro de si, mesmo agora não sabia qual teria sido seu destino caso não tivesse acabado com Alcina e as garotas. Ella ganhou uma nova família para amar, alguém que achava que ela merecia cuidados, mas Ophélia estava sozinha naquele castelo.

- Eu também – Ophélia confessou – Eu estava longe, mas disseram que foi horrível... Quando voltei não havia mais nada pra mim, por isso me candidatei ao trabalho.

- Entendo...

Não se aprofundou no assunto e Ophélia também não demonstrou intenção de fazê-lo, resignando-se a dar os últimos retoques em seu penteado. Se não tivesse acabado no castelo e fazendo parte da família Dimitrescu, Ella tinha quase certeza de que partiria para o mais longe possível após a descoberta da morte da irmã, mas Ophélia resolveu permanecer e devia haver algum propósito por trás disso, talvez sentia que permaneceria próxima a irmã caso esta tivesse sido sepultada no vilarejo; sabia que algumas pessoas tinham apego com locais, principalmente aquele em que seus entes queridos descansavam no pós vida.

Ophélia perguntou educadamente se precisava de mais alguma coisa, ao que Ella negou e agradeceu pela ajuda, então a criada pegou a bandeja do café da manhã e saiu sem dizer outra palavra. Daniela, fazendo jus à implicância que cultivava, saltou da cama e anunciou que tinha negócios a fazer, mas Ella a interpelou antes que pudesse sair do quarto.

- Dani, deixe Ophélia em paz, por favor.

Daniela bufou.

- Certo. Você não é divertida.

E saiu do quarto parecendo aborrecida.

Assim que a porta se fechou Judy saltou da cama e aproximou-se de Ella como sempre fazia quando queria pedir algo, mas não falou imediatamente; a menina brincou com o cabo da escova e postou-se ao lado da irmã mais velha, pousando a cabeça em seu braço para que ambas conseguissem enxergar seu reflexo lado a lado no espelho.

- O que você quer, Judy? – Ella sorriu – Vamos, pode dizer.

- É que eu queria sair pra brincar com os meus amigos.

- Não.

- Mas Ella!

Quando tinha a idade de Judith, Ella já havia ganho todas as vielas do seu vilarejo e aventurava-se sozinha ou com os amigos pela floresta, então entendia bem o apelo da menina e a vontade de sair do castelo onde era super protegida e vigiada, mas nada poderia fazer quanto a isso. Primeiro, não havia condições de sair do castelo em sua companhia e, segundo, nem ela e nem Alcina se sentiam seguras com seu pai rondando por aí a sua procura. Além disso, Alcina ainda estava preocupada com o ataque dos lycans e nenhum deles sabia como as feras haviam escapado do controle de Heisenberg para começar, então havia certo receio de que acontecesse de novo e Ella não se perdoaria caso acontecesse novamente enquanto Judith estava lá fora sem supervisão.

- Minha resposta é não, você não pode sair sozinha com seus amigos depois do que aconteceu – Ella reforçou sem, no entanto, mencionar seu pai – Só pode ir se uma das suas irmãs for junto.

- Mas Dani não quer ir, Bela está com a namorada e Agatha também! E eu não preciso de babá, já sou bem grande pra isso...

- Então sinto muito, mas você não vai.

- Ella! – Judith choramingou – Dimitri disse que podemos nadar no lago, nós vamos e voltamos juntos.

- Choveu a noite toda, o nível da água subiu e deve ter todo tipo de coisa lá dentro o que só torna mais perigoso – Ella notou que a irmã iria argumentar e levantou o dedo para interrompê-la – Eu já disse que não, então me obedeça. Além disso, se está pedindo a mim é porque sabe que sua mãe não permitiria.

Judy cruzou os braços sobre o peito.

- Ela nunca me deixaria ir pro lago sozinha com meus amigos.

- Porque ela te ama e eu também. Quando eu estiver melhor levarei você e até seus amigos. Só tenha um pouco de paciência, sim? Por mim.

- Está bem – Judith suspirou – Eu vou ter.

- E depois do que aconteceu, com você chegando aqui como chegou e meus ferimentos, sua mãe está em modo protetor.

- Eu sei...

Ainda que não parecesse completamente feliz, Judith aquiesceu e concordou em esperar. Talvez Ella conseguisse convencer Daniela a sair com Judy quando parasse de chover e o tempo voltasse a esquentar sabendo bem que a ruiva odiava o clima frio e molhado, ocorreu-lhe que seria um novo ajuste no inverno e teria que explicar para a criança que suas irmãs mais velhas não poderiam sair para brincar com ela.

Notou então a boneca abandonada sobre a cama, uma feita por Donna e não as pavorosas, como Alcina chamava, e que a menina parecia tanto gostar.

- Essa boneca é diferente.

Judith deu de ombros.

- Para agradar mamãe, ela quer que eu goste das coisas bonitas que ela me dá.

- E você não gosta?

- Eu gosto, mas as outras são mais legais.

- Então pode dizer isso a ela, sua mãe vai entender.

- Quero que mamãe fique feliz – Judith respondeu simplesmente – É importante pra ela.

Para Ella ainda parecia surpreendente como Judith havia se ligado a Alcina, parecia tão natural tratá-la como mãe, e qualquer um que desconhecesse sua história poderia afirmar que a menina nasceu no castelo e deu os primeiros suspiros de vida nos braços da condessa. Judith devia ser uma criaturinha sedenta de afeto, principalmente materno, e não se rogou ao jogar nos braços de Alcina e tomá-la como mãe. Ella devia ter notado isso antes e ao perceber temeu pela possível reação de Judy ao descobrir a verdadeira natureza de Alcina e das irmãs.

- Judy, sua mãe te ama muito. Você sabe disso, não é?

Judith aquiesceu e Ella se virou para ficarem cara a cara, puxou suas mãos para que pudesse segurá-las e a as apertou levemente.

- Não importa o que te digam ou tentem te fazer pensar, sua mãe te ama muito e jamais te faria mal.

- Eu sei, mas por que tá falando isso?

- Apenas me assegurando que você saiba que não importa o que, Alcina sempre vai ser sua mãe.

- Sei disso – Judith sorriu de forma sapeca – Mamãe não me faria mal, isso é muita bobeira.

- É, não é? – Ella sorriu de volta – Muita bobeira mesmo. Agora não precisa mais pensar nisso, nós podemos ler ou desenhar juntas.

Infelizmente Ella não poderia fazer outra coisa sem sentir uma dor aguda que parecia rasgá-la quase com tanta força quanto as próprias garras do lycan, logo não poderia oferecer distração o suficiente para prender a atenção de Judy; mas de forma surpreendente, a menina aceitou desenhar e se sentou próxima a ela na cama, a criança não tinha a mesma coordenação e seus traços pareciam meio desajeitados, ainda assim foi divertido.

Passaram algum tempo juntas antes que Agatha buscasse a menina, insistindo que ela precisava se vestir de forma adequada antes de sua lição de piano, como aquela seria a primeira após todos os dias que Alcina passou trancada no quarto com Ella, Judith não perdeu todo em lhe dar um beijo rápido e saltar da cama para acompanhar sua babá e ficar pronta o quanto antes. Ella não podia culpá-la e foi bom ficar um pouco sozinha, já que não podia sair daquele quarto era bom não ter alguém pairando sobre ela o tempo todo; era grata pela preocupação de Alcina, por todos os cuidados e amor que esta lhe dispensava diariamente, mas às vezes só queria ficar consigo mesma.

