JUNGKOOK
Encontrei-me num corredor de uma escola. Não havia mais ninguém lá; era só eu, sozinho à frente de uma sala de aula, que me parecia muito familiar. A porta estava fechada e viam-se marcas nela, indicando que estava muito degastada. O tom claro da madeira revelada com mais destaque os traços feitos por alunos, palavrões e desenhos obscenos. Cacifos gastos e partidos completavam a atmosfera, colocados de cada lado da porta. Reconhecia este ambiente: era a minha antiga escola. Não sabia como tinha vindo aqui parar, mas tudo parecia mais leve na minha cabeça, como se a dor se tivesse ausentado. Passei a minha mão pela porta tendo um sentimento de déjà-vu estranho.
Um papel meio rasgado estava preso à porta, onde se lia «10 C». Em baixo, outra folha em melhor estado, provavelmente por estar dentro de uma capa plástica, mostrava o nome dos alunos e as duas datas de nascimento. Encontrei o meu nome como o décimo da lista, organizada por ordem alfabética. Reconheci vários nomes enquanto percorria os meus olhos pela velha folha e me lembrava da minha turma do décimo ano.
Um estrondo vindo da sala de aula fez-me saltar. A minha curiosidade dizia-me para abrir a porta, mas a minha lógica impedia-me. Tinha um mau pressentimento. O medo aconselhava-me a fugir, mas de quê? O pior que podia acontecer era alguém acabar com a minha existência miserável. Era algo que eu tinha tentado tantas vezes, que a morte já não me assustava: via-a como uma escapatória.
Abri a porta lentamente, tentando não fazer barulho, e o meu olhar percorreu a divisão. Era uma sala de aula normal, com um pouco de pó, e com pouca iluminação. Quando os meus olhos encontraram a cadeira do professor, reparei que alguém estava sentado nela, virado de costas para mim. Entrei na sala e, dando passos pequenos e inaudíveis, dirigi-me à silhueta que se escondia nas sombras. No meu estado normal, teria simplesmente fugido, mas sentia uma necessidade imperiosa de descobrir a identidade do misterioso sujeito. Quando alcancei a cadeira, toquei no ombro do homem pouco iluminado. Deduzia que era um homem, pela sua estrutura óssea. A cadeira virou-se nesse instante. Olhei para a cara da pessoa agora revelada e senti a cor a desvanecer da minha cara. Conseguia ouvir o meu coração a bater no meu peito, e tenho a certeza de que ele conseguia também.
Afastei-me dele, recuando, até me encostar à porta da sala. Os seus olhos expressavam luxúria e desejo, o seu sorriso doentio brilhava na escuridão. Conseguia ouvir os seus passos a aproximarem-se. Rapidamente senti o seu corpo encostado ao meu e um tremor de pânico invadiu-me.
- Sentiste a minha falta, Jungkook? - a sua voz saiu num sussurro, a sua boca próxima do meu ouvido.
Não respondi, fechando os meus olhos com força. Não podia sair dali. A sua força era muito superior à minha: estava preso. Ele começou a beijar a minha cara, deixando-me enojado. Arrepios percorreram o meu corpo.
Com todas as minhas forças, empurrei-o. Ele tropeçou e os nossos corpos separaram-se. tentei abrir a porta, mas estava trancada. Aí percebi que só tinha enfurecido mais aquela cara demasiado familiar. Ele rapidamente juntou os nossos corpos outra vez e tirou uma coisa do bolso. Olhei para o objeto metálico brilhante: era uma faca.
Senti uma dor aguda, e adivinhei-o a fazer-me golpes no braço.
- Isto é o que mereces por seres um menino tão mal comportado.
A sua respiração era ofegante, e pelo tom da sua voz já sabia o que ele ia fazer. Comecei a sentir a sua mão pousada na minha coxa. Queria gritar, fugir e estancar o sangue que saía das feridas recentemente abertas, mas não havia nada a fazer agora.
De repente ouvi alguém chamar o meu nome. Uma voz distante, com algum tipo de eco. Tudo começou a desvanecer-se e, rapidamente, a escuridão apoderou-se da minha visão.
Abri os olhos para encontrar Jimin à minha frente. Já não estava na escola! Jimin olhava para mim, com a preocupação estampada na cara. Sentia as lágrimas quentes no meu rosto e os meus olhos ardiam. Tinha chorado enquanto dormia.
- O que se passa, Jungkook?
- N-nada... - gaguejei, não querendo preocupar Jimin com os meus pesadelos ridículos.
- Jungkook, eu não sou estúpido. Isto - disse, enquanto limpava uma lágrima da minha cara - não é «nada».
- Está tudo bem, não te preocupes...
- Jungkook, tu sabes que não está... - repetiu Jimin, e senti lágrimas a caírem outra vez.
Agarrei a mão de Jimin com força, acenando que sim com a cabeça. Eu tinha este sonho quase todas as noites, sonhava sempre com o mesmo. Jimin olhava para mim com preocupação. Era bom ter uma pessoa que se importasse comigo, pela primeira vez. Era diferente.
