BUT PLEASE DON'T BITE
Capítulo dois — I can be the subject of your dreams
No final das contas, mostrou-se realmente muito interessante.
Donghyuck passou a fazer parte da turma depois daquela festa; era comum que o humano se sentasse entre os três vampiros durante os intervalos entre aulas e os horários de almoço que dividiam. Ele sempre tinha uma piada para fazer sobre ser o único se alimentando ali porque precisava comer por dois — Renjun sempre revirava os olhos para essa piadinha, não que o impedisse — e, aos poucos, foi como se o Lee sempre tivesse feito parte daquele lugar.
Renjun aprendeu um pouco mais sobre ele com o passar do tempo. Dias se tornaram semanas e semanas se mostraram em poucos meses até que pudesse dizer que conhecia tudo sobre Donghyuck. Aprendera sobre como ele podia se mostrar infantil e birrento quando queria algo e não tinha garantia de conseguir ou como tinha um lado sensual que mostrava apenas a Renjun nos momentos deles. Aprendeu sobre como ele era um bom amigo e como qualquer um era incapaz de ficar ao seu lado sem rir, como foi provado por seus amigos nas tardes que passaram juntos.
O conjunto que formava Lee Donghyuck era admirável e Renjun estava satisfeito consigo mesmo por não ter entrado em pânico quando o humano descobriu sobre sua natureza. Caso tivesse dado razão ao seu primeiro instinto, ele e seus amigos estariam do outro lado do oceano recomeçando a vida em um lugar completamente diferente e Renjun sabia que teria Donghyuck em sua mente por muito, muito tempo, sem que nenhuma resposta fosse alcançada.
Resolvera dar uma chance ao humano de mostrar que merecia a confiança que lhe foi depositada e não encontrou motivos para se arrepender. Donghyuck guardara seu segredo como se fosse dele próprio, como se a própria existência fosse ameaçada caso alguém descobrisse, e Renjun achava sinceramente adorável ver o quanto ele estava levando aquilo a sério.
As coisas teriam sido diferentes caso tivesse dado ouvidos ao seu primeiro instinto, mas Renjun estava feliz por não o ter feito.
Jaemin e Jeno também estavam muito satisfeitos. Já não mais precisavam esconder nada na presença de Donghyuck e isso os fazia se sentirem livres o bastante para serem quem de fato eram na frente do humano. Isso significava ir a encontros duplos e suportar o casal trocando mordidas entre si — e sobrava para Renjun explicar ao humano que vampiros podiam morder uns aos outros sem que nenhum dano fosse infligido, unicamente pelo prazer proporcionado.
Haechan achou especialmente interessante, como Renjun temia que pudesse acontecer. No final das contas, não tinha certeza se seus amigos eram uma boa ou má influência para aquele humano, mas já não havia nada que pudesse fazer.
Três meses se passaram desde a festa que mudou tudo entre ele e Donghyuck e foi só então que Renjun percebeu a corda bamba pela qual estava caminhando sem que se desse conta.
Estava tudo indo muito bem, é claro. Mantinham contato pelas mensagens textos e ocasionais chamadas quando Donghyuck não conseguia dormir, o teor das fotos que recebia mudaram para algo mais quente com o evoluir de seu relacionamento e Donghyuck já se sentia em família com seus amigos. Tudo parecia estar bem até demais e esse foi o momento que Renjun percebeu que esse era exatamente o problema.
Não tinha certeza se criar apego àquele humano era a decisão mais acertada, mas era tarde demais para voltar atrás quando percebeu o que estava acontecendo. Já se sentia ansioso pelo retorno das ligações, pela resposta a uma mensagem boba e rotineira, até mesmo sentira falta da risada de Donghyuck em raros momentos em que o humano não podia se juntar aos vampiros por outros compromissos da faculdade.
Estava arruinado.
Cinco séculos já tinham se passado desde que Jeno conheceu Jaemin e Renjun já pouco se recordava de como foi a evolução dos sentimentos de Jeno à época ou como reagiu quando descobriu que estava apaixonado. Não que Renjun estivesse, é claro, mas caso houvesse uma possibilidade... Como faria para lidar com a finitude que a vida de Donghyuck representava?
Sua única alternativa era deixar que as coisas acontecessem conforme o tempo indicava porque, se bem se recordava do primeiro encontro dos dois, Donghyuck não intencionava se tornar um deles. Durante os três meses desde que firmaram o acordo de exclusividade, Donghyuck nem mesmo chegou a mencionar a possibilidade, feliz em ter os dentes de Renjun cravados em sua jugular vez por outra e a bolha de prazer na qual podia ser imerso enquanto isso.
Se o humano nada havia dito sobre, Renjun deixaria que as coisas continuassem acontecendo enquanto reprimia aquela voz irritante no fundo de sua cabeça que lhe indicava que isso não era exatamente o que ele gostaria de fazer e sabia disso.
O que ele queria não interessava enquanto não fosse o mesmo que Donghyuck desejava.
Bom, aparentemente não era o que seus amigos acreditavam porque quando Jeno e Jaemin disseram, naquela tarde, que precisavam conversar consigo, Renjun não havia imaginado que o tópico seria justamente Lee Donghyuck.
Estava sentado na poltrona da sala de estar enquanto o casal dividia o sofá à sua frente, ambos trocando olhares em segredo e conversando através do silêncio. Não tivesse Renjun sido responsável pela criação de Jeno, poderia jurar que havia uma maneira única de se comunicar com seu criador pelo modo como Jaemin o encarava e como Jeno assentia em silêncio, sem que nada precisasse ser dito.
Quem sabe fosse resultado de quinhentos anos de companheirismo e paixão mútua, Renjun pensou. Ele não saberia dizer nem mesmo se tentasse.
“Certo”, Renjun pigarreou, atraindo atenção dos outros vampiros, “vocês vão me dizer porque eu estou sendo obrigado a presenciar esse momento de vocês ou é um jogo que devo adivinhar sozinho?”
“Você é sempre um estraga prazeres, Injun, não sei como Donghyuck não te deixou ainda”, Jaemin reclamou. “E falando nele, é justamente sobre vocês que nós queríamos conversar.”
Renjun deveria ter imaginado que as coisas estavam bem demais com seus amigos e Donghyuck para que fosse verdade. Em poucos instantes, ouviria sobre como não sabiam se Donghyuck era confiável ou não e como deveriam tomar medidas de precauções contra o humano; semanas antes, Renjun teria concordado sem nem mesmo pestanejar, provavelmente teria sido ele mesmo a sugerir, mas agora já não parecia a coisa certa a ser feita.
Jeno pigarreou, endireitando sua postura antes de olhar seu criador e dizer:
“Você nunca partilha muito da sua vida conosco, Renjun”, Jeno disse. “Nós só queremos saber como as coisas estão indo.” A postura do vampiro mais velho relaxou perceptivelmente pela risada abafada de Jaemin. “Vocês fizeram todo esse mistério porque querem fofoca?”
“Colocando desse modo, parece bastante frívolo!”, Jaemin os defendeu. “Nós só estamos preocupados com você por ser a primeira vez que você se permite se envolver com alguém dessa forma, principalmente um humano. E como nós sabemos da sua tendência em guardar tudo para si mesmo, não vimos outra forma para que você partilhe seus sentimentos conosco.”
Apesar de um pouco irritadiço por ter se assustado à toa, Renjun também estava agradecido pelo cuidado de seus amigos. É verdade que tinha certa tendência a guardar seus sentimentos para si mesmo, mas nada tinha a ver com falta de confiança naqueles com quem dividira o mundo. Jeno e Jaemin sempre seriam as pessoas a quem buscaria caso precisasse de ajuda, só não sabia se seriam os melhores conselheiros nesse problema em específico.
“Então”, Jeno voltou a falar, já sem nem mesmo tentar conter o sorrisinho em seus lábios, animado pelo que vinha pela frente, “vocês têm saído há meses, nós já até estivemos em alguns encontros juntos e vocês tem uma boa sincronia... Como está sendo estar com um humano?”
“Surpreendentemente fácil”, Renjun se viu respondendo, surpreso com sua resposta tanto quanto seus ouvintes. “Talvez seja por ser Donghyuck. Ele faz com que as coisas fiquem mais fáceis do que aparentam ser, é um rapaz interessante e atraente. Tem sido... Bons meses.”
Parecia uma maneira segura de expor seus pensamentos a respeito de Donghyuck, mesmo quando significavam muito além daquelas palavras. Donghyuck fora responsável em mudar, mesmo que aos poucos, a maneira como via os humanos e o modo como tratavam suas vidas. Renjun já não tinha mais razão em invejá-los por terem algo que não tinha mais acesso porque Donghyuck lhe fez perceber os ônus e bônus da humanidade e como podia encontrá-los em sua própria imortalidade também.
Donghyuck fizera com que percebesse que havia pontos positivos na vida que possuía também e que estava tudo bem aproveitá-los porque era tudo que tinha. Parecia algo bobo, como recordá-lo de que não morreria por qualquer bobeira ou que poderia se tornar muito rico sem qualquer esforço, mas fizera com que Renjun passasse a ver a si mesmo com olhos mais gentis.
Sua existência não era resumida ao vampiro que o criou por razões egoístas e isso era o suficiente para lhe acalmar o peito.
“E você já pensou em... Você sabe, propor o para sempre para ele?”, Jaemin perguntou.
Renjun deveria ter imaginado que essa conversa ganharia rumos que estava tentando evitar percorrer. “Só estamos nos vendo faz três meses”, pontuou.
“Jeno e eu tínhamos semanas de relacionamento quando ele me transformou”, Jaemin devolveu.
“Você estava morrendo”, Renjun retorquiu. “Não estamos vivendo a mesma situação que vocês dois. Além do mais, nem é necessário que eu pergunte a ele. No nosso primeiro encontro, ele já deixou claro que não gostaria que eu o transformasse, então já temos uma resposta. Não há necessidade de reforçá-la.”
Jaemin e Jeno trocaram um novo olhar, conversando por alguns segundos naquela conexão que apenas os dois possuíam. Renjun suspirou; já conseguia imaginar a odisseia que viria pela frente para que mudasse de opinião, mas seria infrutífero. Não era a sua decisão que precisava mudar, era a de Donghyuck e Renjun não estava disposto a colocar pressão no humano em uma decisão de vida ou morte, literalmente.
Seus amigos podiam ter uma visão muito romantizada da imortalidade por terem um ao outro, mas isso não significava que seria igual para todos.
De toda forma, Renjun também não estava disposto a confirmar que Donghyuck não gostaria de estar consigo pela eternidade e evitar essa pergunta só traria benefícios aos dois. O humano continuaria a aproveitar daquilo que tinha para ofertá-lo e Renjun continuaria a desfrutar dos momentos ao seu lado até que não mais existissem. Poderia lidar com as consequências dessa decisão no futuro porque tempo não iria lhe faltar.
“Bom, você sempre pode se surpreender com a maneira como as pessoas mudam de opinião”, Jeno voltou a falar com um dar de ombros. “Humanos são muito voláteis. Três meses é um piscar de olhos para a gente, mas é tempo suficiente para que Donghyuck tenha outro pensamento hoje em dia.”
“Além do mais, como pode garantir que ele não estava apenas brincando com você?”, Jaemin emendou. “Você conhece o Haechan. Ele vai dizer qualquer coisa que achar que vai soar divertido ou que vai te fazer rir naquele momento, mas não quer dizer que essa é a opinião de verdade dele.”
Renjun não gostava do rumo que essa conversa estava tomando porque, sinceramente, não precisava que seus amigos aumentassem suas esperanças quando já havia se conformado com o que possuíam. Donghyuck poderia mesmo mudar de ideia? A vida como um vampiro não era exatamente o que os filmes mostravam e o humano tivera sua parcela de experiências nos últimos meses para descobrir.
Os dois vampiros o encaravam com expectativa, como se fosse levantar dali naquele momento e procurar por Donghyuck, mas as coisas não funcionavam assim com ele. Estava caminhando em um terreno seguro até então e gostaria de permanecer nele enquanto fosse possível; a imprevisibilidade do futuro após seu desejo ser expresso o assustava o suficiente para que a evitasse.
“As coisas estão bem do jeito que estão”, Renjun reforçou. “Mas agradeço por vocês estarem preocupados comigo. Eu estou bem, estou feliz assim.”
Conseguia ver nos olhos de cada um como gostariam que a conversa não terminasse dessa forma e aguardou ali porque sabia que Jeno ainda tinha algo a dizer. Conhecia o vampiro que criara bem o suficiente para reconhecer, ao decorrer dos séculos, as manias que possuía; o modo como mordia seu lábio inferior, como seus olhos vacilavam entre ele e Jaemin, como tamborilava o dedo contra sua coxa.
“Você sente as emoções dele, não sente?”, Jeno perguntou. Renjun sabia que algo viria, mas não esperava que fosse isso. “Donghyuck não tem como mentir através delas. O que você sente, Renjun?”
