“Desde a criação do Universo
Tudo foi destinado
Apenas deixe-me te amar.” Serendipity — BTS
A manhã de terça-feira estava fria, e eu andava — ou praticamente corria, como quiser chamar. — pelo pátio da faculdade com um copo de café em mãos, a única bebida capaz de me esquentar. Droga, eu estava realmente atrasada. Eu tinha certeza que a professora Kwang iria me tirar alguns pontos e me esganar se eu me atrasasse novamente. Bom, o que eu poderia fazer se o ônibus não cooperava?
No pátio, havia alunos se apressando assim como eu. Para a minha felicidade, o prédio que abrigava a sala de dança ficava mais perto que todos os outros complexos. Agradeci mentalmente quando consegui chegar e transpassar a porta de vidro, me deparando com pessoas se aquecendo e a professora virada de costas. Por sorte, ela ainda não tinha me notado. Sorrateiramente larguei minhas coisas em um canto e me sentei no chão para começar o alongamento.
— Atrasada de novo, Sohye?
A voz veio de ninguém menos que o cara mais detestável do curso de Dança, Park Jimin, e fez com que a professora se virasse em minha direção, com uma expressão nada satisfeita. Ah, Jimin, seu pestinha provocador. Eu fiz uma reverência para me desculpar e lancei um olhar mortal para o loiro ao meu lado, a fim de expressar minha raiva perante ele.
Ele era completamente insuportável. Terrivelmente bonito, devo ressaltar, mas isso não o fazia menos insuportável.
Nossa relação de provocações e ódio havia iniciado há alguns semestres — dois, para ser mais exata. —, quando fomos colocados como parceiros de dança em um projeto bolado por outra professora. Como qualquer outra iniciante do curso em condições normais, na época, eu era muito tímida e me sentia nervosa na presença dele. Até então, seu corpo perfeitamente proporcional, somado aos seus belíssimos cabelos pretos, o tornavam irresistível e, por conseguinte, roubavam toda a minha atenção. Consequência: eu sempre errava os passos. Após suportar muitos giros em tempos errados e algumas pisadas tortas, ele explodiu e foi tremendamente grosso comigo na frente de todos. No fim, o projeto foi adiado para esse semestre, com outro professor, e eu e Jimin nos odiamos desde então.
— Você nunca aprende... — ele murmurou, sorrindo de canto. Como sempre, adorava me provocar e fazia de tudo para que eu me ferrasse. Ignorante!
— Vá ver se eu estou na esquina, Park.
— Só se você for também — não pude deixar de revirar os olhos, por saber que se tratava de mais uma de suas piadinhas ridículas.
— Você é o cara mais idiota que eu já tive o desprazer de conhecer.
Antes que Jimin pudesse cogitar em uma resposta, decidi me afastar e parar de prestar atenção nas baboseiras que dizia. Eu precisava concentrar-me nos passos novos que a Sra. Kwang passava em frente ao espelho caso não quisesse ficar para trás durante a coreografia.
(...)
Após outro dia cansativo e, como sempre, lotado de coreografias novas, eu estava finalmente guardando minha garrafa d’água dentro da bolsa para ir embora, quando Jimin parou ao meu lado. Só porque eu estava animada para chegar em casa logo. Soltei as alças da bolsa e lhe lancei meu melhor olhar de “vá-embora-eu-não-gosto-de-você”, respirando fundo. O loiro levantou uma das sobrancelhas.
— O que quer agora, Jimin? Não acha que já atingiu a cota de perturbações por hoje? — perguntei, sem ânimo nenhum para conversar com ele. O garoto riu.
— Desde quando existe uma cota de perturbações para nós dois? — debochou. Me segurei para não empurrá-lo para fora da sala. — Eu só vim te parabenizar pelo ensaio de hoje, Hye. Foi a primeira vez em meses que você conseguiu concluir a coreografia sem torcer o pé, ou desperdiçar o esforço de todo mundo com seus passos fora do tempo. Meus parabéns!
— Obrigada, Park. Eu até te parabenizaria por finalizar o ensaio sem mais uma sentença de morte dentro de minha cabeça, mas, infelizmente, sua insuportável mania de abrir a boca não deixou. Mais sorte da próxima vez — coloquei minha bolsa no ombro e o contornei. Para a minha surpresa, no entanto, o loiro segurou meu braço, me impossibilitando de fazer qualquer movimento, e voltou a falar.
