História Broken Strings - Wonderland

Apesar de me sentir uma idiota, não consegui não me sentir mal com o fim. Nathan havia sido parte da minha vida há anos e, apesar dos ultimos dias, não imaginava como iria me adaptar a sua falta. Ele era meu noivo, sócio… Como as coisas poderiam ter saído do controle daquela maneira? Só percebi que todas aquelas novidades estavam me fazendo entrar em colapso quando nem mesmo a ignorância de Claire fazia tanto efeito. Meus dias eram resumidos a levá-la e buscá-la na escola, e a parte da interação era inteiramente deixada para Shawn.

No primeiro sábado após o ocorrido, minha vontade de levantar da cama se extinguiu completamente. Era como se todo o meu ser estivesse de saco cheio de lutar contra toda aquela situação, o que resultou em simplesmente entregar os pontos e deixar que as coisas me massacrassem de uma vez. Pensar nisso fez meu estômago embrulhar, e logo tratei de puxar o cobertor sobre o meu rosto.

Ouvi duas batidas na porta, mas me mantive em silêncio. Não me interessava em quem podia ser, e esperava que, se me mantivesse quietinha, a pessoa pensaria que eu ainda estava dormindo e me deixaria em paz. Infelizmente, eu não era tão sortuda, e isso veio a tona quando a porta rangeu.

— Catherine? — ouvi a voz de Shawn, mas mantive o cobertor sobre o rosto. — Qual é, você nunca dorme até tão tarde.

E meu manto protetor foi puxado. Pisquei várias vezes antes de finalmente encará-lo, encontrando um cara já arrumado e com uma expressão assustada. Olhei-o de cima a baixo, analisando os tênis, a bermuda jeans e a camiseta de botões. Franzi o cenho, mas não me pronunciei para saber onde ele ia.

— Você não vai descer? — neguei com a cabeça, o que pareceu lhe atordoar por alguns instantes. — Fala sério, você não pode ficar assim por causa daquele babaca. — me encolhi debaixo dos cobertores.

Shawn permaneceu em silêncio por alguns minutos, e tive a impressão de vê-lo empalidecer em certo momento. Logo após, ele pareceu voltar a si e voltou a falar:

— Vamos lá, Catherine. Vou levar Morgan ao Canada’s Wonderland, e você deveria vir também.

Estremeci. O ultimo lugar que eu queria ir naquele momento era um parque de diversões, ainda mais em um passeio que resultaria em uma piora instantânea do meu humor. Não precisava sair de casa para que Claire me desdenhasse, então não via motivos para abandonar meu cobertor. Pensando naquilo, me virei para o outro lado e tornei a cobrir minha cabeça. Pude ouvir o suspiro de Shawn, e seus passos no assoalho enquanto ele caminhava para fora.

— Ela não vem? — a vozinha de Claire acendeu uma fagulha dentro de mim mas, assim como em todos os dias da ultima semana, a fagulha apagou segundos depois.

— Não, ela… Ela não está se sentindo bem. — ele parecia magoado ao responder, o que piorou minha situação.

O silêncio reinou por um tempo. Me mantive encolhida debaixo das cobertas como se fosse uma criança escondida do bicho papão, até que tive a sensação de não estar sozinha. Abaixei devagar o cobertor, vendo Claire parada diante da minha cama, o olhar fixo no meu rosto. Diferente de todas as vezes que a encarara, agora ela não parecia tão repreensiva.

— Sinto muito que esteja mal. — falou ela, abraçando a si mesma enquanto parecia escolher as palavras certas. — Mas sabe… Eu tenho certeza de que ele iria gostar muito se você fosse, ele anda muito preocupado.

Franzi o cenho, mas não pude responder antes que ela saísse do quarto. Forcei meu corpo a me sentar e olhei o relógio de cabeceira, notando que passava das 9h da manhã. Voltei a encarar a porta como se um deles pudesse reaparecer para me arrastar a força, mas nada aconteceu. Repassei a mensagem de Claire várias e várias vezes, tentando fazer com que aquela mínima demonstração de afeto fizesse o meu corpo voltar ao normal.

