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História Between Two Worlds - Welcome to Eldarya


Escrita por: CrystalCupcake

Notas do Autor


Créditos da imagem ao usuário "andreasrocha" do Deviantart.
~~~
Mais um capítulo da fanfic! Espero que gostem! Boa leitura à todos <3

Capítulo 3 - Welcome to Eldarya


Fanfic / Fanfiction Between Two Worlds - Welcome to Eldarya

Quero um machado para quebrar o gelo
Quero acordar do sonho agora mesmo
Quero uma chance de tentar viver sem dor.
***


            -Ugh, odeio ter de usar esse portal… Ele se tornou bastante imprevisível e instável... Temos o risco, até mesmo, de aparecer no território inimigo!
            Pude escutar Ezarel reclamando assim que emergi da gelatina azul que, quando eu me encontrava em seu interior, pareceu me asfixiar… Mas, a mesma havia me sufocado de maneira tão… Suave e até mesmo gentil que eu só consegui perceber a falta de ar momentânea quando saí dela.
            A primeira coisa que eu fiz foi checar minhas vestes que, apesar de terem acabado de entrar em contato com a energia gosmenta, surpreendentemente, não tinham nenhuma mancha.
            Ao escutar uma brisa fria sussurrar uma melodia em meus ouvidos e notar a temperatura que, subitamente, diminuiu de modo drástico, logo, tratei de sondar, visualmente, o local, conseguindo, ao mesmo tempo, perceber de soslaio, o portal do qual eu saí desaparecendo, como se nunca tivesse tido uma aparição por ali.
            O ambiente onde nos encontrávamos era ao ar livre e, ao observar determinados aspectos, logo fui capaz de perceber o porquê de estar sentindo tanto frio…
            Neve e gelo.
            O lugar onde nos localizávamos tinha esses dois elementos em abundância, além, é claro, de uma nevasca que, gradualmente, parecia se intensificar… Senti meu corpo, involuntariamente, começar a tremer graças ao clima baixo… Numa tentativa modesta de me aquecer mais do que minhas roupas já faziam, abracei a mim mesma, com certa força, esfregando meus próprios braços, tomando cuidado para não me machucar um deles com a mão que estava a segurar a espada..
            -Tome, vai precisar caso não queira morrer de frio.
            Nevra, notando minha situação, retirou seu cachecol, depositando-o sobre minha cabeça, parecendo um tanto orgulhoso de seu feito “cavalheiro”, mas…
            ...Quem disse que eu aceitei?
            -Posso ficar bem sem sua ajuda.
            E então, sem nenhum rodeio, pegando nesta com a mão livre, devolvi a peça de roupa para o moreno que pareceu ficar surpreso diante de minha resposta… No final das contas, eu não aceitaria nada, mesmo que fosse apenas um medíocre cachecol, de um estranho… Ainda mais levando em conta que eu não poderia confiar em mais ninguém além de mim mesma… Apesar de tudo, a todo instante, eu tinha consciência de que estava sozinha, eu apenas… Me relembrava com mais nitidez desse fato em determinados momentos.
            -Parece que alguém levou um fora…
            Após minha ação, pude escutar o rapaz de cabelos azulados falar isso de maneira provocativa, tentando ocultar suas palavras -e, consequentemente, o sentido delas- com tosses falsas e mal feitas que foram emitidas pelo mesmo… A figura masculina de caninos salientes se limitou a encarar para o companheiro com uma expressão não muito agradável.
            -Aparentemente, estamos próximos do templo do gelo. Se seguirmos a leste acabaremos por chegar na Guarda de Eel, certo, Ezarel?
            Após revelar informações acerca de nossa localização, perguntou o homem de cabelos mistos para o de orelhas notavelmente pontudas que logo retirou um mapa que se encontrava pendurado em seu cinto -onde seu florete, além de alguns pequenos recipientes com líquidos das mais diversas cores, também se encontrava embainhado, tendo o mesmo, provavelmente, pegado tal arma com a fumaça repentina que surgiu quando estávamos sendo encurralados pelas criaturas fardadas que se encontravam em meu mundo e eu, particularmente, não duvidava que o azulado, de alguma forma, tivesse sido o responsável pela disseminação daquele gás espesso-, e, uma vez tendo desenrolado o papel de cor amarelada, seus olhos pareceram, cautelosamente, avaliá-lo.
            -Sim, daqui a cerca de dez quilômetros, conseguiremos chegar ao Quartel General.- confirmou o rapaz que segurava o mapa firmemente, de modo que não o deixasse ser levado pela forte e gelada ventania -que me fazia estremecer mais ainda- que soprava, copiosamente, por ali.
            Ao escutar aquilo, suspirei -sendo que, se eu estivesse sem a máscara, não duvidava que uma pequena fumacinha sairia de meus lábios ao expelir o ar daquela maneira… Afinal, estava bastante frio-, me sentindo parcialmente arrependida de ter escolhido ir com eles, afinal, as chances de eu morrer congelada naquela distância dita por Ezarel eram enormes… Mas, eu já não podia mais voltar atrás… Fiz uma decisão, aparentemente, não muito benéfica para mim mesma e tinha de arcar com as consequências dessa. Isso era um fato inegável.
            -Vamos logo, caso não queira morrer aqui.
            A voz de desdém daquele que havia guardado o papel amarelado no mesmo lugar de antes, me despertou de meus próprios pensamentos que me fizeram ficar ali, parada, deixando a brava ventania agitar o tecido de minhas roupas e os fios de meus cabelos se agitarem sem harmonia alguma.