— Sabe, Sohye, eu sempre me pergunto o porquê de uma faculdade tão renomada quanto a Seul University Of Arts ter te aceitado, com tantos outros dançarinos melhores participando das audições. Quer dizer... Por que será que eles decidiram apostar em uma dissimulada, sem talentos, com problemas de aprendizagem e de memória, enquanto poderiam formar bailarinos incríveis e realmente relevantes para o mundo da dança? Creio que é exatamente o mesmo questionamento que todos os alunos dessa sala têm todos os dias.
— Nada disso é verdade. Se eles apostaram em mim, é porque eu sou realmente capaz de fazer o que qualquer um daqui faz. Talvez até melhor — respondi, totalmente alterada. — Você só diz tudo isso por inveja... — ele soltou uma gargalhada.
— Inveja? De você? Ah, faça-me o favor. Ninguém da nossa turma gosta da garota problemática que você é, muito menos os professores, e creio que você saiba muito bem disso. Já chega, Sohye, sua brincadeirinha de criança acaba por aqui! Está mais que na hora de você desistir, e, assim, aliviar o peso das costas de todos nós! — ele fez uma pausa para respirar. — Eu posso até ter inveja do sucesso dos tantos dançarinos bons que frequentam a academia, mas, de você... De você, Bae Sohye, eu tenho é pena.
Já era demais para mim. De todas as coisas ruins que ele havia me dito durante nossas discussões, aquela tinha sido, de longe, a pior. Puxei meu braço em um movimento brusco, soltando-me do aperto do garoto. Sustentei meu olhar no de Jimin por alguns segundos, antes que a primeira lágrima teimosa ousasse escorrer de meus olhos. Sequei-a com a manga do agasalho que vestia, abri a porta e saí, deixando o loiro sozinho e sem respostas.
Eu o odiava. Tanto, tanto! Ele era tão rude e mimado... e eu era a garotinha burra que tinha sido enganada pela sua aparência angelical, porque de bom moço Jimin não tinha nada. Eu caminhei para fora do prédio, sentindo as lágrimas frias caindo pelo meu rosto. Praguejei mentalmente por me abalar tanto com suas palavras. Meu peito doía, como se um furacão estivesse em ação ali dentro.
O furacão era Jimin, e o estrago seria incalculável. Pois eu estava mais para vilarejo com casinhas de madeira do que metrópole desenvolvida, e advinha qual delas caía primeiro? As casinhas, óbvio.
Fui andando para casa em passos rápidos — eu evitava correr porque sabia que iria tropeçar e me machucar, já que eu não passava de uma bela desastrada. E se o loiro estivesse certo? E se eu fosse assim tão ruim e apenas incomodasse a todos?
Passei pelo porteiro de cabeça baixa, com medo de que visse minha cara de choro. Olhei-me no espelho do elevador enquanto ansiava por chegar ao meu andar: meus olhos já estavam inchados e meu nariz, vermelho. Um caco.
Dei graças quando consegui parar de tremer e adentrei meu apartamento. Fechei a porta com força, tentando dispersar minha raiva. Park Jimin que se foda! Ele ficava se achando, mas nem era tão bom... E definitivamente não era bonito... E não tinha o direito de falar assim comigo, não mesmo!
— Aish, eu vou ficar louca!
Larguei todos os meus pertences no chão em um movimento brusco e corri para meu quarto, deitando no conforto que só minha cama me proporcionaria. Meu travesseiro ouviu minhas confissões e capturou minhas lágrimas, como o bom amigo que era.
E, sem perceber, adormeci, com milhões de pensamentos na cabeça.
(...)
No dia seguinte, fui até a faculdade totalmente contra a minha vontade. Eu não queria ter que encarar Jimin logo cedo — para falar a verdade, eu não queria ter que encarar aquele garoto nunca mais, mas sabia que era inevitável. —, entretanto, as aulas que teria hoje sobre Estudo do Movimento me incentivaram a dar as caras. É, eu iria me ferrar se faltasse, não tinha jeito.
Percorri o pátio torcendo para que não me encontrasse indesejavelmente com o Park. Percebi de imediato que nosso campus estava bem mais vazio que o habitual, e só então me toquei de que não havia olhado para o relógio sequer uma vez hoje. Chequei o horário em meu celular.