Poder desenhar em silêncio era algo do que mais sentira falta, algo na solidão despertava seus instintos criativos; talvez todo artista fosse um solitário incompreendido, alguém que não conseguia se conectar com a realidade através dos métodos comuns e a única maneira de comunicar era através de sua arte. Sozinha, mas em paz consigo mesma, Ella imaginou que era assim que grandes escritores, pintores e compositores deviam se sentir, sempre cercados por muitas pessoas mas ao mesmo tempo sozinhos e enxergando aquilo que os demais meramente podiam ver.

Desenhou e apreciou a sensação de estar sozinha o quanto pode, pelo menos até que Ophélia entrou no quarto trazendo seu almoço e Ella comeu em silêncio, apreciando o estado de solidão, enquanto continuava a desenhar sem se importar com mais nada. Foi informada que Alcina estava com Judith, mas que logo estaria de volta.

Alcina ainda insistia que devia comer coisas leves e manter o repouso, e provavelmente estava certa quanto a isso mas Ella já estava se cansando disso.

Quando a porta do quarto foi aberta novamente, Alcina passou por ela com um sorriso pequeno nos lábios e pareceu ainda mais satisfeita ao notar que Ella havia pelo menos comido todo o seu almoço.

- Draga mea.

Ella levantou os olhos do desenho e sorriu.

- Amor...

O tom carinhoso fez Alcina sorrir verdadeiramente, sem amarras ou qualquer outro sentimento que não fosse a alegria genuína.

- Sei que prometi levá-la para fora, mas temo que o clima não esteja colaborando.

Ella deu-se conta de que a chuva voltou a açoitar as janelas do castelo, impedindo-as de sair e condenando-a a mais um dia na cama.

- Não fique assim – Alcina se aproximou e tocou seu rosto de forma carinhosa – Ainda podemos descer até a biblioteca e nos sentar sob a claraboia, prometo que sairemos assim que o tempo melhorar.

- Mal posso esperar por isso.

Alcina estendeu a mão e tocou seu rosto, foi carinhoso e Ella se inclinou para o toque.

- Podemos até sair para um piquenique. Nós duas podemos ir até a floresta, garanto que estará perfeitamente segura comigo...

- Sei disso, você jamais deixaria que algo ruim acontecesse comigo.

Quanto mais tempo passava na companhia de Alcina mais Ella tinha certeza de suas palavras. A condessa jamais permitiria que lhe fizessem mal, e ainda que Ella pudesse cuidar de si mesma era uma sensação boa saber que havia alguém que se importava tanto com sua segurança e bem-estar a ponto de precisar assegurar que jamais deixaria que algum mal acometesse sobre ela.

- Não, eu não deixaria – Alcina se inclinou e capturou seus lábios em um beijo breve, porém carinhoso – O que acha de descer?

- Isso seria ótimo.

Alcina fez menção de pegá-la, mas Ella negou um aceno. Precisava andar por si mesma, fortalecer seus músculos e tornar-se independente mais uma vez, já passava da hora de hora de sair daquele quarto e assumir as rédeas se sua vida mais uma vez.

- Poderá me carregar se for preciso, mas quero fazer isso sozinha.

- É claro, meu amor.

Deixando o bloco de desenhos de lado, Ella saiu da cama com alguma dificuldade mas Alcina não interferiu e isso a fez sorrir; o fato de que a condessa estava respeitando seu desejo apesar dos seus instintos protetores significou o mundo para ela.

Alcina pairou ao seu redor, mas continuou sem interferir, preferindo confiar na palavra de Ella de que estava pronta para começar a se aventurar fora da cama; saíram do quarto e ao alcançar o corredor começou a sentir-se cansada, como se a fraqueza se espalhasse por seus músculos tal qual veneno percorrendo as veias rumo ao coração de um amaldiçoado. Ainda que cada passo doesse como se suas costas estivessem sendo rasgadas mais uma vez, Ella seguiu em frente sem deixar transparecer a tortura pela qual estava passando; Alcina seguiu um ou dois passos atrás o tempo todo, o que era realmente significativo da parte dela principalmente porque Ella sabia como devia estar se sentindo.

- Draga...

- Estou bem – Ella garantiu com a voz esganiçada – Estou bem...

Com Alcina a seguindo vagarosamente, Ella alcançou a escadaria antes dela e pode ver Agatha seguindo em direção à ala designada para as garotas com uma bandeja em mãos.

- Ella, por que parou?

Se Alcina a visse faria várias perguntas que nenhuma delas queria responder pelo bem de Bela, então Ella fez a primeira coisa que veio a sua mente e gemeu de dor curvando-se dolorosamente para frente; depois do movimento brusco nem precisou fingir de verdade, a fisgada de dor enviou lágrimas aos seus olhos e isso despertou seus instintos protetores.

- Preciso de ajuda – Ella grunhiu baixinho – Por favor...

Mal terminou de falar e foi erguida nos braços de Alcina, a simples proximidade e o cheiro reconfortante da condessa a fizeram relaxar instantaneamente ao pousar a cabeça em seu peito.

- Irei levá-la de volta ao quarto.

- Ainda podemos ir para a biblioteca? – Ella arriscou – Juro que não consigo ficar mais um dia sequer trancada naquele quarto.

- Poderia ser pior – Alcina sorriu ao beijar a têmpora de Ella – Mas podemos nos sentar na biblioteca desde que não se esforce, pegarei quantos livros quiser e o que mais precisar poderá ser arranjado.

- Certo, mas por enquanto desejo desfrutar de sua companhia.

- Claro, meu amor. Tudo o que você desejar.

Estar nos braços de Alcina sempre lhe trouxe uma sensação de segurança, mas após o ataque que quase minou sua vida e acarretou na declaração de amor mais dolorosa do que qualquer escritor poderia imaginar, Ella sentia-se extremamente querida e amada como se ao verbalizar seus sentimentos tivesse também levantado uma barreira invisível que a fazia incapaz de perceber a profundidade do que Alcina sentia por ela.

Assim, como se Ella fosse tão delicada quanto a mais fina porcelana, Alcina a carregou até a biblioteca e sentaram-se juntas embaixo da claraboia.

As gotas de chuvas açoitavam o vidro e ali, em um ambiente diferente daquele em que estivera retida, o som parecia agradável, convidativo e relaxante. Ella foi acomodada no colo de Alcina e com a cabeça apoiada em seu peito, ainda assim seu olhar vagou par cima, tentando ver através da claraboia e se deixar levar pelo sentimento de alívio que a assaltou naquele momento; poderia parecer pouco para outras pessoas, algo mesquinho, mas para Ella significou o mundo todo estar nos braços da mulher que a amava e deu-se conta, tardiamente é verdade, que por muito pouco não perdeu aquilo para sempre. Por muito pouco Ella não morreu, iria vagar para o que quer que venha depois e deixaria Alcina, Judith e as garotas, até mesmo Agatha, e tudo porque se colocou em perigo; a pergunta que tomou conta da sua mente foi se teria feito diferente, se teria deixado aquelas pessoas sofrendo e fugiria para salvar a própria vida e voltar para Alcina...

- Draga mea?

Ella voltou seu olhar para a mulher e sorriu.

- No que está pensando? – Alcina perguntou – Acho que te perdi por um momento.

- Você nunca irá me perder – Ella sorriu ao reforçar – Só estava pensando e cheguei à conclusão de que não teria feito nada diferente.

Se estava falando sobre a tarde fatídica em que foi atacada por lycans ou a noite em que chegou ao castelo e tornou-se o “bichinho” de Lady Dimitrescu, Ela não sabia e não se importava. Ser o bichinho de Lady Dimitrescu a permitiu amar Alcina e não trocaria isso por nada. Salvar aquelas pessoas no vilarejo foi a maneira certa de honrar seus ideais, estaria traindo a si mesma se desse meia volta e fugisse covardemente.

Cada decisão, cada pequena escolha que fizera durante sua vida a tornou a mulher digna de ser amada por Alcina, de ter uma chance de fazer as coisas melhores.

