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História Bells of Notre-Dame - O que fazer?


Escrita por: ElvishSong

Notas do Autor


Olá, meninas! Cá estou de novo, e agora as coisas podem ficar um tanto tensas... Espero que gostem, porque foi feito com muito amor! Ah, esse cigano na capa é o nosso Clopin!

Capítulo 14 - O que fazer?


Fanfic / Fanfiction Bells of Notre-Dame - O que fazer?

- Conversar, Clopin? – perguntou a moça, torcendo para que não fosse nada grave, embora a expressão do cigano destruísse suas expectativas – sobre o que?

- Sobre você. – ele parecia algo entre zangado, desapontado, preocupado e resignado, a um só tempo. Passou o braço pelos ombros da menina, que tinha sua cabritinha nos braços, e a puxou consigo – vamos até minha kampína, menina. Não quero outros ouvindo o que diremos.

A moça acompanhou seu tutor até o veículo que lhe servia de lar, onde ambos entraram; cuidadoso, Clopin fechou as portas e acendeu uma vela, única luz sobre ambos. Por seu semblante a garota compreendeu sobre o que iam falar, e começou:

- Pai, eu...

- Agora sou eu quem fala, Esmeralda. – disse ele, sem demonstrar qualquer emoção na voz – Sei que você preza sua privacidade, mas estava preocupado, e pedi a Alba que lesse sua sorte para mim. Pois bem... Acho que você sabe bem o que foi que vi. Três homens ao seu redor, cada um deles perigoso ao seu próprio modo. Dois a odeiam, e a destruirão se puderem, enquanto o terceiro daria a própria alma para vê-la a salvo, mas ele é tão perigoso quanto qualquer dos outros. – Esmeralda ia dizer algo, mas Clopin continuou – perguntei a Miro, e ele não teve escolha senão me dizer quem é este homem.

Ao ouvir aquelas palavras, o coração de Esmeralda quase parou por alguns segundos, ante a certeza de que, agora, seria expulsa de seu clã! Pois como Clopin poderia tomar outra atitude, quando ela se envolvera exatamente com um dos piores inquisidores que seu tempo conhecera? Sim, é verdade que Aaron deixara seu “ofício”, mas três meses longe daquela carnificina horrível não o eximiam de uma vida aprisionando e torturando pagão, hereges, pessoas acusadas sem nenhuma evidência... Ela própria o odiara, até conhece-lo pessoalmente, e não via motivos para que seu pai mudasse tão subitamente tal sentimento pelo hoje organista de Notre-Dame.

- Estou banida do clã, é isso? – perguntou, tentando encontrar desesperadamente alguma forma – Não sou mais Rrom?

Clopin esfregou a nuca, tenso, e suspirou:

- Uma vez Rrom, sempre Rrom, Esmeralda, pertença a um clã ou não. Ainda assim... A resposta é não. Bani-la seria uma decisão conjunta dos membros mais velhos, e não vou expô-la deste modo.

As palavras dele fizeram escurecer a vista da moça, que sentiu como se uma enorme rocha fosse retirada de seus ombros. Mas por quê?! Por que Clopin a poupava, quando cometera tamanha afronta?

- Veja bem, Esmeralda: foi um crime grave. Pela nossa tradição, de fato, eu deveria leva-la aos outros membros da kris, e sei que a decisão seria, provavelmente, o banimento. – ele se levantou e bateu com ambos os punhos na parede do carroção – Por Deus, menina, o que eu preciso fazer para você entender?! Todo cigano ama a liberdade, mas só somos fortes, só estamos seguros quando estamos juntos! Quando cuidamos uns dos outros! Você consegue sequer ver como arrisca e trai todos os nossos, com suas ações? Todas as vezes em que a levei para ver os autos-de-fé, inclusive nos quais seu querido Sombra estava presente... Não serviram de NADA?!! – As mãos cerradas mostravam que estava se controlando para não dar uma surra em sua protegida – Minha vontade era chicoteá-la como se fosse um garoto indisciplinado – ele tirou o cinto, e a garota estremeceu, imaginando se ele chegaria a surrá-la pela primeira vez na vida – e provavelmente eu o farei, mas não antes de ouvir o que você tem a dizer sobre isso.