            No final, acabei por, silenciosamente, seguir os garotos que estavam bem mais à minha frente e que, momentaneamente, optaram por esperar até que eu os alcançasse, e, uma vez tendo feito isso, os rapazes que já haviam guardado suas armas em bainhas voltaram a se mover rumo à direção leste, tentando, ao máximo, aguentar a temperatura baixa que fazia meus dentes de chocarem, de modo repetido, um contra o outro.
            Embora minha visão estivesse limitada por conta da neve espessa que não parava de cair, não demorou muito para perceber que, na realidade, estávamos sobre uma montanha, tendo sido a descida da mesma um pouco árdua, mas, felizmente, no final, conseguimos realizar tal coisa sem nenhum tipo de lesão.
            Não duvidava que aquela região fosse dotada de beleza, afinal, o clima glacial trazia consigo maravilhosas e memoráveis paisagens -bom, ao menos, as que eu havia visto, pertencendo a maior parte delas, a alguns livros que já lera-, contudo, como citado anteriormente, minha visão tinha um limite bem baixo, logo, consequentemente, não pude ver muitas coisas naquele lugar além de neve e gelo.
            Todos nos encontrávamos calados enquanto andávamos em conjunto… Contudo, a linguagem corporal de todos já demonstrava que, assim como eu, eles também estavam sentindo muito frio… Claro que, uns mostravam isso mais nitidamente que outros.
            De qualquer forma, eu pretendia apenas continuar o trajeto com os rapazes, todavia…
            ...Escutei um barulho.
            Levando em conta que, provavelmente, nenhum dos quatro tinha problemas auditivos, de certo, esses tinham escutado o mesmo som que entrou em meu ouvido e penetrou em minha mente, mas, os garotos, simplesmente, pareceram não se importar, se preocupando mais em chegar ao destino que era a tal “Guarda de Eel”, “Quartel General”... Enfim.
            O barulho parecia ser o eco de um grunhido animal… Mais especificamente um choro, como se a criatura que o emitiu estivesse agonizando com uma dor profunda e até mesmo insuportável.
            Por um momento, me peguei a pensar… Deveria ir checar o responsável pelo som ou deveria continuar seguindo as figuras masculinas?... Se eu escolhesse fazer a primeira opção, talvez os garotos ficassem bravos, acreditando que eu os havia abandonado ou coisa do gênero… Mas, caso eu decidisse executar a segunda opção… A curiosidade e arrependimento de não ter feito a primeira coisa me consumiriam e só me deixariam num tempo determinado… E então, depois de alguns segundos…
            ...Eu optei por ir ver da onde vinham e o porquê daqueles grunhidos -que logo se repetiram, porém, com menos amplitude e intensidade que antes- terem surgido… Afinal, não era como se algum deles mandassem em mim ou coisa do gênero, logo, apesar de tudo, me sentia livre para fazer o que bem entendesse… Apenas esperava não me arrepender, embora, eu tivesse consciência de que era bem provável daquilo acontecer… Todavia, no final, eu acreditava que era melhor me arrepender de ter feito algo do que de não ter feito alguma coisa.
            Com a neve impiedosa e intensa encobrindo o som de meus passos que, logo deixaram pegadas na neve que se encontrava opaca, bem como o céu que estava sobre mim, logo tratei de, rapidamente, mesmo sentindo o frio me envolver a cada passo que dava, correr rumo ao local de onde ouvia os grunhidos de sofrimento.
            Me deixando ser guiada por minha própria audição sem hesitação ou temor algum, pude notar que, aparentemente, por alguns segundos, os rapazes não foram capazes de perceber meu sumiço, uma vez que não escutei nenhum deles falando sobre mim ou coisa do gênero.
            -Pessoal! A humana sumiu!
            Pude ouvir Nevra pronunciando tais palavras em alto e bom som, tendo o mesmo, ao que parecia, sido o primeiro a se dar conta de que eu havia me afastado… Mas, apesar do curto período de tempo que tive para sair de perto dos rapazes, graças à minha velocidade acelerada, já me encontrava consideravelmente longe dos mesmos.
            Depois de um tempo correndo pelo local incrivelmente gelado, me aproximando cada vez mais da fonte dos barulhos que exibiam dor, acabei por me deparar com uma enorme e imponente caverna, com neve em abundância lhe revestindo tanto por dentro quanto por fora, além de cristais de gelo que pareciam cintilar com a luz do luar e que ornamentavam, graciosamente, mas, ao mesmo tempo, perigosamente o teto do local que encontrara.
            Em circunstâncias normais, eu, provavelmente, estaria maravilhada com o quão formosa aquela simples caverna era… Contudo, naquele momento, eu me sentia incapaz de sentir admiração, mesmo de algo tão belo quanto a paisagem que meus olhos, mesmo que estivessem com visão limitada por conta da insistente nevasca, observavam.
            Eu me sentia tão quebrada quanto uma boneca de porcelana jogada ao chão… As únicas emoções que me vi capaz de sentir naquelas últimas horas foram a tristeza, o ódio, a melancolia, a ira e o temor… Era como se… Nenhum bom sentimento tivesse sobrado dentro de mim, sendo que eu, particularmente, estava indiferente sobre demonstrar ou não os que sentia, sendo que, alguns eu até mesmo me recusava a expressar, como, por exemplo, a tristeza e o medo… No final das contas, demonstrar essas sensações apenas me fariam ser vista como fraca, e se tinha uma coisa que eu não admitia ser chamada, depois de tudo que eu passei era, justamente, de fraca.
