Jorge Blanco:
Lembro-me de quando era pequeno e minha mãe sempre me alertava, que devemos sempre dar mais valor aos momentos do que as lembranças, porque o passado nunca volta.
Eu sempre valorizei muito esse conselho, até em momentos como esse.
Sentado no tapete felpudo, em meio essa sala de estar repleta de móveis luxuosos, apreciando o poder de uma boa conversa e uma taça de vinho. Confesso preferir cerveja, mas é impossível relutar aos pedidos do par de olhos castanhos mais brilhantes que eu conheço.
—As minhas panquecas sempre foram melhores - tagarelou com a boca cheia de pizza, balançando sua taça de vinho a cada palavra dita
—Eu nunca fiz panquecas – retruquei mordiscando minha fatia de pizza
Já passa das três da manhã e o sono parece ter se esvaído de mim. A ideia de comprar uma pizza e tomar um bom vinho sentado no tapete da mansão Stoessel, me pareceu tentadora.
—Vamos combinar que eu sempre cozinhei melhor que você — apoiou sua taça de vinho quase vazia sobre o tapete
Depois de discutirmos sobre todos os assuntos possíveis, a intriga da vez é sobre quem cozinha melhor.
O que pra mim já está mais do que óbvio.
—Quando nos mudamos para Los Angeles você não sabia se quer cozinhar um ovo - zombei – Até o café você queimava
—Isso é impossível — revirou os olhos e apoiou os cotovelos sobre o sofá
—Se fosse possível, você queimaria — tomei mais um longo gole do meu vinho
Martina me acertou em cheio com uma almofada e riu quando o vinho respingou na minha camisa branca.
—Isso nunca mais vai limpar - deixei minha bebida de lado e esfreguei a mão sobre a mancha vermelha
Ela pareceu nem ligar para o meu drama, deu de ombros e apoiou a cabeça sobre o sofá.
Encarava cada canto da sua antiga casa, como um turista visitando um monumento. Logo eu que sempre fui especialista em decifrar suas expressões, não sabia dizer o que passava naquela mente confusa.
—Anos atrás tudo que eu tenho hoje parecia um sonho impossível — encarou o pé-direito alto e respirou fundo — Minha única ambição era trabalhar nas empresas do meu pai
—Vamos combinar que isso não é lá o pior pesadelo — apontei seu privilégio escancarado
—Você tem razão, falei como uma mimada egoísta — concordou me encarando arrependida — Mas ser empresária também nunca foi meu sonho – fez uma careta de reprovação
Como é possível ela continuar bonita até quando não quer?
—Imagina só – ergui as mãos para o alto, como quem anunciava a manchete de um jornal — Martina Stoessel, a empresária do ano — zombei
—Deprimente – riu abaixando minhas mãos com um tapa - Foi por pouco, mas eu me libertei dessa bolha - apontou em todas as direções e gesticulou uma bolha de ar com as mãos
—Graças a mim —me gabei fingindo estourar a sua bolha de ar imaginaria
—Claro que não — negou mais que depressa – Eu enfrentei o meu pai porque era o certo a se fazer — tentou explicar, se embolando com as palavras
—E foi muito corajosa em fazer isso – segurei sua mão sobre o tapete e sorri orgulhoso – Mas foi pra Los Angeles atrás de quem? – apontei discretamente na minha direção
Martina revirou os olhos, como de costumo. Roubou minha taça de vinho apoiada no tapete e tomou o ultimo gole.
—Acho que o sono afetou sua memória – zombou mudando de assunto – Preciso tomar um banho e dormir – se levantou em um pulo e ajeitou sua roupa amassada
Me olhou uma ultima vez antes de caminhar em direção a escada.
—Você devia fazer o mesmo – sugeriu desaparecendo entre os degraus altos da enorme escadaria
Típico da Tini, sempre que o assunto envolve a nossa relação, ela foge.
[...]
Sequei meu cabelo na toalha enquanto procurava uma calça entre a muda de roupas que Olga deixou separado, ela disse que guardou tudo que esqueci no quarto da Tini. Quando eu tinha dezoito anos e uma franja.
Vesti a primeira calça de moletom antiga e surrada que encontrei entre as camisas, o suficiente para um pijama improvisado.
Se quer terminei de me secar e despenquei sobre a cama aconchegante do quarto de hóspedes. Depois de um dia todo naquele hospital, cada músculo do meu corpo gritava por uma noite de descanso.
Estava prestes a fechar os olhos e deixar o sono me dominar, quando três batidas baixas na porta me chamaram atenção.
—Quem é? – cruzei os braços por debaixo da nuca e esperei por uma resposta
A porta foi aberta lentamente e a única pessoa possível atravessou o batente, segurando um travesseiro e vestindo seu antigo pijama cor de rosa listrado.
—Eu não consigo dormir – fechou a porta atrás de si e caminhou até a beirada da cama
Me encarou como um cachorrinho sem sono, esperando um convite para deitar na cama.
—Vem – abri meus braços sobre o travesseiro e a incentivei a deitar no meu ombro descoberto
Ela então deixou seu travesseiro de lado e fez como eu pedi, deitou por debaixo da coberta e apoiou sua cabeça no meu braço.
—Está preocupada com seu pai? – tentei desvendar o motivo da sua insônia
Afinal Martina costuma desmaiar depois de algumas taças de vinho.
—Um pouco – concordou brincando com as unhas – Talvez mais preocupada com a conversa que vamos ter amanhã – acrescentou
—Tenho certeza que vai ser uma conversa bem emocionante – acariciei seu cabelo solto – Ele vai adorar ver que você ainda se preocupa com ele
Concordou balançando seu rosto.
—Espero que tudo se resolva – sua voz estremeceu, transparecendo sua ansiedade incontrolável
—Se não se resolver – cogitei essa possibilidade – Eu fujo com você – zombei a fazendo rir
—Não é uma péssima ideia – ergueu a cabeça alguns centímetros, o suficiente para o seu olhar se encontrar com o meu
Em um movimento inesperado, se aproximou ainda mais e selou seus lábios aos meus.
Me deu um beijo rápido e sorriu quando o ar faltou e tivemos que nos separar.
—É um costume que ainda não perdi – voltou a deitar sobre meu ombro e aconchegar seus braços ao redor do meu corpo – Boa noite – relaxou o pescoço e foi fechando os olhos devagar
Eu já aprendi que quando se trata desse nosso recomeço, eu tenho que me contentar com suas pequenas provas de amor repentinas e dar valor a cada uma delas.
Afinal o segredo do amor está no saber se reinventar todos os dias.
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