- Eu te amo, Alci. Essa é a única coisa em que consegui pensar, e eu não mudaria nada.

O sorriso de Alcina foi brilhante, capa de rivalizar até mesmo com um raio de sol.

- Eu te amo, Elleanor, minha Ella e eu também não mudaria nada.

Ao pousar a cabeça de volta no peito de Alcina, Ella teve certeza que a ouviu murmurar “você fez de mim uma pessoa melhor”.

[...]

Daniela desceu as escadas em direção ao saguão e olhou para os lados, mas não havia qualquer sinal de Judith e isso a fez suspirar de exasperação, aquela menina estava ficando melhor em se esconder e precisava parar de prometer brincar com ela todas as vezes que Judy pedia só porque não conseguia resistir àqueles olhinhos.

Infelizmente aquele era um castelo muito grande e com grandes possibilidades de esconderijo para alguém tão pequeno, Judith poderia se enfiar em qualquer lugar e ficar lá por horas; o que aconteceu na última vez que brincaram e Daniela se esqueceu de procurar por ela, Judy acabou adormecendo dentro de um armário e ficou lá por um bom tempo. Ela precisava começar a delimitar os lugares em que a criança poderia se esconder ou seria muito difícil continuar com essas brincadeiras.

- Judy? – arriscou chamar – Se sair agora eu te dou um doce! Ou o que você quiser...

Nenhuma resposta. Tudo continuou tão silencioso quanto antes, exceto pelas passadas de uma criada que zanzava por ali. Perguntar se ela havia visto Judith não poderia ser considerado trapaça, poderia? De qualquer forma Daniela poderia ameaçá-la caso contasse alguma coisa.

- Judy? Eu prometo te dar o que quiser se você aparecer. A Agatha pode fazer aquele bolo que você gosta ou podemos brincar lá fora... Vamos, está um dia lindo!

Infelizmente, Judith pareceu escolher aquele momento para ficarem silêncio quando, em circunstâncias normais, poderia falar por horas sem parar e com qualquer pessoa que estivesse disposta a ouvi-la.

- Judy?

Nada. Aquela menina estava ficando muito boa nisso.

Daniela entrou no salão de jantar que, infelizmente, estava vazio além de uma única criada que esfregava a mesa; essa ela ainda não conhecia, mas admitiria que era quase fofa. A criada se assustou com sua aproximação e abaixou a cabeça em sinal de respeito, Daniela não conseguiu descobrir qual a cor dos seus cabelos vez que estavam escondidos sob um lenço, mas sentiu certa satisfação ao descobrir que era muito mais alta do que ela.

- Lady Daniela.

A criada se ergueu e Daniela não conseguiu reprimir o sorriso, ela era fofa com grandes olhos castanhos como os de uma corsa, bochechas rosadas e covinhas que apareceram quando sorriu nervosamente.

- Posso fazer algo pela Srta.?

- Não me lembro de já ter te visto por aí... – Daniela fez uma careta ao tentar se lembrar – E eu com certeza me lembraria de você, sabe, porque você me dá vontade de te amarrar na minha cama e te abraçar a noite toda...

- M-me amarrar?

- É – Daniela respondeu de forma séria – A noite toda, mas não se preocupe, eu não mordo... Mentira, eu mordo sim!

A pequena criada parecia prestes a desmaiar, o que só fez Daniela gargalhar.

- Você é tão fofa!

Daniela pode ouvir o coração da pequena criada martelando no peito, o que só tornou tudo melhor.

- De onde você veio? – perguntou interessada – É como se tivesse brotado do nada!

- Minha família me mandou pra cá...

- Ah, entendo... – Daniela aquiesceu, não era segredo que as famílias mandavam donzelas para o castelo pelos mais variados motivos e mesmo ela entendia isso – De toda forma, procure outra criada para assumir sua tarefa aqui. A partir de agora você é minha camareira pessoal, o que quer dizer que preciso de você a minha disposição.

Daniela se aproximou ainda mais e sorriu ao notar como a criada estremeceu, ela era, de fato, muito mas baixa e o topo da sua cabeça ficava pouco acima do cotovelo da ruiva e isso a deixou imensamente satisfeita.

- Você é tão fofa! – Daniela arrulhou ao dar dois tapinhas no alto da cabeça da criada – Como um ratinho fofo, porque eu sou a gata que vai caçar você.

- Pra me amarrar na sua cama?

- Isso mesmo! Mas não se preocupe, eu não vou te cortar e nem morder com muita força – Daniela prometeu e acariciou seu rosto, ela tinha um sorriso bonito – Cassandra gosta mais dessas coisas, ela gosta de brincar com a comida, e Bela tem suas preferências também...

A criada engoliu em seco.

- Comida?

- Sim, mas não se preocupe com isso sua bobinha – disse ao apertar levemente seu queixo – Eu prometi não te morder com muita força, não foi?

- Sim, Lady Daniela.

Daniela devia estar fazendo outra coisa, provavelmente precisava voltar a procurar Judith imediatamente, e com certeza sua mãe ficaria furiosa caso perdesse a garotinha e ela acabasse no porão ou na adega, mas não conseguia desviar o olhar da expressão assustada da criada. Havia falado muito, muito, sério sobre querer abraçá-la na cama e não deixá-la sair do seu quarto; Cassandra sempre levava criadas para seus aposentos, até mesmo Bela tivera lá suas parceiras (Daniela jamais se esqueceria do trauma que adquiriu ao pegar a irmã mais velha na companhia não de uma, mas de duas criadas em seu quarto) e sua mãe nunca as castigou, então nada mais justo que ela tem pudesse se divertir um pouco.

- Você vai ficar bem – prometeu – E você vai adorar cada segundo.

- Certo...

- Pode ir.

A criada assentiu e começou a se afastar, parecendo muito ansiosa para colocar algum espaço entre ela e Daniela, mas a ruiva segurou seu braço e a impediu de ir muito longe.

- Não vai ser essa noite, por mais que eu saiba que você está ansiosa por isso – Daniela piscou de modo sugestivo – Vou ter uma festa do pijama com a minha irmãzinha que ainda é praticamente um bebê, e como irmã mais velha responsável não posso traumatizar ela pra vida toda como a minha irmã mais velha fez comigo.

Daniela revirou os olhos em brincadeira.

- Mas você é minha camareira pessoal a partir de agora, não se preocupe com nada, minha mãe vai concordar com isso mas eu preciso que faça algo muito importante pra mim.

- Sim, Lady Daniela, o que precisar.

- Olha só... – Daniela baixou a voz para que não passasse de um sussurro – Quero que me conte sobre qualquer coisa suspeita que vir por aí, não importa o que seja, e se Lorde Heisenberg aparecer perto do castelo é pra me avisar no mesmo instante!

- Sim, Lady Daniela.

- Me encontre, pode até entrar no meu quarto, mas precisa me avisar – Daniela pensou melhor – Ou Bela, ou Cassandra... Até a Agatha. Mas avise alguma de nós.

- Devo avisar a Lady Dimitrescu também?

- Não! – Daniela se exaltou e olhou para os lados para verificar se alguém havia ouvido – Minha mãe está ocupada cuidando de Lady Ella e não precisa ser incomodada, basta falar com uma de nós.

- Considere feito, Lady Daniela.

- Ótimo!

Daniela sorriu exultante, a criada estava se provando ser um bom achado.

- Agora, antes que vá aos meus aposentos, você por acaso viu minha irmãzinha por aí? Ela é desse tamanho – Daniela indicou a altura – Tem cabelos castanhos e sardas fofinhas pelo rosto.

A descrição fez sua ratinha sorrir, durou apenas um segundo antes que se lembrasse com quem estava falando e sua expressão voltar a ficar séria, mas ainda assim foi um bom sorriso.

