— Corta! — Kuroo gritou, pela milésima vez nos últimos vinte minutos.
— O que aconteceu agora, Kuroo? — Tsukishima perguntou, sentindo uma veia de seu pescoço saltar.
— Você aconteceu! Você e sua atuação porca! — ele respondeu, massageando as têmporas.
— Ora, seu…
— Na verdade, ele tem um pouco de razão, Tsukishima — Yoshida disse, timidamente. — Você parece um zumbi dizendo suas falas.
Já era a terceira semana de ensaios e desde o primeiro dia tudo que Tsukishima queria era que, por alguma coincidência do destino, sua família tivesse que se mudar para o Alasca, ou o mais longe possível de Oikawa, Kuroo e Bokuto. Infelizmente, isso ainda não tinha acontecido. Talvez ele devesse começar a acender incensos e velas perfumadas e colocar aquelas pedras coloridas na sua cabeceira, como Asahi.
Os ensaios das músicas eram bem mais calmos, já que eram liderados por Akaashi, o garoto que tinha tocado piano na audição. Infelizmente, esses ensaios só aconteciam uma vez por semana, então Kei tinha que aguentar três horas semanais de críticas e discussões sobre como era péssimo atuando. Eu disse que iria participar, nunca disse que era um bom ator, ele pensou.
— Podemos continuar outra cena? Eu ensaio essa mais tarde — Kei disse, entredentes, tendo que engolir seu orgulho.
Ele queria estar ali? Obviamente, não. Mas de quem era a culpa dele estar ali? Dele (apesar de Yamaguchi ter grande parte de responsabilidade também). Já seria vergonhoso o suficiente ter que atuar num musical, então ele queria, pelo menos, não parecer uma torradeira na frente de todos.
— De que adianta nós continuarmos outra cena? — Tadashi perguntou, suspirando. — Você vai mal em todas.
Kei já sentia sua pálpebra começar a tremer, quando Oikawa colocou as mãos na cintura, olhando para Yamaguchi.
— Você acha mesmo que tem direito de criticar o Tsuki-chan?
— Não me chame assim — Kei murmurou.
— O que você quer dizer? — o outro protagonista perguntou, confuso.
— Pelo amor dos Deuses, Yamaguchi você nem consegue olhar nos olhos do Tsukishima sem fazer uma cara de desgosto! — Tooru disse, balançando as mãos.
Yamaguchi estava com a boca aberta, provavelmente tentando pensar em algum argumento ou desculpa, mas não conseguiu nenhum, então apenas se calou, cruzando os braços.
— Olha, nós não estamos falando que você atua mal, na verdade, é o contrário — Bokuto explicou, dando uns tapinhas no ombro do moreno. — É só que… você não precisa deixar claro que odeia o Tsukishima em todas as suas cenas, sabe?
— Estou tentando! — ele disse, exasperado. — Mas é um pouco complicado, considerando toda essa situação.
Tsukishima estava esgotado.
— Já que o problema sou eu, — ele começou, — eu posso simplesmente sair desse musical.
— Não! — Yoshida, Kuroo, Oikawa e Bokuto gritaram em uníssono.
— Então, que inferno vocês querem que eu faça? — o loiro exclamou, irritado, cruzando os braços.
— Vocês podiam treinar juntos — Kuroo sugeriu.
Agora foi a vez de Yamaguchi e Tsukishima falarem juntos, num coro.
— Não.
— Bom, aparentemente, um dos problemas é o relacionamento deplorável que vocês têm, então, nada melhor do que vocês dois aprimorarem a atuação do Tsukishima enquanto melhoram… isso — Oikawa disse, apontando vagamente para os dois.
— Olha, você não entendeu. Isso — Yamaguchi apontou para si mesmo e depois para Kei — é mais complicado do que parece e com certeza não vai melhor só com alguns ensaios e xícaras de chá com biscoito.