            “Eu serei forte, eu tenho de ser forte.” Falei comigo mesma, adentrando na caverna mal-iluminada, de onde os choros pareciam vir, sem medo algum me dominando.
            Apesar do breu que tinha lá dentro, não demorou muito até que eu encontrasse o responsável pelo barulho que era capaz de causar lástima em muitos.
            Era uma espécie de urso polar… Um filhote para ser exata. Tendo apenas os raios lunares como única e, portanto, principal fonte de iluminação, não pude avaliar a criaturinha de maneira minuciosa… Apenas tive a capacidade de perceber que uma de suas duas patas traseiras se encontrava presa sob uma enorme pedra coberta por aqueles pequenos flocos que, em conjunto, formaram a superfície branca que revestia a grande rocha por completo e que eu conseguia observar sem problema algum.
            “Um desmoronamento?” A especulação passou por minha mente ao, finalmente, notar um amontoado de pedras, semelhantes a que prendiam o pobre animal, próximas ou empilhadas sobre a última, parecendo bloquear algo que aparentava já ter sido uma entrada, sendo que, seu interior era indecifrável, uma vez que, tudo estava coberto com rochas, o que fortalecia a probabilidade de ter, de fato, ocorrido um desmoronamento… De qualquer forma, logo de cara, ao ver tudo aquilo, eu tive consciência de que aquele lugar era instável e perigoso e que eu poderia muito bem acabar por morrer ali, esmagada pelas pedras, mas mesmo assim, mesmo sabendo dos riscos…
            ...Eu não retrocedi.
            Afinal, já havia chegado até ali, não fazia sentido desistir.
            Voltei meu olhar para o pequeno ser vivo assim que o escutei, indefeso, rosnar para mim… Não o culpava pela recepção rude, no final, eu conseguia compreender que ele estava tentando apenas se defender de mim, uma vez que, o mesmo não sabia de minhas intenções, não me conhecia, logo, ficar com a guarda baixa não deveria ser uma opção para si, além de que…
            ...O pequeno animal estava sozinho, assustado e ferido.
            Talvez, no momento em que me tornei ciente de tais fatos eu tivesse me tornado um tanto… Empática com relação à criaturinha de acuados olhos âmbar que pareciam se destacar naquela escuridão, se assemelhando bastante ao ouro puro... Embora, no final, eu tivesse colocado em minha mente que apenas iria salvá-la para aliviar minha consciência que se tornou pesada depois de ter tanto escarlate em mãos naquela noite… Principalmente o de Ichiru.
            Basicamente, o que eu queria fazer era executar a “lei da equivalência de janelas” que, segundo um escritor estrangeiro -cujo nome não me recordava-, se baseava no fato de que, para se compensar uma janela fechada, a solução seria abrir outra… Talvez aquilo fosse egoísta de minha parte? Talvez… Mas eu, definitivamente, não me importava.
            Poderia existir também, ainda, algum tipo de solidariedade e bondade no fundo do meu ser?... Poderia… Todavia... Independente da realidade…
            ...Eu me recusava a acreditar naquela hipótese, havendo chances, até mesmo, de eu estar enganando a mim própria.
            No final, depois de perder tudo o que eu amava, tudo o que era bom em minha vida, outrora tão feliz, eu me senti na obrigação de não ter mais nenhuma característica positiva, afinal…
            ...Foram todas as coisas boas que eu tinha comigo que moldaram minhas qualidades, e, se aquelas pessoas sumiram, a parte virtuosa de minha personalidade tinha de desaparecer junto… Ou seja…
            ...Uma parte de mim.
            Após depositar com delicadeza minha arma no chão do meu lado, em silêncio, logo tratei de me inclinar, me agachando um pouco até que minhas mãos pudessem alcançar a rocha maciça… A menos que quisesse morrer esmagada pelo previsível desmoronamento que ocorreria com a retirada desta, sabia que teria de ser rápida para tirar a pedra pesada dali e salvar o animal e a mim mesma.
            Mesmo que o frio parecesse ter, até mesmo, congelado meus ossos, tornando-os frágeis e dormentes, pouco me importei e logo, posicionei ambas as minhas mãos na rocha, cuja temperatura baixa parecia, agonizantemente, atravessar minhas luvas e tocava, diretamente nas palmas de minhas mãos, mas, mesmo assim…
            ...Com rapidez, concentrando todas as forças que possuía naquele momento em meus braços, ergui a rocha e, logo após isso, a joguei para o lado.
            Em questão de milésimos, já havia, com agilidade, pegado o filhote, naquele momento livre, em um braço e, com o outro, catado o sabre que deixara no chão.
            Escutando e observando tremores, não apenas das rochas empilhadas que ameaçava despencar a qualquer momento, mas também, dos cristais de gelo que estavam no teto da caverna, de modo veloz, girei nos calcanhares e corri rumo à saída, e, mesmo que pudesse ouvir em alto e bom som as pedras caindo rapidamente contra o solo, além dos cristais que, ao se estilhaçarem contra o chão causavam um barulho tremendo, não ousei olhar para trás, tentando, ao máximo, abrigar o pequenino ser vivo sob meu corpo.
            -Ugh...