- Eu a vi indo para aquele lado.

Apontou para a única direção que poderia metê-las em problemas, Daniela só pode torcer para que Judith não estivesse escondida no porão.

- Vou buscar ela, e você lembre-se de tudo o que eu disse!

Sem esperar por uma resposta, não haveria tempo, saiu em direção ao porão; se a ratinha estivesse certa, havia grandes chances de Judith ver o que não devia, nem mesmo Ella visitou o porão em todo seu tempo no castelo e sua mãe queria que continuasse assim.

Não precisou ir muito longe para ouvir Judith choramingando, e Daniela logo temeu pelo pior.

- Me solta, tá machucando!

- Não estou te machucando, vai saber quando alguém te machucar de verdade..

Daniela apressou o passo e dobrou o corredor que levava ao porão, Ophélia estava parada diante de Judith ao segurar seu pulso enquanto a criança tentava se desvencilhar do aperto, a porta do porão jazia aberta e de onde estava pode ver os degraus descendo para a escuridão.

- O que está fazendo com ela?!

Ophélia olhou em sua direção e pareceu alarmada ao vê-la, soltou Judith no mesmo instante e a menininha correu em sua direção.

- Ela estava tentando descer para o porão e eu a impedi, recebi ordens expressas de Lady Dimitrescu e Lady Ella para fazer isso caso fosse necessário – Ophélia se explicou – Ela poderia se machucar lá embaixo.

- Então a impeça de descer, mas não toque nela – Daniela rosnou – Ela é uma Dimitrescu, não se esqueça disso.

Pareceu-lhe que Ophélia desejava dizer algo, retrucar ou mesmo oferecer desculpas em vão, mas decidiu-se, sabiamente diga-se de passagem, por não falar nada e permaneceu com os lábios fechados ainda que sua expressão demonstrasse desagrado.

- Ela te machucou, Judith?

A menina a olhou com os olhos arregalados e negou lentamente com um aceno. Daniela já havia ouvido Ella contar sobre sua infância e como era difícil aceitar ajuda depois de tanto tempo sem ninguém para lhe dispensar cuidados, algo que ela mesma sequer podia imaginar com sua mãe tão carinhosa e protetora como era, e suspeitava que Judith podia agir da mesma forma.

- Tem certeza? – Daniela insistiu – Eu protejo você.

- Tenho certeza, só fiquei assustada quando ela me segurou.

Daniela lançou um olhar mortal em direção a Ophélia.

- Some da minha frente antes que eu mude de ideia e resolva te punir por isso.

Esperava que pelo menos Ophélia se encolhesse se medo, mas a criada apenas assentiu e se afastou em silêncio deixando-as sozinhas no corredor; Daniela pousou a mão no ombro da irmã mais nova e a puxou para mais perto, teria que ensinar uma coisa ou outra para Judith e achava que havia chegado a hora.

- Dani?

- Sim, Judy?

- Como eu faço pra sair do castelo sem passar pelo portão? Assim, sem ninguém me ver.

Daniela franziu o cenho e se afastou um pouco de forma a ficar de frente para a menina.

- Por que quer saber isso? O que você está aprontando?

- Ouvi Cass contar pra Agatha que você, Ella e Bela fugiram um dia e mamãe ficou muito brava.

A expressão de Daniela se iluminou, estava diante da oportunidade perfeita para passar seus ensinamentos adiante.

- Vou te contar como foi, mas tem que prometer não fazer isso.

O sorriso da menina cresceu em tamanho e intensidade.

- Eu prometo!

- Tenho tanto a te ensinar, pequenina...

Ter uma irmã mais nova tinha lá suas vantagens, Daniela passou a vida seguindo Bela e Cassandra mas agora teria a chance de desempenhar o mesmo papel com Judith, e, pensando bem, suas irmãs mais velhas tinham namoradas e isso era um sinal de responsabilidade.

- Ei, Judy, ainda posso ser uma boa irmã mais velha sem ter uma namorada? Porque se for preciso, tem uma moça que vai dormir na minha cama... Numa festa do pijama – Daniela se apressou em explicar – E não vai ser hoje.

- Acho que não quero mais dormir na sua cama – Judith falou lentamente – Mas não precisa ter uma namorada, na verdade até prefiro que não tenha.

- Tá, então sem namorada, vou avisar pra ela...

Daniela ainda a amarraria em sua cama e a abraçaria a noite toda, mas Judith não precisava saber disso.

- Sabe pelo menos o nome dela?

- Não – Daniela admitiu – Mas esquece isso, vou te ensinar tudo o que eu sei sobre esse castelo e é muita coisa.

- Você é a melhor irmã mais velha!

Bela e Cassandra deviam ouvir isso! Elas tinham uma nova irmã e Daniela não só era a preferida como também era a melhor irmã mais velha, e isso era algo muito importante.

- Agora vamos procurar a Agatha – Judy começou a arrastar Daniela pelo corredor – Quero pegar biscoitos enquanto mamãe está com a Ella e não vai poder dizer não pra mim.

- Esperta...

[...]

Cassandra fechou o livro que estava tentando ler a mais de meia hora e o jogou sobre o sofá, alguma criada viria e o colocaria de volta no lugar de qualquer forma e não precisaria se preocupar com isso. De fato, sentia-se entediada agora que Ella estava machucada e não podia se divertir com elas, nenhum jogo sequer enquanto sua mãe estivesse sendo toda superprotetora e, além disso, Agatha tinha duas crianças para tomar conta já que Daniela podia dar tanto trabalho quando Judith e normalmente as duas estavam sempre juntas.

Às vezes Cassandra sentia que havia se inscrito para ser mãe sem saber todos os termos do contrato, ela não esperava ter que cuidar de uma criança crescida e uma que nem devia ter oito anos ainda; pelo menos estava acostumada com as travessuras de Daniela, embora ainda não houvesse esquecido das aranhas e só de pensar naquelas coisinhas cheias de pernas podia sentir todos os pelinhos do pescoço ficarem eriçados.

Pelo menos tinha Agatha ao deu lado, do contrário Cassandra já teria assustado a criança e dependurado Daniela pelos tornozelos na torre mais alta. Quem sabe o susto a faria de comportar melhor.

Cassandra bufou e se levantou, havia criado preocupações desnecessárias acerca do paradeiro das duas e precisava checar para manter sua própria sanidade; isso não era trabalho dela como irmã do meio, e sim de Bela como a mais velha, mas até Mãe Miranda sabia que a loira merecia uma pausa para aprender a relaxar, e apesar de não ter sido incluída no segredo da namorada lycan de Bela, pelo menos a princípio, Cass chegou à conclusão de que não faria mal algum apoiá-las, afinal de contas a irmã ficou do lado quando assumiu o relacionamento com a Agatha.

Droga, Agatha realmente a estava deixando mais suave.

A realização a acertou com a mesma força de um tijolo. Durante alguns segundos Cassandra permaneceu em pé, sem conseguir se mover ou pensar em qualquer outra coisa; Agatha a estava deixando mais mole, e o mais chocante era que ela não se importou nem um pouquinho só com isso.

De qualquer forma, poderia pensar nisso em outro momento, um em que não ficasse tão atordoada com algo que a maioria simplesmente banalizaria.

Cassandra abandonou a biblioteca com passos decididos, pelo menos até dar-se conta de que não sabia onde a namorada ou suas irmãs poderiam estar; se encontrasse Judith quase com toda a certeza poderia encontrar Agatha, e consequentemente Daniela as rondando, então era apenas questão de tempo.

Por sorte, a criada que despertava os instintos animalescos e de sobrevivência de Daniela estava limpando os vasos do hall, Cassandra não conseguia ver o que causava isso tudo, parecia criada normal e meio sem graça.