Tsukishima sentiu o peito apertar um pouco. Ele sabia que aquilo era verdade, mas era diferente ouvir Tadashi falando com todas as palavras. Não sabia se saudade era a palavra adequada para aquela ocasião, foram tempos complicados demais para ele se permitir sentir saudades, mas ele lembrava do quanto gostava de estar perto do moreno naquela época. Parecia uma memória de séculos atrás.
— Mas vocês precisam tentar! — Yoshida disse, quase implorando. — O que você acha, Tsukishima?
O garoto suspirou.
— Tanto faz, aparentemente eu não tenho lugar de voto neste plenário. Só não quero fazer algo que o Yamaguchi não queira.
Kei percebeu o que disse apenas depois de já ter dito. Todos o encararam com as sobrancelhas franzidas, confusos, principalmente Tadashi. O que ele quis dizer, na verdade, é que não queria fazer algo com Yamaguchi de má vontade, porque o moreno conseguia ser mais teimoso que uma mula. Mesmo sabendo disso, suas orelhas esquentaram.
— Não foi isso que eu quis…
— Viram! Estamos caminhando a passos largos! — Oikawa disse, batendo palminhas. — O ensaio de vocês está de pé. Vou avisar a diretora.
Yamaguchi acordou atrasado.
Bom, tecnicamente, ele estava adiantado, considerando que sua aula começava em pouco mais de uma hora. Infelizmente, Kuroo realmente tinha marcado um ensaio extra que ele e Tsukishima deveriam participar e era pra isso que ele estava atrasado. Não que ele se importasse, porque Tadashi não tinha nem concordado com aquilo.
Mesmo assim, o moreno se levantou e arrumou suas coisas calmamente, lembrando que o próximo trem só passaria em vinte minutos. Sua mãe ainda estava dormindo, por isso Yamaguchi deixou o café da manhã pronto. Era algo bobo, apenas algumas frutas cortadas em cubinhos (por algum motivo, sua mãe adorava comê-las assim) e um omelete, junto com um bilhete avisando que chegaria mais tarde por causa do ensaio da banda.
Quando saiu, viu Akiteru indo trabalhar. O homem era assustadoramente parecido com seu irmão mais novo, mas ainda assim, curiosamente mais baixo. Assim que viu Tadashi, ele acenou, se aproximando.
— Bom dia, Tadashi! Está cedo pra ir pra escola, não?
— Pois é… eu tenho aula extra… ou algo assim — ele explicou, arrumando sua mochila.
O garoto gostava de Akiteru, mesmo assim, ficava envergonhado em falar com ele. O mais velho tinha visto Yamaguchi crescer e ir de uma criança chorona e grudenta para… bom, aquilo. Era estranho.
— É a mesma aula extra que o Kei está participando? — Akiteru perguntou. — Ele saiu há um tempo, dizendo que precisa chegar mais cedo pra essa aula.
— Sim, é essa mesmo. Então, ele já foi?
— Já vai fazer uns quarenta e cinco minutos, acho que você está atrasado.
— Tem razão — Yamaguchi disse, sem graça. — Bom dia, Akiteru-san.
— Boa aula! Fique de olho no Kei por mim!
Sempre que se encontravam, Akiteru se despedia da mesma forma. Todas as vezes. Fique de olho no Kei por mim, o que era irônico considerando que eles mal conseguiam se olhar nos olhos.
O trajeto de trem foi o mesmo de sempre, mas, ao invés de alunos em uniformes, haviam apenas duas ou três senhoras com carrinhos de compras, provavelmente indo ao mercado comprar verduras frescas. Felizmente, elas não fizeram contato visual, já que estavam ocupadas demais fofocando sobre a filha divorciada de uma das vizinhas. O caminho para a escola foi solitário. Yamaguchi era o único aluno do Karasuno andando pelo bairro, então aproveitou para brincar com um cachorrinho que achou pelo caminho, matando tempo que ele não tinha.
A sala que iriam ensaiar era a mesma que sempre usavam depois das aulas, então não foi difícil de achar, mas quando se aproximou do local, só conseguiu ouvir o som do piano. Tadashi pensou que poderia ser Akaashi, se voluntariando para ajudar os dois atores desastrosos, mas quando viu o cabelo loiro, hesitou em entrar na sala.