Reabasteci o meu estoque de energia e levantei num pulo, correndo até o banheiro. Em meio as olheiras e ao ninho de passarinho no cabelo, um sorriso começara a despontar no meu rosto. Fiz o que pude para conter os fios rebeldes e tomei o melhor e mais rápido banho da minha vida, logo prendendo o cabelo numa trança e saindo rumo ao guarda roupa. Coloquei o primeiro short que vi, seguido de uma regata branca soltinha e um tênis da mesma cor. Achei minha bolsa no fundo do móvel, logo pegando ela e conferindo o conteúdo. Atirei o celular e finalmente saí, descendo de fininho.

Quando cheguei no fim da escada, a casa já estava vazia. Olhei pela janela a tempo de ver Shawn abrir a porta do carro para Claire, então peguei uma maçã na fruteira e corri para a porta da frente, abrindo-a com um estrondo.

— EI! — gritei, atraindo a atenção dos dois. — CABE MAIS UMA  AI?

Claire tentou evitar um sorriso, porém sem sucesso. Logo, seu olhar se voltou para Shawn como se esperasse que aquilo tirasse sua aparente preocupação. Quando ele finalmente sorriu, ela logo disse algo e ele assentiu, fechando a porta do veículo. Tranquei a casa e caminhei até eles, logo entrando no lado do passageiro. Quando nossos olhares se encontraram, estreitei os olhos.

— Não me olhe com essa cara de quem sabia que eu viria. — resmunguei, mas ele manteve o sorriso.

— Mas você sabe que eu não sabia de nada. — o tom de brincadeira que deveria me irritar, acabou contribuindo para que eu me sentisse melhor.

Olhei pelo retrovisor a tempo de ver Claire soltar um risinho, e tratei de desviar o olhar antes que ela me pegasse e voltasse a mesma amargura de sempre.

Durante os quarenta minutos de trajeto de Toronto até Vaughan, aprendi que Claire tinha mais de Shawn do que de mim. Apesar da aparência, ela conseguia completar cada frase que ele dizia ou até mesmo expor os pensamentos dele antes dele mesmo. Ouvi eles cantarem todas as músicas do rádio juntos e ainda zoarem com os pobres locutores com coisas como “ei, esse não parece aquele bode do desenho animado que você assiste?”.

Assim que descemos do carro, Claire foi a primeira a correr para a fila. Apesar do tamanho, com ingressos comprados pela internet, acabamos por não demorar muito tempo para entrar. Uma vez dentro, fui obrigada a parar para assistir enquanto Claire fixava os dois pés no chão, observando embasbacada para todas as atrações.

— Ela provavelmente nunca veio a um parque… — Shawn murmurou.

— Do jeito que Katie era super protetora, isso não me surpreende tanto. — sussurrei de volta.

— Ei, Morgan. — o olhar dela se voltou para nós. — Por que não escolhe em qual vamos primeiro, hein?

Um sorriso sapeca surgiu no rosto dela, que logo voltou a analisar as trocentas atrações. Dei um passo a frente, mas me surpreendi quando Shawn tornou a falar.

— A propósito, estou feliz por ter vindo. — me voltei para ele, abrindo um sorrisinho. — Ela também estava ficando preocupada.

— Sim, eu notei quando ela fez pressão psicológica no meu quarto. — pisquei, mas tratei de não falar mais nada quando Claire reapareceu na nossa frente.

— Quero aquela!

Nossos olhares correram até a Leviathan, a montanha russa da entrada do parque e também uma das maiores do mundo. Engoli em seco e olhei para Shawn, que sorria presunçoso para mim.

— Vamos lá, Catherine. — provocou ele. — Vamos na Leviathan.

Quis matá-lo. Lembrava perfeitamente de sete anos atrás, quando nós ainda namorávamos e Claire nem sonhava em existir, e sempre vínhamos no parque. Sendo a oitava montanha russa mais rápida do mundo, a Leviathan sempre fez minhas pernas tremerem só com a hipótese de chegar perto dela, então era óbvio que eu sempre passava longe do brinquedo. E também era óbvio que, mesmo após sete anos, Shawn Mendes não perderia a oportunidade de me zoar por causa disso.

— Vocês podem ir, eu vou… — olhei rapidamente em volta. — Achar um lugar para guardar a bolsa.

— Como uma arquiteta que ajuda a construir prédios enormes tem medo de subir numa mísera montanha russa? — a sobrancelha de Shawn se arqueou e minhas bochechas começaram a queimar.