- Ei, você!

A criada se virou em sua direção, apesar de ser bem sem graça e não ter nada que realmente chamasse a atenção ela fazia as coisas do jeito certo e não parecia prestes a receber um castigo.

- Sabe onde está Agatha?

- Com Lady Daniela e Lady Judith na cozinha.

Cassandra não se importou em agradecer, a criada não havia feito mais do que sua obrigação ao informar onde Agatha e suas irmãs mais novas estavam. Não que houvesse muita escolha, ela podia dizer por bem ou descobrir o quão afiada era sua foice preferida.

A cozinha encontrava-se praticamente vazia além das três, e enquanto Agatha organizava algo em uma bandeja, Judith a rondava como se estivesse tentando ver melhor o que estava fazendo e Daniela parecia estar se ocupando em atrapalhar.

- O que vocês estão fazendo?

Agatha arregalou os olhos e pareceu como uma criança pega fazendo algo errado.

- Você devia estar na biblioteca.

- Mas estou aqui agora – Cassandra fez uma careta – O que estão fazendo juntas e cheias de segredinhos?

- Agatha – Judith chamou ao puxar a manga do vestido da babá – Conta pra Cass, ela vai gostar.

Cassandra tinha certeza absoluta que nunca viu Agatha tão nervosa, até mesmo quando iniciaram seu relacionamento a ruiva conseguiu tomar as rédeas da situação.

- É que eu pensei em fazer algo pra voc... – Agatha arregalou os olhos e ofegou – Daniela, tire isso da boca agora! Você não pode comer farinha, vai te fazer mal.

Daniela grunhiu e cuspiu um punhado de farinha branca, ao que Cassandra fez uma careta desgostosa.

- Você precisa mesmo colocar tudo na boca?!

A resposta que recebeu foi apenas uma língua estirada em sua direção, mas Cassandra não se importava.

- Ignore-a, amor – Cassandra mandou e fez um gesto em direção a Agatha – Continue.

- Ah... Então, eu fiz isso pra você.

Agatha empurrou a bandeja de prata sobre a mesa em sua direção, mas Cassandra não entendeu o que sua namorada queria dizer. Tudo o que havia na bandeja era uma travessa de tamanho médio com o que parecia ser, Cassandra não tinha exatamente certeza, manjar turco.

- Não sei se entendi o que está acontecendo aqui.

- Fizemos isso pra você! – Judith gritou parecendo animada – Quero dizer, Agatha fez, mas nós ajudamos.

- Amor... – Cassandra falou com cuidado – Agradeço por fazer isso, mas não sei se é uma boa ideia...

- Experimenta! – Agatha insistiu – Só um pedaço.

Cassandra pegou um dos quadradinhos açucarados e o analisou, a cor vermelha parecia com sangue e se ela fosse uma humana comum tinha certeza de que gostaria muito da guloseima, mas não parecia realmente atraente quando ela era uma vampira que apreciava sangue e carne humana.

- Vá em frente...

Foi um momento decisivo em seu relacionamento, Cassandra descobriu que faria qualquer coisa por aquela mulher e isso significava que realmente a amava. Quer dizer, ela sabia que de fato amava Agatha e era completamente louca por ela, mas foi a primeira vez que isso foi colocado à prova.

Esperando pelo pior, Cassandra mordiscou o pedaço do doce e se surpreendeu como o gosto era perfeito.

- Isso é bom... Muito bom – Cassandra admitiu ao encarar o doce – Como isso é possível?

Agatha riu e tampou os ouvidos de Judith o melhor que pode.

- Dani e Bela ajudaram, elas conseguiram um pouco de sangue – Agatha murmurou essa parte – E eu adaptei a receita pra você.

Cassandra enfiou o resto do doce na boca e o mastigou rapidamente. Havia um tom de doçura e pode sentir o gosto dos demais ingredientes, mas o sabor predominante ainda era o de sangue humano.

- Isso é incrível!

- Que bom que você gostou – Agatha pareceu corar – Eu não tinha certeza e precisei da ajuda de Daniela para acertar a proporção e...

Cassandra não a deixou terminar, praticamente saltou ao seu lado e a puxou para um abraço apertado; queria beijar a namorada até que ela precisasse se afastar para respirar, mas a criança curiosa as observando a impediu de fazer isso.

- Eu te amo – Cassandra sussurrou em seu ouvido – Obrigada por fazer isso por mim.

- Não foi nada, amor. Eu faria qualquer coisa por você.

- Com a nossa ajuda é claro – Daniela se vangloriou – E da Bela, mas ela está ocupada para receber agradecimentos agora.

- Os meus e da Agatha são diferentes – Judith apontou – Não tão vermelhos quanto os seus.

- É que a Agatha é perfeita e pensou em tudo – Cassandra declarou ao pressionar um beijo na bochecha da namorada – Não sei como posso retribuir um gesto desses.

- Que tal comendo os doces que fiz pra você?

- E dividindo com sua adorável e prestativa irmã mais nova – Daniela apontou – No caso estou falando de mim mesma.

Cassandra revirou os olhos.

- Claro, Dani... Irei dividir com você e Bela, mas só dessa vez.

Sua declaração foi recebida em comemoração por Daniela, porque é claro que ela ignorou a última parte; apesar das implicâncias Cassandra gostava disso na irmã mais nova, sua incrível capacidade de se animar com algo trivial e conseguir ignorar o que quer que ameaçasse destruir sua felicidade momentânea. Além disso, Daniela gastou seu tempo ajudando Agatha a preparar uma surpresa para Cassandra e tinha certeza que Bela teria feito o mesmo se não estivesse gastando tempo com a nova namorada; até mesmo Judith, com seu jeitinho atrevido e inocente, já começava a entender que quando se tratava de uma das irmãs Dimitrescu todas se envolviam. Não foi tão ruim ter uma irmãzinha afinal de contas.

Agatha sussurrou uma breve declaração de amor em seu ouvido, não que Cassandra precisasse de palavras para reforçar o que ela já sabia através de cada olhar que trocavam. Agatha era seu primeiro pensamento ao amanhecer e o último antes de adormecer a cada noite, e Cassandra já sabia que desejava passar a vida ao seu lado ainda que seus dias fossem contatos dentro da existência humana limitada.

Cassandra pertencia à Agatha, assim como Agatha lhe pertencia, e nada, nem mesmo o tempo, ficaria entre elas.

[...]

Bela suspirou feliz. Lá fora a chuva ainda açoitava as janelas do castelo e a escuridão da noite já tomava conta dos campos, servindo como manto para todas as criaturas que levavam suas vidinhas sob a proteção das trevas. Mas para ela nada disso importava, bela estava segura e aquecida em seu quarto, e o melhor de tudo: nos braços da mulher por quem estava perdidamente apaixonada.

Trazer Velaska para o castelo não foi um problema. Felizmente, ela havia conseguido sair da fábrica do tio de Bela antes que a tempestade se tornasse insuportável, e com sua mãe ocupada com Ella no quarto, foi fácil cruzar todo o castelo até seus aposentos; Daniela e Cassandra ajudaram como podiam, verificando se sua mãe por acaso não estava rondando por aí, até Judith ajudou a distraí-la para que Agatha levasse o café da manhã, e Ella também estava ao seu lado. Tudo perfeitamente planejado e executado.

No começo foram apenas algumas escapadas, encontros às escondidas quando Bela conseguia sair sem que sua mãe notasse, e então Velaska a via pelo sistema de segurança do seu tio Karl e ia encontrá-la assim que possível. Elas tinham seu próprio lugar, o mesmo em que deram seu primeiro beijo, mas algumas vezes arriscavam-se a se encontrarem no galpão dos fundos da fábrica, bem debaixo do nariz de Lorde Heisenberg e isso adicionava alguma emoção à coisa toda, a simples possibilidade de serem pegas tornava ainda mais interessante estar com Velaska. Bela Dimitrescu, a filha modelo, o braço direito de sua mãe, estava se rebelando pela primeira vez.