Tsukishima parou de tocar assim que Yamaguchi se escondeu atrás da porta, fazendo o coração do moreno acelerar, pensando que tinha sido pego, mas logo depois, ele voltou a tocar. Parecia ser uma melodia complicada de se tocar num piano e, mesmo não entendendo muito do instrumento, ele podia dizer que Kei tinha experiência. Quando é que esse cara aprendeu piano?, o garoto pensou, tentando não fazer barulho enquanto entrava na sala.
Quando chegou mais perto, conseguiu ouvir Tsukishima cantarolando:
Eu amo esse sentimento
Mas odeio essa parte
Eu queria tanto que isso funcionasse
Ele murmurou algo indecifrável, indicando que não tinha escrito aquela parte, mas logo continuou:
Ele me atinge como êxtase
Chega e tira a razão de mim
Foi aí que Yamaguchi se enrolou em seus cadarços desamarrados e quase foi de encontro com o chão, fazendo um barulho alto. Kei dá um salto, se virando com os olhos arregalados e as mãos ainda em posição, como se tocasse um piano no ar. Assim que percebeu que era Tadashi, bufou e se apressou para guardar seu caderno de composições (parecia ser novo, a capa era diferente do antigo) na mochila.
— Pensei que você não viria — ele disse, voltando a se virar para o piano.
Tadashi observou as costas largas de Tsukishima enquanto ele tocava uma música diferente agora, ignorando a presença do moreno. Parecia uma música erudita, ou algo mais clássico, algo com que ele não estava familiarizado. Com o corte de cabelo novo, as orelhas coradas de Kei ficavam à mostra.
— E eu pensei que você não tocava instrumento nenhum — Yamaguchi disse, cruzando os braços.
Kei continuou tocando, mesmo quando olhou para Tadashi por cima do ombro, com um sorrisinho vitorioso. O moreno se aproximou e se encostou no piano de braços cruzados.
— Comecei a aprender mais ou menos quando você começou a tocar guitarra — ele responde, com olhos ansiosos. Ele não parecia estar sendo sincero, mas Yamaguchi ignorou.
— Sério? Por que você não me contou?
Tsukishima parou de tocar por um segundo, mas logo continuou, decidindo ignorar o questionamento óbvio. Porque não éramos mais amigos, o moreno pensou, suspirando. Yamaguchi tinha aprendido a tocar no último ano do fundamental, quando os dois já não se falavam, então não fazia sentido que ele soubesse. Mesmo assim, era estranho que ele nunca tenha comentado nem para se gabar.
O moreno se inclinou encarando os movimentos hábeis do rapaz. Apesar da música ser um tanto repetitiva e estar começando a lhe irritar, era quase hipnotizante ver Kei tocando. Suas mãos grandes e dedos longos eram feitas para tocar o piano.
— Qual o nome da música? — Tadashi perguntou, se obrigando a desviar o olhar.
A música parou e, após uma pequena pausa, o loiro respondeu:
— Eu te amo.
Tadashi virou a cabeça tão rápido que se surpreendeu por não ter ficado com torcicolo ou tirado seu pescoço do lugar. Tsukishima estava olhando para ele, calmo.
— O-o quê?
— O nome da música é “Eu te amo” — ele repete, sem expressão e logo se levanta. — É melhor nós começarmos o ensaio.
— Oh. Sim. Claro. V-vamos.
Tsukishima não entendia como Yamaguchi podia ser tão bom atuando e, ao mesmo tempo, desastrosamente ruim em dar instruções. Suas dicas eram sempre as mesmas: “tente se imaginar no lugar do personagem”, “você está franzindo muito a testa” ou “tente parecer mais natural, é fácil”. Se fosse tão fácil assim, eles não estariam ensaiando uma hora e meia antes do início das aulas pela terceira semana seguida.
— É só você se imaginar nessa situação e fingir uma reação! — Tadashi exclamou, essa também era uma instrução bem recorrente e completamente inútil.