Ah, não. Ainda faltavam quinze minutos para o início das aulas, o que significava que... Céus! Que tipo de universitário chegaria tanto tempo antes do sinal? Ou, uma pergunta melhor ainda: por que o ônibus só se adiantava nos dias em que eu precisava que ele se atrasasse?
Tudo bem. Eu só precisaria chegar até a sala de multimídia antes de todos e fingir que não estava ali, conforme os outros chegassem. Não podia ser tão difícil assim.
É, foi o que eu pensei, antes que um garoto de cabelos platinados chegasse à porta da sala ao mesmo tempo que eu, pelo caminho oposto. Ótimo. Se eu prestasse mais atenção, talvez fosse possível dar meia volta e enrolar um pouco do lado de fora, mas, não! Eu era distraída demais para isso. Mal o vi chegando.
Um olhar arrependido. Foi exatamente o que pensei ter visto assim que levantei os olhos para o rapaz em minha frente. Mesmo assim, ignorei os fatos e passei pela porta primeiro, me sentando em uma das carteiras encostadas na parede oposta à porta.
Esperei que Jimin também se sentasse, de preferência bem longe de mim, porém, ao invés disso, ele parou em frente à segunda fileira de carteiras, olhando para o chão. Tentei não prestar atenção no que fazia, mas era definitivamente impossível: éramos só nós dois e nossos pensamentos a respeito de ontem à tarde, sozinhos, em uma sala. Ele não moveu um músculo; continuou ali, parado. Aquilo já começava a me preocupar, quando Park prendeu seus olhos em mim.
O momento seguinte poderia ter durado uma eternidade ou apenas alguns segundos, eu nunca faria ideia. A única certeza que eu tinha era de que ele tinha algo a me contar. E eu poderia fugir, me disseram seus olhos; eu poderia sair correndo e me recusar a ouvir o que ele tinha a dizer, ele me entenderia. Parecia extremamente fácil se perder ali, tamanha a profundidade dos olhos escuros de Park Jimin.
— Sohye — chamou, em voz baixa. — Eu... Preciso falar com você.
Respirei fundo algumas vezes. Eu sei que precisa, Park.
— Sim? — me esforcei ao máximo para soar confiante. Falhei miseravelmente, é claro. Eu estava uma pilha de nervos e não conseguia disfarçar nem um pouquinho.
O garoto olhou brevemente para a porta e, ao concluir que ninguém viria, fechou-a. Eu podia jurar que meu coração havia pulado algumas batidas com seu ato repentino. Escuto sua respiração pesada ecoando pelo cômodo.
— Para início de conversa, eu sei que tenho tornado sua vida um inferno. Você deve pensar que eu sou só um menino imaturo e metido, porque eu sempre agi como tal, e confesso que ontem te dei mais motivos ainda para me achar um completo canalha. Eu admito, fui um enorme egoísta que só pensou em te colocar para baixo para ganhar uma discussão boba. Eu não tinha direito nenhum de falar sobre a sua dança, e quero te pedir perdão por isso.
A sala ficou em total silêncio. Ele, Park Jimin, o arrogante do terceiro período, estava se desculpando? Impossível. Ele não faria isso... Faria? Eu devo ter passado minutos pensando no que responder, pois o loiro continuou:
— Tudo bem, você pode continuar me odiando. Eu não me importo. Não vou te culpar se quiser fazer isso. Só... Espero que, um dia, você possa me perdoar por minhas falhas.
Ele me fitou uma última vez antes de se virar em direção à porta. Eu não podia fazer aquilo; apesar de todos os pensamentos contra ele que passaram por minha cabeça ontem, é minha função entender que aquele havia sido um momento de raiva para nós dois. É claro que Jimin não esteve certo quando decidiu me provocar primeiro, nem quando descontou todo o seu desapontamento em mim. No entanto, uma parcela da culpa era minha, já que eu também havia errado com ele muitas vezes ao decorrer dos últimos meses. Nesse caso, ambos tinham contas para acertar um com o outro.
— E-eu não te odeio — proferi, fazendo com que Park virasse o pescoço em minha direção.
— O que disse?
— Eu disse que... Não te odeio. E... Está tudo bem. Eu perdoo você.
E então, ele sorriu. Um sorriso repleto de expectativas, um dos mais bonitos que já havia visto na vida. Foi naquele momento que eu soube que nossa conversa não havia sido apenas um pedido por uma trégua; muito mais do que isso, presenciávamos um recomeço e a eclosão de um novo lúmen em nossa convivência: a esperança.