— Os prédios não andam a mais de 148km por hora. — rebati, tentando ignorar os dois pares de olhos idênticos a minha frente. — Eu não vou, não insista.

— Nós podemos ir em outro... — Claire lançou um olhar tristonho para o brinquedo.

Tive quase 100% de certeza de que a pequena sabia que aquela vozinha manhosa e a carinha de cachorrinho que caiu da mudança seriam o suficiente para me fazer ceder, e não me surpreendi quando seu plano maquiavélico finalmente deu certo.

— Tudo bem. — Shawn arregalou os olhos ao me encarar, mas apenas ergui os braços como forma de rendição. — Eu vou.

Claire pareceu se conter para não gritar, então, ao invés disso, abriu um sorriso largo e se dirigiu para a atração. Minhas pernas bambeavam a cada passo que eu dava, e tive que manter a vontade de sair correndo dali trancada dentro de um baú interno. Pensei em tentar fazer Claire desistir de andar na maldita montanha russa ainda na fila, mas quando terminei de bolar meu plano, Shawn sacou seus Fast Lane Plus, que significavam que não precisávamos esperar na fila.

— Por favor, não enfarte lá em cima. — disse ele assim que o funcionário terminou de checar as travas de segurança.

— Pode ter certeza de que se isso acontecer, volto para te buscar. — rosnei, sentindo um bolo crescer em minha garganta.

Claire riu no assento a nossa frente, e então o carrinho começou a andar.

(...)

— Tudo bem, temos um problema.

Olhei a nossa volta, observando a nossa situação. Apesar de tudo o que acontecera no dia, eu tinha de admitir: Claire também tinha muito de mim nela. Não apenas a aparência, mas talvez a compulsão por pelúcias ou por qualquer coisa fofa que fosse posta a venda. O parque fechava ás 22h, e eram quase 21h40 enquanto tentávamos distribuir nossas compras entre os três. Havia uma touca felpuda do homem aranha na cabeça de Shawn, e eu tentava não rir toda vez que o encarava.

— Mendes, você é o homem aqui! — brinquei, tentando empurrar as sacolas para ele. — Onde está o cavalheirismo?

— Por que vocês precisam de tantos Snoopys? — resmungou ele enquanto abria algumas sacolas. — Tem Snoopy o suficiente pra uma escola inteira aqui!

— Alguns são meus, e alguns são da Catherine. — Claire resmungou de cima dos ombros de Shawn, mas ela já não parecia mais tão animada. Tinha a leve impressão de que ela dormiria a qualquer instante. — E eles não são iguais. Uns são maiores, outros menores, eles tem roupinhas diferentes…

— Certo, certo, Peter Parker. — disse ele, voltando a analisar o conteúdo das sacolas. — Vocês vem ao parque de diversão para fazer compras?! E pra quê tanta foto?

— Vocês me fizeram andar em quase 17 montanhas russas! — protestei, usando um pacote de balas para ameaçar ele. — É bom que tenham lembranças disso, porque eu nunca mais farei de novo!

Olhei para cima a tempo de ver Claire começar a se encurvar enquanto pegava no sono. Larguei as sacolas sobre o banco e dei um passo a frente, segurando-a quando quase caiu dos ombros de Shawn. Rapidamente ele me ajudou a ajeitá-la, e senti meu coração acelerar enquanto notava que era a primeira vez que realmente segurava minha filha. Segurei-a firme nos meus braços, observando enquanto ela apoiava a cabeça no meu ombro.

Só me dei conta de que chorava quando vi a primeira lágrima pingar no rosto sereno dela. Enxuguei-as rapidamente e ri fraco, erguendo o olhar e encontrando Shawn a nos observar. Sorri para ele e ajeitei Claire novamente, apoiando a minha cabeça na dela e respirando fundo. Agora ela cheirava a doces, e me parecia o melhor cheiro do mundo. Beijei-lhe a testa, lembrando de quando tinha apenas 15 anos e sonhava em beijar um bebê que me seria roubado. Nem mesmo a lembrança de Katie conseguiu me atormentar, era como se nada pudesse estragar aquela sensação de ter o bebê em meus braços. Beijei-lhe de novo. E de novo. E de novo.

— Mamãe… — murmurou ela durante o sono, e apertei-a mais forte.