Renjun parou para analisar suas memórias; não havia desperdiçado muito tempo nisso antes porque suas próprias emoções se tornavam um borrão difícil de distinguir enquanto estava com Donghyuck. Normalmente, o humano espelhava seus sentimentos muito bem, expressando seu contentamento em estar ali e o desejo retribuído em igual intensidade. Donghyuck sempre lhe dizia sobre como amava os momentos que tinham juntos, mas Renjun nunca deu muito crédito a essas palavras porque sabia que o humano ainda estava imerso demais em seu prazer para que pensasse com clareza.
E essa era exatamente a razão pela qual Jeno não teria a resposta que desejava com sua pergunta.
“Eu sei onde você quer chegar com isso”, Renjun respondeu, “mas não acredito que é um momento em que posso levá-lo a sério completamente. Ele diria sim para qualquer coisa que eu propusesse nesse momento apenas para que eu não retire dele o que ele tanto quer.”
Jeno suspirou, os ombros caídos sinalizando sua derrota. Jaemin também não parecia disposto a retorquir, aceitando que não conseguiria fazer com que Renjun mudasse de ideia e Renjun agradeceu em silêncio por isso. Estava grato por seus amigos estarem preocupados com sua felicidade e dispostos a fazê-lo ver novas possibilidades, mas havia algumas coisas que nem mesmo eles podiam fazer.
Quando Jeno ergueu o olhar mais uma vez, seus lábios formavam uma linha rígida, resignado. “Ok”, Jeno respondeu com um dar de ombros sutil. “Parece que vamos ter que esperar que você veja sua própria burrice sozinho.”
Renjun gostaria de retirar todas as palavras bonitas que pensou sobre seus amigos naquele momento porque não passavam de duas criaturas insolentes e petulantes. Franziu o cenho, jogando a almofada que tinha em seu colo contra o amigo. Jeno desviou com facilidade graças aos reflexos que o vampirismo lhe concedeu, mas não parecia afetado com o ataque.
“Eu te dei a vida e eu posso retirá-la, criatura insolente”, Renjun o ameaçou.
“É, claro que sim, Injun”, Jeno respondeu, zombeteiro. “E quem estaria aqui para te fazer ver o óbvio? Jaemin não seria.”
“Não há nada a ser visto”, Renjun pontuou.
Algo no olhar de seus amigos indicava que eles não acreditavam em uma palavra que dissera, mas também não disseram nada em retorno. Logo, os dois alegaram que tinham um compromisso, deixando-o sozinho com seus pensamentos. Renjun costumava gostar desses momentos, mas, nesse em específico, tudo que conseguia pensar era em Donghyuck.
As coisas já estavam complicadas o suficiente em sua cabeça sem que seus amigos encontrassem mais razões para que pensasse demais, mas agora parecia impossível voltar atrás. Tornou-se um looping em sua mente imaginar como seria a reação de Donghyuck caso lhe propusesse a imortalidade, como o vampirismo agiria em seu corpo e se o humano era capaz de se tornar ainda mais bonito uma vez que o veneno agisse.
E se..?
Mas Renjun sabia que eram questionamentos em vão porque Donghyuck já se fizera bem claro meses antes. Ao vampiro, nenhuma alternativa restava além de aceitar.
X
Às vezes, ele e Donghyuck costumavam ter encontros românticos.
Donghyuck achou incrivelmente divertido se também se encontrassem em locais públicos onde Renjun não poderia enfiar o rosto na curva de seu pescoço e mordê-lo como se fosse a última coisa a se fazer vivo. Gostava da sensação de provocar o vampiro por saber que dependeria dele mesmo ter o autocontrole necessário para não expor o próprio segredo em meio a uma multidão. É claro, Renjun teria sua vingança no momento em que estivessem sozinhos mais uma vez, mas Donghyuck nunca reclamou; como poderia, quando ganhava o melhor dos dois mundos?
Renjun costumava achar esses encontros irritantes no início porque sabia muito bem quais eram as intenções de Donghyuck com eles. Era difícil ter o humano provocando-o sem que nada pudesse fazer, sentindo o cheiro envolvente que emanava de seu pescoço sempre que Donghyuck se debruçava sobre seu corpo sem nenhuma razão aparente ou como ele conseguia arrancar sangue dos lábios com mordidas despropositadas, como se Renjun não soubesse o que ele estava fazendo.
Não demorou para que ele aprendesse que o veneno de um vampiro também tinha efeito analgésico e que era um ótimo curativo. Sempre que acabava com os lábios machucados, Donghyuck buscava pelos beijos de Renjun, embebido naquela sensação gostosa de estarem apenas os dois sozinhos no mundo que sempre o acometia quando Renjun o prendia contra o corpo gélido. Ao término do beijo, Donghyuck ostentava um sorriso perfeito e satisfeito.
Com o passar do tempo, Renjun passou a ver tais encontros com novos olhos porque até mesmo Donghyuck já havia deixado de lado sua intenção inicial. Já não parecia primordial arrancar suspiros exasperados do vampiro tampouco vê-lo semicerrar os olhos em sua direção. Ao invés disso, Donghyuck estava aprendendo a gostar do lado mais atencioso de Renjun que sempre se sobressaía em momentos tão mundanos como esses.
Sabia que o vampiro viera de uma época completamente diferente, provavelmente onde o cortejo fazia parte imprescindível de se conquistar alguém. Donghyuck gostava de classificar a si mesmo como alguém muito seguro de seus próprios desejos e que não gostava de conversa mole quando sabia bem onde queria chegar, mas havia algo no modo como Renjun o tratava que era... diferente. E Donghyuck aprendeu a gostar dessa sensação.
Aprendeu a gostar do modo como Renjun o encarava com completa atenção quando propunha um novo lugar para que fossem ou como Renjun ponderava com cuidado as opções que lhe entregava. Por vezes, o vampiro não tinha a menor ideia do que fariam porque nunca havia feito isso antes — como Jeno e Jaemin nunca o arrastaram para jogar boliche? —, e Donghyuck estava mais do que satisfeito em ensiná-lo porque tinham todo tempo do mundo.
Ou quase. Ao menos, Renjun tinha.
O vampiro, por sua vez, aprendera a gostar de ver o mundo humano através dos olhos de Donghyuck e a maneira ansiosa como ele parecia estar sempre pronto para mostrar algo novo. Vivenciara novas emoções ao lado do mais novo, experimentou novas sensações e viveu experiências que nunca antes havia imaginado e que não teriam sido possíveis se tivesse continuado a evitar os humanos — não tinha a menor ideia da diferença entre um strike e um spare, mas Donghyuck parecera amuado quando o venceu no boliche e Renjun gostaria de recordá-lo disso sempre que possível.
Com o passar das semanas, os encontros românticos se tornaram uma rotina gostosa que nenhum dos dois queria quebrar e Renjun deixava ao encargo do humano que decidisse onde iriam dessa vez.
Dessa vez, Donghyuck havia escolhido o cinema; parecia clichê o suficiente para que Renjun gostasse.
Era um homem clássico, sabiam disso, e obviamente já havia ido ao cinema desde sua invenção. Contudo, Renjun não tinha uma recordação clara de quando fora a última vez que fora em um cinema por vontade própria, sem que Jaemin e Jeno o pressionassem para que saísse de casa. A sala escura parecia o local perfeito para um vampiro ter um pouquinho de diversão.
E esse parece ter sido exatamente o pensamento de Donghyuck quando sugeriu que fossem assistir um filme.
Foi Renjun quem chegou primeiro, como já havia se acostumado. Se havia algo que era inerente a Lee Donghyuck era sua tendência a atrasos e, com três meses de convivência e incontáveis encontros anteriores, Renjun já estava bastante acostumado a esses eventos. Para adiantar a situação para os dois, comprou os ingressos para o filme que o humano passou a semana inteira enchendo-lhe a paciência sobre como queria assisti-lo e também os doces favoritos de Donghyuck na bomboniere do cinema.
Havia memorizado esse pequeno detalhe a respeito do humano; Donghyuck nunca comia pipoca quando ia ao cinema porque não gostava da sensação pegajosa nos dedos após passar duas horas com a mão mergulhada em pipoca amanteigada. Seus doces favoritos sempre seriam barras de chocolate ao leite — o que Renjun não entendia porque o chocolate derretia nos dedos de Donghyuck e os sujava da mesma forma, mas não era uma experiência horrível assisti-lo limpar um por um depois.
O filme estava programado para começar em dez minutos quando Donghyuck chegou parecendo ofegante, como sempre. “Certos hábitos não mudam mesmo”, Renjun comentou quando o humano parou à sua frente.
Donghyuck tinha fios de cabelo bagunçados pelo vento por conta de sua breve corrida e os lábios entreabertos em busca de ar, mas estava mais bonito do que nunca e Renjun precisou engolir o elogio quando chegou aos seus lábios. Donghyuck rolou os olhos, endireitando a postura para acompanhar o vampiro até a sala de cinema marcada em seus ingressos. Então, notou os doces em uma sacolinha que Renjun estendeu em sua direção.
“Você comprou os ingressos e os meus doces favoritos?”, Donghyuck perguntou após checar o conteúdo da sacola. “Eu vou ficar mal-acostumado desse jeito. Você sempre compra tudo porque eu me atraso.”
“Começo a achar que você faz de propósito para que eu faça isso”, Renjun brincou, “mas não é problema algum. Não tenho porquê gastar comigo, então posso gastar com você. Além do mais, seu sangue sempre parece mais doce depois que você come essas barras.”
“Eu deveria imaginar que você tinha alguma coisa para ganhar em troca”, Donghyuck riu. “Mas não sou eu quem vai reclamar, vou?”
Entregaram os ingressos ao rapaz à porta da sala e agradeceram ao desejo de um bom filme, seguindo pela escada iluminada apenas por pontinhos luminosos em cada degrau até que alcançassem seus assentos. Renjun podia não estar acostumado a ir aos cinemas por conta própria, mas sabia bem que Donghyuck gostava de ficar nas fileiras mais altas, sempre nas poltronas do meio.
Seus olhos estavam acostumados à escuridão graças ao vampirismo e Renjun agradeceu a essa condição por conseguir ver o sorriso satisfeito de Donghyuck quando tomaram seus lugares.
“Pelo menos eu cheguei antes dos trailers”, Donghyuck brincou. “Eu estou ficando melhor nisso de ser pontual.”
“Devo admitir”, Renjun respondeu, “dessa vez foram apenas vinte minutos de atraso. Você já me fez esperar por uma hora.”
“Mas eu fiz com que compensasse depois, não fiz?”, Donghyuck devolveu com um sorrisinho malicioso. Renjun puxou em sua memória a recordação do humano prensado contra a parede, o pescoço tombado para trás enquanto buscava não fazer barulho porque estavam próximos do refeitório da faculdade e sorriu em resposta. Ah, certamente fizera.
O filme teve seu início e, pela primeira meia hora, Donghyuck realmente ignorou sua presença para prestar atenção na história. Renjun não tinha a menor ideia do que estavam assistindo — havia tantos filmes de super herói ultimamente que começava a ficar difícil saber quem era quem —, mas Donghyuck parecia estar bastante interessado, então resolveu deixá-lo quietinho.
Contudo, após a primeira hora de filme, Donghyuck também aparentava estar um pouco entediado. Renjun o observou suspirar, apoiando o queixo em sua mão e olhar para a tela de cinema com um olhar decepcionado.
“Espero ter comprado os ingressos para o filme certo”, Renjun comentou baixinho. “Você não me deixou em paz falando sobre esse filme.”
“Eu achei que seria... Diferente”, Donghyuck deu de ombros. “Quer dizer, eu sempre gostei dos filmes da Marvel e eu ouvi falarem muito bem desse, mas... Sei lá, acho que preferia quando o Homem de Ferro estava vivo.”
Renjun riu baixinho. Donghyuck também já o tinha alugado por boas horas falando sobre seu herói favorito e como foi devastador assisti-lo morrer em Vingadores: Ultimato. Renjun nem mesmo sabia quando o filme tinha saído, mas assentiu vez por outra, deixando-o saber que ouviu cada palavra.
“Temos mais uma hora e pouco de filme”, Renjun ponderou. “O que será que podemos fazer?”
Donghyuck tinha um brilho de malícia em seus olhos que nem mesmo a escuridão daquela sala poderia ocultar e Renjun tinha um bom pressentimento sobre qual caminho estavam prestes a tomar ali. Aproximou-se com cuidado até que seus braços estivessem se tocando no mesmo apoio do assento; Donghyuck acompanhou cada movimento seu, com um sorriso que crescia a cada centímetro vencido.
“Tem uma coisa que é bastante clássica entre humanos e que eu posso ensinar a você”, Donghyuck segredou baixinho. “Você sabe qual é a regra do cinema?”
Renjun não tinha qualquer recordação em ter ouvido algo semelhante. “Qual é?”
“Você nunca escolhe um filme que queira mesmo assistir”, Donghyuck respondeu com um risinho baixo. “Porque assistir ao filme nunca é, de fato, o objetivo.”
Renjun pensou em questioná-lo se deveria mesmo ter comprado os ingressos para esse filme ou se tinha se jogado em uma conclusão precipitada graças aos comentários do humano, mas seus pensamentos foram silenciados quando sentiu os lábios de Donghyuck contra a pele de seu pescoço, deslizando suavemente pela região. Por vezes, seus dentes faziam companhia, raspando devagarinho e enviando arrepios pela coluna do vampiro.