- O que se passou? - perguntou Jimin, teimoso.
- E-eu sonhei com...com ele...ele ia magoar-me...Jimin, tenho medo.
- Quem é ele?
- Eu...Eu sonhei com o Taemin: Lee Taemin. Ele magoava-me na escola. Jimin, ele era muito, muito mau para mim. Eu não quero que ele volte!
- Ele não vai voltar, não te preocupes. Ele não sabe onde estás.
- Mas ele estava sempre a seguir-me e a mandar cartas arrepiantes...E ele sabia que eu queria fugir dali e que eu queria vir para Seul, e disse-me que viria atrás de mim!
Tentei acalmar-me, mas estava a tremer de medo. Não sabia o que havia de fazer. Jimin olhou-me nos olhos e limpou de novo as minhas lágrimas com a sua mão.
- Jungkook, ouve-me. Eu não vou deixar que nada te aconteça, percebeste?
Eu fiz que sim com a cabeça e ele puxou-me para um abraço.
- Agora tenta dormir outra vez. Amanhã logo veremos o que fazer.
- Jimin?
- Sim?
- Podemos ficar aqui? Não quero estar sozinho...
Era verdade, iria chorar mais se estivesse sozinho. Apetecia-me cortar-me...Precisava de alguém a vigiar-me, para eu não fazer nenhuma estupidez.
JIMIN
Suspirei de alívio quando o ouvi dizer aquilo. Não o conseguia deixar sozinho agora, tinha o instinto de proteger Jungkook, como a um irmão. «Mas não é suposto sentires-te atraído por um irmão», disse o meu subconsciente.
Ele deu-me um abraço e sussurrou um «Obrigado...», que soou tão vulnerável, quase inaudível.
Separamo-nos do abraço e eu deixei Jungkook deitar-se no sofá. Depois sentei-me na poltrona na qual estava anteriormente. Comecei a adormecer devagar e, antes de deixar o sono levar-me, olhei para Jungkook, que tinha um ar mais calmo e parecia já estar a dormir. Sorri para mim próprio e adormeci.
Na manhã seguinte, acordei às dez da manhã. Jungkook ainda dormia. O nosso grupo tinha uma pequena folga, por isso não tinha compromissos. Levantei-me rapidamente, fui tomar um duche, vesti-me de seguida e fui fazer o pequeno-almoço: decidi fazer umas torradas com manteiga e um chá. Queria falar com Jungkook sobre o que fazer acerca da sua situação. Pensava sobre o que dizer enquanto me entretinha a preparar tudo.
Um Jungkook sonolento apareceu na cozinha enquanto eu vertia o chá nas chávenas.
- Jungkook! Hum, estou a acabar de preparar o pequeno-almoço. Queres arranjar-te primeiro? - perguntei.
- Sim...Vou então à casa de banho...
- OK.
E, dito isto, Jungkook saiu da cozinha. Acabei de verter o chá e trouxe tudo para a mesa. Depois, sentei-me e esperei por ele.
Ouvi passos e a figura de Jungkook apareceu novamente. Agora, ele estava vestido com umas calças e uma camisola, tinha o cabelo penteado e um pouco de maquilhagem. Estava deveras lindo!
Jungkook sentou-se à minha frente e sorriu.
- Obrigado por teres preparado o pequeno almoço - murmurou timidamente.
- Não tens de quê, Jungkook, queria falar contigo sobre a tua situação.
- OK... - respondeu, bebendo um pouco de chá.
- Quero que saibas que podes ficar aqui até arranjares um emprego e, se quiseres, eu até te posso ajudar um pouco a encontrar um apartamento.
- A sério?
- Sim. Eu quero ajudar-te.
- O-Obrigado Jimin.
Vi o sorriso que agora preenchia a sua cara e não consegui evitar sorrir também.
Uma semana passou. Todos os dias, Jungkook procurava empregos, saindo de casa para se encontrar com donos de restaurantes ou algo do género. Todas as noites, víamos um filme e adormecíamos na sala. Tinha-se tornado uma rotina. Como esta tinha sido a minha semana de folga, mal tinha saído de casa. Aprendia imenso sobre ele todos os dias e, mesmo tendo acabado de o conhecer, sentia-me como se o tivesse conhecido toda a minha vida.
Acordei com o barulho da campainha. Olhei para Jungkook, que estava a dormir profundamente, e sorri ao observar o seu cabelo castanho e a expressão adormecida. A campainha tocou outra vez e trouxe-me para a realidade. Levantei-me devagarinho para não o acordar, passei levemente a minha mão pelo seu cabelo e fui abrir a porta.