Fazendo-se tão digna quanto podia, mantendo oculto a todo custo o receio dentro de si – tinha mais medo da vergonha do que da dor de um espancamento – ela se sentou ereta, pernas cruzadas, e afastou levemente Djali, que tentava comer seu xale; sem baixar os olhos, relatou com firmeza a seu protetor tudo quanto acontecera desde o dia em que primeiro encontrara A Sombra na Catedral de Notre-Dame. Narrou do modo mais imparcial possível, de modo direto, mas sem pular detalhes importantes. Quando finalizou, o chefe do clã tinha no rosto uma expressão enigmática que a adolescente não conseguia desvendar. O que estaria ele pensando?

Após longos e tensos minutos, o cigano enfim se manifestou:

- Esmeralda... Em situações comuns, seu comportamento seria tido como o de uma menina mimada e imprudente, que caiu por uma paixonite aleatória, totalmente imprópria, que arriscou sua vida, sua dignidade, sua família, seu clã. Um comportamento deplorável, indigno de qualquer mulher cigana! – ele estava tão agitado quanto se o houvessem trancado numa cela – mas então, ouço de Alba a segunda parte da leitura... Este homem, esta... Coisa... É o seu destino. É a alma à qual a sua foi prometida antes do nascimento, em laços que os homens não podem quebrar. E ele é a única coisa que se mantém entre você e o maldito juiz que a deseja e odeia; só por esse homem é que você ainda não foi levada. Fico, então, com a seguinte questão: o que faço com você? O que faço, quando minha filha está apaixonada pelo pior dos homens?

- Ele é um bom homem, Clopin! Você não o conhece!

- Vi o seu “bom homem” presente nas mortes de duas pessoas de nosso clã, oito amigos, e incontáveis desconhecidos! Vi seu “bom homem” cortar fora a mão de um menino que tentou roubar na praça! Isso é um bom homem?!

- Ele fazia o que era obrigado a fazer! O que foi treinado a fazer! – agora Esmeralda já não se preocupava consigo mesma, mas defendia Aaron com toda a sua coragem – Se um cão morde alguém, ao receber ordens de seu dono para isso, você culpa o cão ou o dono?! Ele foi por toda a vida um instrumento de Frollo, e por minha causa teve coragem de confrontá-lo e desobedecê-lo! Como Alba lhe disse, só estou viva por causa dele! Aaron é um homem gentil, tímido... Um artista, uma boa pessoa! Sim, há sangue em suas mãos, e só um idiota não pensaria que é perigoso... Mas ele não é mais uma ameaça, para nós!

O cigano avançou até sua protegida e a forçou a ficar em pé, segurando dolorosamente seu braço torcido para o lado, como fazia quando ela era menina:

- A culpa disso é minha, e reconheço... Fui condescendente demais com você. Tive pena porque viu seu pai morrer, e logo em seguida perdeu sua mãe... Deixei que se desvirtuasse, e encarasse nossas leis como meras brincadeiras...

- Nossas leis, CLopin?! – explodiu a cigana – toda e qualquer tradição que tivéssemos perdeu o sentido! Não temos mais famílias, não temos casais! Acha que podemos continuar nos casando entre nós, quando tudo o que restou foram quinze pessoas? Não temos mais anciãos! Você é o mais velhos de nós, oras! Que tradições realmente persistiram?!

- Espere um instante... Casar entre nós? – indagou o cigano, e a adolescente percebeu a grande bobagem que dissera – Está pretendendo se casar com este homem?!

- Estou – ela foi sincera e firme – Todos aqui sabem que meu casamento com Miro é uma grande palhaçada, nunca consumado, e nem mesmo vivemos como marido e mulher. Nem mesmo compartilhamos a mesma kampína! Então, sim! Pretendo me casar com Aaron.

- Está completamente louca! Acha que os anciãos irão permitir?! Que irão compactuar com tamanha insanidade?!

- A própria Alba é testemunha: estamos ligados pelo destino. E se a kris achar necessário, terei o maior prazer em trazê-lo aqui pessoalmente.

- Ele seria morto assim que pusesse os pés fora da cidade, e garanto que não seria eu a mover um único dedo para socorrê-lo. – o gypsio deu um sorriso quase cruel – eu teria um enorme prazer em ver aquela criatura pender de uma corda.

- Vocês não vão encostar um dedo nele: tenho uma dívida de sangue e honra para com Aaron, o que significa que todo o clã também possui!

- Sangue por sangue! Salvar sua vida não é mais do que obrigação dele, ante todos os nossos que perseguiu e matou!