Havia muito tempo desde que qualquer criatura — viva ou não — se aproximara de seu pescoço dessa maneira e, em um primeiro instinto, Renjun quase o tirou dali. Contudo, seu corpo relaxou momentos depois, permitindo que Donghyuck o beijasse o quanto quisesse, até que mordidinhas fizessem seu lugar acompanhadas pela risada baixinha do humano. Renjun gostava dessa sensação.
Uma mordida em especial fez com que Renjun também risse baixinho.
“Você acertou tão bem onde está a minha jugular que, se eu não te conhecesse, diria que andou estudando”, Renjun brincou.
Donghyuck se afastou devagarinho, olhando-o um pouco sobressaltado antes de dar um risinho nervoso. Renjun engoliu em seco, perguntando-se se essa tinha sido a melhor ideia que tivera; Donghyuck já havia dito que não intencionava fazer parte de sua espécie e certamente não trazia conforto ouvi-lo brincar sobre isso, certo? Renjun deveria saber antes de estragar o momento que estavam construindo.
O humano continuava olhando-o sem que nenhuma resposta o acompanhasse e Renjun não gostava desse silêncio. Donghyuck era sempre barulhento, espalhafatoso e Renjun gostava dele exatamente desse jeito. Em uma tentativa rápida, buscou por uma maneira de converter o assunto ao que tinham em mente antes:
“Quer saber?”, Renjun se apressou em dizer, engolindo em seco. “Esqueça que eu disse isso. Foi só uma brincadeira boba. Importa-se se eu devolver o favor?”
Donghyuck pareceu prestes a dizer alguma coisa, mas Renjun nunca chegou a descobrir o que era. O humano abriu e fechou a boca por algumas vezes antes de desistir com um suspiro, os ombros caídos em derrota, e assentiu com a cabeça. Era a confirmação que precisava de que estava tudo bem entre eles novamente e Renjun não demorou a afundar o rosto na curva de seu pescoço.
O cheiro doce do sangue humano chegou a suas narinas quando inspirou contra a pele quente de Donghyuck e Renjun não teve cerimônias antes de afundar os dentes. Ouviu o gemido baixinho de Donghyuck contra seu ouvido, torcendo para que as pessoas ao redor deles não ligassem muito para isso — Donghyuck havia dito que era comum em um encontro, certo? — e aproveitou daquele momento ao lado de seu humano favorito tentando não deixar que suas preocupações inundassem sua cabeça naquele momento. Precisava se recordar de que Donghyuck sentiria tudo que ele sentia.
O sangue de Donghyuck dessa vez tinha gosto de antecipação, de desejo e palavras não ditas que Renjun não conseguia decifrar. O corpo do humano pendeu contra o seu, o rosto apoiado em seu ombro enquanto deixava gemidos baixinhos escaparem e que apenas Renjun poderia ouvi-lo. Questionou-se em silêncio quais palavras poderia estar deixando passar sem que conseguisse decifrar no caos que as emoções de Donghyuck chegavam para si, mas não conseguiu manter seu foco nessa tarefa por muito tempo.
Se não mantivesse sua concentração, seria difícil deixar Donghyuck no momento exato antes que o humano ficasse fraco demais. Quando voltou a afastar seu rosto, captando as últimas gotas de sangue com a língua, Donghyuck tinha um sorriso preguiçoso. “Ok, isso é realmente bem melhor do que a franquia inteira da Marvel junta”, Donghyuck brincou. “E é incrível como eu nunca vou me cansar disso.”
“Bom saber que eu ainda te tenho na palma da mão”, Renjun devolveu a brincadeira. “Você deveria comer chocolate mais vezes.”
Donghyuck o olhou sério por alguns segundos antes de reprimir a gargalhada que queria escapar, enfiando mais um tablete de chocolate em sua boca para calá-lo. Renjun deu de ombros; não estava mentindo quando dissera que o sangue de Donghyuck era mais doce quando comia seus chocolates favoritos.
O humano voltou sua atenção ao filme que Renjun já nem se recordava de ainda estar acontecendo, mesmo que os autofalantes daquela sala inundassem seus ouvidos com sons de cenas de luta, uma atrás da outra. Resolveu deixá-lo assistir o que ainda restava do filme, esperando que pudesse ter aliviado um pouquinho seu tédio. Quanto a si mesmo, sua mente tinha muito no que focar para que aquele filme fosse ao menos uma opção.
Gostava desses momentos de mundanidades ao lado de Donghyuck, de fazê-lo rir com piadas sem graça ou brincadeiras fora de hora; gostava dos encontros, de ouvi-lo falar sobre assuntos sobre os quais não tinha a menor ideia a respeito, mas Donghyuck fazia parecer como se fosse a coisa mais interessante possível. Gostava de cada um desses momentos e não estava pronto para abrir mão disso.
A conversa com os amigos voltou à sua memória sem que se desse conta; tinha a oportunidade na palma de sua mão, Donghyuck poderia ter mudado de ideia depois de três meses, quem sabe Jeno tivesse razão e Renjun só não quisesse ver... Contudo, a reação de Donghyuck após sua brincadeira minutos antes se sobrepôs a qualquer pensamento, recordando-o do olhar sobressaltado e da falta de palavras em um rapaz que tinha resposta para tudo.
E Renjun se deu conta de que talvez ele já tivesse a resposta para essa questão também e o vampiro não estava pronto para ouvi-la.
Olhou para o humano mais uma vez, questionando-se quando estaria pronto para deixá-lo partir — porque, em algum momento, Renjun teria que deixar a cidade quando começassem a desconfiar de que ele, Jaemin e Jeno não envelheciam como os demais e respostas seriam demandadas. Talvez ainda fosse cedo para pensar em algo assim, talvez fosse tarde demais; já havia se deixado apegar em três meses, quebrando regras estabelecidas há mil anos para sua própria segurança.
E que, ainda assim, já não pareciam tão importantes quanto o olhar deslumbrado de Donghyuck para a cena que havia acabado de acontecer na tela.
Donghyuck tinha um prazo de validade, sabia disso. A cada dia, o prazo dos dois diminuía um pouquinho mais e a pior parte era se dar conta de que já não sabia como seria a imortalidade sem que tivessem esses momentos com aquele humano.
X
Renjun estava muito bem ciente de que Donghyuck e Jeno eram amigos.
Jeno conhecia o humano há muito mais tempo do que Renjun sonhava em cruzar seu caminho com o dele e, naturalmente, a aproximação entre os dois era esperada desde que começou seu relacionamento com o mais novo. Jeno ficara entusiasmado em saber que era um amigo tão próximo que agora estava ciente do maior segredo que carregavam e frisou a todo momento, no início, sobre como Donghyuck era a pessoa mais confiável que conhecia.
Até hoje, na verdade, Jeno continuava a tocar no assunto como se Renjun não soubesse disso.
Por essa razão, não era incomum encontrá-los conversando pelos corredores da faculdade, principalmente porque dividiam a maior parte de suas aulas e provavelmente tinham dúvidas que o outro poderia sanar. Renjun achava muito bom que seu amigo estivesse tão próximo do humano de quem aprendeu a gostar tanto; tinha certo problema em deixar que as pessoas se aproximassem de si e Donghyuck já começava a se assemelhar a sua família.
Quem sabe esse fosse exatamente o problema, mas Renjun ainda não estava disposto a dar uma olhada nisso. Por enquanto, bastava que tivesse alguns relances das interações entre Donghyuck e Jeno, por vezes com Jaemin a tiracolo rindo de qualquer coisa que o namorado tenha dito porque era assim que os dois funcionavam. Deixava Renjun feliz o suficiente só por assisti-los dessa maneira e, por ora, bastava.
Renjun realmente nunca teve nenhum problema com as interações entre os dois, bom, até aquele momento.
Estava um pouco atrasado para encontrar os amigos, era verdade. Seu professor havia estendido a aula por mais alguns minutos e Renjun não encontrou uma maneira educada de deixar a sala apenas porque tinha compromisso com os amigos. Eles podiam esperar, certo? Esperou tantas vezes pelas chegadas de Donghyuck que, mesmo com seu atraso, era possível que o humano nem estivesse presente ainda.
Fez o caminho pelos corredores da faculdade da maneira mais apressada que pôde, desculpando-se ao esbarrar com uma ou outra pessoa e torcendo para que nenhuma delas tenha percebido o toque gélido de sua pele. Os amigos o esperavam na entrada do refeitório porque tinham um novo encontro duplo para combinar e Renjun fora categórico em dizer que não iria a lugar algum em que não estivesse presente no planejamento.
Já tivera sua cota de experiências ao confiar em Donghyuck e Jeno.
Avistou os amigos assim que o prédio do refeitório entrou em seu campo de visão. Jeno e Donghyuck pareciam animados com o que estavam comentando, os rostos muito próximos em uma troca de sussurros como se ninguém mais pudesse ouvi-los. Jaemin não estava por perto, o que fez com que Renjun se questionasse que assunto aqueles dois teriam sem que o namorado de Jeno soubesse. Era sabido por todos que ao conhecer Lee Jeno, Na Jaemin estaria incluso no pacote, querendo ou não.
O fato de que ouvira Donghyuck falar “mas Renjun não disse nada para mim” só fez aumentar suas desconfianças.
Jeno o notou primeiro, graças aos sentidos apurados que possuía, e interrompeu sua fala de imediato, procurando-o com um sorriso aberto. Renjun o conhecia bem o bastante para saber que havia alguma coisa que aquele rapaz não estava lhe contando, teoria corroborada pela reação exacerbada de Donghyuck de procurá-lo com os olhos assustados até que o encontrasse.
Suspeito.
Renjun não gostava nem um pouco de como as coisas estavam se saindo, mas esboçou um sorriso, fingindo que não lhe incomodava em nada que os amigos estivessem falando a seu respeito sem que soubesse, inconscientes de que havia ouvido.
“Me perdoem pelo atraso, devo ter me atrasado demais para que Donghyuck já tenha chegado”, Renjun brincou. “Sobre o que estavam falando?”
“Nada demais”, Jeno se adiantou em dizer. “Só... Sobre como nos meus setecentos anos de vida, essa deve ser a segunda vez que te vejo se atrasar.”
“E se me não me falha a memória, a primeira vez envolvia certa fuga de um caçador de vampiros em meados de 1600”, Jaemin entrou na conversa, pendurando-se no ombro de Jeno.
Jaemin já estava com eles a essa altura e Renjun se recordava de ter sido o recém-criado a atrair a atenção do caçador de vampiros para eles com atitudes relaxadas enquanto caçava. Hoje em dia que a caça a vampiros já havia se tornado obsoleta, Jaemin se sentia livre o bastante para fazer piadas a respeito, mas o Huang se recordava da quantidade de décadas que o ouviu se desculpar por ter quase colocado tudo a perder para os três
“Dessa vez, meu motivo para atraso é bem menos significativo”, Renjun disse. “Meu professor não encerrava a aula e eu não achei educado deixá-lo falando sozinho.”
“Mas você sabe que a gente pode sair da sala quando quisermos, não é?”, Donghyuck perguntou. “Que o professor não liga se você está ali ou não.”
“Mas seria rude sair enquanto ele está terminando de dar aula”, Renjun argumentou. “De toda forma, está terminado. Podem finalmente me colocar a par do que estavam falando em minha ausência.”
Era uma forma sutil de deixá-los saber que havia escutado uma parte ou outra daquela conversa, fosse intencional ou não. Ainda assim, Jeno e Donghyuck mantiveram os rostos neutros como se não soubessem do que estava falando, e Jaemin não aparentava saber muito mais, puxando-os para o interior do refeitório dizendo que havia encontrado uma mesa para os quatro.
Donghyuck caminhou ao seu lado, a mão resvalando contra a sua vez por outra, os dedos se entrelaçando por alguns segundos. O humano tinha um sorrisinho constante enquanto o fazia porque Renjun sabia que era de propósito — Donghyuck já dissera mais de uma vez que gostava do choque de temperatura entre suas peles e fazia o possível para que continuassem a se tocar, mesmo que de forma mínima.
Renjun não se importava; gostava de ter Donghyuck por perto o quanto fosse possível, embora, na maior parte das vezes, não dissesse isso em voz alta.
À mesa do refeitório, tomaram seus assentos enquanto Jaemin começava a falar sobre o último parque que ele e Jeno encontraram no último encontro de ciclismo dos dois e como seria ótimo se fizessem um piquenique por ali. Donghyuck não perdera a chance de zombar da situação onde apenas ele seria alimentado enquanto os vampiros encontrariam alguma maneira de mascarar seu alimento.
Jeno tinha alguns insights a propor — como mentir sobre estarem bebendo suco de morango, o que Renjun não conseguia imaginar como ele achou que poderia ser uma boa ideia e como alguém acreditaria nessa baboseira —, mas o Huang permaneceu em silêncio na maior parte do tempo. Sua cabeça ainda estava presa no momento em que chegou e em como Donghyuck não deixava de olhá-lo, mesmo quando acreditava que estava sendo discreto e Renjun não o apanharia no pulo.
