BETTY
Desculpa - eu disse pela terceira vez. - Não sabia que você estava com tanta pressa.
O Archie segurava minha mão e me arrastava pelo shopping lotado em direção ao cinema. Quando a multidão se dissolveu, ele me puxou para perto.
- Estou com seu pai nessa. E só um carro. Quer dizer, aquele carro é um animal e tudo, mas é só um carro. Seria melhor você vender e ganhar uma boa grana do que gastar mais dinheiro e mais tempo com ele.
O filme começava às oito, e não às quinze para as nove, como ele tinha me dito no início. Eu tinha marcado às seis com um mecânico que estava disposto a ir até a minha casa para olhar o carro do Charles.
Eu fiz o exame nacional de novo hoje de manhã, fui para casa, acidentalmente caí no sono (tive um terror diurno - se é assim que se chama um terror noturno que ocorre durante o dia) e acordei menos de vinte minutos antes de o mecânico chegar.
O Archie esperou dez minutos com paciência de dizer ao mecânico para ir embora porque nós tínhamos planos. O mecânico foi embora me dizendo que enviaria o orçamento por email.
- É tudo que eu tenho do Charles - Entramos na área acarpetada do cinema. Arranquei a minha mão da dele. - Achei que você ia entender.
Sair com o Archie era exatamente como eu me lembrava. Pelo menos nos últimos dois meses do nosso relacionamento -, só que sem as carícias.
Na nossa saída em turma no último fim de semana, perguntaram se a gente podia ir devagar e ele concordou - mas só nas primeiras saídas. Eu tinha a sensação de que hoje seria o fim da promessa do Archie de não tocar.
Até agora, namorá lo pela segunda vez estava sendo uma droga.
O archie colocou as mãos na cintura.
- Foi bom o Reggie e a Veronica chegarem aqui a tempo de comprar ingressos. Está esgotado.
Idiota egocêntrico e narcisista...
- Isso não vai dar certo - eu disse.
Ele fechou os punhos e depois se obrigou a relaxar as mãos.
- Olha, eu quero que dê certo. Você só está chateada porque eu estou do lado do seu pai nessa história besta do carro. A Veronica está saindo com o Reggie. A Josie está com o Chuck. Você e eu fazemos muito sentido. - Ele acariciou o meu rosto.
Esse toque costumava me fazer derreter e virar uma poça. Tudo que eu sentia agora eram calos, uma protuberância e a pele seca.
- Eu sei que e difícil pensar em nós dois de novo. Acho que o seu problema é que estamos indo devagar demais. Eu mereço uma recompensa por manter as minhas mãos longe de você até agora.
Ele deu um passo na minha direção, deslizou uma das mãos pelas minhas costas e me puxou para perto.
Todos os meus músculos se contraíram. Isso não parecia nem um pouco natural.
- Vamos ver o filme e depois a gente vai pra minha casa. Acho que você vai se sentir bem melhor depois que se lembrar daquilo que a gente fazia tão bem. - O hálito dele soprou o meu rosto e, eu juro, algumas partículas de cuspe também.
Por que mesmo eu estava fazendo isso?
- Betty! Vocês vieram! O cinema está quase lotado. - A Veronica quicava do meu lado.
Aliviada com a interrupção, eu me afastei do Archie. O Reggie e o Archie trocaram um tipo esquisito de aperto de mãos.
O Reggie apontou para a sala três.
- Vamos, já vai começar. Não conseguimos seis cadeiras juntas, mas guardamos duas para vocês no fundo. - O Reggie cumprimentou o Archie com um high five.
Caramba, o Archie ia ficar desapontado quando descobrisse que nada ia acontecer lá no fundo. Os caras andaram na frente enquanto Veronica e eu ficamos para trás.
Ela perguntou:
- Tudo bem?
- Acho que eu e o Archie juntos de novo não vai rolar. Ele não mudou nada.
- Por que, como tudo na vida, isso tinha que ser complicado? Por que as coisas não podiam ser simples, como eram no primeiro ano? - Veronica respirou fundo e apertou os lábios. - A gente fala disso mais tarde. Vamos aproveitar o filme, está bem?
Ela alcançou o Reggie, e o Archie agarrou a minha mão.
- Você só precisa se concentrar em ser como era. Você sabe: normal – disse ele.
Veronica me deu um olhar de pidona. Eu me afundei na cadeira ao lado do Archie e deixei que ele colocasse o braço no meu ombro.
Todos nós implorávamos por normalidade. Mas, até agora, a normalidade só representava mais desgraça.
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Nos primeiros cinco minutos do filme, conhecemos um adolescente que se formou no colégio e entrou para a Marinha. Dez minutos depois, o vimos se formar no campo de treinamento. Vinte minutos depois, tive espasmos de vômito.