Os meses seguintes se resumiram no surgimento inesperado de uma amizade, a qual se iniciou com um convite de ida a um café. Embora inicialmente ambos resistissem, conforme o tempo passava acabamos cedendo ao acaso, que insistia em nos aproximar.
Após nossa decisão de tentar, as aulas passaram a ser bem mais pacíficas, tanto para nós dois como para o resto dos alunos. Eu até tive aumentos em meu rendimento e conseguia executar os passos com mais precisão ao saber que não seria julgada a todo instante.
Jimin e eu frequentávamos as mesmas aulas todos os dias, passamos a pegar o mesmo ônibus para vir para a faculdade — já que eu não morava tão longe dele e o ônibus que passava mais perto de casa sempre acabava se atrasando. — e participávamos de todos os projetos possíveis juntos. Eu estava encantada com seus dons impecáveis para a dança, assim como ele deixava sempre clara sua cobiça por minha capacidade de evoluir tanto de um dia para o outro. Nós apoiávamos um ao outro em tudo o que fazíamos, e nossas conversas passaram de simples diálogos sobre trabalhos para algo mais intenso, terminando todas as vezes em um sentimento imenso de correspondência.
Ambos se mostravam felizes com a forte amizade florescida entre nós. Viramos melhores amigos, um sabia tudo sobre o outro – desde comida favorita, medos, sonhos, relacionamentos e até família.
Era até engraçado ver o quanto éramos parecidos. A rixa boba que tínhamos nos impedia de ver tal semelhança e o quão bom era estar na companhia um do outro. Ao conhecer melhor o loiro, eu descobri nele uma pessoa carinhosa, gentil e sempre disposta a ajudar. Ele também era um bom ouvinte, fato o qual se fez útil quando eu precisava desabafar com alguém sobre o estresse a que estava exposta e todas as minhas preocupações para o futuro.
Foi de maneira sutil como o vento que eu acabei percebendo a mudança de meus sentimentos. Os meses voaram, as estações foram passando, e, desse jeitinho sorrateiro, Jimin começou a ocupar um espaço no meu coração que eu achei que nunca poderia ter.
Mas não era grande coisa, era?
Ele era só meu amigo. Meu melhor amigo, que me conhecia como ninguém, me fazia rir em todos os momentos, secava minhas lágrimas e ficava do meu lado, me defendia... Era Jimin. O Park Jimin que eu nunca achei que podia existir por trás daquele rapaz ranzinza e complexo de meses atrás. Mas, ele existia, e estava caminhando ao meu lado.
E meu coração acelerava perto dele...
E eu enrubescia...
Mas ele era só meu melhor amigo.
E eu definitivamente não estava apaixonada por Park Jimin.
(...)
Era mais um dia de aula, e esse era especial por vários motivos. Eu havia recebido a notícia de que iríamos reapresentar um trabalho feito há dois semestres para os calouros do curso de Dança; uma forma de incentivá-los e inspirá-los para a próxima apresentação. Contudo, eu não fazia ideia de que falávamos do mesmo trabalho que eu quase fiz com Jimin, justo na época em que começamos a nos odiar. Acabei ficando com Solji, uma boa amiga minha, e nossa performance de “4u”, do Blackbear, foi à beira da perfeição.
Minha alma vibrou com o som dos aplausos que os alunos nos deram, e esse sentimento maravilhoso que enchia meu peito toda vez que eu dançava era o que me motivava a continuar no curso, sabendo que era aquilo que eu queria para o resto de minha vida.
Solji e eu saímos do pequeno palco e voltamos aos nossos lugares, os quais não eram nada mais que os tatames da sala de dança. Os próximos a subirem foram Jimin, e... Uma outra garota.
Minha boca se escancarou e imediatamente secou quando Zipper, do Jason Derulo, começou a tocar. Os dois dançavam com sincronia, e eu só conseguia prestar atenção no corpo perfeitamente esculpido do Park, seus músculos e seu tanquinho. Ele tinha gotas de suor escorrendo por si e isso dava um ar ainda mais sexy que, céus, estava prestes a me enlouquecer. Minha respiração estava claramente acelerada, e esperei que Solji estivesse prestando atenção o bastante na apresentação a ponto de não perceber nada.
No entanto, eu logo comecei a ficar apreensiva e extremamente incomodada com a aproximação de Jimin e Yerin, sua parceira. Ele dançava atrás dela, e eles estavam tão colados... Para que isso, gente? Estávamos em uma faculdade de dança ou num bordel? Totalmente desnecessário!