Como se Donghyuck pudesse fazer qualquer coisa que Renjun não fosse identificar.
“Vocês sabem que Jaemin tem todo tempo do mundo para convencer a gente a ir sentar na grama e pegar Sol como se fossemos um monte de florezinhas”, Jeno ponderou. “Poderíamos poupar tempo e só concordar. Nem Renjun pode encontrar um defeito nesse passeio porque é bem... Básico.”
“É claro que Jeno ia puxar sardinha pro lado do Jaemin”, Donghyuck rolou os olhos. “Essa batalha estava perdida antes mesmo de começar e eu queria tanto arrastar o Renjun para essa boate que abriu esses dias! Vocês não sabem o que perderam.”
“Como se você fosse conseguir tirar essa alma de velho de casa para ir em uma boate”, Jaemin riu. “A gente teve que prometer a alma para o diabo só pra ver se ele cogitaria ir a uma festa.”
“Além do mais, Nana e eu estamos juntos há cinco séculos”, Jeno defendeu a si mesmo. “Depois de um tempo, você aprende quais batalhas estão ganhas e quais estão perdidas.”
Donghyuck riu do comentário, mas Renjun já o conhecia o suficiente para perceber quando a risada não chegava aos olhos brilhantes, mesmo quando o sorriso permanecia no rosto. Ainda assim, escolheu não fazer nenhum comentário nesse momento; a última coisa que gostaria era de envergonhar o humano na frente de seus amigos caso tivesse apanhado uma impressão errada a respeito de sua reação.
Após terem decidido o local do próximo encontro duplo, o assunto se dissipou até que Jeno e Jaemin dissessem que tinham outro evento para comparecerem. Renjun e Donghyuck os assistiram se afastar até que Lee voltou sua atenção ao vampiro, com um novo sorriso no rosto repleto de malícia escondida. Renjun começava a ver o velho Haechan voltando à tona.
“Você demorou muito para vir hoje”, Donghyuck reclamou. “Quase pensei que não teríamos tempo para nós dois antes das próximas aulas.”
“Não que você fosse ver problema em matar uma ou outra”, Renjun pontuou.
“Mas você iria e como eu conseguiria te convencer do contrário?”, Donghyuck retorquiu.
“Eu consigo pensar em uma ou duas maneiras”, Renjun pontuou, seu sorrisinho ganhando os mesmos traços de malícia visto no rosto de Donghyuck. Seu comentário só serviu para aumentar o sorriso do outro. “Ainda temos alguns minutos. Quer matar tempo no mesmo lugar de sempre?”
O lugar indicado era um canteiro um pouco afastado do campus onde algumas árvores ofereciam suas sombras aos universitários cansados e Donghyuck havia determinado que um carvalho em específico era a árvore deles. Na maior parte das vezes, o humano o arrastava consigo para que aproveitassem da sombra e da tranquilidade na companhia um do outro e Renjun não poderia dizer que não gostava dessa rotina construída com Donghyuck.
Tranquilidade era seu principal objetivo e ter Donghyuck — despido de sua euforia, entregue ao silêncio como se o pertencesse — era um bônus do qual gostava muito.
“Você leu a minha mente”, Donghyuck respondeu, levantando-se para seguir Renjun.
Fizeram o caminho até o costumeiro carvalho ao som do monólogo de Donghyuck sobre as últimas aulas que teve e como seu professor estava tirando-o do sério com a quantidade de seminários que precisavam fazer. Renjun o ouvia com atenção, pontuando em um ou outro momento, mas deixando que o humano liberasse toda a frustração acumulada. Aprendeu que Donghyuck era uma companhia muito melhor quando seu estresse não existia.
E Renjun gostava de vê-lo tranquilo enquanto estavam juntos; que mal faria ouvir por minutos a fio as infrutíferas reclamações do humano sobre algo que ele não tinha como mudar?
Uma vez que chegaram ao carvalho, Donghyuck se silenciou como se todos os motivos de suas reclamações subitamente não existissem mais ou não tivessem a mesma importância. Renjun o acompanhou, sentando-se rente ao carvalho e usando-o de encosto para suas costas enquanto Donghyuck usava de suas pernas como o melhor travesseiro. Já era costumeiro que fizessem isso e Renjun estava habituado, depois de tantas tardes da mesma maneira.
Havia dezenas de assuntos nos quais Renjun conseguia pensar que Donghyuck começaria uma conversa e a dominaria na maior parte do tempo — a maior parte deles voltados ao próximo encontro com Jeno e Jaemin, uma vez que sabia que o humano não havia aceitado a derrota tão facilmente —, mas Donghyuck o surpreendeu mais uma vez quando escolheu exatamente o oposto. O Lee manteve o olhar fixo em seu rosto, mas também guardou seu silêncio como se fosse a coisa mais habitual a ser feita.
O problema é que o silêncio nunca combinou com Donghyuck e Renjun temia que algo estivesse errado.
“Aconteceu alguma coisa?”, Renjun perguntou quando percebeu que Donghyuck permaneceria daquela forma.
O humano esboçou um sorrisinho tímido, como se estivesse envergonhado de ter sido apanhado no flagra. Mais uma atitude bastante não-Donghyuck. “Eu só estava pensando em como deve ser para você e para os meninos. Sabe, essa coisa de... Viver para sempre. Se não se torna tedioso às vezes.”
A imortalidade não era um tema sobre o qual costumavam conversar, em partes porque Haechan nunca demonstrou ter muita curiosidade a respeito e em partes porque recordava Renjun do finito tempo que tinham um com o outro. Contudo, Donghyuck parecia curioso agora e não seria nada demais satisfazer um pouquinho dessa curiosidade, certo? Quem sabe... Quem sabe fosse suficiente para despertar novas curiosidades e, então, Donghyuck poderia...
Renjun se esforçou para levar seus pensamentos para outro ponto; não era bom que continuasse a pensar em situações hipotéticas que só o levariam a um espiral de frustrações.
“Nem sempre é, embora também não seja sempre um mar de rosas”, Renjun respondeu. “Jaemin, Jeno e eu... Nós já conhecemos muitos países ao decorrer dos séculos. Estamos sempre viajando porque não podemos ficar em um lugar por mais do que uma ou duas décadas, é muito arriscado. Então, é bom porque nós podemos conhecer o mundo inteiro e é ruim porque nós nunca temos uma casa.”
“Parece solitário”, Donghyuck comentou.
“De fato parece”, Renjun concordou. “Mas eu sempre tive os dois como companhia desde que eu transformei Jeno, então, na maior parte do tempo, eles são companhia suficiente para me recordar de que não estou sozinho. Às vezes, eu gostaria de estar só para não presenciar as cenas que já vivi.”
Conseguiu arrancar uma risada de Donghyuck dessa vez porque o humano sabia muito bem sobre o que estava falando.
“Os dois conseguem ser bem... Passionais, eu diria”, Donghyuck brincou. “E, vindo de mim, isso quer dizer alguma coisa.”
“Espera-se que o passar dos anos arrefeça a paixão e transforme a rotina em carinho e comodidade”, Renjun deu de ombros, “mas Jeno e Jaemin certamente esqueceram esse lembrete em algum lugar.”
“Eu não posso culpá-los”, Donghyuck comentou, desviando o olhar para um ponto inespecífico do gramado onde estavam. “Eu também aproveitaria cada minuto da eternidade se estivesse ao lado de alguém que eu amo. Parece uma ótima forma de aproveitar o tempo.”
Renjun não poderia concordar mais e, ao mesmo tempo, era um comentário que pesava em seu peito. Até então, jamais havia invejado Jeno e Jaemin pelo que possuíam porque sabia o quanto ambos lutaram para que pudessem estar juntos e Renjun estava realmente feliz pelos dois. Até então, vivera sua vida em sua solitude e em tranquilidade porque sabia que tinha ao seu lado o que precisava.
Até então, não havia ninguém como Lee Donghyuck para que uma possibilidade fosse algo atraente aos olhos.
“Você está certo”, Renjun tornou a dizer depois de um tempo. “Até então, eu nunca tinha parado para pensar a respeito, mas parece uma boa maneira de aproveitar a eternidade.”
Donghyuck voltou a olhá-lo, os olhos um pouco mais brilhantes do que de costume, quase como se antecipassem por algo. Renjun engoliu em seco. “Até então?”
Sua escolha de palavras parecia perfeita em sua cabeça, mas deveria ter imaginado que não passaria despercebida pelo humano. Como poderia explicar que a eternidade parecia um pouco mais atraente quando havia a possibilidade de passá-la ao seu lado? Como explicar que desejava que aquilo que estavam construindo não se esvaísse com o tempo e que não houvesse a necessidade de se preparar para um adeus?
Apenas três meses se passaram e Renjun já mal podia pensar na possibilidade.
“Forças maiores foram suficientes para me fazer pensar que nunca é tarde para revermos alguns conceitos”, Renjun respondeu, cuidadosamente evitando deixar muito claro o que tinha em mente, mas buscando entregar um pouco do que Donghyuck buscava.
Quem sabe, isso também fosse o que lhe faltava.
Donghyuck estreitou o olhar, quase como se não acreditasse em suas palavras, mas sua expressão suavizou em seguida, voltando a falar sobre experiências que Jeno e Jaemin partilharam com ele. Renjun respirou um pouco mais aliviado — não era o tema que mais ansiava ouvir sobre, mas certamente um tema que não lhe fazia suar frio.
Pensou em como seria se tivesse a coragem necessária para questionar Donghyuck sobre o que ele achava da eternidade e se a teria como uma velha amiga, caso houvesse oportunidade. Pensou se essa não teria sido sua chance de saber um pouco mais dos pensamentos do humano e se não a tinha perdido por se entregar a receios que permeavam sua cabeça há tempo até demais.
Olhou para Donghyuck que continuava a falar e suspirou. Quem sabe tivesse sido.
Quem sabe tivesse mais sorte da próxima vez.
X
“Nós deveríamos convidar o Donghyuck para vir aqui em casa qualquer dia.”
Foi com uma frase tão simples e, francamente, esperada que Jeno conseguiu fazer com que a mente de Renjun parasse de funcionar mais uma vez. O vampiro mais velho olhou para o amigo com a descrença em seus olhos, recebendo um dar de ombros despreocupado como resposta e o entusiasmo de Jaemin para complementar. Aparentemente, seus amigos não viam qualquer mal em trazer o humano para dentro de casa e apenas Renjun conseguia ver as implicâncias de uma decisão como essa.
“Essa é uma ótima ideia!”, Jaemin confirmou. Em seguida, voltou o olhar ao Huang. “Afinal de contas, você e o Donghyuck são... Alguma coisa, não é? Oficial e tal.”
Eles eram? Renjun esperava que sim depois de quase quatro meses ao lado um do outro, mas não era como se ele e Donghyuck tivessem conversado a respeito em algum momento. Tudo que fizeram foi assentir em comum acordo de que gostavam um do outro o suficiente para levar aquilo adiante, com qualquer que fosse o nome designado. Renjun nunca pressionou o humano para saber quais eram suas intenções de fato porque, para falar a verdade, tudo não passou de um acordo onde ambos se beneficiariam no início.
Quatro meses parecia tempo suficiente para que tudo tivesse mudado — e como, de fato, mudou para Renjun. Questionou-se se essa mudança também teria acontecido com Donghyuck e o que o humano achava sobre o relacionamento deles hoje em dia. Era difícil conseguir um vislumbre de seriedade no rosto do mais novo mesmo quando o assunto exigia que houvesse o mínimo.
Donghyuck era feito de piadas fora de hora e de comentários inoportunos e Renjun já havia se acostumado com isso, até precisar saber exatamente o que se passava na cabeça do humano.
“O que você acha, Injun?”, Jeno perguntou.
Só então Renjun se deu conta de que ainda não havia respondido à sugestão do amigo. Parecia óbvio em sua cabeça os motivos para que não tivesse certeza se ter Donghyuck naquela casa era uma boa ideia ou não, mas precisava se recordar de que Jeno e Jaemin dificilmente conseguiriam entendê-lo sem que nada dissesse. Os dois vampiros o encaravam com curiosidade, um brilho diferente no olhar como se soubessem exatamente o que estavam propondo com aquela sugestão, e que Renjun prontamente ignorou.
O problema de ter Donghyuck como uma visita é que seria impossível voltar a olhar para qualquer cantinho daquela casa sem um vislumbre de sua presença. Donghyuck era capaz de preencher qualquer ambiente sem nenhuma dificuldade, ecoar sua risada em cada pedacinho do lugar e gravar seu lugar como se fosse seu direito. E Huang Renjun já carregava muitas marcas da presença de Donghyuck em sua própria existência para que precisasse de mais uma.
Contudo, como poderia dizer isso aos amigos e imaginar que entenderiam? Como poderiam quando tudo que sabiam era sobre como Donghyuck o afetava, mas de uma maneira que jamais tinha confidenciado aos dois?