Mas Velaska não era apenas um objeto de sua rebeldia, muito além disso, foi a primeira a despertar sentimentos profundos e intensos em Bela.

Apesar de não saber como sua mãe reagiria ao descobrir, Bela esperava que Ella tivesse um papel importante a desempenhar nisso tudo; sua madrasta, por falta de palavra melhor, apoiou seu relacionamento de forma incondicional e até estava mantendo segredo para ajudá-las, além, é claro, de manter sua mãe ocupada durante boa parte do dia.

- Pensando longe eu vejo.

Bela ergueu os olhos e encontrou Velaska parada junto aos pés da cama de dossel, um sorriso brincalhão em seus lábios.

- Nada demais – Bela prometeu – Só estou feliz que esteja aqui.

Velaska contornou a cama e se deitou ao seu lado, com delicadeza afastou uma mecha do cabelo loiro que lhe caía sobre os olhos e a prendeu atrás da orelha para que não a incomodasse mais.

- Também estou muito feliz em estar aqui com você.

Havia algo errado e Bela pode sentir isso, Velaska estava preocupada, até descrente talvez, quanto a funcionalidade do seu plano; ela não entendia que só precisavam de tempo até que sua mãe estivesse apta a ouvir e intervir a seu favor, talvez até mesmo junto à Mãe Miranda. Bela tinha total fé em sua mãe e que ela seria capaz de fazer tudo pela felicidade das filhas.

- Vai ficar tudo bem...

- Tudo pode dar errado e você sabe disso, Bela – Velaska acariciou seu rosto com cuidado e sorriu tristemente – Sinto muito por ser tão pessimista.

Velaska parecia selvagem. Talvez essa fosse a maior diferença entre sua namorada e Ella, Bela ponderou ao lembrar-se da breve paixão que teve pela outra loira logo após sua chegada ao castelo; Ella, conforme palavras de sua mãe, era uma criatura selvagem e indomável mas sua aparência era suave, delicada até, enquanto Velaska parecia ter sido forjada em uma fornalha de ferreiro com materiais brutos e incomuns. O olho de cor esbranquiçada foi proveniente de um acidente quando criança e Velaska perdeu parcialmente a visão daquele lado, mas o outro parecia capaz de capturá-la; ela sempre cheirava a uma mistura de madeira queimada e algo almíscar que Bela não podia nomear, mas que adorava mesmo assim.

- Se arrependeu? – Bela perguntou timidamente.

- Nunca – Velaska segurou sua mão e levou-a aos lábios – Jamais trocaria uma hora ao seu lado pelo infinito ao lado de outra pessoa. Ainda que pareça pouco, desejo permanecer com você pelo tempo que for permitido, por favor, nunca duvide disso.

- Eu não vou – Bela suspirou – Seria tão amis fácil se... – não chegou a completar a sentença e resolveu que seria melhor dizer outra coisa – Eu queria tanto que você não precisasse se esconder aqui desse jeito, queria poder ficar com você como Cassandra fica com Agatha ou minha mãe com Ella.

- Bela...

- Não! Você não entende! – Bela se exasperou – Sinto que esperei por isso a vida toda, eu queria poder demonstrar que te amo da mesma forma que elas fazem. Eu aprendi a amar assim e agora não posso...

Velaska segurou seu rosto e a puxou para um beijo. Como sempre acontecia, foi como se milhares de borboletas pululassem em seu estômago em uma festa.

- Eu te amo – Velaska falou suavemente. Até o momento não tinham confessado seus sentimentos com palavras e Bela se surpreendeu – E vamos dar um jeito de passar por isso, certo? Se esse plano não der certo, nós podemos...

- Não podemos. Não posso sair daqui...

- Por que não?

Bela se sentou e Velaska imitou seu gesto. Sem conseguir olhar para a namorada, Bela baixou os olhos para focar nas mãos que brincavam nervosamente com um fiapo que escapou da coberta.

- Não posso sair quando está frio – admitiu em voz baixa – Eu e minhas irmãs... Nós podemos congelar se estiver muito frio. No começo, quando mãe ainda não sabia, o castelo não foi devidamente lacrado durante o inverno e houve pequenos acidentes... Uma noite esfriou muito e eu estava aqui nesta cama, uma fraqueza se abateu sobre mim sem que eu tivesse forças para me levantar e foi como cair no sono, só que de uma forma completamente diferente.

- O que houve?

- Eu havia deixado uma fresta da janela aberta, estava congelando rapidamente e estava sofrendo o que pode ser descrito como hipotermia. Teria morrido lenta e silenciosamente se uma camareira não tivesse me encontrado e chamado minha mãe.

- Então se você sair durante o inverno...

- Morreria em poucos minutos. Por isso o castelo é sempre lacrado, mal podemos ver a luz do dia – Bela fez uma pausa quando Velaska segurou sua mão e sorriu brevemente ao continuar: - É um martírio, como se fosse um castigo por sermos quem somos. Meses trancafiadas... Foi melhor com Ella aqui no entanto, nunca nos divertimos tanto no inverno como no ano passado.

Velaska pareceu tomar um momento para absorver o que lhe era dito, sua falta de reação deixou Bela desconcertada e esperando que a namorada fugisse pela porta e não voltasse mais.

- Entendi, nada de vagar por aí quando estiver frio – Velaska sorriu suavemente – Prometo que não vai passar outro inverno sozinha, e que a manterei em segurança. No que depender de mim, você sempre estará em segurança.

- Isso não te faz querer fugir?

- Na verdade não, só me faz querer cuidar de você.

Bela sorriu e levantou o olhar para encontrar o de Velaska, seu corpo parecia formigar de emoção e estava prestes a se declarar, se finalmente fosse capaz de revelar seus sentimentos em voz alta talvez também pudesse ser corajosa o bastante para enfrentar tio Karl, sua mãe ou até mesmo Mãe Miranda.

- Eu...

A porta foi aberta violentamente causando um baque alto e as fez saltar na cama, Daniela praticamente invadiu o quarto com uma criada a reboque como se o mundo estivesse prestes a desabar sobre suas cabeças.

- Tio Heisenberg está aqui!

Talvez tudo estivesse desabando.

- Já? Como?! – Bela se levantou da cama e começou a andar em círculos pelo quarto – Achei que demoraria mais do que isso!

- Eu não sei, mas ele está no hall gritando com a nossa mãe e a acusando de roubar a Velaska agora que a Ella está ferida e não pode... Você sabe... – Daniela revirou os olhos – Juro que nunca vi tantos tons de vermelho no rosto da nossa mãe, ela quer matar o tio Karl e provavelmente vai rolar uma carnificina se a Ella não conseguir acalmá-la.

- Só estou causando problemas – Velaska engoliu em seco e se levantou, seguindo em direção a Bela para impedir que continuasse a andar em círculos – Bela, é melhor eu ir e acabar com isso de uma vez por todas.

- Não!

Bela gritou e se afastou, recusando-se a ser tocada naquele momento. Não devia ser tão difícil! Sua mãe encontrou Ella e foi fácil para que ficassem juntas, Cassandra se apaixonou por uma das criadas e agora a tinha morando em seu quarto, praticamente participando da família, mas quando chegou a vez de Bela... Ela só podia ser amaldiçoada.

- Eu tenho uma ideia! – Daniela sorriu daquele jeito meio maníaco – Vamos fazer como a Ella e tentar enganar tio Karl.

- O que...

