~~Ilha de Noria – Leste~~
Garanti que a pistola estava bem presa junto a espada, aproveitando para verificá-la também e ter certeza de quem nenhuma das duas cairia. O riso de guardas recostados no gazebo era perfeitamente audível, conversando sobre algum de seus recrutas desleixados o qual supervisionavam.
Além da risada despreocupada, o que melhor podia ouvir era a respiração ansiosa de meus homens agachados.
Músculos tensionados;
Adrenalina disparada;
Havia, no entanto, um destes que não aparentava sentir sequer um espasmo de nervosismo com sua máscara laranja, apenas fitando inexpressivamente o terreno verde e amplo que era o quintal da mansão, talvez analisando, talvez pensando em algo mais, jamais saberia.
Poucos arbustos sem flores, árvores pequenas e de troncos finos e boa iluminação pelas lamparinas. O local, para nosso desgosto, era bem cuidado e aberto, não apresentando quase nenhum ponto que cedesse bom esconderijo a não ser o qual estávamos estrategicamente posicionados entre os crisântemos amarelos. A mansão ainda se encontrava a vários e vários metros de distância em terreno exposto e vigiado, mas o silêncio da noite tranquila fazia os homens fardados perderem a atenção, vigiando apenas por vigiar, sem realmente esperar que algo pudesse acontecer... De forma alguma poderiam imaginar que naquele jardim fresco e calmo vinte homens ao norte e quatorze ao sul espremiam-se fora de seus campos de vista, cercando a mansão preparados, esperando uma palavra, um gesto, um qualquer coisa de seu capitão.
-Por que optar por uma ofensiva direta ao invés de uma operação reduzida e sigilosa?
A voz calma repentinamente pronunciada me assustou, piorando meu palpitar ansioso.
-Não queremos ser sigilosos. - Cochichei de volta sem me virar para a máscara fria - na verdade, quanto maior a manchete na gazeta melhor.
-Então por que esperar?
-Não se importar com a confusão é uma coisa, agora tempo e baixas sofridas é outra história. Se demorarmos muito podem chegar reforços e ficaria cada vez mais difícil evitar perdas de qualquer um dos dois lados.
-Não faz sentido, por que não mata-los enquanto estão distraídos? Tem homens o suficiente para eliminar qualquer envolvido silenciosamente e se retirar.
-Só porque posso não quer dizer que devo, não vou acabar com a vida de gente inocente por comodismo.
Ele silenciou-se. Sua verdadeira expressão, seja lá qual fosse, permaneceu escondida, me causando desconforto.
Mas meu foco novamente se voltou para a situação quando Izuki deu o sinal que indicava a troca de turnos dos vigilantes, momento onde poderíamos deixá-los o mais atordoados possíveis ao investir. Simultaneamente, Junpei, do outro lato do terreno, devia começar a se mover também, cercando-os de dois lados.
-Não mate ninguém e não fique para trás garoto.
Lancei as últimas palavras meio emboladas ao menor por logo nos seguintes momentos já estar pulando do refúgio florido, puxando a espada da bainha e gritando
-VÃO! VÃO! VÃO!
A surpresa dos homens no gazebo foi tanta que meio ao momento de pânico em que não conseguiam puxar suas armas foi mais que simples nocauteá-los, seus corpos caindo como bonecos no chão. O barulho deixou os outros alerta e movimentos começaram a ser vistos por todo canto, indicando ação no gramado parado minutos antes.
Por cima de arbustos, pisoteando rosas, destruindo mudas e chutando na casa dos infernos mosaicos de pedra colorida, os marujos avançavam em direção a casa principal a todo vapor. Metade de cada um dos dois grupos ficaria para garantir que os guardas de fora se mantivessem ali, sem interferir com a mansão, o resto entraria para imediatamente varrer a estrutura em busca de pilhagem, documentos, e o nosso alvo.
Assim que a entrada dupla irrompeu em lascas de vidro e madeira após uma investida de chutes, os homens se espalharam ágeis pelas portas, corredores e escadaria. Não pude deixar de acompanhar os breves segundos que o pequeno azulado levou para sumir mansão adentro, buscando seus próprios objetivos, ou melhor, os de Kaez e sua guilda.
Alguns empregados da mansão saíam correndo desesperados, outros se encolhiam gritando, talvez incapazes de fugir pelo medo? De qualquer forma, todos foram devidamente ignorados enquanto eu abria porta por porta ou arrombava as que estivessem trancadas.
Consumiram-se a as primeiras dúzia de minutos e comecei a me irritar quanto mais o tempo passava e tudo o que encontrava eram quartos ricamente decorados, porém vazios, sem uma alma viva. Como se para me estressar ainda mais, todos aqueles corredores pareciam infinitos e iguais, passando a impressão de que eu corria há horas em círculos.
Os gritos pela mansão aumentavam conforme esta era tomada à força, sem aviso, sem preparo algum, de nenhuma parte e era exatamente esse choque gerado pelo elemento surpresa que nos garantiria menor resistência. No meio da euforia, pude ouvir o som de um tiro, instantaneamente me deixando preocupado com o destino da bala mortífera, embora sem tempo de conferir qual idiota havia se precipitado...
Parei.
Me veio como um estalo na memória que além de mim, nenhum de meus homens havia se equipado hoje com suas pistolas justamente para evitar acidentes infelizes.
Imediatamente girei sob os calcanhares, disparando na direção de onde ouvi o estalo de pólvora, atropelando decorações e empregadas que choravam abraçadas no meio do caminho. Por que essas idiotas não corriam logo? Só fujam e saiam daqui porra!
Desci a escadaria principal aos pulos e conforme adentrava nas curvas do primeiro andar fui parar na cozinha imensa e cheirando à alho cozido. Imediatamente constatei manchas de sangue no chão e a porta dos fundos aberta, por onde a trilha vermelha guiava.