“É, acho que pode ser legal”, Renjun acabou por concordar, indisposto a explicar as razões pelas quais aquilo não soava uma boa ideia. “Quando vocês querem fazer isso?”
Ao invés de uma resposta, Renjun recebeu um olhar longo e silencioso de Jeno que fez com que engolisse em seco, discretamente. O que havia feito dessa vez? Por que seu amigo o encarava como se soubesse muito mais do que tinha contado? Não estava fazendo exatamente o que desejavam?
Renjun continuou distraído com o livro que estava lendo, como se, dessa forma, Jeno fosse parar de encará-lo e finalmente se distrair com qualquer outra coisa. Era um sábado muito monótono e a escolha de ficar em casa parecia boa no início, mas Renjun já estava começando a se arrepender. Qualquer lugar ao Sol, ainda que incomodasse sua pele como uma coceira eterna, seria melhor do que estar sob aquele olhar inquisitório que quase podia ler todos seus segredos sem qualquer dificuldade.
Já havia sido melhor nessa história de guardar segredos, era verdade. Os séculos lhe ensinaram que cautela nunca era demais e que sua existência dependia unicamente de sua capacidade de enganar os demais ao seu redor para que nenhuma desconfiança se levantasse contra si. O problema é que Jeno e Jaemin nunca foram os outros; Renjun nunca precisou esconder qualquer coisa daqueles dois e, quem sabe, esse era o preço que pagava hoje por conta disso.
“O que foi, Jeno?”, Renjun perguntou, por fim, abaixando o livro e deixando-o em seu colo. “Não consigo nem saber o que estou lendo com você me encarando desse jeito.”
“Você não acha que está na hora de parar de fingir para todos, principalmente para a gente, o que já está óbvio?”, Jeno devolveu a pergunta. “A gente te conhece há séculos, Renjun. Literalmente.”
“E por isso acredita que me conhece melhor do que eu mesmo?”, Renjun retorquiu.
“Honestamente? Sim”, Jeno respondeu sem nem precisar pensar muito a respeito. “Você tem essa mania chata de achar que um homem é uma ilha e que está tudo bem permanecer para sempre sozinho porque ser sua única responsabilidade é menos trabalhoso. Mas, ainda assim, você mantém Nana e eu por perto e nós continuamos a ser sua responsabilidade.”
“Eu criei você”, Renjun o recordou. “Obviamente é minha responsabilidade.”
“Mas isso não quer dizer que eu preciso ficar para sempre ao seu lado, quer?”, Jeno devolveu. “E, ainda assim, eu estou e você nunca achou uma razão para reclamar disso. Então, por que você está fugindo do que você quer agora?”
Renjun detestava o modo como tudo parecia muito simples para Jeno e como o vampiro era capaz de fazer parecer fácil para si mesmo. Por alguns segundos, até mesmo cogitou que o Lee estivesse certo — por que continuava a fugir? Por que não poderia, por uma única vez, ser egoísta o bastante para expor o que queria? Já não havia feito o suficiente pensando nos demais e em como poderia proteger a todos?
Contudo, não demorou muito para que se recordasse do porquê.
“Donghyuck não quer ser um vampiro e não cabe a mim colocar essa ideia na cabeça dele”, Renjun determinou. “Se eu gostaria de tê-lo como meu companheiro pela eternidade? É claro que sim. Nós nos damos bem de uma maneira que eu duvidei ser possível, vocês são amigos, nós poderíamos permanecer os quatro juntos por muitos séculos e tudo ficaria bem. Isso é o que Donghyuck quer? Não, e eu não vou criar um clima ruim entre nós dois para sugerir isso só porque você acredita que eu deveria.”
Jeno estreitou os olhos, bagunçando seus cabelos como sabia que fazia quando se sentia nervoso por alguma razão. Renjun se questionava o porquê de seu amigo insistir nesse assunto quando claramente o frustrava e quando sabia que a resposta de seu criador em nada havia mudado.
“Se você conseguisse ser menos teimoso, você conseguiria perceber que não tem todas as respostas do mundo como acredita ter”, Jeno devolveu, levemente exasperado. “Os séculos te ensinaram muita coisa, Renjun, é verdade, mas não o ensinaram a coisa mais importante a respeito dos humanos porque você nunca se deixou aproximar de um deles para que conseguisse entender.”
“O que, então?”, Renjun perguntou. “Qual é o segredo que os humanos escondem que até hoje me é um mistério?”
Jeno o encarou como se não acreditasse que precisava questioná-lo, mas Renjun, de fato, não o entendia. Sim, seus amigos se aproximaram de humanos muito mais do que Renjun o tinha feito ao decorrer de sua existência como um vampiro, por escolha própria. Não gostava de estar próximo de humanos porque a simples existência de um o machucava ao repensar sua própria morte — Jeno sabia muito bem sobre isso e, ainda assim, questionava-o sobre seus motivos em não os querer por perto.
Donghyuck havia sido uma grande exceção e, em alguns momentos, Renjun realmente se perguntava se havia sido uma boa ideia. Sua cabeça estaria muito mais tranquila se não houvesse a necessidade de repensar ao menos três vezes por dia os motivos de querer Donghyuck ao seu lado para sempre e lamentar a cada uma dessas vezes as razões de o rapaz não desejar o mesmo.
Jaemin continuou a assistir a discussão entre os dois vampiros sem escolher um lado para apoiar, o que Renjun achou muito estranho porque não precisava de muito para que o Na assumisse sua posição ao lado de Jeno. Contudo, se acreditava que Jaemin permaneceria quieto por muito tempo, deveria se recordar de que isso não fazia parte de sua personalidade. O vampiro atraiu sua atenção com um dar de ombros relaxado, encostado ao sofá que dividia com Jeno como se a cena que presenciava lhe causasse extremo tédio.
“Se você conseguisse parar de pensar um pouquinho em todas as possíveis consequências de uma conversa, você conseguiria descobrir o que Jeno está querendo dizer, Injun”, Jaemin disse. “Sabe o que é? Que humanos são criaturas extremamente voláteis e nem tão constantes como você pode imaginar.”
Jeno havia desistido de discutir consigo, assumindo sua posição ao lado do namorado ao passar um braço pelos ombros de Jaemin, aproximando-o de si. Os dois trocaram um olhar em silêncio que confidenciou muito mais do que era permitido que Renjun soubesse, o que o fez se questionar se havia de fato algo que não sabia e que talvez os vampiros soubessem. Não poderia se esquecer de que havia apanhado Donghyuck e Jeno conversando a seu respeito alguns dias antes, afinal.
Mas, afinal de contas, o que poderiam os dois saber que Donghyuck escolhera não dizer diretamente a Renjun? O humano era a criatura mais direta que já havia conhecido em sua existência, completamente desinibido em expor seus desejos mesmo que fossem inconvencionais. Donghyuck não se mostrava envergonhado em muitos momentos e certamente não havia qualquer razão para que assim se sentisse em sua companhia, certo?
Ao menos, era o que Renjun esperava.
Pensou em continuar com a discussão até que os amigos entendessem seu ponto e pudessem compreender o receio que o motivava todos os dias a evitar essa conversa com Donghyuck. Entretanto, bastava que se recordasse de todas as vezes em que discutiu com os amigos para que entendesse que era um esforço infrutífero. Nunca havia ganhado uma discussão com aqueles dois porque eram teimosos o bastante para bater o pé até que aceitasse que estavam certos e não conseguiria agora.
Era melhor que poupasse seus esforços e voltasse sua atenção ao livro que deixou esquecido, buscando distrair sua mente do proposto antes que tudo saísse de controle. Nem mesmo sabia se os amigos continuavam intencionando convidar Donghyuck para a casa que dividiam, mas não seria Renjun a recordá-los a respeito.
“Eu vou convidar o Haechan semana que vem”, Jeno voltou a falar depois que o silêncio voltou a se fazer presente naquele cômodo. “Um pouco de vida por aqui não vai fazer mal e Nana estava mesmo querendo testar algumas receitas que viu na internet! Quem sabe você pode ajudá-lo na cozinha, Renjun.”
Sim, quem sabe Renjun pudesse — e, dessa forma, criar ainda mais memórias do momento em que alimentou Donghyuck e não o contrário. Jeno sabia muito bem o que estava fazendo; se o vampiro mais novo acreditava conhecê-lo muito bem graças aos séculos de convivência, Renjun o conhecia ainda melhor por ser o responsável por sua existência. Ainda assim, nada disse, respondendo com um dar de ombros em concordância.
“Podemos fazer uma disputa de videogame!”, Jaemin propôs. “Deus sabe como só Donghyuck seria capaz de fazer Renjun aprender a mexer em um joystick.”
Renjun sabia bem o que estavam fazendo ao tentar provocá-lo e a melhor resposta que podia dar era fingir que não os estava ouvindo e, dessa forma, evitando cair naquela armadilha. Jaemin e Jeno aceitaram a ausência de resposta, debatendo entre si quais poderiam ser as atividades que fariam com a presença de Donghyuck naquela casa e como seria divertido ter um humano por perto depois de anos tendo uma casa apenas como um lugar para retornar.
Renjun já havia se dado por vencido e ouvia os planos de seus amigos como uma música ambiente para sua leitura. Em alguns dias, Donghyuck estaria dentro de sua casa, do espaço que, até então, era a única coisa que possuía que não havia sido entregue ao humano.
Bom, que mal poderia acontecer, certo? Era apenas um jantar, quem sabe uma noite de jogos, algumas risadas como estavam acostumados a dividir no refeitório da faculdade enquanto Donghyuck almoçava. Renjun certamente poderia lidar com isso ao mesmo tempo em que continuava a lidar com a vontade constante em tornar cada um desses momentos eternos.
Se ao menos tivesse coragem de questioná-lo... Seus amigos poderiam não saber, mas inúmeras foram as vezes em que pensou em perguntar a Donghyuck o que achava sobre ser transformado e estar ao seu lado para sempre, mas Renjun sempre acabava perdendo a coragem em algum momento. Às vezes, era apenas por Donghyuck estar rindo de alguma piada que havia feito — sempre não intencional porque o humano por vezes ria de algo que havia dito e que deveria ter sido levado a sério — ou porque ele o encarava com tanta intensidade que arrancava as palavras de sua boca.
A última coisa que Renjun gostaria era de colocar cada um desses momentos em risco. Passara por muitos séculos sozinho, acreditando que a companhia dos amigos era o suficiente para alguém que havia aceitado a solidão como única companheira pela eternidade, e, pela primeira vez, Renjun só não queria estragar tudo e correr o risco de afastar Donghyuck. Era preferível que o humano estivesse ao seu lado pelo tempo que a vida lhe permitisse a arriscar questioná-lo e perder o que possuíam por um egoísmo bobo.
Um dia, seus amigos entenderiam. Renjun esperava, um dia, não se arrepender também.
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Para alguém que tem a imortalidade pela frente, sete dias podem passar tão rápido quanto apenas sete segundos.
Essa foi a sensação de Renjun quando percebeu que a data marcada por Jeno com Haechan já havia chegado, uma semana após a conversa que teve com os amigos e que marcou o convite para que Donghyuck conhecesse a casa dos três. Jeno cumpriu com o proposto na segunda-feira, convidando o humano quando estavam os quatro reunidos no refeitório após o primeiro turno de aulas.
Donghyuck olhou de imediato para Renjun após o convite, quase como se questionasse o que o vampiro mais velho achava daquela ideia. O mais velho deu um sorrisinho, indicando que estava tudo bem para ele — porque, apesar de tudo, sabia que era injusto privar Donghyuck de algo que ele mostrou querer no momento em que Jeno propôs apenas por um receio bobo de sua parte. Era um vampiro milenar, afinal de contas, vivenciara centenas de situações perigosas. Não seria a ida de um humano até sua casa que o mataria.
Donghyuck aceitou o convite assim que viu o sorriso de Renjun e começaram a confabular como seria o sábado. O humano não demorou em contagiar os demais com sua animação, principalmente quando fez piada sobre o que deveria levar como um presente para três vampiros.
“Apenas você é suficiente”, foi a resposta de Jeno que arrancou uma risada de Donghyuck, seguido por um comentário bobo sobre ter compromisso firmado apenas com Renjun. O vampiro mais velho, por sua vez, havia entendido o que Jeno queria dizer com aquilo — era mesmo esperar demais que Lee Jeno fosse desistir tão facilmente.
Durante toda a semana, Renjun tentou abstrair-se do fato de que, a cada minuto que passava, a visita de Donghyuck estava cada vez mais próxima. Decidiu que seria melhor que se preocupasse com isso no momento em que acontecesse porque não havia nada que pudesse fazer antes; o máximo que estava em seu alcance era preparar a si mesmo para todas as memórias de Donghyuck que se espalhariam entre aquelas paredes e pensar em como lidaria com cada uma delas depois.
Quando o sábado chegou, Renjun já tinha dezenas de mensagens animadas de Donghyuck pela manhã lembrando-o de parecer apresentável em um momento importante como esse e recordando-o de que chegaria no horário de almoço. Jaemin havia sido resoluto em dizer que cozinharia naquele dia, mesmo sob os protestos de Donghyuck sobre não confiar no talento culinário de alguém que não precisa cozinhar há quinhentos anos.