- Sangue por sangue, então a dívida está paga, e ele não possui nenhum débito para conosco! – Esmeralda era rápida no argumentar, e ágil no raciocínio. Não era raro Clopin brincar que, se ela houvesse nascido não egypcia, poderia se tornar excelente advogada! E agora essa habilidade se voltava contra o homem... Por que ela não podia ser como qualquer outra cigana, cordata e silenciosa, sem discutir com um homem mais velho?!

- Agora já chega, Esmeralda! Você vai aprender a me respeitar, por bem ou por mal! – E empurrou-a contra a parede, batendo com o cinto no traseiro da moça, por cima das saias mesmo. Djali, ao ver sua dona ser agredida, deu cabeçadas e começou a balir desesperadamente, mas ainda era pequena demais para fazer qualquer dano nas pernas do forte Rrom, que apenas a ignorou. Foram doze golpes dados com força suficiente para rasgar o tecido, mas a orgulhosa garota não deu um grito que fosse: não deixaria que soubessem de sua punição. E quando Clopin a soltou, ofegante e ainda enraivecido, ainda o enfrentou, abraçando uma assustada Djali:

- Agora que já descontou sua raiva, será que podemos conversar como dois adultos? – sua voz soava quase inalterada, embora ela soubesse que andar fosse ser algo complicado de fazer, no dia seguinte... – Você sabe que não é possível separar suas almas destinadas, e que Aaron e eu temos tanto controle sobre isso quanto você. Ele me manterá segura, e você sabe disso.

- E vai se casar com ele? – agora o homem controlava a raiva e falava normalmente, embora seus olhos ainda fossem furiosos – abandonar seu povo? Não suportará um ano vivendo naquela Catedral. Além disso, o clã partirá na próxima primavera, quando as carroças estiverem consertadas. Ficará sozinha em Paris? E quem protegerá você e seu inquisidor, quando ele insistir em desertar os de sua laia por você? Ambos serão presos e mortos.

- Eu sei disso. – ela suspirou... Já pensara nisso... – Deixe-o vir conosco. Você sabe que teremos de aceitar gadjôn, ou definharemos. Liberte Miro deste casamento, para que ele encontre uma noiva fora do clã, e permita-me trazer Aaron. Eu sei que ele viria...

Clopin revirou os olhos; não adiantaria discutir com Esmeralda. Ela não desistiria por nada, até que houvesse sido toada uma decisão final. E ele estava completamente perdido, dividido entre o desejo de manter sua filha a salvo, seguir as leis e tradições ou permitir que ela fizesse como queria, e se mantivesse junto àquele que o destino escolhera para a gitana. Finalmente, teve uma ideia: ainda podia examinar melhor a situação, e manipular os acontecimentos de acordo com sua vontade:

- Quer ter alguma chance de continuar nesta coisa descabida? Pois bem, amanhã reunirei a kris, e você falará a eles. Se concordarem, você encontrará um modo de trazer seu gadjôn até nós, dentro de uma semana, e então decidiremos.

- Trazê-lo aqui para que o matem?

- Tem minha palavra de honra que não consentirei na morte dele... Por mais merecida que seja. Ele estará a salvo, se vier para se colocar desarmado diante dos decanos.

Aquilo pareceu satisfazer a moça, que tinha fé na própria capacidade de convencer os seus, por mais difícil que fosse. Afinal, se pudera convencer Clopin, uma verdadeira mula empacada de teimosia, então falar a Alba, Diogo, Tarim e Sarah, os decanos do clã – como se quarenta anos fosse idade para ser um decano... Como sentia falta dos avôs e avós que haviam morrido devido à Peste... – seria relativamente fácil. Sim, por ela e por Aaron, encontraria uma maneira!

Enquanto Esmeralda deixava o carroção, Clopin recostou-se à parede de madeira e, na privacidade de sua morada, chorou. Chorou por não saber o que fazer, pela primeira vez! Todos os olhos sempre se voltavam para ele, à procura de respostas, mesmo quando ainda era um rapaz – do mesmo modo como hoje se voltavam para Esmeralda à procura de compaixão e amor. E ele sempre soubera o que dizer, qual decisão tomar... Mas isso já não era uma verdade. Via o amor genuíno no olhar de sua menina, e queria poder dá-la em casamento ao homem a quem ela amava. Mas enxergava todos os destinos sombrios que podiam se abater – não apenas sobre ela, mas sobre todos os seus – e sua mente lhe dizia para mantê-la reclusa até a primavera, quando partiriam, sem pensar na dor que causaria à linda flor do Pátio... Pensava no inquisidor a quem sua menina amava, e via as barreiras praticamente intransponíveis que se erguiam entre um parisiense criado pela Igreja e uma Rrom cuja vida pertencia à estrada... Sabia que não havia futuro para aquele casal e, ainda assim, sentia em seu interior que aquela era a direção correta. Ah, ancestrais, o que deveria fazer?!