            Me limitei a rosnar baixo com a dor quando senti um dos cristais gélidos atingirem, de raspão, minhas costas, já sentindo um ardor na região afetada, tendo o fluído carmesim não demorado muito para escorrer por aquela área… E embora eu tivesse mais um ferimento -e protestos intensos por parte da criaturinha que, apesar de tudo, ainda parecia me temer… Ou a situação, não sabia ao certo-, mesmo assim, não parei de correr.
            Uma vez fora da caverna, pude ficar mais aliviada, visto que, já me encontrava fora de perigo, mas então, novamente, ainda correndo, sem querer…
            ...Esbarrei contra um torso.
            -Temos de parar de nos encontrar desse jeito, não é?
            Não demorei muito para perceber que aquele com o qual eu tinha me esbarrado era Nevra que continha um sorriso simples nos lábios, exibindo no mesmo, suas presas pontiagudas.
            Sem falar nada, empurrei-o levemente com o cotovelo do braço em que segurava o pequeno ser vivo que pareceu se tranquilizar após sairmos da zona de risco, com a intenção de afastá-lo de mim.
            Logo tratei de passar por ele, indo na direção de uma grande rocha que eu, felizmente, conseguia ver em minha frente, contudo…
            -Suas costas…
            Ele segurou meu pulso, no qual eu segurava a arma na mão, cuja lâmina se arrastava pela neve, deixando rastros que logo eram cobertos com mais flocos, me parando, parecendo ter a intenção de avaliar o corte que havia sido feito em minhas costas quando estava na caverna.
            -Eu sei.
            Me limitei a dar essa resposta curta, puxando, com força, minha mão da sua, liberando-a, dessa forma… Já tinha feito duas feridas, não seria a terceira que me deixaria nocauteada.
            Uma vez sem estar sendo agarrada pelo moreno, não perdi tempo e fui até a pedra, me sentando sobre a mesma, optando por ignorar o frio que senti assim que o fiz… Pelo que pude perceber, o rapaz de cabelos negros fora o primeiro a me encontrar… Até aquele momento.
            -Finamente! Achamos a humana.- exclamou Ezarel, parecendo estar mal humorado, enquanto eu, sem me importar com suas palavras, já colocava a espada encostada na lateral do “assento” no qual eu me encontrava “acomodada” e, sem mais e nem menos, rasgava, sem pestanejar, uma parte do tecido de meu quimono, arrumando o filhote em meu colo, com a intenção de amarrar o tecido em sua pata traseira -que, estranhamente, continha uma espécie de sininho atada a um pedaço de tecido-, outrora presa e que eu, logo percebi estar machucada e com sangue a escorrer, tendo, desse modo, o intuito de estancar o líquido vermelho… E, bom…
            ...Assim o fiz.
            Gostaria de ter feito o mesmo com as feridas que estavam em meu ombro, braço e, naquele momento, em minhas costas… Contudo, o tempo não parecia estar ao meu favor.
            -Um ocemas?...
            Momentaneamente, fitei o garoto de cabelos mistos que falara aquilo e logo voltei meu olhar para o filhote que se acomodava, cuidadosamente em meu colo, parecendo se sentir um pouco mais seguro e confortável na minha presença… Talvez “ocemas” fosse sua espécie ou algo perto disso?...
            -Agora que a encontramos podemos seguir com o nosso caminho?- perguntou o azulado impaciente, enquanto eu já me levantava da rocha, segurando, com cautela, o animalzinho que se aconchegava em mim com uma mão e, com a outra, a espada que se encontrava encostada no local onde antes eu me via sentada… O rapaz que soltou a questão teve uma resposta positiva, dada através de um meneio de cabeça por Leiftan e então, de acordo com a mesma, nós voltamos a caminhar, mesmo que estivessemos, claramente, sendo afetados pela temperatura que parecia baixar cada vez mais.
            -Perdão, mas… Você poderia se apresentar? Suponho que já saiba os nossos nomes depois de passar todo esse tempo conosco, embora, caso queira, não faço questão de me apresentar também.
            Enquanto o ocemas, gentilmente, brincava com algumas mechas de meus cabelos, se equilibrando no braço que o segurava, acabei por escutar o pedido de Leiftan que, basicamente, consistia no fato de que o mesmo -e nenhum dos outros rapazes dali, na realidade- não sabia qual era meu nome e, por isso, queria ter conhecimento do mesmo, provavelmente para se dirigir a mim não mais como “humana”.
            -Crystal.
            Sem enrolações, apresentei-me.
            -Meu nome é Crystal.


            Após um considerável período de tempo andando, resistindo àquela nevasca que parecia se intensificar cada vez mais, um dos rapazes sugeriu pararmos um pouco até que o tempo se encontrasse mais calmo e favorável para a continuação de nosso trajeto. No final, todos concordaram, inclusive eu que, de dentes fortemente trincados por conta do clima, me vi incapaz de negar a oferta… Depois de alguns minutos ainda caminhando, afundando os pés na neve macia e fofa, deixando pegadas que, gradualmente, iam sumindo, a medida que os flocos as cobriam, semelhante a uma praia, onde as pessoas deixam seus rastros que logo são lambidos pelo mar salgado e, consequentemente, apagados, acabamos por encontrar uma caverna que não continha muitos riscos de desmoronamento, onde, finalmente, decidimos que iríamos ficar por enquanto.
            O local que escolhemos como abrigo, apesar de ser igualmente gelado como toda aquela área onde nos encontrávamos, parecia ter uma incontestável atmosfera de segurança rodeando-a… Não que aquilo fosse algo que eu realmente me importasse ou coisa do gênero.