Renjun passou boa parte da manhã com a cabeça ocupada graças aos pedidos de ajuda de Jaemin — no final das contas, cozinhar não era tão simples quanto o Youtube fazia parecer e o vampiro precisou de sua ajuda mais vezes do que gostaria de admitir. Em partes, foi bom; havia se divertido com o amigo, principalmente nos momentos em que podia tirar sarro de sua cara, e distraiu sua mente por tempo suficiente para que nem mesmo se desse conta de quando Donghyuck tocou a campainha.
“Parece que a nossa visita chegou”, Jaemin cantarolou, olhando ao seu redor na cozinha. “Bom, acho que nós temos tudo pronto, certo? O macarrão está pronto, o molho também! Nós temos carne no forno e o refrigerante favorito do Donghyuck na geladeira.”
“Sim, temos tudo pronto”, Renjun confirmou, respirando fundo. “Com exceção de mim mesmo, mas acho que isso não é importante nesse momento.”
Jaemin se aproximou e, ao invés do que Renjun esperava, deixou um tapinha reconfortante em seu ombro, seguido de um sorriso encorajador. “É só o Donghyuck”, disse. “Não tem nada de muito diferente do que a gente faz no refeitório, com exceção de que, bom, a gente vive aqui. Mas não faria mal nenhum se ele também vivesse, não é?”
Renjun suspirou, agradecendo ao encorajamento do amigo com um sorrisinho. “É, não faria nenhum mal”, respondeu baixinho. “Acho que deveríamos ir. Jeno já deve ter atendido a campainha e Donghyuck vai me encher a paciência questionando o porquê de eu não ter ido recebê-lo.”
“A gente nunca espera quando a crise existencial vai bater antes de apresentarmos a casa ao nosso namorado”, Jaemin brincou com uma piscadela. Renjun pensou em falar sobre como Jaemin nunca precisou fazer isso, mas deixou passar e se deixou ser guiado até a sala de estar pelo vampiro mais novo.
Como havia imaginado, Jeno atendera a campainha e Donghyuck já estava parado em sua sala de estar, olhando ao redor com genuíno interesse. Tudo ali parecia novo ao humano; memórias sobre as quais Renjun não havia comentado, suvenires de antigas viagens que fizeram e que gostavam de manter na estante como um lembrete de por quantos lugares já haviam passado, resquícios de uma vida onde Donghyuck não era nem mesmo um anseio, que dirá uma realidade.
“Eu tinha uma ideia muito diferente de como seria a casa de vocês, para falar a verdade”, Donghyuck comentou em determinado momento, voltando a encarar os três vampiros que aguardavam por um veredicto. “Nada de caixões expostos, cortinas pesadas bloqueando o Sol de entrar, corredores suspeitos ou um calabouço?”
“Parece bastante com a casa que tínhamos no século dezessete”, Jaemin comentou com um tom irônico. “Hoje em dia, nós estamos bem mais para Cullens do que para Dráculas.”
“Não vou mentir que gosto muito mais dessa versão de vocês”, Donghyuck riu. “Renjunnie! Você finalmente apareceu. Jeno não estava feliz quando eu pulei no pescoço dele achando que era você.”
O rosto de Jeno se contorceu mais uma vez em uma careta apenas pela recordação. “Renjun estava ocupado na cozinha ajudando Jaemin com o almoço de hoje”, explicou. “Mas agora ele é todo seu.”
“Que bom saber que você se preocupa comigo o suficiente para não deixar Jaemin sozinho em um fogão!”, Donghyuck exclamou. Em seguida, encerrou a distância entre os dois com passadas rápidas, usando do ombro de Renjun como um apoio para sua cabeça ao abraçá-lo de lado. “Quase posso perdoá-lo por não ter me convidado para conhecer sua casa antes.”
Renjun riu baixinho, um pouco nervoso e um pouco por estar envergonhado com os amigos presenciando aquela cena. Para Donghyuck, era natural que demonstrasse seu carinho dessa forma e Renjun também estava acostumado à maneira como o humano gostava de tocá-lo sempre que tinha a oportunidade, grudado em si como se fossem pertencentes a um único corpo. Donghyuck nem mesmo se sentira incomodado com os olhares contínuos que recebiam de Jeno e Jaemin e as sobrancelhas erguidas em malícia.
“Era um passo muito importante para que eu tomasse sozinho, sem saber se era do seu interesse também”, Renjun explicou
Donghyuck o encarou por longos segundos, uma sobrancelha arqueada em confusão. “Em que momento não me fiz claro sobre querer conhecer tudo sobre você?”
Renjun se engasgou com a pergunta, surpreso pela honestidade. Seus amigos tiveram o mínimo de decência em parar de encará-los porque Donghyuck continuava olhando-o como se a resposta para aquela pergunta fosse mudar o curso do relacionamento que tinham. Após ter se recuperado do susto, Renjun devolveu o olhar um pouco mais tranquilo porque a resposta parecia óbvia, até mesmo para ele.
“Talvez eu só tenha certo receio em apressar as coisas com você”, Renjun explicou. “Não quero que pareça que estou colocando-o em uma posição que não deseja só porque não me diria não.”
“Corajoso da sua parte assumir que eu não diria não a você se fosse algo que eu não gostaria”, Donghyuck riu levemente, desencostando-se de Renjun em seguida. “Conhecer sua casa era algo que eu queria fazer há um certo tempo já. Fico feliz que esteja acontecendo!”
“Que bom que eu existo e intermediei esse momento, então”, Jeno interpelou, com um sorrisinho zombeteiro. “Agora, nós deveríamos ir comer. A comida vai esfriar e Jaemin vai ficar triste.”
Encaminharam-se os três à cozinha onde Jaemin já havia colocado a mesa; Donghyuck nem mesmo tentou suprimir a risadinha quando viu que havia quatro conjuntos de jantar dispostos quando os vampiros não tocariam um dedo sequer na comida feita.
“Eu me sinto a Bella em Crepúsculo”, Donghyuck brincou.
“Com sorte, ninguém vai quebrar um pote de saladas por sua causa também”, Jaemin brincou. “Venha, sentem-se.”
Donghyuck se sentou à mesa e Renjun pensou que era nada menos que educado servi-lo enquanto Jeno e Jaemin se ocupavam com outros detalhes. Donghyuck o encarou surpreso quando se aproximou de seu prato com a travessa de macarronada, mas sorriu a seguir. Renjun devolveu ao gesto, servindo-o e deixando a travessa de volta ao centro da mesa. Jaemin voltou com o refrigerante favorito de Donghyuck enquanto Jeno trazia três copos escuros em uma bandeja.
“Não acredito que vocês vão... Almoçar do meu lado”, Donghyuck comentou enquanto Jeno distribuía os copos para Jaemin e Renjun. “É nojento.”
“Onde você acha que nosso almoço é armazenado senão na mesma geladeira que o seu refrigerante estava?”, Jeno devolveu enquanto assistia Donghyuck bebericar de seu copo.
“Eu vou fingir que não ouvi isso pelo bem de todos nós”, Donghyuck escolheu responder, deixando o copo de volta à mesa lentamente.
O comentário arrancou uma risada de todos os presentes à mesa e mesmo o humano superou o assunto brevemente, engajando em outro assunto proposto por Jaemin. Aos poucos, Donghyuck pareceu se esquecer de que havia copos repletos de sangue ao seu lado naquela mesa, elogiando o almoço feito em sua homenagem e recebendo de Jaemin sorrisos bonitos em agradecimento. Renjun aceitou os elogios em silêncio; boa parte daquilo havia sido ele, mas Jaemin merecia os louros por ter sido o responsável por toda a ideia, afinal.
O almoço correu bem, com Donghyuck agradecendo por terem pensado nele ao fazer tanta comida assim — “Com certeza eu vou levar tudo para casa porque vocês vão jogar fora assim que eu der as costas”, disse — e, depois, voltaram à sala de estar. O humano até insistira em lavar pela louça suja, provavelmente pela primeira vez desde que a compraram, mas seus anfitriões foram resolutos em levá-lo consigo.
À sala de estar, dividiram-se entre casais, com Jaemin e Jeno sentados em um dos sofás e Renjun e Donghyuck no lado oposto. Renjun engoliu em seco, um pouco mais nervoso agora que não havia um script a ser seguido. O que era esperado que fizesse quando seu namorado humano o visitava pela primeira vez e você não tem a menor ideia de como se portar porque nunca teve um namorado, que dirá humano antes?
Foi um comentário feito por Donghyuck que tirou Renjun de seus pensamentos e colocou-o de volta ali; Jeno e Jaemin, como já estavam acostumados a ver, entraram em seu próprio mundinho com Jeno provocando o mais novo entre eles e Jaemin rindo sem se importar com os demais. Donghyuck o cutucou com um riso frouxo nos lábios.
“Podia ser a gente, mas você não colabora”, ele piscou.
Renjun até pensou em fazer algum comentário sobre, mas Donghyuck o pegou tão de surpresa que foi incapaz de pensar em uma resposta à altura em tempo hábil. Donghyuck gostaria que fossem eles? Porque o que Jeno e Jaemin faziam era característico da espécie deles, enquanto mordiscavam o pescoço um do outro por brincadeira. Tinha certeza de já ter comentado a respeito com Donghyuck, então...
Havia alguma coisa naquele comentário que não havia captado ou só estava lendo demais nas entrelinhas porque também queria que fossem eles?
Renjun controlou o suspiro na garganta. Por que tinha que ser tão difícil?
“O que vocês acham de jogarmos um pouco?”, Jaemin sugeriu. “Jeno viu um jogo em um filme antigo que seria muito legal e funcionaria por estarmos em casais!”
“Você só precisa adivinhar o filme baseado nas mímicas do seu parceiro”, Jeno explicou. “Jaemin e eu vamos tirar de letra com séculos de sintonia. Vamos testar a de vocês.”
Para falar a verdade, Renjun pensou em dizer que aquela não era a melhor das ideias e que estava disposto a finalmente dar uma chance aos videogames como Jaemin havia sugerido uma semana antes, mas Donghyuck empertigou-se antes que dissesse algo, disposto a aceitar o desafio. Se o humano o conhecesse um pouquinho melhor, saberia que era péssimo com referências de cultura pop porque não tinha o mesmo costume de Jeno e Jaemin em assistir todos os filmes que encontravam.
“A gente vai tirar de letra”, Donghyuck garantiu enquanto Jaemin escrevia nome de diversos filmes em papeizinhos para sortearem. “Eu sou ótimo com cultura pop.”
“Não há ninguém pior que eu com isso”, Renjun advertiu.
“Confia em mim, Renjunnie”, Donghyuck assegurou mais uma vez. “Quando foi que eu te desapontei?”
A resposta era, certamente, nunca. Donghyuck não estava sendo nada além de uma surpresa muito agradável em seus dias, mesmo nos momentos em que insistia em povoar seus pensamentos e preenchê-los com dúvidas.
Como Donghyuck havia garantido, ele era mesmo muito bom nesse jogo. Mesmo com os esforços de Jeno e Jaemin e a óbvia sintonia que possuíam em lerem a mente um do outro, Donghyuck tinha truques em suas mangas que até mesmo Renjun era incapaz de errar os filmes que sorteavam. E estava se divertindo com isso ao perceber que Donghyuck já havia se adaptado ao seu jeito e manejado o suficiente para que encaixasse ali.
Renjun conseguia enxergá-los brincando disso pelos anos seguintes, acumulando novos filmes conforme os lançamentos acontecessem e, quem sabe, em algum momento seria tão bom quanto Donghyuck naquilo para ajudá-lo a vencer Jeno e Jaemin. O pensamento trouxe um sorriso até seu rosto, mesmo que soubesse o quanto era improvável que acontecesse. Em alguns anos, nem mesmo estariam mais naquela cidade e Donghyuck tinha uma vida para continuar.
“Renjun!”, Donghyuck chamou sua atenção. “Presta atenção em mim! Se vencermos dessa vez, é a nossa chance. Jeno e Jaemin já esgotaram as chances deles e nós estamos empatados.”
Renjun manteve seu foco no humano, estudando suas mímicas em busca de qualquer coisa que sua mente reconhecesse naquilo. Donghyuck era muito bom, mas havia certos limites que Renjun não conseguia alcançar e agora parecia ser um desses momentos. O humano encenava o esvoaçar de uma capa, um andar soturno e olhares sorrateiros, mas... No que essas características poderiam se encaixar?
Pensou em fazer um chute — era melhor do que continuar olhando-o com cara de bobo — quando Donghyuck cansou de esperar. Com um rolar de olhos cansado, o humano fez o caminho até onde estava sentado, sentando-se em seu colo como estavam acostumados a fazer, mas não com Jeno e Jaemin no sofá ao lado. Contudo, o próximo gesto de Donghyuck foi a chave para que entendesse finalmente o que ele estava fazendo: o raspar dos dentes do mais novo em seu pescoço quase o fez rir ao mesmo tempo que enviou um arrepio por sua coluna.
“Drácula”, Renjun respondeu. “É claro. É óbvio.”