 

*

 

Aaron entrou na Catedral com um sorriso no rosto;; subiu os degraus para o campanário, um tanto trôpego de sono, mas em sua mente ainda martelavam os avisos da cigana... Deveria leva-los a sério? É bem certo que não cria em profecias e leituras da sorte, mas poderia dar-se o luxo de arriscar a vida de Esmeralda, ignorando um aviso como aquele? E afinal Leoni não fora capaz de descrever toda a situação vivida por ele e Esmeralda? Sim, a menina podia ter contado à amiga... Mas ele duvidava que fosse o caso.

Estava cansado, mas ciente de que ainda tinha uma missa pela frente, e devia estar desperto e bastante alerta; ia se lavar e trocar as roupas para estar apresentável a tempo, e mal havia galgado o último degrau quando, subitamente, a voz de Grigoire chegou a seus ouvidos:

- Pelo seu aspecto, a noite foi boa! – cansado, ele mal percebeu o tom levemente malicioso na voz do amigo, e concordou:

- Inesquecível. Ela é... Ela é uma garota incrível! – a gargalhada de Grigoire ecoou pelo campanário, despertando o organista, que percebeu o que acabara de dizer – Grigoire! Você entendeu o que eu quis dizer! Eu nunca... Você sabe que... Nós não...! – ele gaguejava, vermelho como um pimentão até que o moço se aproximou e lhe deu um tapa no ombro, ainda rindo:

- Calma, amigo: conheço você, e conheço Esmeralda. Estou apenas brincando.

- Idiota. – resmungou o mascarado.

- Talvez, mas você ainda tem que jogar uma água fria no rosto e trocar de roupa, ou vai dormir em cima do teclado, mesmo!

Com um sorriso cansado, o organista foi para seu quarto, onde se lavou e trocou. Desceu para a nave, e nunca antes uma cerimônia parecera tão longa... Quando finalmente pôde retornar a seu quarto, o homem moreno mal conseguiu chegar à cama antes de se deixar cair, já adormecido. Nunca andara tanto em sua vida, nem tampouco tivera uma noite tão maravilhosa!

Seus sonhos, porém, não lhe deram repouso algum: neles, via Esmeralda presa a um poste incandescente, uivando em agonia enquanto as chamas a seus pés subiam pelo corpo moreno, incendiando os cabelos, consumindo lentamente a pele... As lindas feições distorciam-se em milhares de bolhas antes de a carne derreter, o sangue pingando das veias que estouravam com o calor, cada gota chiando ao cair nas brasas... Ele queria salvá-la, e gritava em desespero, lutando para chegar até ela... Mas seu corpo não era mais consistente do que uma sombra, suas mãos atravessando a matéria... Ele não existia, e sua cigana, sua amada menina, aquela que tão depressa roubara seu coração, queimava lentamente presa ao mastro. A multidão vaiava e gritava ofensas, mas o único rosto que ele divisou foi um que conhecia bem... Frollo, com um sorriso cruel nos lábios, satisfeito enquanto os últimos restos do corpo que um dia fora Esmeralda queimavam completamente.

Ele despertou e tornou a dormir muitas vezes, sempre atormentado pelos pesadelos, até que se decidiu: levantou-se e, vestindo as roupas mais simples que possuía e removendo a máscara, colocou-se de joelhos diante da estátua da Virgem Maria:

- Santa Maria, mãe de Deus e advogada da humanidade – começou, de mãos postas – não me atrevo a pedir o que seja para mim, pois sei que sou pecador e indigno de Seus misericordiosos olhos... Mas venho a Seus sagrados pés pedir por alguém que é um anjo na terra, uma alma boa e pura, que o mundo hipócrita marca como pecadora. Venho pedir por Esmeralda. – ele fitou o rosto da imagem, e esta parecia ter um sorriso gentil, por mais ilógico que parecesse – sagrada Senhora, favorita de Deus entre todas as mulheres... Também a senhora foi perseguida, acusada e maltratada por aqueles que não eram capazes de ver Sua pureza. Proteja Esmeralda, mantenha-a segura... Salve-a daqueles que lhe querem mal, e que tomam sua beleza e bondade por pecado. Proteja-a, Mãe, e mantém o mal longe daquela menina. – Ele não sabia se fora atendido, mas uma enorme paz o inundou, como sempre acontecia quando apelava a Maria. Mas em sua mente não era certo fazer um pedido sem nada oferecer em troca, então ele ofereceu à Virgem aquilo que tinha de mais precioso em si: sua música.

Por horas o artista sentou-se em piedosa contemplação, a lira nos braços, oferecendo à Mãe do Mundo o que havia de mais puro em sua própria alma – talvez a única coisa ainda pura numa alma que já vira e cometera tantas atrocidades. E, para o bem ou para o mal, sentiu aquela paz imensurável, a sensação de estar no colo de uma mãe – sensação que só conhecia pelas orações à Sagrada Virgem, já que sua própria mãe o enjeitara ao fitar o rosto disforme do próprio filho. Mas não Maria... Maria o acolhia sem reservas ou censuras, apenas amando; um amor incondicional como ele não pensava existir no mundo, até... Até conhecer Esmeralda. Então, se a cigana era capaz daquele amor tão altruísta e abnegado, incondicional, certamente seria protegida por aquela que possuíra a mesma capacidade de amar a humanidade. Pelo menos era isso o que a mente pura do homem podia conceber. Pois de toda a sua fé abalada, em Nossa Senhora ele conseguia conciliar as novas formas pelas quais o mundo se lhe apresentava, e as crenças que mantivera por trinta longos anos.

 

*

 

Frollo despertou com um grito de espanto, naquela mesma manhã: não sabia dizer se a sensação que o acordara fora oriunda do sonho ou da realidade, mas sentira com clareza o deslizar de mãos pequenas por seu corpo... Mirando as sombras da madrugada, enxugou com a manga da camisa o suor que porejava em sua testa, tremendo com os resquícios do sonho que tivera. Sonhara outra vez com Esmeralda...

 

 Estava na Catedral, orando, quando a feiticeira entrou na nave e, na irreverência pagã de uma bruxa, interpôs-se ao juiz e o altar, empurrando para o lado a imagem de Nossa Senhora, que caiu no chão e se quebrou; mas em vez de gesso, o que se espalhou pelo chão foi sangue, que fez o sacerdote dar vários passos para trás. Olhou para a gypcia, petrificado, e via aqueles olhos verdes brilharem com luxúria! Um olhar que devorava sua alma, prometendo consumi-lo completamente, aterrorizando-o e enchendo-o de desejo a um só tempo! Uma Stregha italiana, uma empousa grega... Bruxa-vampira que sugaria sua alma, seu sangue e sua vida, antes de arremessa-lo na eterna tortura infernal! Apavorado, ele agarrou o crucifixo em seu pescoço, percebendo com horror que suas mãos estavam cobertas de sangue! Encarou o altar onde a cigana se sentava, e sobre ela assomava-se a imagem de Cristo crucificado: sangue escorria da imagem, banhando a mulher que o bebia com avidez, numa blasfêmia e heresia hedionda! Com um sorriso cruel no rosto manchado de sangue, Esmeralda desceu do altar e veio em direção ao sacerdote, dançando, seu corpo luxurioso úmido e escorregadio de sangue, e isso o fazia temer e excitava de um modo macabro.

- Frollo... – sussurrou a mulher, sedutoramente, vindo até ele, completamente alheia às orações frenéticas do religioso, que implorava a Deus, Maria e todos os santos por salvação – não resista, Claudius: você é meu, e sabe disso... O desejo não pode ser ignorado, não pode ser esquecido. – Abraçou-o pelas costas, muito mais alta do que ele se lembrava, e sussurrou a seu ouvido – Será atormentado por esta dor e culpa, até render-se a ela. – as unhas afiadas arranharam o peito magro e pálido, o que fez um gemido de desejo escapar aos lábios finos, misto de desespero e volúpia – Não pode lutar contra as ondas do mar: elas o carregam a seu bel-prazer, e só aceitando o abraço das ondas conseguirá retornar à praia. – virou-o para si e sorriu, seus dentes brancos brilhando no sorriso que prometia toda a luxúria do mundo.