E o pior de tudo é que eles pareciam se divertir juntos, tanto que permaneceram de mãos dadas quando a apresentação acabou. Simultaneamente, se reverenciaram. Ambos riram, se divertindo com alguma coisa que ela tinha dito, e meu interior fervilhava de raiva.
Raiva dele.
Raiva dela.
Principalmente, raiva de mim mesma.
Se ao menos eu tivesse acertado os passos naquele primeiro ensaio, seria eu dançando com ele, e não essa outra menina.
Naquele momento meu coração se apertou de vez, e um súbito medo de perdê-lo se apossou de mim. Jimin era tão especial na minha vida... Ele era como um ponto de paz; seus braços eram o meu porto seguro. O que eu faria se ele fosse embora? Se ele achasse alguém melhor e resolvesse me deixar de lado... Eu não sei se seria capaz de aguentar.
Uma única lágrima, resultante do nó imenso em minha garganta, escapou de meus olhos. Sequei-a antes que alguém percebesse, mas já era tarde demais: Jimin estava olhando fixamente para mim, agora, com uma expressão preocupada. Estava prestes a me levantar e ir embora antes que ele viesse para cá, porém fui interrompida por Solji antes de dar um passo.
— Você é tão sortuda por ser a melhor amiga do Jimin, Sohye! Ele dança tão bem, e é tão bonito... As novatas estão babando em cima dele — ela apontou para um grupinho de meninas sussurrando e olhando para ele, o que me deixou mais irritada ainda.
— É realmente infantil da parte delas pensar que têm uma chance com o... — senti um braço envolvendo meus ombros e parei de falar, totalmente perdida. Era Jimin.
— Oi, Solji. Se importa se eu roubar a Sohye por uns minutinhos? — perguntou ele. A nossa proximidade fez com que sua voz soasse mais próxima ao meu ouvido, e tive medo que ele percebesse que eu estava totalmente arrepiada.
— Não, sem problemas — respondeu a garota, lançando uma piscadela para mim e nos deixando sozinhos.
Jimin se soltou para se posicionar à minha frente, apoiando suas mãos em meus ombros de forma exagerada. Desviei o olhar para o chão; eu estava nervosa, e ele sabia muito bem disso.
— O que houve, querida?
— Nada – exclamei, um pouco rápido demais. — Não houve nada.
— Você estava chorando? — levou uma de suas mãos ao meu rosto. A esse ponto minha paciência já estava esgotada. Desvencilhei-me de seus toques subitamente e ele estranhou, franzindo a testa. — É por causa da coreografia?
— Não, Jimin, eu já disse que...
— Não tente mentir para mim — advertiu, sério. — Ah, So... Eu não fiz aquilo com a intenção de te machucar. Se eu soubesse que você se sentiria assim, teria...
— “Assim” como? — interrompi, furiosa. O rapaz continuou em silêncio, provavelmente confuso. – Vamos, Jimin! “Assim” como? O que eu estou sentindo?
— Você... está com ciúmes — soltou ele, de uma vez. O encarei, perplexa, negando sua afirmação inúmeras vezes em minha cabeça.
Mas não adiantaria. Aquela era a verdade. Eu estava morrendo de ciúmes e não era sequer capaz de admitir. Não era sequer capaz de... contar tudo a ele. Contar sobre meus sentimentos, desejos ocultos, sobre todas as vezes em que ele me abraçou e meu coração bateu acelerado...
Não. Não era para ser. Eu não podia contar nada, aquilo estragaria toda a amizade que construímos com tanta dificuldade. Alguns segredos são melhores quando não compartilhados.
— Eu não estou com ciúmes! — saí de perto dele. Era melhor ir para casa; continuar ali com a mente tão cheia de informações não iria me render nada além de uma grande dor de cabeça. Com esses pensamentos, abro a porta da sala e vou para casa.
(...)
Tomei um banho na intenção de acalmar meus nervos, mas nem mesmo a água caindo em meus ombros conseguiu aliviar minha tensão. Eu me demorei com o hidratante nas pernas e ignorei completamente o barulho de notificações, o qual apitava em meu celular. A luz do aparelho tomava conta do ambiente, imerso em uma penumbra, e aquilo me assombrava. Justamente por saber quem estava mandando aquelas mensagens.