A náusea fez minha garganta inchar, minha língua parecia dez vezes maior e eu não conseguia respirar. Não importava quanta ar eu tentasse inalar, nada chegava aos meus pulmões.
Sai correndo da cadeira e desci rapidamente os degraus escuros do cinema ao som de homens gritando de agonia para Deus e suas mães.
Corri até o banheiro feminino, atravessei a porta e me agarrei a pia gelada. O espelho revelou um pesadelo. Cachos loiros grudavam na minha testa. Meu corpo todo tremia como um terremoto. A imagem do amigo do homem pisando em uma mina piscou na minha mente. A bile subiu pela minha garganta. Ah, Deus - Charles.
Foi isso que aconteceu com ele? Ele gritou de agonia? Ele sabia que estava morrendo? O rosto do ator ensopado de sangue se misturou com o rosto do charles.
Meu corpo se inclinou para frente, o meu estômago se retraiu e eu tossi com a ânsia de vômito. Ele tinha morrido, e tinha sido de um jeito angustiado, apavorado.
A porta de um dos reservados se abriu. Uma senhora me encarou com olhos envelhecidos cheios de pena.
- Problemas com os rapazes?
Agarrei uma toalha de papel para secar os olhos e esconder o rosto. Inspirando em busca de ar, lembrei que tinha ido até ali para ser normal, e não um espetáculo.
- É.
A velhinha sorriu para mim no espelho enquanto lavava as mãos.
- Uma menina bonita como você vai encontrar alguém novo rapidinho. Aliás, adorei suas luvas. Não é muito comum ver uma jovem usando luvas.
- E saiu. Meu celular vibrou no bolso de trás. Era um SMS do Archie: Kd vc?
No banheiro feminino enlouquecendo. De jeito nenhum eu ia voltar.
- Violento d p mim. Shpg. Te vjo depois do filme.
Esperei alguns segundos e meu telefone vibrou de novo:
Blz, te vjo depois.
Oito e meia. Eu tinha duas horas e meia para matar até o filme acabar.
Parecia um tema recorrente na minha vida. A praça de alimentação ficava bem ao lado do cinema. Eu precisava beber alguma coisa. Mas, como uma idiota, eu não tinha levado dinheiro nem minha bolsa.
O Archie insistiu para que eu a deixasse em casa. Blá, blá, blá... nossa primeira noite no cinema juntos ... blá, blá, blá... ele ia pagar tudo ... blá, blá, blá... ele me levou para ver o pior filme do mundo ...
Os funcionários da praça de alimentação estavam fazendo a limpeza e se preparando para fechar. Mas alguns lugares ficavam abertos para alimentar as corujas. Fui até um deles, a hamburgueria que tinha banquinhos perto do balcão.
Sentei em um banquinho e vi um cara alto fritando hambúrgueres. A Veronica ia adorar aquela bundinha linda.
- Oi?
O cozinheiro virou e eu saí do meu assento.
- Jughead?
Ele deu aquele sorriso malicioso.
- E aí, Betty? Sentiu minha falta?
Sentei de novo.
- Não - Mais ou menos.
O Jughead tirou os hambúrgueres da chapa, colocou em pães e gritou um número. Uma mulher se aproximou e levou os sanduíches. Ele veio devagar até o balcão.
- O que posso fazer por você? A bandana vermelha que ele estava usando segurava o cabelo, que normalmente cobria seus olhos. Eu adorava os olhos dele.
Verdes cheios de malícia e com uma faísca pronta para incendiar o mundo.
- Pode me dar um copo d'água, por favor? - E, por favor, que seja de graça.
- Só isso?
Meu estômago roncou alto o suficiente para que ele ouvisse.
- É, só isso.
Ele encheu um copo e me deu.
- Tem certeza que não quer um hambúrguer? Uma carninha grossa dentro de um pãozinho tostado com batatinhas salgadas pra acompanhar?
Suguei o canudo, engolindo a água.
Engraçado, a água não me dava a sensação quente, macia e gostosa que um hambúrguer com fritas daria.
- Estou bem, obrigada.
- Fique à vontade. Está vendo aquela carne bonita bem ali? – Ele apontou para a carne que estava fritando. O aroma fez a minha boca se encher de saliva. - É minha. Quando estiver pronta, meu turno de hoje acaba.
Ele voltou à chapa e colocou a carne maravilhosa em um pãozinho torrado, cobrindo com vários vegetais. Depois jogou uma grande quantidade de batatas fritas no prato.
- Ei, Frank. Tô saindo. Alguém gritou dos fundos:
- Valeu, Jughead.