            -Crystal…
            Olhei por cima do ombro ao escutar a voz mansa de Leiftan chamando gentilmente o meu nome. No rosto daquele que acabara de sair de nosso abrigo -e que, por conta de minha posição, parecia ser bem maior do que realmente era-, tinha um pequeno sorriso reconfortante, capaz de contagiar muitos.
            Apesar de tudo, eu estava fora da caverna, sentada na neve impiedosa… Mesmo cansada, não sabia se conseguiria descansar ou até mesmo cochilar lá dentro… Não depois de todas as coisas que vi, vivenciei, ouvi e, principalmente, senti… Momentos antes eu realmente tentei relaxar, mas, assim que eu me deixei encostar contra uma das rochas da parede de nosso abrigo temporário e deixei meus olhos se fecharem, embora desejasse ver apenas a escuridão, tudo o que eu vi foi…
            ...As imagens do que havia acontecido algumas horas atrás.
            Minha mãe morrendo. Ichiru tendo seu fim dado pelas minhas mãos. O terror instaurado em minha amada cidade. Cidadãos inocentes tendo suas vidas retiradas sem nenhum motivo aparente…
            ...Todas aquelas cenas ainda me atormentavam de modo cruel.
            Então, no final das contas, desisti de tentar dormir e, deixando minha espada por lá -afinal, embora tivesse suportado seu peso durante todo aquele tempo, era inegável que a mesma era, mesmo que minimamente, pesada e eu tinha de me esforçar para segurá-la durante todo o tempo, o que me deixava cansada... Contudo, se algum imprevisto ocorresse, eu não hesitaria em, rapidamente buscá-la lá dentro-, fui para fora com o filhote de ocemas em meu colo… Eu até mesmo cogitei em deixá-lo no interior do abrigo também, contudo, quando o coloquei, cuidadosamente, no piso frio de lá e dei as costas, me preparando para sair, a criaturinha começou a choramingar, como se suplicando que eu o carregasse comigo… Que eu não deixasse sozinho…
            ...E lá estava ele, deitado de costas em meu colo, de olhos suavemente cerrados, repousando tranquilamente… Por conta de sua posição eu conseguia até mesmo ver seu peito subindo e descendo, subindo e descendo… Por um momento, desejei ter a capacidade de adormecer com tanta facilidade quanto o pequeno animal, principalmente naquela temperatura que me arrepiou por inteira.
            -Posso me sentar ao seu lado?- ele perguntou se aproximando. Em resposta, com indiferença, apenas dei de ombros, voltando meu olhar para o horizonte embaçado com tanta neve que caía… Não demorou muito para ouvir os passos da figura masculina detrás de mim se aproximando gradativamente até sentir sua presença bem do meu lado… E, uma vez próximo, de relance, pude observá-lo, aos poucos, se abaixando para, finalmente, se sentar perto de mim.
            -Sei que deve estar sendo difícil para você… Digo, ter seu mundo atacado e ser arrastada para outro… Além de confuso, não deve ser nada fácil… Perdão por ter lhe metido nisso tudo.
            Com a mão fazendo carinho sobre os pelos da barriga macios e, supreendentemente quentinhos do pequeno ser vivo que dormia sobre minhas pernas cruzadas, escutei suas desculpas calada… No final das contas, não tinha nada para dizer para o mesmo sobre sua fala, embora o rapaz demonstrasse, explicitamente, uma certa empatia, lástima e compaixão por mim… Acredito que, se a situação fosse outra, eu estaria comovida com a sua atenção para comigo, mas, naquele momento…
            ...Eu não conseguia sentir tal coisa.
            Todos os sentimentos bons pareceram se esvair de mim… Não havia mais alegria, amor, afeto, esperança, fé, confiança ou felicidade… Apenas sobrara uma voz e expressão indiferentes que não ousavam demonstrar as emoções negativas que eram nutridas dentro de mim… As únicas que restaram em meu interior que, mesmo contendo tantas sensações ruins, parecia ter se tornado extremamente vazio naquela noite em que eu, apenas naquele momento, percebi ter perdido mais do que aqueles que amava e a minha querida cidade… Afinal…
            ...Eu também tinha perdido a mim mesma.
            Minha personalidade, sentimentos agradáveis… Tudo… Tudo... Foi perdido naquele dia.
            Apenas naquela hora eu reparei o quão confusa eu estava… Eu não sabia mais quem eu era… Que tipo de pessoa eu seria dali para frente? Se eu não mais me conhecia, como poderia confiar em mim mesma?! Eu me tornei uma completa estranha, uma outra pessoa… Não mais conseguia me compreender.
            Onde estava aquela Crystal que, mesmo de personalidade forte, era feliz e cujo coração era capaz de confiar nas pessoas e amá-las?... Demorei um tempo até conseguir encontrar a resposta para essa pergunta que fazia meu peito, que guardava um coração despedaçado pelo sofrimento, doer… Mas, no final a resposta era bem simples…
            ...Ela havia sido devorada pela escuridão agoniante que se formara dentro de mim…
            ...Traída pela inocência.
            -Mas, mesmo assim…
            Estava tão distraída com o conflito de sentimentos que ocorria em meu interior que até mesmo esquecera que a figura masculina de cabelos mistos que inclinou um pouco o seu corpo para frente, com a provável intenção de olhar para o meu rosto mascarado, estava ali, me fazendo companhia… Com todos aqueles pensamentos em minha mente, até mesmo parara de afagar o estômago do filhote de ocemas sem sequer ter notado o momento em que parei os movimentos com a mão que garantiam conforto à criaturinha.