— Esse é o problema, Yamaguchi. Eu não estaria numa situação como essa e muito menos reagiria como o Levi, ele é um merda — Kei disse, suspirando.
— Sério? Eu consigo ver muitas semelhanças.
— Tipo?
— O fato dele ser um covarde de merda — ele respondeu, naturalmente.
Aquela quebra de expectativa fez um sorriso crescer no rosto do loiro, arrancando-lhe algumas gargalhadas. Yamaguchi o encarava completamente confuso, sem se mexer. Kei percebeu que estava agindo como um idiota e limpou a garganta, tentando se controlar.
— Desculpe, o jeito que você falou… foi hilário.
— É bom saber que você gosta quando te chamam de merda. Deixarei anotado para uma próxima vez — o moreno disse, implicante. — Fazia tempo que eu não te via rir assim.
— Gostar não é bem a palavra — Tsukishima respondeu, lendo o script de novo. — Podemos voltar naquela parte que o Yuta está indo embora e o Levi segura o pulso dele? Acho que estou quase lá.
O loiro sempre usava os nomes fictícios ao falar sobre as cenas porque parecia ser menos intimista.
— Eu não teria tanta certeza, mas... claro.
Yamaguchi suspirou e piscou algumas vezes. Ele fazia isso quando estava "entrando no personagem", como ele gostava de dizer. Seus cílios eram curtos mas espessos, bem escuros. Assim que terminou, olhou para Kei, ou melhor, Levi, sorrindo.
— Eu tenho que ir agora, mas você pode me chamar, se precisar — Yuta diz, com um sorriso. O sorriso mais bonito e gentil que ele já tinha visto, como uma brisa de primavera.
Levi deu um passo para frente, pegando o pulso do presidente de classe, firme (talvez, firme demais), fazendo Yuta olhar para ele.
O loiro se esforçou ao máximo para fazer uma expressão convincente. Eu quero que ele fique, ele tenta se lembrar. Não quero ficar sozinho. Quero que ele fique comigo. Quero que o Yamaguchi fique. Comigo.
— Eu preciso que você fique — ele diz, com um tom quieto. — Fique comigo, por favor… Yuta.
Quem encarava Levi agora era Yamaguchi, não Yuta, ele tinha os olhos arregalados, piscando rapidamente. O outro garoto soltou seu pulso e, lentamente, se afastou.
— Isso foi muito bom, Tsukishima! — o moreno disse, com as mãos na cintura. — Acho que o Levi chama o Yuta pelo sobrenome, mas tirando isso, foi impecável. Finalmente você está começando a atuar de forma menos patética.
Kei precisava de ar.
— Eu preciso beber alguma coisa. Vamos dar uma pausa — ele disse, já saindo da sala.
— Não demore muito, senão sua inspiração pode ir parar dentro da sua bunda!
Hoje eu dirigi pelos subúrbios
Porque como eu poderia amar outra pessoa
Eu sei que nós não éramos perfeitos
Mas eu nunca me senti assim por ninguém antes
E eu apenas não consigo imaginar como você pode estar tão bem
Agora que eu fui embora
Acho que você não quis dizer aquilo que escreveu naquela música sobre mim
Porque você disse "para sempre"
Agora eu dirijo sozinho pela sua rua
Yamaguchi segurava firmemente o microfone, enquanto cantava, os nós de seus dedos ficando brancos.
E todos os meus amigos estão todos cansados
De ouvir que sinto tanto sua falta
Mas eu meio que me sinto mal por eles
Porque eles nunca vão te conhecer como eu te conheço
Era uma música nova, que ele tinha escrito durante a semana passada. Os instrumentos ainda não tinham se entrosado direito e, às vezes, Yamaguchi tinha que olhar para a letra em seu celular, mas eles queriam tocá-la no próximo show no UnderDogs. Hinata e Tanaka tinham chorado feito bebês na primeira vez que leram a letra completa e choraram de novo na primeira vez que tocaram.