A primeira coisa que vi foi Taehyung, muito bem vestido, mas com um ar bastante aborrecido...Oh, não...Devo ter-me esquecido de algum evento
Taehyung era uma pessoa com um feitio sério, complementado com uma figura alta e esguia. Hoje, o seu cabelo estava puxado para trás com gel. Vestia uma camisa branca e umas calças pretas e mantinha as mãos enfiadas nos bolsos. Uma gabardina e uns sapatos de vela, também pretos, completavam o conjunto.
- Jimin, o que estavas a fazer? - perguntou Taehyung, enervado.
- Nada.
- Então faz alguma coisa porque temos uma entrevista daqui a uma hora e ainda estás de pijama!
- Fogo, esqueci-me! Posso levar companhia?
Assim que as palavras saíram da minha boca, o ar chateado de Taehyung desapareceu e a linha fina horizontal que antes era a sua boca transformou-se num sorriso maroto.
- Ah, já percebi tudo...Quem é ele, Jimin?
Olhei para baixo, embaraçado. Taehyung riu-se, esperando a minha resposta. O que poderia dizer? Taehyung iria gritar comigo se eu dissesse que era um fã que tinha conhecido há pouco tempo e isso acordaria Jungkook. Iria dar-me um sermão, dizendo que eu não estava bem da cabeça e que Jungkook iria contar a toda a gente onde eu vivia. Mas eu sabia que Jungkook não era assim. Mesmo que não o conhecesse muito bem, tinha um bom pressentimento.
- Olha, é complicado. Posso ou não?
Taehyung não parecia satisfeito com a minha resposta, mas não puxou mais por mim.
- Podes, claro que podes. Agora vai preparar-te com o teu "Cinderelo" e eu fico aqui à espera. Se eu me for embora provavelmente vais adormecer outra vez, não é?
- OK,entra.
Taehyung assim fez. Dirigiu-se à sala, mas eu impedi-o.
- Porque é que não posso entrar na sala? - Taehyung estava curioso, mas demasiado para o meu gosto.
- Porque não, Taehyung.
- OK, OK! Não te enerves, loirinho - disse Taehyung com as mãos no ar, de forma defensiva.
Depois, encostou-se à porta da entrada. Olhei para ele, com medo que se eu saísse do hall de entrada ele entraria na sala.
- Que se passa? Também não me posso encostar à porta?- perguntou Taehyung com um ar matreiro.
Ignorei-o e, no momento em que me virei, a porta da sala abriu-se. Jungkook entrou na divisão. Quando viu Taehyung, reparou que estava ainda de pijama e a sua cara ficou vermelha carmesim.
Taehyung olhou para Jungkook de cima a baixo, e depois para mim:
- Ah, acho que já sei o que se passou.
Jungkook corou mais, percebendo o que Taehyung queria dizer com aquilo.
- Não eras tu que estavas preocupado sobre chegar tarde a uma entrevista? - perguntei a Taehyung.
- Pois! Despachem-se!
Agarrei a mão de Jungkook e conduzi-o até ao quarto de hóspedes, onde tinha guardado toda a sua roupa.
- Obrigado Jimin, por esta semana.
- Não tens de me agradecer - disse eu.
Jungkook virou-se para mim e deu-me um abraço. Eu rapidamente envolvi os meus braços à sua volta.
- Tenho, sim, de te agradecer. Obrigado, por tudo- sussurrou ao meu ouvido.
Depois deu-me um beijo na bochecha, o que acordou todas as borboletas na minha barriga, que agora pareciam estar a dançar uma dança frenética ao som de uma melodia ao mesmo tempo violenta e doce.
Quando acordei do meu transe, a porta de Jungkook já estava fechada. Dirigi-me até ao meu quarto tentei pensar em outras coisas, tentando esquecer a minha obsessão por Jungkook.
Comecei por pensar em que roupa usar. Acabei por escolher uma camisola branca simples, umas calças de ganga e umas sapatilhas, também brancas. Vesti-me rapidamente e dirigi-me à casa de banho. Aí, lavei os dentes e a cara, e penteei-me.
Olhei para o relógio de pulso: eram 10h30. Tinha meia hora para estar na entrevista. Desci as escadas rapidamente, para encontrar Jungkook e Taehyung a conversar. Jungkook vestia umas calças coladas brancas e uma camisola preta social. Reparei que não tinha nenhum tipo de maquilhagem. Estava deslumbrante.
Abanei a cabeça, obrigando-me a parar de pensar nele, mas era difícil: e quando os seus olhos encontraram os meus, e conseguia admirar o tom negro que penetrava a minha alma, era impossível.
- Vamos, Jimin? - perguntou Taehyung, tirando-me dos meus pensamentos.
- S-sim. Vamos.
Saímos todos de casa e dirigimo-nos ao carro de Taehyung. Abri a porta a Jungkook e sentei-me no banco de trás com ele. Taehyung estranhou eu não ter ido à frente, mas rapidamente percebeu, dando a entender pela expressão que não gostava de parecer um motorista...Por muito estranho que fosse, e mesmo não o conhecendo tão bem, estava a apaixonar-me lentamente por Jungkook, e nem sabia disso.
Continua...
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