            -Se tiver qualquer coisa em que eu possa ajudá-la ou que queira falar para mim, não hesite em me procurar. Estarei todo ouvidos.- dizendo isso de modo gentil, o loiro logo depositou, delicadamente, sua mão, leve como uma pena sobre meu ombro -o que não estava ferido, no caso-… Encarei-o sem uma reação concreta… Por um momento, tive vontade de empurrá-lo e retirar seus dedos mansos dali… Afinal, o mesmo não tinha nenhuma intimidade comigo para fazer contato físico... Contudo, minha confusão e curiosidade me coibiu de afastá-lo.
            Por que ele estava sendo tão... Atencioso comigo?
            Enquanto os outros três pareciam me tratar como uma mera humana e me viam como um objeto ou uma coisa afim, embora, de início acreditasse que Leiftan me observasse com os mesmos olhos de seus companheiros, ele demonstrou ser um tanto quanto diferente... Afinal...
            ...Ele parecia me ver como uma pessoa, um ser vivo… Que tem os próprios fantasmas e dores. O rapaz aparentava estar preocupado em me dar atenção, mas… Por quê? Onde ele queria chegar com aquilo? Por que ele estava sendo tão bondoso comigo, uma pessoa que se tornou fria e séria ao ponto de chegar a ser amedrontadora para alguns? Que benefício ele teria me ajudando?!...
            Minha cabeça se encontrava com tantas perguntas que me atordoaram de modo mínimo que sequer percebi a ausência do toque que, apesar de frio -o que era esperado, levando em conta a temperatura do local onde nos víamos inseridos-, era “aconchegante” e, só depois de alguns momentos fui capaz de perceber que a figura masculina de cabelos trançados havia se levantado... E, obviamente, ao notar tal coisa, logo tratei de erguer meu olhar oculto até o rosto daquele cujas íris esverdeadas pareciam realmente brilhar e se destacar naquela noite gelada.
            -Boa noite e… Bem-vinda a Eldarya, Crystal.
            E logo caminhou até que adentrasse a caverna, sumindo do meu campo de visão… Realmente, acreditava que demoraria algum tempo até que eu pudesse entender o rapaz por completo… Não que aquilo fosse algo que eu considerasse como importante ou coisa do tipo.
            Com um suspiro, ansiando e tentando esquecer daquelas questões que ocupavam minha mente e que envolviam aquele que havia acabado de me deixar, virei minha cabeça, voltando a olhar o horizonte, sem conseguir ver, praticamente, nada… Naquele momento, minha única certeza era de que ainda era noite… Que a lua cheia ainda estava lá em cima, decorando o intocável e distante plano negro… E, apesar de tudo, continuei a refletir… Não apenas sobre o que aconteceu naquele dia, mas sim...
            ...Sobre os mais diversos assuntos.
            E em um momento, eu acabei por lembrar dela.
            Quando sua imagem atravessou meu cérebro, não demorei para retirar a mesma de dentro de minha roupa íntima feminina superior.
            Por que ele havia me dado aquilo?
            Era o que me questionava enquanto observava a pequena chave dourada que parecia cintilar entre meus dedos próximos de meu tórax… Mesmo nos dias de hoje, não consigo saber o motivo dele ter me dado aquele pequeno objeto e, muito menos, onde ele se encaixa ou mesmo o que abre.
            Quando escutei passos na neve se tornando, aos poucos, cada vez mais próximos, apressada, logo enfiei o objeto do mesmo lugar que o retirei, ficando em estado de alerta, já me preparando para me levantar junto com o filhote de ocemas para me defender caso fosse necessário… Mas, felizmente, logo descobri não ser o caso.
            Em questão de segundos, fui capaz de ver Valkyon emergindo em meu campo de visão.
            -Entre, senão, morrerá de frio.
            Com um ar impassível e indiferente, o rapaz foi breve em suas palavras que, diante do contexto, pareciam desejar manter minha segurança, embora, no final, estivesse desconfiada de que o platinado em si, contrariando sua frase, não ansiasse pelo mesmo… O que era algo natural de se pensar, levando em conta seu jeito empedernido, que não mostrava nenhuma emoção que enfatizasse aquela sua suposta vontade.
            -Idem.- disse me levantando cuidadosamente e segurando a criaturinha sonolenta que estava em meu colo com suavidade, de modo que não a despertasse de seu tranquilo repouso… Não era como se eu me importasse com ele ou coisa do gênero, por isso, sequer me esforcei para tentar demonstrar qualquer emoção que indicasse que eu ligava para Valkyon e sua saúde… Apenas tinha acabado de proferir uma palavra que se referia a um acontecimento que poderia ocorrer com o rapaz a qualquer momento graças aos ventos e flocos de neve ferozes e repetitivos, nada mais.
            Só quando eu me pus de pé, pude perceber que minhas pernas, além de cansadas, estavam dormentes: não conseguia senti-las.
            A perda da sensibilidade naqueles membros, provavelmente se deviam à minha posição contínua e, praticamente, imóvel, quando sentada ali, na neve, por um considerável período de tempo, sendo que, eu também suspeitava que o frio rigoroso -que, diga-se de passagem, ainda me afetava de maneira indiscutível, sendo uma prova disso, meus dentes que, imperceptivelmente para qualquer outra pessoa além de mim, ainda estavam a bater- daquela região havia contribuído para tal consequência.