Donghyuck jogou a cabeça para trás rindo em felicidade por ter finalmente acertado e Renjun acompanhou seu riso de um modo mais discreto. Ele parecia bastante confortável onde estava, sem nem mesmo intencionar se mover, mas Renjun já não mais se importava. Queria que ficasse ali. Queria que Donghyuck ficasse em seu colo para sempre, se possível.
Se ao menos Donghyuck também quisesse...
“Isso não vale!”, Jeno exclamou. “Ele não podia tocar em você, só fazer mímicas!”
“E quem disse que não foi uma mímica?”, Donghyuck retorquiu. “Quem disse também que você escrevia as regras? Os séculos não te ensinaram a perder?”
Jeno estreitou o olhar em direção ao humano. “A sua sorte é que você é protegidinho do meu criador”, sibilou. “Já não tenho certeza se gostaria de jogar com você pela eternidade, Donghyuck.”
“Me cheira a mal perdedor”, Donghyuck provocou mais uma vez.
O Huang nem mesmo tentou interpelar na discussão que os dois iniciaram, assim como Jaemin que só os assistia com um riso frouxo e os olhos brilhantes em divertimento. Se antes seus temores eram ter memórias de Donghyuck em cada pedacinho daquela casa, Renjun já não conseguia enxergá-la sem abrigar a risada alta do humano, seus gestos espalhafatosos e toda a vida que trazia para um lugar que outrora desconhecia esse conceito.
Jeno tivera mesmo uma boa ideia, afinal de contas. E Renjun tinha agora bem mais do que apenas suvenires de viagens antigas como memórias a serem guardadas.
X
Se ter Donghyuck em sua casa fez Renjun entrar em pânico por uma semana, certamente o convite que recebeu do humano o surpreendeu muito mais.
Para Donghyuck, parecia muito simples. Se havia acabado de conhecer a casa de seu namorado vampiro, era mais do que lógico que o próximo passo era conhecer seu apartamento, certo? Contudo, quando a sugestão foi feita para Renjun em uma tarde qualquer uma semana e meia depois do sábado dispensado na casa dos vampiros, Donghyuck viu a expressão de surpresa se desenhar no rosto do mais velho — mesmo que, para ele, não fosse nada demais.
“Está tudo bem se você não quiser”, Donghyuck ainda arriscou dizer após o momento de silêncio do vampiro, mas Renjun foi rápido em quebrar essa impressão, acenando repetidas vezes com a cabeça que não. Só fora pego de surpresa, como também havia sido com a sugestão de Jeno, mas, com o tempo, certamente conseguiria se adaptar à ideia e agir como uma pessoa normal na casa de Donghyuck. O humano não pareceu estar muito certo de sua reação, mas, se Renjun o estava garantindo que estava tudo bem, bastava que confiasse em sua palavra.
Seus amigos também consideraram a ideia como algo incrível, dizendo que já havia passado da hora de encontrarem um local mais reservado para o que quer que tinham ao invés de quartos aleatórios nas festas que Renjun aprendeu a frequentar. Renjun sabia que eles tinham um ponto; Donghyuck merecia que o tratasse como a pessoa mais preciosa que passou por seus braços e não conseguiria oferecer-lhe esse tratamento se continuassem a usar a casa alheia ou pontos aleatórios como locais de encontro. Era mais do que hora de finalmente terem um lugar só para eles e onde mais se não o apartamento de Donghyuck que morava sozinho?
Parecia perfeito e Renjun se esforçou para pensar assim também, jogando para o fundo de sua cabeça todas as inseguranças que vinham com um território novo. Provavelmente conheceria sobre Donghyuck tudo aquilo que em meses ainda não havia descoberto porque seu apartamento era o local onde havia mais resquícios de sua presença do que qualquer outro lugar. Após pensar nisso com um pouco mais de calma, Renjun poderia dizer que estava até mesmo ansioso por esse momento.
Era sábado mais uma vez quando Donghyuck enviou seu endereço por mensagem de texto e disse que esperava por Renjun dentro de algumas horas. Renjun leu e releu aquela mensagem por algum tempo antes de se levantar e escolher o melhor par de roupas que tinha em seu guarda-roupas. Não havia ninguém a ser impressionado além de Donghyuck, mas não fazia mal algum tentar ficar bonito para seu namorado em uma ocasião importante como essa.
Recebeu a aprovação de Jeno e Jaemin antes de sair de casa, ambos garantindo que não havia nada a temer porque continuava sendo apenas Donghyuck e que, quem sabe, essa visita apenas os ajudasse a estreitar seus laços. Renjun agradeceu os votos de incentivo e fez o caminho indicado até o apartamento de Donghyuck — que, surpreendentemente, não ficava tão longe assim de onde moravam, ambas as casas estrategicamente próximas à universidade.
Não há nada a temer, Renjun pensou consigo mesmo ao tocar a campainha, uma vez que havia chegado ao prédio. É só o Donghyuck.
E era apenas Donghyuck quando a porta se abriu, revelando a presença do humano com seu melhor sorriso ao recepcioná-lo. Renjun também sorriu porque se sentia fisicamente incapaz de estar de frente ao sorriso que iluminava o Sol e não devolver ao menos um pouco daquele gesto e permitiu que Donghyuck o carregasse consigo apartamento adentro, a porta se fechando às suas costas.
O apartamento de Donghyuck era, bom, exatamente como Renjun havia imaginado: a cara do humano. Havia diversos pôsteres de cinema espalhados pelas paredes da sala de estar, emoldurados como se fossem quadros — já que ele sempre gostou muito de filmes e não era uma surpresa que sua sala de estar estivesse repleta deles. Havia um jogo de sofá também disposto em frente à televisão que estava posicionada em um móvel de cor escura, com alguns enfeites ao redor e uma estante no canto mais afastado da sala onde Donghyuck tinha alguns livros e porta-retratos.
Um corredor indicava o caminho para os quartos e o banheiro e, do outro lado, um vão luminoso indicava que Donghyuck estava na cozinha antes de atendê-lo e foi para onde Renjun o seguiu mais uma vez.
“Eu preciso admitir uma coisa”, Donghyuck disse assim que chegaram à cozinha, olhando-o como se tivesse sido apanhado fazendo algo errado. “Eu fiquei... Nervoso com a perspectiva de você vir até aqui em casa e eu esqueci que eu não precisava fazer nada para você comer porque, bom, a comida sou eu. Olha a bagunça que eu fiz enquanto esperava você chegar.”
A cozinha de Donghyuck estava repleta de travessas espalhadas, algumas ocupando a cuba da pia e outras dispostas na bancada que dividia a cozinha da sala de estar. Renjun não conseguiu deixar de achar engraçadinho porque Donghyuck era a pessoa mais confiante que já havia conhecido e, ainda assim, ele também sentia a pressão de apresentar um local tão pessoal a outra pessoa.
“Está tudo bem”, Renjun disse, “eu posso ajudar a limpar depois.”
“Eu tenho um bolo recém saído do forno que eu nem sei porque fiz, aparentemente eu estava prevendo meu ataque de nervos e fiz para me consolar depois”, Donghyuck brincou. “Mas você perde, viu, porque meu bolo é uma delícia.”
“Eu posso provar dele através de você depois”, Renjun brincou.
Donghyuck riu e acompanhou o vampiro de volta à sala de estar. Renjun se sentia um pouco mais tranquilo agora que a companhia de Donghyuck era a única coisa que ocupava sua cabeça; estivera retraído até o momento em que o humano se mostrou à sua frente, um pouco desconfortável com a ideia de estar em um território desconhecido, mas deveria ter imaginado que Donghyuck tinha um feito especial.
Ainda que não soubesse, Donghyuck só precisava abrir a boca para que Renjun passasse a se sentir em casa, segundo após segundo e só tinha a agradecê-lo por isso.
“Você tem um apartamento muito bonito”, Renjun comentou voltando a olhar ao seu redor. “Combina com você.”
Donghyuck sorriu, orgulhoso com o elogio. “Eu escolhi os melhores pôsteres para emoldurar”, respondeu. “Adoro esse espaço entre Kill Bill e Titanic porque é a perfeita definição da minha personalidade, você não acha?”
Renjun riu do comentário e das poses que Donghyuck começou a fazer entre os dois quadros. Levantou-se a seguir, caminhando até onde o humano estava, mas sua atenção foi atraída pela estante com os porta-retratos dispostos. Parou por um instante, olhando-os com atenção; havia fotos do próprio Donghyuck, mas Renjun não reconhecia as pessoas que o acompanhavam nas fotos. Provavelmente sua família. Donghyuck notou o interesse, aproximando-se do vampiro para olharem os retratos juntos.
Percebeu como nunca tinham falado sobre suas famílias antes. Renjun não comentava sobre sua transformação com muita facilidade e as memórias de sua família eram um pouco dolorosas até os dias de hoje, mas Donghyuck nunca mencionara a própria família também e Renjun não tinha ideia do motivo. Talvez fosse uma parte de sua vida que não teria acesso.
Talvez fosse a razão que o impedia de tê-lo consigo para sempre; Renjun não o condenaria.
“São os meus pais nesse aqui”, Donghyuck indicou com a cabeça para um porta-retrato onde um casal um pouco mais velho se colocava às suas costas. Donghyuck parecia mais jovem também, sua versão adolescente sorrindo tão grande que seus olhos se fecharam involuntariamente. Renjun também sorriu com a foto. “E ali são os meus irmãos. Eles são mais novos que eu, eram muito apegados comigo.”
“Eram?”, Renjun perguntou, incapaz de ignorar o uso do pretérito.
Donghyuck deu de ombros. “Eu não falo muito com a minha família desde que sai de casa para fazer faculdade”, explicou. “A verdade é que meus pais e eu... A gente não está em bons termos, e eu achei que seria injusto fazer meus irmãos escolherem entre eles ou eu.”
Renjun não tinha a menor ideia de que havia alguém capaz de não estar em bons termos com Donghyuck. O humano parecia ser capaz de iluminar qualquer ambiente em que estivesse, fazer amizades com qualquer um e ser amado por todos. Saber que justamente sua família era o laço mais distante que possuía fazia com que Renjun desejasse poder abraçá-lo. Queria saber um pouco mais sobre Donghyuck, é claro, mas até que ponto não estaria entrando em um território difícil?
“Eu guardo as fotos porque houve um tempo onde a gente era uma família unida assim até não sermos mais”, Donghyuck voltou a dizer. “Hoje em dia, eu estou bem tranquilo em relação a isso. São só boas memórias.”
Renjun assentiu, em partes porque não sabia bem o que fazer em uma situação como essa. Memórias eram a única coisa que havia restado de sua família também e gostaria que fossem apenas as boas, mas se dera conta de que até mesmo essas memórias estavam começando a se desvanecer em sua cabeça.
“Eu quase não me recordo da minha”, Renjun comentou depois de algum tempo. Parecia o preço justo a ser pago por saber de um pedaço da história de Donghyuck. “Já faz muitos séculos, é verdade, mas... Eu gostaria de manter as boas memórias também.”
“Mas você construiu sua família de novo, não é?”, Donghyuck perguntou. “Com o Jeno e o Jaemin.”
“É verdade. Eles podem ser muito difíceis em alguns momentos, mas... Acho que é a família que eu escolhi”, Renjun comentou. “E tenho você também, é claro.”
Houve um momento em que pensou se estava tudo bem falar isso para Donghyuck porque era um passo à frente em demonstrar o quanto queria que ele estivesse consigo como Jeno e Jaemin, mas não houve tempo para que continuasse se questionando. Donghyuck o encarou em silêncio, os olhos que transmitiam muito mais do que sua boca poderia, e, em seguida, inclinou-se em sua direção, roubando-lhe um beijo.
A última coisa que Renjun gostaria nesse momento era de ter Donghyuck longe de si, então aproveitou do momento para enlaçar a cintura do humano, puxando-o mais para perto. O beijo de Donghyuck sempre seria capaz de tirar seus pensamentos de órbita, colocando-o em uma bolha onde existia apenas ele e Donghyuck e onde nada parecia capaz de alcançá-los. A troca de temperatura entre seus corpos apenas evidenciava essa sensação, enviando choques através de suas peles.
Foi Donghyuck quem deu o primeiro passo, guiando-o de costas até que seus joelhos batessem contra o sofá e Renjun caísse sentado, recebendo o humano em seu colo em seguida. Seus lábios se desgrudaram apenas nesse momento, mas foi o suficiente para que o vampiro tivesse o vislumbre de Donghyuck parado à sua frente, olhando-o com a respiração ofegante e o desejo explícito em seus olhos.
“Eu quero você”, Donghyuck murmurou contra sua bochecha, os lábios se esfregando em sua pele até que alcançasse de novo sua boca. Ainda sem beijá-lo, Renjun sentiu os lábios do humano tocando os seus em cada palavra a seguir, “por todo tempo do mundo.”
E havia alguma coisa que Renjun quisesse mais do que a mesma coisa?
