Um vento forte entrou no quarto jogando os papéis no ar. A chuva estava mais forte do que pensei.
Encharcado em minha porta estava o convidado.
Cometi o primeiro erro: olhei fundo em seus olhos. Foi como receber um soco no estômago, sentir repulsa de si mesmo. Fui de assassino de famílias a um mero inseto, sentindo o terror vingativo de quem exige explicações.
Fechei meus olhos afastando a imensa ânsia de vomitar. Os abri e estava tudo escuro. Me desesperei sem alterar minha posição de medo e ouvi um gotejar ecoar, como se estivesse em uma caverna. O silêncio era onipresente, oprimindo cada fio dos tecidos de minha roupa.
Minha mente girou até que eu ficasse tonto. Eu caí no sono e acordei ali, parado, no mesmo lugar, olhando em seu olhos violetas.
Foi uma experiência curta. Acho que ele percebeu o que ocorrera comigo pois o vi desviar o olhar.
Firmei os pés no chão para não cair. Escutei um inspirar seguido de uma voz levemente jovial:
- Ahn…. Oi? - Ele disse pouco tímido.
Ele era perfeito. A minha obra de arte.
- Oi. - Respondi deixando a voz morrer.
Naquele lugar instaurou-se o silêncio. Havia medo em meu coração.
Seu cabelo branco como a neve parecia resplandecer sobre a pele negra. Pele negra o suficiente para esconder segredos.
A timidez de sua postura, apesar de ser falsa, demonstrava a alma perdida de uma criança procurando por ajuda. Ele tomou um passo adiante, e a sombra que residia ao redor da porta moveu-se como fantasma, indo em direção a esfera negra sobre a mesa. Vozes horripilantes a acompanharam.
Meu pobre instinto gritou para mim que eu devia fugir, que eu devia lutar, sair dali. A princípio, eu faria isso, mas já estava em casa.
Ele se aproximou até ficar a alguns centímetros de mim. Me encarou com seus terríveis olhos em clamor, implorando, sem dizer uma palavra, por ajuda. Retribui aquele olhar sincero e inocente com o meu mais sincero e inocente sorriso.
Neste instante, eu pude sentir paz no peito. Paz que claramente emanava dele.
- Você está atrasado! - disse a ele rindo.
Ele curvou o que pareciam ser sobrancelhas para me encarar.
- Vá-a-merda. - Disse pausadamente. Ele conseguiu retirar meu meu sorriso.
Dei meia volta estendendo os braços.
- Aceita um café? Você parece estar congelando. - Havia uma fumaça branca emanando de seu corpo.
- Talvez. Não me incomodo com a chuva. O frio me faz sentir vivo.
- Concordo. - disse puxando um pufe debaixo de uma bancada. - Sente-se e me conte sua jornada, Ó aventureiro! - Cantarolei para ele.
O menino, parado e pingando água em meu carpete. Não me incomodei com aquilo, só queria que ficasse confortável.
- Arthur - Disse em um tom seriamente sombrio - Por acaso você sabe por que estou aqui? - Ele fez questão de me encarar com aqueles olhos horripilantes.
Olhei para o meu café na caneca e ri da pergunta dele.
- Sente-se aventureiro. As suas preces foram atendidas. - indiquei com o braço estendido para o pufe.
Tentei o meu máximo para ser simpático, mas minha voz foi séria demais.
Tomei um gole da caneca. Senti o liquido semi-doce descer pela garganta, estava na temperatura perfeita. Confesso que aquele foi um pequeno momento de prazer, mas coisas mais importantes me esperavam.
Por fim, ele se sentou. Coloquei a toalha em seu ombro e fechei a porta.
- Deixemos as coisas claras por aqui - Disse me sentando atrás da mesa - Como você soube que deveria estar aqui? - Caminhei os olhos lentamente por seu corpo, observando as nuances negras que estavam sobre sua pele. Ele estava de roupa e ela se fundira com sua cor. É, digamos que ele estava nu, só não dava para perceber.
Ele tomou alguns segundos de ar pensativo. A demora foi prazerosa até ele lentamente erguer o rosto para mim. Com dificuldade, percebi que estava confuso.
- Não sei… Acho que temos algum tipo de conexão mágica.
Neste momento não aguentei. Gargalhei alto, do fundo de meus pulmões. Não eram risos de escárnio, ou de sarcasmo. Muito pelo contrário. Foi neste momento que notei o de verdade a sua perfeição. Não pude sentir mais nada além da sensação de que eu era o mais sortudo do mundo e que não havia lugar melhor para estar.
Este foi o meu segundo erro: Subestimar o garoto.
Havia incompreensão em sua face. Ele olhava para mim com espanto.
Suspirei.
- Sim - Lhe respondi ainda rindo - Temos uma conexão.
Houve um rápido sorriso em seu rosto, era lindo. Finalmente aquele coraçãozinho sofrido teria respostas.
- Me responda aventureiro. Você sabe porque está aqui?
Sua feição tornou-se novamente pensativa.
- Não precisa responder essa. - Falei em um tom amigável.
Aliás, eu finalmente consegui falar em um tom amigável.
- Pois então aventureiro.
- Quer parar de me chamar assim?!
Ergui as sobrancelhas contente. Eu esperava aquela pergunta.
- Então…. Como posso te chamar… aventureiro? - Minha boca curvou-se em um sorriso macabro.
Ele abriu a boca para falar e um desespero se iniciou quando percebeu que nada saia além de murmúrios inaudíveis. Sorri ainda mais e ele pareceu se assustar comigo.
- Como pode ver Aventureiro. Você não precisa responder esta pergunta também.
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