            Mas, mesmo assim, embora com dificuldades para apenas manter meu corpo erguido, decidi entrar na caverna novamente, deixando para trás o homem cujos médios cabelos brancos que voavam para todos os lados, sem nenhuma direção definida graças à ventania violenta, cujas rajadas se assemelhavam com centenas de agulhas quando em constante contato com a minha pouca pele exposta, pareciam se camuflar com a neve que caía sem piedade.
            Por um momento, a baixa temperatura -ou talvez tivesse sido somente meu cansaço?- pareceu ter consumido minha lucidez, congelando, até mesmo, meu cérebro, o fazendo parar de funcionar de maneira temporária, logo, eu me peguei tendo esquecido, até mesmo, de como caminhar.
Um passo, depois outro, e assim por diante. Uma coisa tão fácil e, muitas vezes, involuntária, pareceu ser algo extremamente complexo naquele instante.
            E então, tendo, por um mísero segundo, desaprendido a andar, não demorou mais de dez milésimos para perder o equilíbrio e…
            ...Me esbarrar de lado com alguém.
            Quando nossos corpos -ambos possuindo a mesma temperatura baixa esperada- se chocaram, eu não demorei para, rapidamente, me afastar do rapaz que, logo percebi ser Ezarel, apenas olhando de relance para seu rosto, cujas feições, por um momento, demonstraram surpresa com o esbarrão… Aquela já era a quarta vez que aquilo me acontecia… Contudo, diferente da metade dos choques acidentais, aquele, obviamente, não havia sido com Nevra, levando em conta a figura de longos cabelos azuis presos que estava na minha frente e que, em questão de segundos, assumiu uma postura que eu interpretava como sendo arrogante, parecendo me julgar com seu olhar esnobe por aquele pequeno incidente que poderia acontecer com qualquer um… Ele realmente parecia não gostar de mim e nem ir com a minha cara… Embora, no final, se esses fossem seus verdadeiros sentimentos, de certo, os mesmos eram recíprocos, uma vez que eu, definitivamente, não apreciava sua companhia… Na realidade, era o contrário… Eu não gostava nem um pouco de sua presença… Em parte por conta da personalidade complicada, mas, também, por conta de sua semelhança física, mesmo que parcial, com aquela que, horas atrás, estava batalhando contra minha mãe que, apesar de tudo, se encontrava viva, que me incomodava… Bastante, na verdade... Sendo que, o mesmo valia para Nevra.
            Sem muito interesse, decidi por, instintivamente, avaliar o rapaz que tinha, praticamente, o mesmo tamanho que eu, da cabeça aos pés… Contudo, meus olhos acabaram, eventualmente, pousando sobre sua mão -a que eu havia ferido algum tempo antes-… Naquele momento, enfaixada com um material que eu desconhecia, mas que, ao meu ver, era similar à uma gaze... Ou algo perto disso.
            -Que foi? Agora vai me implorar para enfaixar essas suas feridas?
            Ao perceber, além dos machucados que estavam espalhados por meu corpo, o fato de eu tanto encarar sua pele coberta, o rapaz de orelhas pontudas não perdeu tempo e logo soltou essa provocação, deixando um sorriso sarcástico invadir seus lábios, outrora curvados em desgosto.
            No final, me limitei apenas a ignorá-lo, retirando meu corpo do seu caminho, fingindo que aquilo nunca havia acontecido e que aquelas palavras nunca haviam saído de seus lábios… Estava cansada demais para começar uma discussão com ele ou coisa do gênero… E eu, com certeza, não gastaria minhas poucas energias falando com alguém como... Ele.
            Apenas no momento em que eu, silenciosamente, saí do caminho de Ezarel, que logo, sem mais e nem menos, voltou a fazer seu trajeto -e eu suspeitava que o mesmo iria falar com Valkyon que ainda não havia se recolhido-, eu voltei a prestar atenção no frágil ser vivo que, apesar de tudo, eu ainda segurava cautelosamente… Felizmente, desde o momento em que trombei com Ezarel até aquele, em que eu me encontrava analisando a tal criaturinha, ela continuava a dormir…             Realmente, o filhote tinha um sono pesado.
            A medida que dava atenção para o peludinho enquanto andava, eu também procurava me manter, mesmo que minimamente, focada no que estava a minha frente, tentando, ao máximo, não fraquejar e muito menos me desequilibrar novamente.
            Quando, finalmente, me peguei próxima da parede rochosa onde eu havia deixado minha espada recostada, estando sua lâmina sobre o chão frio, o riscando levemente -provando o quão potente era sua parte cortante, uma vez que, mesmo não conhecendo ao certo a resistência específica destas, as rochas que, naquele momento, eram nosso piso, pareciam que não eram facilmente riscadas nem pela lâmina de uma serra elétrica, graças às suas aparências que lhes davam um ar de imponência inegável- e seu cabo, obviamente, repousava contra a parede íngreme, como citado antes, não hesitei em, lentamente, me sentar ao lado da arma imóvel, deixando minhas costas resvalarem pelas rochas detrás de mim, permitindo, desse modo, a baixa temperatura se envolver mais ainda em meu corpo que parecia já ter perdido a maioria de seu calor há muito tempo, enquanto, claro, tomava todo o cuidado para não afetar, de algum modo, o Ocemas que, aparentemente, se sentia seguro em meus braços.