Frollo nunca estivera tão desesperado, tão sozinho e desprovido de sua fé, abandonado por seu Deus e pela santa Igreja à qual devotara sua vida. Nada era útil contra a cigana, que zombava abertamente de todas as suas crenças e mostrava-se imune a tudo o que fazia. As mãos dela o percorriam de modo despudorado, acendendo a chama do prazer, os olhos verdes hipnotizando-o:

- Eu sei que me quer... Eu sou tudo o que você deseja, a única cura para o mal que o atormenta... – a mão pequena e atrevida desceu pelo corpo em direção à virilha, e o tocou, fazendo-o quase engasgar. Ah, aquilo era muito mais do que um homem podia suportar! De alguma forma, por alguma razão doentia, aquele cenário de sangue e sombras despertava seus instintos mais baixos. O ódio pela cigana veio a sua mente com a força de um aríete: odiava-a por fazê-lo sentir tamanho desejo, odiava-a por despertar trevas que ele suprimira ao longo de toda uma vida, por arrastá-lo para o inferno na terra e na morte! Tão intenso quanto seu ódio, apenas seu desejo... Ela sabia disso, e despiu-se com movimentos sinuosos, reproduzindo aquela dança de Salomé, agora sem qualquer pano a cobri-la... Sua pele brilhava, agora livre do sangue e banhada pelo fogo... Claudius sabia que iria se arrepender... Que jamais perdoaria a si mesmo, mas já não tinha qualquer controle, nem tampouco seria possível refrear seus desejos, por mais que lutasse...

“Para nos arrependermos, precisamos primeiro ter pecado” – ponderou mentalmente, enquanto as mãos hábeis da feiticeira arrancavam suas vestes sacerdotais. Sim, era verdade que pensar era agir, e agir era pecar... Mas apenas pensar já não o satisfazia, não o libertava da sede que queimava mais do que a garganta de um homem no deserto. Aquela infiel pagã o enlouquecera; sua sede agora era de fogo, e sua fome, de carne... E finamente esgarçaram-se os últimos fiapos de sanidade daquele que fora o juiz eclesiástico Claudius Frollo, deixando em seu lugar uma besta dominada pela luxúria, pela carne, pelo pecado.

Com ódio ele agarrou a cigana, seus dedos finos apertando com tanta força os braços dela que a menina gritou; puxou-a para si, prendendo-a entre seu corpo e a parede, e a possuiu com violência, cravando os dentes na garganta úmida de suor. Sem piedade, satisfez com aquele demônio todos os seus mais pérfidos desejos, tudo aquilo quanto sonhara fazer; seu prazer se intensificava quando a mulher gritava em agonia, e só fez aumentar quando, tomado pela ânsia do momento, enterrou os dedos no pescoço macio e começou a apertar. Ela lutava e arfava, desesperada por ar, e ele continuava a apertar cada vez mais forte, até senti-la inerte em seus braços.

 No momento seguinte, já não se entrelaçavam naquele abraço imundo e pecaminoso, mas a bruxa ardia em chamas, amarrada a um mastro, urrando e uivando de dor enquanto o fogo purificador a consumia. Também Frollo ardia, mas aceitava pacificamente a punição por seu pecado, à medida que as chamas diminuíam enquanto, na fé, expiava tudo o que fizera. E só após o que pareceu uma eternidade as labaredas se apagaram de seu corpo, enquanto a pagã continuava a queimar num castigo de Prometeu, a carne se refazendo indefinidamente, apenas para queimar de novo. Um lampejo de luz, e as chamas se apagaram. Tudo o que restava de Esmeralda era um punhado de cinzas e ossos no chão.

 

Ao despertar, um sorriso mau se espalhava no rosto do monge: então, aquela era a resposta? Afogar-se no mar de desejo até que as vagas o empurrassem para a praia? Só assim conseguiria apagar aquela maldita chama em seu interior? Bem, então faria isso. Muito bem, Esmeralda... Não perdia por esperar. Seu destino estava traçado, cigana amaldiçoada!


Notas Finais


E aí? Mereço reviews?
PS - acho que algumas de vocês devem estar querendo um Clopin para si, depois dessa foto, apesar do que ele fez com a Memê, rsrsrs


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