Ele tirou a bandana e o avental e jogou os dois em um recipiente. Deixou o prato dele perto de mim no balcão, serviu uma CocaCola e veio se sentar ao meu lado.
- Você não devia estar saindo com seu namorado?
Ele mordeu o hambúrguer. Eu observava cada movimento delicioso.
- Eu estava. Quer dizer, estou. O Archie ainda está no cinema. Mas ele não é meu namorado. Neste momento, não. Ele foi, muito tempo atrás, mas não é mais. Estamos só, você sabe, saindo. Ou algo assim. Certo?
E por que eu estava me enrolando toda para falar?
O Jughead mastigou a comida enquanto estreitava os olhos.
- Se você está saindo com o cara, por que não está lá dentro com ele? E
ncarei as batatas fritas. Elas pareciam tão douradas e crocantes.
- Você tem dinheiro?- perguntou ele.
- O quê?
Ele esfregou dois dedos.
- Dinheiro? Money? Tem algum aí?
Sem saber aonde essa conversa ia dar, sacudi a cabeça.
Ele se esticou sobre o balcão e pegou uma faca. Cortou o hambúrguer ao meio e colocou o prato entre nós.
- Aqui. Não vai comer todas as batatas.
- Está falando sério?
O Jughrad deu outra mordida na metade dele.
- Claro. Não quero que minha monitora morra de fome.
Abri a boca fazendo barulho como um personagem de desenho animado e mordi o hambúrguer suculento. Quando a carne deliciosa tocou minha língua, fechei os olhos e gemi.
- Achei que as garotas só faziam essa cara quando tinham um orgasmo.
O hambúrguer ficou preso na minha garganta e eu engasguei. Ele segurou o riso enquanto empurrava a água na minha direção. Se pelo menos beber água apagasse o vermelho desagradável nas minhas bochechas...
- Acho que não ouvi sua resposta à minha pergunta anterior. Se você está saindo com o cara, por que está aqui fora dividindo o jantar comigo enquanto o archie está lá dentro se acariciando?
Limpei a garganta.
- Você é sempre grosseiro assim?
- Não. Posso me controlar se você responder a pergunta.
- Estávamos atrasados e eu não sabia que filme ele tinha escolhido até começar. Inimigos em guerra é um pouco violento demais pra mim.
Mexi a água com o canudo, tentando parecer indiferente enquanto as imagens da guerra torturavam minha mente.
O Jughead embolou o guardanapo na mão, perdendo a atitude brincalhona.
- Então, por que ele não está aqui fora com você?
Boa pergunta.
- Eu disse pra ele ficar e ver o filme. Ele queria muito ver.
- Você merece coisa melhor. - Ele empurrou o prato para minha frente, sem a parte dele do hambúrguer, mas com todas as batatas fritas ainda lá.
Tipo um cara que dividia o jantar dele comigo e me dava todas as batatas fritas? Um cara que quebrava as regras para que eu pudesse ouvir o meu pai conversando com a minha terapeuta? Um cara que me dava seu casaco quando eu estava com frio? Um cara que me incendiava com um simples toque?
Mas o Jughead jamais ia querer uma garota como eu.
Terminei o hambúrguer e empurrei o prato de volta para ele.
- Obrigada. Acho que eu devo deixar você ir pra casa.
- O que você vai fazer?
Alguns adolescentes se reuniram ao redor de uma mesa no meio da praça de alimentação vazia. Um zelador colocou uma placa de piso molhado. Um sem teto agarrou seu carrinho de compras e nos encarou do outro lado do salão. Ah, eu não sei. Andar por aí sozinha e provavelmente acabar morta, enfiada na parte de baixo do carrinho de compras daquele cara.
- Talvez ir até o fliperama e ver se alguém deixou umas moedas na mesa para eu poder jogar sinuca.
O Jughead ergueu uma sobrancelha.
- Você joga sinuca?
- O Charles me ensinou. - O som da risada do meu irmão enquanto a gente jogava substituiu os gritos na minha cabeça.
O Jughead pulou do banquinho e envolveu a minha mão com a dele. O gesto me pegou de surpresa e fez meu coração gaguejar. Ele me puxou do banco.
- Vem, quero ver se o Charles te ensinou sinuca do jeito que te ensinou matemática.
Andamos em direção ao fliperama e o Jughead mexeu a mão para que seus dedos ficassem ao lado dos meus. Meu coração galopava como cavalo.
Esse era Jughead Jones. O Jughead Jones que recusava relacionamentos estáveis ou até mesmo sair com garotas.
O Jughead que só queria transar por uma noite. Um drogado. O oposto de mim. E, neste momento, tudo que eu queria.
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