Eu não estou com ciúmes, repeti para mim mesma antes de adormecer.
Por alguma sorte do destino, consegui evitar Jimin nas aulas do dia seguinte. Porém, essa bênção parou por aí. A professora resolveu martirizar a nós, alunos, propondo uma coreografia individual a qual valeria a nota de conclusão do semestre, e que devia ser entregue no dia seguinte. Ou seja, eu estava muito ferrada. A Sra. Choi deixou o resto da aula livre para podermos montar os passos, e eu observei Jimin bem no canto da sala, olhando diretamente para mim através do espelho.
Isso me deu uma ideia.
Se ele podia me provocar dançando com aquela garota, porque eu não podia me vingar? Sorri maliciosamente, sozinha, e vasculhei minha playlist à procura de uma música boa. New Rules, da Dua Lipa, foi a minha escolhida. Ela se encaixava em tudo: a letra, a coreografia sexy que surgia em minha cabeça automaticamente e o momento em que eu estava vivendo. Don’t pick up the phone, Sohye...
E eu ensaiei. Ensaiei como se minha vida dependesse disso, e, de certa forma, sentia como se dependesse. Os alunos foram embora, um por um, e até mesmo o loiro se foi após perceber que eu estava veemente empenhada em ignorá-lo. Treinei até a noite cair, e finalmente senti que a coreografia estava perfeita para ser apresentada.
Quando o dia seguinte chegou, meu coração estava batendo a mil. Eu esperei meu nome ser chamado e tremi um pouco quando me posicionei no palco. A música iniciou e meu corpo se moveu com a batida. Eu escutei arfares de surpresa conforme meus movimentos se tornaram mais sensuais, e, no final, fui recebida com aplausos, assobios e um sorriso orgulhoso da professora.
— Muito bem, crianças, a aula está prestes a acabar. Vou avaliar o restante das apresentações após o intervalo. Descansem!
Eu me dirigi até meus pertences. Entretanto, minha mão, a caminho do zíper da bolsa, parou, assim que foi segurada por outra, de pele pálida. Jimin me fitou tão intensamente que eu jurei ser capaz de ver milhões de sentimentos entrelaçados em sua íris. Cedi completamente naquele momento.
— Preciso de ajuda, Sohye.
— P-por quê? — minha voz falhou, e me insultei mentalmente por isso.
— A minha coreografia... Acho que não está boa. Você pode me ajudar, So? Por favorzinho?
Ele sabia que eu não resistia à sua carinha fofa quando dizia “por favorzinho”. Eu dei um longo suspiro, fechando meus olhos com força – como se o Park pudesse desaparecer – e voltei a encará-lo. Por fim, concordei. Ele esperou até que todos saíssem da sala e pediu autorização da professora para usá-la para treinar durante o intervalo. Assisti enquanto o rapaz trancava a porta e se virava para mim com um olhar diferente de tudo o que eu já havia visto.
Minha respiração se intensificava a cada passo lento que ele dava em minha direção. Acho que dançar New Rules daquele jeito na frente dele não foi uma boa ideia. Jimin estava me matando. Esperei que ele parasse de andar quando chegasse perto de mim, na distância normal e recomendada para uma conversa comum, mas isso não aconteceu. Ele continuou caminhando, e eu, confusa com as fortes batidas de meu coração, andei para trás, até que tocasse minhas costas no espelho preso na parede. Era isso; não tinha como me afastar mais, e Park já estava absurdamente perto. Mesmo assim, o garoto ainda ousou dar um último passo em minha direção, seu olhar queimando-me a ponto de me impossibilitar a olhá-lo.
— Por que você faz isso comigo, hum? — perguntou, com a voz propositalmente rouca. Perdi a noção de meus sentidos quando seus dedos tocaram meu queixo, me obrigando a corresponder sua encarada.
— N-não sei do que está falando — afirmei. Jimin posicionou uma de suas mãos em meu quadril, me olhando de cima a baixo. Eu estava falando sério quando disse que ia morrer ali mesmo, e já sabia até a causa da morte: ataque cardíaco.
— Será que não sabe mesmo? — sua respiração se misturou com a minha. – Eu não consigo aguentar quando você age assim, Bae. Se fazendo de boba...
— Jimin... nós não íamos... e-ensaiar?
Ele soltou um riso anasalado e encostou seu nariz no meu. Ai. Meu. Deus!