Parei no batente de madeira olhando ao redor como um louco, tentando enxergar onde o rastro de sangue levaria e identifiquei a alguns metros duas figuras. Meu coração pulou duas batidas.
Meu alvo, em seu vestido azul e lamacento, apontava sua pistola em direção à cabeça do assassino, suas mãos evidentemente tremendo, prestes à puxar o gatilho. Mas nesse momento, meu corpo impactou tão forte contra a figura esguia que nós dois deslizamos na grama úmida e a arma voou de suas mãos, se perdendo em algum canto.
Antes que o problema abaixo de mim tivesse a chance, fiz questão de acalmá-la com um dos dardos sedativos. Raramente optava pelo recurso por não confiar totalmente nos efeitos colaterais que algo daquele quatro olhos poderia causar, mas melhor não arriscar com alguém tão agitado. O corpo feminino amoleceu rapidamente e deixei-o sobre a terra úmida, me virando para o azulado.
-Onde está ferido?
-Trato no navio, você não queria se atrasar, vamos.
-Onde está ferido? -repeti, insistente
-Foi de raspão, consigo andar. - desistiu rapidamente de protestar e afastou a mão suja de sangue da ferida.
-Melhor não...
De fato a bala não estava ali, mas ainda foi profundo e o sangue não estancaria sem ajuda. Por outro lado, ele estava certo, não podíamos nos atrasar...
Para minha sorte, naquele exato momento Junpei e alguns outros se aproximavam, talvez também vindo conferir o inesperado som do disparo.
-Peguem a garota, estamos batendo em retirada, nosso objetivo aqui foi concluído.
Eles obedeceram e enquanto alguns foram espalhar a ordem de recuo, Junpei pegou o corpo magro nos braços, soltando o vestido dos galhos.
-O que houve? Quem disparou? - parou para questionar enquanto olhava do mascarado à garota
-Aparentemente ela... tinha uma arma? Não importa, depois esclarecemos isso, vá logo.
Após um aceno positivo o pirata se afastou com nosso alvo desacordado.
-Se segure - avisei ao me agachar e preparar para fazer o mesmo que Junpei e pegar o garoto nos braços.
-Não, avisei que consigo andar.
-Vai nos atrasar e eu não quero que seu sangramento piore.
Encarei-o com um meio sorriso de "eu sei que você vai odiar mas vamos colaborar e sair daqui ok?"
Com a máscara ainda posta não pude interpretar o que pensava, mas resoulveu-se e por fim passou os braços ao redor de meu pescoço, deixando que eu o puxasse do chão.
E bem quando os sinos de alarme começavam a soar na torre mais próxima, rumávamos na direção oposta.
~~Trilha de Zeus – Navio do capitão Akashi~~
Muita, mas muita água salgada.
Não havia uma tábua daquele navio, um prego, uma corda, um marujo sequer que não estivesse ensopado. Ondas varriam o convés e caixas deslizavam como bailarinas pela madeira encharcada conforme o navio bamboleava no mar louco, empurrando, derrubando e esmagando.
Minha garganta doía de gritar ordens abafadas pela tempestade e minhas mãos se encontravam arranhadas por me agarrar ao que pudesse e evitar ser derrubado no oceano sedento.
Há algumas horas havíamos adentrado cuidadosamente a passagem pedregosa. Quase me arrependi imediatamente da decisão e dei meia volta, mas aquela era a única forma de continuar conforme o plano depois dos imprevistos que nos forçavam a adiantar-nos, precisava chegar rapidamente na ilha capital do Oeste e depois retornar ao Norte, tudo isso em tão pouco tempo e por culpa de um idiota.
Nos primeiros momentos a sorte nos sorriu, desviamos sem problemas dos pedregulhos e carcaças naufragadas, além de agraciados por zero núvens a vista, apenas o céu azul e límpido. Mas aquela não era a trilha de Zeus à toa e aquilo era apenas a calmaria antes da tempestade, literalmente.
Agora, o estalo dos trovões era precedido por clarões que ofuscavam a vista, mas o que me consumia o juízo era que a qualquer momento o destino de um daqueles raios podia ser facilmente meu mastro principal. Tudo o que eu não preciso é de um incêndio agora, mesmo que a chuva forte o acalmasse não evitaria os danos à estrutura já sensibilizada do navio meio à turbulência incessante.
Mais uma onda surrou a lateral do casco, quase me lançando do outro lado do navio se um dos braços de Murasakibara não envolvesse firme minha cintura, segurando-me no lugar.
-Não se distraia Aka-chin!
-Falta pouco para cruzarmos! Não deixem a vela sair voando!
Tentei gritar a última parte por sobre a tempestade para meus homens exaustos e feridos após tanto serem sacolejados naquele inferno molhado e trovejante.
As mãos do próprio Murasakibara também se encontravam feridas, queimadas pelo atrito da corda escorregadia e cortadas pelas lascas de madeira. Respirei fundo quando mais um estalo iluminou o céu e surdou mais ainda meus ouvidos maltratados naquele pandemônio.
-Vamos conseguir. Você confia em mim?
-Se não confiasse não estaria nessa furada. - sorriu com o canto dos lábios antes de aumentar o aperto ao meu redor num quase abraço antes que precisasse me largar - Segure direito, não quero ter o trabalho de pular no mar atrás de você.
Mas logo após me soltar, antes que pudéssemos voltar à luta para manter o navio inteiro, silencioso como todos os piores perigos, a estibordo, sem que ninguém notasse, veio o choque.
Violento e certeiro.
A embarcação relinchou meio a estalos mais altos que os trovões
Mais água e frio, mas dessa vez o chão havia sumido.
O navio virou.
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