Cabelos longos não só eram mais bonitos, como também mais conservadores. Ou assim fui ensinada pela minha mãe. Deixe seus cabelos crescerem, Yuna. “Um dia você vai me agradecer por não te deixar cortar”. Dizia assim. E quando você escuta a mesma coisa tantas vezes, mesmo sabendo que não é bem assim, uma hora passa a ser. É como dizem, uma mentira bem contada se torna verdade. E assim era com minha mãe. Ela dizia a mesma coisa tantas vezes até que isso martelava no seu cérebro. Mas... Ela estava certa sobre uma coisa. Um dia eu iria agradecê-la por isso, já que, de uma forma estranha, por isso eu conheci meu demônio.
Ficou confuso? Deixe-me explicar... Vamos retroceder.
Eu sou uma garota criada por pais muito conservadores, então para mim sempre foi muito comum vestir uma saia longa, deixar os cabelos crescerem, sempre usar blusas muito fechadas... E por isso nunca fiz muitos amigos na escola. Os poucos amigos que fazia eram religiosos. Alguém como... Bom... Tinha o Jungkook. Ele estudou comigo desde muito nova, e desde então se tornou meu único amigo. Ele era a única pessoa que me entendia, que sempre compartilhou dos mesmos pensamentos que eu.
Teve uma vez em que cheguei no limiar da rebeldia. Quase cortei meu cabelo todinho, e minha mãe quem me impediu. Ela tinha o costume de me bater, e por isso me acostumei com as roupas longas. Elas cobriam bem as marcas.
As aulas na escola geralmente eram meu pesadelo. Os alunos gostavam de ser cruéis comigo, acho que odiavam a minha religião, já que só por ser filha de um pastor eu era mal vista. Nunca fui tão religiosa como meus pais. Sabe... Que Deus existia ou não, isso nunca me fez muita diferença, e eu passei a culpá-lo por tudo de ruim que acontecia em minha vida. Era uma vida desgastante...
Após a aula Jungkook queria variar, então propôs que fôssemos a uma sorveteria local. Deixe-me explicar... Onde moro, é uma minúscula cidade que não deve ter mais de dois mil habitantes. Minha escola é a única na cidade, então a sorveteria era o ponto alto para pessoas como Jungkook e eu. Pessoas que não podiam ir em lugares como El Colorado, um bar pé sujo local, ou ao Capaccio, uma boate onde geralmente alunos da nossa sala iam. Não, eu e ele não seríamos bem vindos lá.
Jungkook vestia suas calças usuais, um suéter jogado por cima de uma camisa social... O típico. Toda vez que eu pensava nisso eu me lembrava dos desejos de meus pais. Na mente deles, vou me casar com esse rapaz. Ele era o ideal para mim. Filho de um dos membros mais respeitados da igreja, moço direito... Bom. Meus pais não conheciam Jungkook muito bem. Ele é mesmo como eu. Impulsos de fazer coisas erradas, apenas pelo prazer de errar... Mas nunca com a coragem suficiente para fazê-las.
Ele pediu um sorvete de morango com cobertura de chocolate para mim, e um de chocolate com menta para si mesmo. Eu hesitei, mas aceitei o sorvete apesar de estar de olho grande era no de baunilha.
- E então, já sabe o que vai fazer amanhã? – Ele perguntou, assim, de repente.
- Não... Ainda não, tenho muita coisa em mente, fica difícil decidir... – Brinquei. – Sabe... Igreja, televisão...
Jungkook riu, deu aquele sorriso sedutor, apesar de fazer o estereótipo de menino certinho, tinha algo nele que nos alertava do perigo. Sabe... Certinho demais pra ser verdade?
- Bom, eu... Tenho ingressos para o cinema. Talvez...? – Ele foi perguntando.
Ah não... Eu já sabia onde isso ia dar... Não, não, não. Por favor não faça isso Jungkook, não estrague a nossa amizade. Mas já era tarde demais. Ele disse, com todas as letras.
- Você não quer sair comigo?
Foi aí que meu coração parou, e a tigela com o sorvete voou da minha mão pelo susto. Jesus cristo! Jeon Jungkook estava me chamando para sair?! Mordi meus lábios, procurando uma resposta, mas ele não parecia ter acabado ainda. Continuou falando, mas eu parei de ouvir depois da última frase. Fui me levantando e tentando arrumar uma desculpa enquanto gaguejava. Mas no momento em que ele se levantou eu saí correndo, agarrada à minha bolsa. Poxa! Me dá um crédito, ninguém nunca me chamou para sair na vida. E eu não estava pronta para um encontro.
E foi nessa correria, enquanto eu fugia sem olhar para trás, que tive a pior e melhor experiência da minha vida. Ia passando por um grupo de rapazes robustos, com ares nada agradáveis, mas não prestava muita atenção a isso. Estava ainda em choque e dando prioridade para minha própria fuga, já que descendo a rua era o único caminho. Devia ter uns cinco deles e, no momento em que passei pelo primeiro ele agarrou meu cabelo e me deu um puxão para trás. Estávamos em uma parte pouco iluminada da rua, as poucas pessoas que passavam mais adiante provavelmente não perceberam a ação desse rapaz.
Seu puxão me levou ao chão, e eu choraminguei, implorando para que me soltasse. No ritmo minha bolsa caiu aberta no chão e todas as minhas coisas se espalharam pela rua. Os outros rapazes começaram a se aproximar devagar... Com sorrisos maliciosos... Meu coração foi vindo à boca, e as lágrimas se acumulavam em meus olhos sem conseguir cair pelo choque.
Os rapazes não tinham boas intenções. Eu temi ser estuprada e morta sem nunca ter arriscado nada em minha vida. Era assim que tudo ia acabar? Como se nada tivesse sentido? Como se eu não tivesse um propósito aqui?
Mas então eu vi... Um brilho vermelho reluzindo no fim da rua. Como se fosse uma iluminação para os meus problemas. E esse foi o momento mais estranho da minha vida. Naquele instante eu me esqueci da situação... E foquei no brilho vermelho que aparecia ao longe na escuridão, se aproximando em alta velocidade. Só quando o sangue escorreu de suas mãos e pelos cantos de seus lábios, que eu percebi. Aquele brilho vermelho eram os olhos de um demônio.
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