Ainda faltava um mês e meio para a apresentação e para o musical, mesmo assim, eles estavam correndo com ambos os ensaios, porque queriam deixar tudo pronto com um mês de antecedência. Além disso, o moreno tinha as provas (que não eram um grande problema, considerando suas notas) e o vestibular. Tadashi estava começando a enlouquecer. Mas não estava odiando tanto quanto pensou.
— Vamos tocar mais uma vez? — ele perguntou, depois de um longo gole d’água.
— Yams, eu tô exausto, pelo amor de Deus — Hinata resmungou, se sentando.
— Aliás, você tá com umas olheiras horríveis. Você dormiu bem? — Yachi perguntou, cruzando os braços.
— Tive que acordar mais cedo pra ir ensaiar com o Tsukishima.
Por falar em Tsukishima, os dois continuavam ensaiando todas as quartas antes das aulas. Tadashi não podia dizer que o loiro estava atuando como James McAvoy, mas a evolução era nítida. Às vezes, até parece que ele tem um coração batendo, ele pensou, divertido.
— Ensaiar com quem? — Tanaka perguntou, com as sobrancelhas franzidas.
— Com o Tsukishima, eu contei pra vocês — Yamaguchi respondeu, começando a arrumar suas coisas.
— Sim, sim, isso eu sei, mas por que você chamou ele de Tsukishima?
— Porque… é o nome dele...?
— Sim, mas você sempre chamou ele de loiro azedo e derivados — o careca respondeu, curioso.
— É verdade! Você não anda chamando ele assim… o que aconteceu? Vocês viraram amigos de novo? — Hinata perguntou, desconfiado.
— Não viaja, Shou. Apesar de ser doloroso admitir, nós viramos parceiros agora, então estou dando uma trégua, pelo menos até o musical.
— Sei lá, eu meio que gosto do Tsukishima — Yachi disse, dando de ombros. — Ele é até engraçado, às vezes, e ele sempre foi bem gentil comigo.
Yamaguchi franziu a testa. Ele não sabia quando é que Hitoka tinha começado a ser a fã número um de Kei, mas, na verdade, ela não estava de toda errada. O loiro sempre comprava uma lata de café para Tadashi antes dos ensaios e, mesmo negando, Tsukishima sempre pedia para acabar o ensaio mais cedo quando o outro parecia cansado. Ele era bem gentil, na verdade, só preferia mostrar aquele lado para um número seleto de pessoas. E, no momento, nenhuma delas era Yamaguchi Tadashi.
— Tsukishima, não tem o cone que você gosta, você prefere o de melancia ou Gari Gari Kun¹? — Sugawara perguntou, olhando para o congelador do mercado.
— Não tem Coolish²?
— Acho que não… espera, tem um de baunilha, pode ser?
Já eram oito da noite, mais ou menos, e eles tinham acabado de terminar o ensaio quando Nishinoya pediu para Sugawara comprar sorvete por ter chegado quinze minutos atrasado. Por isso, todos os cinco rapazes estavam sentados na frente da loja Sakanoshita, tomando sorvete e aproveitando o vento de primavera, torcendo para não começar a chover.
Tsukishima não queria ter ido, mas apenas a ideia de comer algo cheio de açúcar o convenceu. Ele tinha acordado mais cedo para ir ensaiar com Yamaguchi, teve que ajudar Kageyama com inglês na hora do almoço, e por fim, o ensaio com a banda que, como sempre, foi bem cansativo. No momento, ele só precisa se esticar na sua cama e dormir por setenta e duas horas, mas não antes de terminar seu dever de casa.
— Ei, Tsukki, você está com olheiras horrorosas — Nishinoya comentou, com a boca lambuzada de sorvete. — Você parece um vampiro que não bebe sangue há uns dois séculos.
— Você está me oferecendo seu sangue? O seu deve ser horroroso — ele respondeu, continuando a tomar seu sorvete.
— O quê? Meu sangue deve ser muito bom, certo, Asahi-san?
— C-claro. Eu acho.
— Você tem dormido direito? — Suga perguntou.
— Quando eu posso, sim.