- Vá para o armário de Bela – Daniela praticamente empurrou Velaska em direção às portas fechadas – Fique aí quietinha.

Pela expressão de sua namorada ela não estava nada feliz com isso.

- Por favor – Bela suplicou – Por mim...

- Só por você – Velaska respondeu em tom firme.

Ela desapareceu dentro do armário e Daniela praticamente jogou a criada sobre a cama, a pobre criatura deixou escapar um gritinho esganiçado e pareceu tão aterrorizada quanto um gatinho quando Daniela ergueu a foice afiada.

- O que você vai fazer? – Bela perguntou.

- Criar uma distração – Daniela respondeu como se fosse óbvio e se aproximou da criada – Não se preocupe, ratinha, isso é por um bem maior e eu prometo que vou te recompensar depois.

Daniela cortou o antebraço da criada que gritou de dor e o sangue escorreu, vermelho e quente, logo pingando nos lençóis; após alguns segundos segurando-a para que não se movesse, Dani finalmente a soltou e fez com que usasse o cobertor para estancar o sangue.

- Sinto muito, ratinha, logo a dor vai passar.

- Lady Daniela...

- Shh! Isso vai mascarar o cheiro da Velaska – Daniela afagou seu rosto e então rasgou o vestido da criada para exibir seu decote – Isso. Perfeito...

Mal terminou de falar e a cacofonia de passos e vozes exaltadas chegou até elas, o coração de Bela parecia prestes a saltar do peito conforme se aproximavam rápido demais pelo corredor; pode ouvir seu tio à frente, pelo visto tendo alguma vantagem sobre sua mãe que precisava se abaixar para atravessar as portas, e sua própria mãe que o chamava de criança estúpida.

- Ela está aqui, posso sentir seu cheiro!

Uma batida alta soou contra a porta, Bela e Daniela trocaram um olhar preocupado e esperaram que invadissem a qualquer momento, mas ao invés disso ouviram a vozinha esganiçada de Judith perguntando sem parar o que estava acontecendo; decerto a criança despertara com o barulho, pelo menos foi o que Bela imaginou, e isso só deixaria sua mãe ainda mais brava, principalmente se Judy começasse a chorar e isso parecia bem perto de acontecer; isso foi algo que Ella planejou caso isso acontecesse, Judy devia começar a chorar e pedir por Alcina para criar uma distração ainda maior, mas agora não parecia uma boa ideia.

- É melhor abrir a porta e torcer pra dar certo – Daniela sussurrou – Eu tentei mesmo, Bela.

- Eu sei disso, Dani, e agradeço muito pela ajuda.

Bela abriu a porta e se deparou com o tio espumando de raiva, sua mãe em igual estado de ira, Ella usando apenas uma camisola e um robe tentando segui-los, Judith chorando no colo de Agatha e Cassandra assistindo a tudo sem saber como interferir.

- Onde ela está?! – Heisenberg perguntou ao invadir o quarto – Não acredito que colocou suas filhas nisso, sua vadia enorme!

- Heisenberg – sua mãe praticamente rosnou – A presença de minhas filhas, sendo uma delas tão jovem, é a única coisa que me impede de te matar bem aqui.

- Por que você não tenta, sua...

- Ei! Quem vocês estão procurando?! – Daniela fingiu surpresa e indicou a criada que parecia completamente aterrorizada sobre a cama – Bela e eu estamos no meio de uma coisa aqui e ainda precisamos decidir qual de nós vai ficar com essa gracinha.

Todos os olhares se voltaram para sua direção e Bela desejou que um buraco se abrisse no chão para que fosse engolida por ele. Cassandra pareceu achar que aquele era um ótimo momento para invadir o quarto e se fazer ouvir.

- Por Mãe Miranda, já não era sem tempo! Vocês duas estão perseguindo essa pobre coitada há semanas.

- Bom, Bela a roubou de mim...

- Daniela!

-...sem o mínimo de vergonha nessa cara lavada! – Daniela gritou e apontou para Bela – Minha própria irmã! Vocês podem acreditar nisso?!

Sua mãe cobriu o rosto com a mão e murmurou que devia estar pagando todos os seus pecados, atrás dela, e longe de sua visão, Ella levantou os polegares para incentivar que continuassem.

- Pela última vez, Daniela, eu não a roubei de você.

- Uma traição óbvia e repunante!

- É repugnante – Cassandra corrigiu – Por favor, fale da maneira correta.

Ella deu um passo à frente e fez uma careta de dor, mas preocupados em tentar matar um ao outro como estavam nem sua mãe nem o tio perceberam.

- Meninas, não briguem. Karl, agora que você viu que ela não está aqui...

- Ela está aqui! Consegui seguir o rastro dela até o castelo, foi difícil por causa da tempestade, mas eu não me enganei – Karl ajeitou os óculos – Olha, loirinha, eu te adoro, te acho muito divertida, e tenho que te dizer que por um bom tempo pensei que a vadia da minha irmã sentia algo por você além de uma foda ocasional, mas parece que eu estava enganado já que ela precisou roub...

Heisenberg não conseguiu sequer terminar de falar. Bela assistiu com horror, e certa diversão, sua mãe agarrá-lo pela garganta e o jogar contra a parede de pedra com tanta força que a estante ao lado chegou a tremer e fez Judith choramingar ao esconder o rosto no pescoço de Agatha.

- Seu rato imundo e insolente! Você invade a minha casa, ofende a minha honra, perturba minhas filhas, desrespeita Ella como se fosse uma qualquer... – Alcinha grunhiu – Me dê um bom motivo para poupar sua vida agora.

- Gostaria de ver você tentar – Heisenberg tentou se contorcer para se livrar do aperto de Alcina – Vamos ver o que Mãe Miranda vai achar disso tudo.

- Sua criança estúpida!

- Vamos deixar nossa mãe – Heisenberg praticamente cuspiu a palavra – Decidir isso. Imagine quando ela souber que você roubou um presente que foi dado a mim por suas próprias mãos... Você não quer isso não é, Alcina?

A porta do armário foi aberta e Velaska passou por ela, fazendo com que um silêncio sepulcral se abatesse sobre o quarto como se alguém tivesse diminuído o volume do mundo todo. Bela notou que havia uma lágrima prestes a cair, mas foi rapidamente impedida enquanto sua namorada a enxugou rapidamente antes que mais alguém pudesse ver; todos ficaram em silêncio enquanto andava resignada em direção à Bela, até mesmo sua mãe deixou Karl cair e não disse uma palavra sequer, mas infelizmente seu tio parecia ter algo a dizer.

- Estou aqui, Lorde Heisenberg.

- Eu sabia! Sabia que ela estava aqui – disse ao ajeitar o chapéu e olhou para a irmã com um sorriso de escárnio – Usando suas filhas para esconder uma coisa que me pertence.

- Ela não é uma coisa! – Bela gritou. Jamais havia levantado a voz para qualquer um dos lordes, principalmente porque sua mãe esperava um comportamento exemplar, mas não podia ligar menos para boas maneiras – E muito menos pertence a você!

- Olha lá como fala comigo, Bela. Meu problema não é com você, é com sua mãe.

- Seu problema é comigo sim, ela está aqui por minha causa, porque queremos ficar juntas! – lágrimas cheias de raiva escorreram por seu rosto e Bela continuou a falar sem se importar – Não planejei isso, mas me apaixonei por ela e a única coisa atrapalhando aqui é você, tio Karl!

Daniela e Cassandra moveram-se o mais discretamente possível e se postaram de forma protetora ao lado de Bela.

- Alci... – Ella chamou em voz baixa ao puxar a mão da condessa – Faça alguma coisa, por favor.

Alcina, que pareceu despertar de um estado de torpor profundo, balançou a cabeça como que para voltar ao mundo real.