— Me responda você. Por um acaso parece que vamos ensaiar? —questionou. Me senti idiota por ter mesmo perguntado aquilo. — Eu tive uma ideia melhor... Por que você não... Dança sua coreografia para mim?
— O quê? — para o meu azar, minha voz soou mais baixa que o normal. — Jimin, nós... somos amigos. Só amigos.
— Eu sei, Sohye – respondeu, subindo a mão para minha cintura. – Eu sei que somos. Você, como uma boa melhor amiga, deveria dançar para mim. Não vai negar uma dança de nada a seu loirinho preferido, vai? — o jeito que ele proferia aquele apelido me deixava arrepiada.
— Por que quer que eu dance agora? Não pode ser em outra hora? — sugeri, claramente tentando fugir do assunto. O Park umedeceu os lábios, nervoso, e olhou dentro de meus olhos. Estávamos próximos demais, colados demais, e eu nunca pensei que o olharia assim, de pertinho. Ah, Sohye, no que você está pensando? Jimin é o seu amigo. Seu melhor amigo. Isso não pode acontecer.
— Não, Sohye. Se deixarmos para outra hora – o garoto respira fundo. — Eu posso ter... problemas.
Era isso. Agora que eu não dançava, mesmo.
— Você achou divertido dançar New Rules daquele jeito, com todos os meninos da classe assistindo e babando em cima de você? Eu estava surtando, Bae. Morrendo de ciúmes — continuou, em tom baixo. — Não tenho dormido bem ultimamente. Por sua causa. Passei noites em claro repassando nossos momentos juntos, cada palavra que você um dia me disse... Procurei por uma única prova de que você gostasse de mim, para convencer a mim mesmo de que eu deveria te contar sobre meus sentimentos...
Continuei em silêncio. Estava chocada demais para dizer qualquer coisa; tudo aquilo parecia fazer parte de mais um de meus sonhos com Jimin, mas era tão real... Seu toque era real demais para ser obra de minha imaginação. Sua respiração quente contra a minha pele era evidência de que... Não era coisa da minha cabeça. Ele estava ali, naquele momento, me dizendo tudo o que eu sempre quis ouvir.
— Você provou, Sohye. Sua performance foi a comprovação que meu cérebro precisava para que eu me rendesse aos meus sentimentos — explicou, mexendo em meu cabelo com a mão livre. — E, agora que eu finalmente tenho certeza, te peço que não me detenha. Eu já suportei por tempo de mais, So... Por favor, me deixe amar você...
Tudo dentro de mim pareceu entrar em combustão, como fogos de artifício prestes a explodir. Os nervos por debaixo de minha pele se atiçavam e clamavam pelo toque de Park Jimin. Meu teimoso coração bombeava o sangue ritmando “Ji-min. Ji-min. Ji-min”; e minha respiração descompassada mesclava com a dele e parecia implorar para se fundir com seu hálito de hortelã.
E eu o fiz. Levei meus lábios um pouco para frente. E, céus, quando nos conectamos daquela maneira, eu senti que um vazio que esteve ali dentro de mim – o qual eu nunca percebera – estava finalmente completo. Tudo fez sentido. Eu desisti de negar para mim mesma e pude ver com clareza que eu estava perdidamente, completamente e abobadamente apaixonada por todos os detalhezinhos que compunham meu melhor amigo. Eu percebi que, em minha vida, ele era igualzinho ao sol de uma manhã fresca: iluminava e alegrava-a.
Nossas línguas se entrelaçaram em um gesto carinhoso e romântico. Não havia pressa alguma ali. Apenas duas almas destinadas a se amarem, finalmente se encontrando e se juntando em um quebra-cabeça mais do que perfeito. Parecia que os planetas do sistema solar haviam se movido e alinhado-se para que aquele momento iluminado acontecesse.
Para que nossos corações percebessem.
Quando nos separamos e eu encarei seus orbes castanhos, o mundo inteiro pareceu diferente do dia anterior. Eu tinha a absoluta certeza de que amava Park Jimin e de que ele me amava de volta. E apesar de todos os nossos medos, receios e inseguranças, a partir dali ficaríamos juntos do jeito que tinha que ser.
E enfrentaríamos o mundo e o invejoso destino se isso fosse necessário.
"O universo se moveu por nós
'Não havia nem uma pequena falta
Nossa felicidade era para ser
Porque você me ama
E eu te amo'' Serendipity – BTS
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