            Uma vez estando na posição que ansiava por ficar, estirei minhas pernas dormentes e cansadas, depositando, com suavidade, o pequeno animal em meu colo.
            O lugar onde eu me encontrava sentada estava um pouco frio, mas nem tanto se comparado com o chão do lado exterior, bem como a quantidade de neve, uma vez que, embora a caverna, claramente não fosse hermética ao ponto de reter todos os flocos brancos e puros como as nuvens castas de um céu ensolarado de entrar ali, a sua entrada, semelhante à estrutura de um arco romano, parecia contribuir para a “filtração” da neve no interior do abrigo que havíamos encontrado, além da própria nevasca em si que parecia, de onde eu estava vendo, levar seu conteúdo que brilhava com a luz do luar, diretamente para a diagonal, evitando, desse modo, a constante entrada daquelas partículas de coloração branca até onde eu estava tentando repousar.
            Mesmo que eu quisesse cerrar meus olhos, o medo e o temor de visualizar imagens indesejáveis me tornavam incapazes de executar tal coisa… Eu, simplesmente, não queria reviver aquelas memórias que, aos poucos, dolorosamente, seriam pintadas em minha mente, sendo seus pigmentos, o sofrimento guardado em minha alma abalada.
            Inquieta, tentei prender minha atenção a qualquer coisa que fosse capaz de me distrair, tentando impedir que aqueles pensamentos chegassem até mim, resistindo à dor que desejava, sorrateiramente, invadir meu corpo vazio e sem emoção...Eu estava tentando fugir de tudo o que aconteceu… Eu estava tentando escapar do que havia, praticamente, acabado de acontecer… Ou seja, eu queria, simplesmente fugir do...
            ...Meu passado.
            Ainda relutante quanto a deixar as lembranças tingidas de melancolia me dominarem, acabei deixando meu olhar pousar sobre Leiftan e Nevra que se encontravam perto da parede oposta à minha, parecendo discutir um com o outro… Também pude perceber um mapa -que, se não fosse tal, era, no mínimo, similar ao que Ezarel possuía e que, normalmente, mantinha em seu cinto- esparramado no chão, entre ambos os rapazes… Mas, aquilo não foi capaz de cativar minha atenção do modo como eu ansiava que acontecesse, então, desesperadamente, desviei meus olhos mais uma vez para qualquer local aleatório, contudo, minha escolha um tanto quanto irracional, acabou me trazendo certa infelicidade, afinal…
            ...Eu estava olhando para o teto.
            Antes que eu pudesse, instintivamente, observar qualquer outra coisa que tivesse a capacidade de me distrair, quando um pensamento penetrou em minha mente, tão rápido quanto um relâmpago atravessa o céu distante, tudo o que me senti capaz de fazer foi, simplesmente, arregalar os olhos direcionados para cima, encarando as estruturas pairando lá, ao longe, com perplexidade, como se tivessem me revelado uma informação de importância inestimável.
            ...Tudo aquilo era inútil.
            Tentar me apegar a coisas físicas quando, na verdade, o que me perseguia era algo psicológico… No final, era como se todos os meus esforços e protestos tivessem sido em vão, coisas pequenas que não faziam diferença alguma, semelhante a uma gotícula de chuva depositada num mar cujas ondas se agitavam de maneira revoltada… E então, ao perceber isso…
            ...Me deixei ser abraçada pelas dores que ansiavam me alcançar. Me submeti àquele pesadelo que minha mente, de modo lento, projetava com exatidão. De maneira deliberada, fui caindo mais e mais num buraco taciturno e frio, sendo soterrada por camadas espessas de indiferença, tornando tudo o que um dia eu fui, a maioria de meus sentimentos e minha personalidade mais latentes ainda, no fundo daquele buraco que aparentava não ter um final.
            Ainda olhando fixamente para cima, senti uma lágrima brotando em um de meus olhos que, naquele momento, se encontravam semicerrados… Obviamente, tentei impedi-la de cair… Afinal, o meu choro apenas representaria fraqueza e eu… Sentia que não podia mais fraquejar… Eu…
            ...Tinha de ser forte.
            Todavia, mesmo assim, a pequena gota teimosa começou a escorrer pelo meu rosto, passando, rapidamente, por minha bochecha e logo chegando ao meu queixo. Ela era um pouco quente, o que era agradável, levando em conta o frio que fazia… E apesar de tudo, eu me perdoei por deixar aquela única lágrima, que demonstrava toda a angústia guardada dentro de mim, passar por minha face, visto que…
            ...Ninguém mais iria saber daquilo além de mim
            Com o rosto oculto pela máscara, eu seria capaz de nunca demonstrar minhas emoções, ninguém nunca saberia como e quem eu era… Apenas eu tinha o direito de saber o que se passava comigo e ninguém mais -por mais que, naquela altura, eu já não conseguisse nem mesmo me compreender totalmente.
            E então, em meio a pensamentos e reflexões, sequer percebera quando me tornei mais sonolenta, com o raciocínio cada vez mais e mais devagar, até que, com os olhos, finalmente fechados…
            ...Eu adormeci.

 


Notas Finais


¹ - A lei da equivalência de janelas descrita por Crystal é uma referência à obra literária “Memórias póstumas de Brás Cubas”, feita pelo escritor Brasileiro Machado de Assis.
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Espero que tenham gostado desse capítulo, até a próxima \o


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