- Desde quando ela está aqui?

- Ontem à noite, antes da tempestade – Bela murmurou.

- E todas vocês sabiam? – um olhar através do quarto e parou em Ella – Até você?

- Alci, entenda, por favor – Ella suplicou – Bela se apaixonou por alguém que não pode ter, por isso tem estado distante e você pode notar nisso. Ela só precisava do nosso apoio, mas teve medo de que você não a compreendesse e me pediu ajuda, não pude negar.

- Não acredito que isso está acontecendo – Alcina bufou – De tantas pessoas, tinha que ser alguém dado a Heisenberg?

- Não dá pra escolher por quem se apaixonar e você sabe muito bem disso, Alci. Bela foi a primeira a me acolher quando cheguei aqui e eu faria qualquer coisa pela felicidade dela, então não vou me desculpar por nada.

Sua mãe procurou seu olhar e Bela o devolveu, murmurou um “por favor, mãe” para que soubesse que precisava dela, do seu apoio materno, mais do que nunca naquele momento.

- Heisenberg... – sua começou a falar tentando soar calma – Talvez possamos negociar para que a jovem permaneça aqui em companhia de Bela, é óbvio que as duas se gostam e não podemos ficar no meio disso.

Bela notou que sua mãe não estava particularmente satisfeita, mas Lady Alcina Dimitrescu faria qualquer coisa por suas filhas e amaldiçoado fosse quem cruzasse seu caminho. Isso lhe deu esperanças, até mesmo sorriu ao agarrar a mão de Velaska e entrelaçar seus dedos; elas ficariam juntas e poderiam fazer todas aquelas coisas sem precisar se esconder.

- Não.

Não. Uma simples palavra, três letras, fizeram o estômago de Bela afundar e a desesperança tomar conta dela.

- Como assim não? – Alcina perguntou.

- Não está ouvindo bem aí de cima? – Heisenberg retrucou – Eu disse não!

- É da felicidade da sua sobrinha que estamos falando – Alcina devolveu – Não gosto disso mais do que você, mas se estão apaixonadas dificilmente as manteremos longe uma da outra.

- Velaska, vamos embora. Você nunca devia ter saído da fábrica e garantirei que fique longe desse castelo maldito.

Ninguém se mexeu. Bela apertou a mão de Velaska na dela como se esse simples ato pudesse impedi-la de partir, mas Heisenberg já esperava na porta do quarto.

- Eu disse vamos!

Velaska fez menção de se afastar, mas Bela a segurou ainda que se recusasse a olhar em seus olhos. Parecia que alguém havia enfiado a mão em sua garganta e apertava seu coração com toda a força, era a dor além da dor, algo muito pior do que sua transformação; Bela se candidataria mil vezes aos experimentos de Mãe Miranda se isso fizesse sua amada ficar ao seu lado, preferia ter o coração arrancado e a vida ceifada. Não tratava-se apenas da dor de perder a amada, mas o sentimento de traição latente que piorava tudo; no fundo Bela queria acreditar que seu tio entenderia, que se compadeceria dos corações apaixonados daquelas que nunca deviam estar juntas, que sua mãe pudesse convencê-lo... Foi difícil acreditar que Heisenberg, seu tio Karl, estava lhe causando toda aquela dor.

- Bela, está tudo bem... – Velaska tentou forçar um sorriso e falhou miseravelmente, ainda assim pressionou um beijo carinhoso em sua bochecha – Eu te disse, não trocaria uma hora com você pela eternidade ao lado de outra pessoa. Foi um prazer te conhecer e ser amada por você, Lady Bela Dimitrescu.

Ela se foi. Atravessou a porta sem olhar para trás uma última vez, se o tivesse feito Bella não sabia o que seria capaz de fazer. Enquanto se afastavam, Judy disse em alto e bom som que o tio Karl era mau, se o lorde a ouviu não demonstrou se importar e seguiu seu caminho para fora levando seu amor com ele.

Pensando bem, congelar devia doer menos.

Bela sentiu-se vazia, desprovida de qualquer sentimento bom, e fez a única coisa que passou por sua mente naquele momento amaldiçoado.

- Mãe...

Chorou ao esconder o rosto na cintura de sua mãe que a abraçou imediatamente. Apesar de por vezes ser rígida em sua criação, Alcina jamais deixou de ser um porto seguro para suas filhas, alguém a oferecer colo e abraços sempre que necessário; Bela se sentiu como uma garotinha que não se lembrava de ter sido, machucada e assustada como se o mundo conspirasse contra ela, e a única coisa capaz de afastar os sentimentos ruins, todo o medo e a dor, eram os braços de sua mãe.

- Shh, querida... – Alcina acariciou seus cabelos – Tentarei falar com Mãe Miranda para que possamos resolver isso, eu prometo.

Ella também a abraçou e beijou seu rosto. Apesar de não ter dado certo, Bela era grata por toda a sua ajuda no plano louco que bolaram juntas.

Seu único desejo era que pudessem ter tido mais algumas horas antes de perdê-la para sempre.

[...]

Alguns dias depois as coisas voltaram ao normal no castelo, ou o mais normal possível dado às circunstâncias, mas o clima melhorou e voltou a esquentar e por vezes Alcina podia ver Cassandra e Agatha passeando pelos jardins em companhia de Judy, a menina sempre entre elas como se fosse sua filha, ou Daniela deitada sob o sol para aproveitar cada momento do lado de fora; Bela permaneceu em seu quarto, mas aceitava ver a mãe ou Ella sempre que batiam em sua porta. Sua companheira estava se recuperando bem, a fraqueza pela perda de sangue praticamente a abandonara e restava lidar com a dor dos pontos, mas Ella não costumava reclamar e Alcina tendia a prestar atenção para decidir quando deveria insistir para que tomasse o remédio para diminuir a dor já que ela vinha recusando-o com cada vez mais frequência por pura teimosia.

Aquele dia em particular revelara grandes surpresas e Alcina sentiu que pela primeira vez podia realmente desfrutar de alguma calmaria.

Pensou nisso enquanto lia o documento em suas mãos, tratava-se de uma proposta de exportação do seu vinho e Alcina precisava ler os pormenores, não havia chegado onde  estava por deixar o trabalho nas mãos de outras pessoas e desejava dar uma folga a Bela, seu braço direito e filha mais focada; o céu já escurecia lá fora, Ella estava na cama com um livro e começava a ficar inquieta e talvez fosse hora de uma pausa para o jantar.

Uma batida na porta fez Alcina tirar os olhos do documento.

- Entre.

Agatha cruzou a porta parecendo nervosa de um jeito que Alcina não via desde que começou a se relacionar com Cassandra.

- Algum problema?

- Judy está aqui? Ou esteve aqui nas últimas horas?

- Não – Ella respondeu – Não a vemos desde o café da manhã, ela veio aqui mas não ficou muito tempo.

- Eu lhe dei uma lição de piano antes do almoço – disse Alcina ao baixar o documento – O que aconteceu?

Estava com um pressentimento muito ruim a respeito do que estava acontecendo, para Agatha estar nervosa e com medo de lhe contar algo era porque alguma coisa estava fora do lugar e isso a deixaria com muita raiva.

- Eu lhe dei o almoço conforme me pediu, Lady Dimitrescu, mas Lady Daniela a buscou em seguida para fazerem alguma coisa no ateliê – Agatha torceu os dedos nervosamente – Ela saiu antes que Lady Daniela pudesse terminar e ninguém a viu desde então.

Judith estava desaparecida.


Notas Finais


É isso, muitas emoções!!!!

O que acharam? ideias e sugestões são bem-vindas, leio e aceito todaaaaaassss!

Espero que tenham gostado, por favor comentem e me ajudem a crescer cada vez mais!


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