— Como assim “quando eu posso”? — Kageyama perguntou, franzindo a testa. — Você tem vinte e quatro horas no dia, é claro que você pode dormir como um ser humano normal.
— Estou verdadeiramente comovido com a sua preocupação, Kageyama — Kei disse, de forma monótona. — Mas nem todos ficam vinte horas do dia sem fazer absolutamente nada de útil igual a você.
— Tsukishima, seu filho...
— Como estão os ensaios do musical? Você ainda está ensaiando com o Yamaguchi? — Asahi perguntou, tentando distrair Tobio.
Apenas a menção ao nome do garoto fazia o estômago de Tsukishima gelar. Ele não podia dizer que estava odiando passar todo aquele tempo com Yamaguchi e, na verdade, esse era o problema. Ele não odiava passar mais tempo com ele. Mas sempre que estavam juntos, sua mente se enchia com as coisas que seu pai lhe dizia e isso lhe revirava o estômago. Kei não queria lembrar de seu pai quando estava com Tadashi.
— Sim, tive um ensaio com ele hoje.
— Vocês parecem estar se dando bem, não é? — Sugawara disse, terminando seu sorvete.
— É, acho que algo do tipo.
Tsukishima não queria mais cantar.
— Mais uma vez, do começo, Kei — a voz grave de seu pai dizia.
— Pai, eu estou cansado, minha garganta não tá boa hoje — o garoto de doze anos dizia, calmo, tentando não irritar o pai.
O que, como sempre, não adiantou. O homem se levantou, batendo as mãos na mesa, assustando o filho, fazendo-o se encolher. Ele nunca tinha batido no garoto, mas Kei sempre teve medo de que isso mudasse algum dia.
— Eu pago aulas de canto pra você, pra quê? Ein? Você quer continuar sendo um fracasso? Sempre perdendo para aquele garotinho deplorável que é o Tadashi?
— Ele é meu amigo, senhor.
— E é muito melhor que você! — ele grita, irritado. — Se você continuar faltando suas aulas de canto e deixando de praticar, você nunca será melhor do que ele! Eu vou marcar aulas de piano pra você e nem pense em faltar. Se não consegue superá-lo no canto, então dê um jeito de aprender a tocar algum instrumento.
Mas o garoto não queria ser melhor do que Yamaguchi. Ele não queria tocar um instrumento, muito menos cantar sozinho. Ele queria cantar com o seu amigo, como sempre faziam. Kei não conseguia se imaginar cantando sem Tadashi.
Depois de horas exaustivas de gritos e cantoria, o menino finalmente foi para o seu quarto, mas tudo que ele conseguiu fazer foi chorar em silêncio, torcendo para que ninguém o escutasse. Era vergonhoso demais admitir que estava chorando só porque seu pai deu alguns gritos.
Antes de ir dormir, sua mãe apareceu no seu quarto. Naquela época, a mulher parecia constantemente esgotada e fraca. Ela segurava o telefone sem fio da casa.
— É o Tadashi — ela disse, com um sorriso tímido, vendo o filho secar as lágrimas rapidamente. — Ele disse que quer dizer boa noite.
Kei pegou o telefone e o grudou na orelha.
— Oi.
— Oi, Tsukki! — apenas a voz animada de Tadashi fez o garoto sorrir. — Seu pai estava bravo hoje, não estava?
— Um pouco.
— Quer passar o fim de semana aqui? Podemos assistir Jurassic Park, se você quiser — o garotinho sardento odiava filmes de dinossauros, mas fazia um esforço.
— Sua mãe pode comprar sorvete pra gente?
— É claro! Podemos fazer pipoca também ou, talvez, se você quiser, assistir Grease!
— Você sempre assiste esse — Kei disse, soltando um risinho.
— B-bom, podemos assistir outro! Ou jogar um jogo! Minha mãe me deu um jogo novo e… — a voz da mãe do garoto se fez presente ao fundo. — Acho que eu tenho que desligar agora. Boa noite, Tsukki! Fica bem.
Foi naquela noite que ele percebeu que talvez estivesse gostando de Yamaguchi Tadashi mais do que deveria.
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