Donghyuck tornou a beijá-lo antes que o respondesse, o que provavelmente fora melhor. Renjun não confiava em sua cabeça naquele momento para formular uma frase decente, que dirá expressar seus maiores desejos das últimas semanas e em como todos se resumiam a ter Donghyuck ao seu lado para sempre. Quem sabe essa fosse a deixa que precisava para que o assunto fosse abordado, mas não agora.
Agora, a única coisa que Renjun gostaria era de eliminar qualquer espaço que impedisse seu corpo e o de Donghyuck se fundirem em um só.
Renjun desceu com os lábios pelo pescoço de Donghyuck, saboreando de cada pedacinho de pele exposta enquanto suas mãos nervosas trabalhavam com a camiseta do mais novo, erguendo-a e expondo parte da pele bonita. Donghyuck inclinou a cabeça para o lado, dando completo acesso a Renjun a seu pescoço e exalando ainda mais o cheiro inebriante que mexia com a cabeça do vampiro.
Donghyuck parecia pronto, para o que quer que quisesse fazer com ele naquele momento e Renjun precisou de alguns segundos para desanuviar sua mente.
O humano tinha as unhas curtas fincadas em seus ombros, usando-os de apoio enquanto seu corpo por completo se recostava ao do vampiro, enquanto Renjun afundava o rosto em seu pescoço, inalando o cheiro característico de seu sangue uma última vez antes de cravar os dentes na região. Donghyuck gemeu, alto e lânguido, e seu corpo tremeu por inteiro com o toque gélido e firme do vampiro em sua cintura. Tinha quase certeza de que teria marcas dos dedos de Renjun por dias, mas era a última coisa com a qual estava preocupado.
Que houvesse marcas — por dias, semanas, meses, anos. Séculos. Donghyuck estava pronto para aceitar cada uma delas.
Renjun tinha sua mente em um turbilhão naquele momento, o sangue de Donghyuck fluindo em sua boca e mesclando-se ao mar de emoções que o humano emanava a cada segundo. Em todas as vezes que executaram esse mesmo ritual, Donghyuck jamais pareceu tão intenso; jamais tamanha demanda caiu sobre si e, por alguns segundos, Renjun não sabia o que deveria fazer com o que tinha em mãos.
Sabia que suas emoções chegavam a Donghyuck da mesma maneira, como o caos desorganizado com o qual estava lutando há semanas, mas que se tornava cristalino quando exposto a Donghyuck, como se fosse feito para pertencê-lo. E, de alguma forma, Renjun sabia que se havia alguém que era capaz de desfazer o emaranhado que seus pensamentos representavam e organizar as emoções conflitantes que o preenchiam, essa pessoa era Lee Donghyuck. Porque em todos seus séculos de vida, Renjun jamais se sentiu mais ligado a alguém e suas emoções jamais estiveram em maior sintonia do que apresentavam agora. Donghyuck aparecera em sua vida mil anos após o término do que um dia chamou de vida e agora mostrava-o o porquê de ainda estar vivo.
Porque precisava encontrá-lo — um milênio atrasado ou não, não importava.
Em todas as vezes que se alimentou de Donghyuck, o humano jamais pareceu tão seu e a única coisa que podia desejar é que Donghyuck sentisse, na mesma intensidade, o quanto desejava desesperadamente também pertencer a ele.
X
Renjun já havia ouvido falar de que há momentos na vida em que um click é o bastante para uma mudança drástica.
Foi mais ou menos dessa maneira que decidiu contar a Donghyuck o que vinha protelando há semanas e que estava devorando-o por dentro. O momento de virada para sua decisão fora justamente a tarde que passou ao lado do humano em seu apartamento e a enxurrada de emoções que ainda não havia conseguido esquecer por completo. Era como se Donghyuck estivesse preso em sua pele, fixo como uma tatuagem, uma marca à fogo.
Talvez fosse tempo de dar razão a Jeno e Jaemin e admitir que às vezes não tinha a resposta para tudo como gostaria. A vida certamente seria mais fácil caso Renjun conseguisse controlar cada aspecto dela porque estar no controle da situação tiraria o peso de cima de si em fazer tudo certo ou assistir desmoronar. Contudo, Lee Donghyuck significava um trem descarrilado em sua vida e que o levava consigo a cada dia dispensado ao seu lado, cada vez mais para longe da racionalidade a qual um dia se apegou tanto.
Lee Donghyuck era o destino final e bastava a Renjun aceitar que chegara lá.
Outra razão para que tomasse essa decisão é que finalmente havia aceitado não estar cem por cento no controle de suas emoções e não gostaria que elas chegassem, cada vez mais claras e fortes, a Donghyuck enquanto não fosse por completo sincero com o humano. Donghyuck merecia muito mais do que descobrir sozinho através da conexão que dividiam em momentos específicos sobre seus sentimentos e Renjun sentia que devia uma conversa honesta com o humano.
Quanto ao medo de afastá-lo se tudo desse errado com essa conversa, confiava que o que construíram nos últimos meses deveria ser o suficiente para que Donghyuck permanecesse. Caso sua resposta fosse contrária, Renjun tinha certeza de que Jeno e Jaemin não demonstrariam oposição a saírem da cidade e permitir que lamentasse seu coração partido em algum lugar que não gritasse a presença do único humano com quem se permitiu criar um laço.
Era mais do que hora de aceitar seus próprios fantasmas e impedi-los de continuarem a mantê-lo longe daquilo que desejava. Talvez seus amigos tivessem razão — humanos eram voláteis e Donghyuck sempre foi uma caixinha de surpresas. Bastava que Renjun fizesse tudo certo e, quem sabe, as últimas semanas seriam apenas uma história engraçada da qual ririam no futuro.
Foi por isso que convidou Donghyuck até sua casa naquela tarde de sábado, quando finalmente conseguiu fazer com que Jeno e Jaemin saíssem de casa e os deixassem sozinhos. Jeno insistiu que poderiam ser úteis, tanto para convencer Donghyuck quanto para consolá-lo em um cenário pessimista, mas Renjun sabia que precisava fazer isso por conta própria. Já estava correndo disso por tempo demais.
A mensagem que enviou para Donghyuck continuava como estava quando a mandou, duas horas antes. Donghyuck havia dito que estaria ali às sete da noite e Renjun checou o horário mais uma vez, ainda que isso não o fizesse andar mais rápido. Faltavam dez minutos para o horário combinado e quem sabe fosse mais útil usar desse tempo para repassar as palavras que ensaiou nos últimos dias para que nada saísse errado.
Parecia uma ótima ideia, mas, pela primeira vez em sua vida, Donghyuck havia chegado antes do proposto.
A campainha soou anunciando sua chegada e Renjun deixou que o desespero o dominasse por breves segundos antes de recuperar sua calma e alcançar o hall de entrada para cumprimentar seu visitante. Donghyuck estava mais bonito do que nunca, ou talvez fosse coisa de sua cabeça que, mais do que nunca, tinha muito no que pensar e a presença do humano apenas acelerava esse processo.
“Você chegou cedo”, Renjun comentou, guiando o humano pelo corredor que levava até os quartos. Parecia uma boa ideia deixar que Donghyuck estivesse em seu espaço mais pessoal se estava disposto a levar aquilo adiante.
“Eu estava ansioso demais para ver você para conseguir fazer qualquer outra coisa”, Donghyuck assumiu. “Na verdade, eu cheguei faz um... Tempo. Eu estava no café do outro lado da rua, até vi a hora em que Jeno e Jaemin saíram. É alguma ocasião especial para que estejamos sozinhos?”
Renjun controlou o riso baixo que queria escapar de sua boca porque, bom, se essa não fosse uma ocasião especial, qual mais seria? Mas Donghyuck não sabia disso ainda, não enquanto o encarava com aqueles olhos brilhantes e curiosos.
“É, pode-se dizer que sim”, Renjun confirmou. “Há algo muito importante que eu gostaria de conversar com você e acredito que seria melhor se estivéssemos apenas nós dois. Jeno e Jaemin podem aproveitar a noite de casal como quiserem.”
Donghyuck assentiu e seguiu até a cama do mais velho, sentando-se ao seu lado. A piada referente ao fato de Renjun não precisar dormir, então para que uma cama? morreu em sua garganta, porque algo nos olhos do vampiro indicava que não era uma conversa descontraída que viria a seguir. Renjun funcionava de uma maneira diferente da maioria das pessoas que conheceu, diferente até mesmo dos vampiros com quem dividia sua existência. Sabia que ele levava muito a sério algumas coisas e a última coisa que Donghyuck gostaria era de fazê-lo pensar que não levava aquilo tão a sério quanto ele.
Por isso, permaneceu em silêncio enquanto Renjun respirava fundo, preparando seu discurso:
“Por todos os anos que vivi, evitar os humanos sempre pareceu a resposta mais acertada para mim porque eu era incapaz de permanecer entre vocês e não sentir o ressentimento pela vida que foi tirada de mim”, Renjun começou a falar, pausadamente como se pensasse em cada palavra no momento que saía por sua boca. “Jaemin e Jeno lidaram com a transformação de uma maneira mais tranquila do que eu. Não foi tão... Fácil para mim, então me certifiquei que não passassem pelo mesmo.”
Donghyuck assentiu, ainda em silêncio, e procurou pela mão do vampiro para entrelaçar seus dedos, em um sinal mudo de apoio. Renjun olhou para os dedos unidos e sorriu, pequeno, agradecido. “Foram séculos de reclusão que, confesso, fizeram com que eu perdesse parte da evolução da humanidade e deixasse de entender como vocês funcionavam. Eu acreditei que isso não me importava porque não havia nenhuma razão para que eu quisesse estar entre os seus, mas... Então, você apareceu naquela festa. Repleto de sorrisos como se eu não tivesse acabado de encharcá-lo, repleto de flertes como se eu fosse mesmo a pessoa mais interessante naquele cômodo para você. E foi diferente de tudo que eu vivi até hoje.”
“Você era”, Donghyuck disse, de repente. “Quer dizer, você continua sendo a pessoa mais interessante para mim em qualquer cômodo que estiver.”
Renjun sorriu mais uma vez, um pouco mais envergonhado agora. “Por algum tempo, eu relutei um pouco com o que eu estava começando a sentir por você, Donghyuck. Havia motivos suficientes para que eu acreditasse que eram sentimentos fadados ao fracasso e que eu só estava perseguindo o sofrimento enquanto continuava a pensar a respeito. Contudo, parece impossível passar meses ao seu lado e não me render às maravilhas que o representam e que formam todo seu conjunto.”
Donghyuck conseguia sentir seu coração batendo cada vez mais rápido e tinha certeza de que não havia passado despercebido por Renjun. “O que eu quero dizer”, voltou a falar após um longo suspiro, “é que eu não consigo deixar de pensar em você como meu companheiro eterno, em tê-lo ao meu lado por cada segundo da minha existência e como nada me deixaria mais feliz do que a chance de ter a eternidade para descobri-lo. Se ainda assim esse não for seu desejo, como há meses já não era, eu vou entender, mas eu precisava que você soubesse, Donghyuck. Não há um minuto que eu não o queira comigo para sempre.”
A reação de Donghyuck foi muito diferente do que havia esperado; talvez um pouco de choque mesclado à surpresa pela sugestão, quem sabe o medo do desconhecido que seria completamente aceitável. Contudo, Donghyuck enlaçou seu pescoço, beijando-o de uma maneira diferente de todas as outras, com mais fome do que nunca, com todo desejo que conseguira reunir. De início, Renjun não soube como reagir ao gesto, mas não demorou a devolver ao beijo em igual intensidade, aprisionando-o em seu abraço.
Donghyuck sorria, mais brilhante do que qualquer outro sorriso, quando seus rostos se afastaram o suficiente para que dissesse:
“Você levou tempo demais para perceber que eu também quero isso.”
Renjun sentiu como se o mundo tivesse parado de girar, associando cada palavra que havia acabado de ouvir. “Mas... Você tinha me dito que não gostaria que eu o transformasse.”
“Era uma piada, Renjun”, Donghyuck riu. “Céus, eu preciso ensinar você a ter senso de humor. Além do mais, isso aconteceu meses atrás, nós nem nos conhecíamos direito. Agora, eu não tenho outra certeza além de quero estar com você.”
O sorriso parecia impossível de ser contido em seu rosto e Renjun desistiu de tentar. Donghyuck também sorria, seu rosto por completo se iluminando em felicidade fazendo com que Renjun percebesse o quanto havia sido estúpido protelar por semanas algo que ambos desejavam que acontecesse. Não havia sequer a chance de que se arrependesse de sua proposta, mas precisava ouvir de Donghyuck.
“Você tem certeza disso?”
“Como nunca tive antes de qualquer outra coisa”, Donghyuck confirmou. “Eu amo você, Huang Renjun.”
Em associação às suas palavras, Donghyuck jogou a cabeça para trás, oferecendo seu pescoço para que Renjun o mordesse. Renjun conseguia sentir a adrenalina fazendo sua cabeça rodar, mas não havia mais espaço para dúvidas agora. Donghyuck estava ali, em seus braços, confiando sua vida a ele e Renjun não planejava desapontá-lo. Se houvesse um coração batendo em seu peito, sabia que cada batida responderia ao coração de Donghyuck.
“Eu também amo você, Lee Donghyuck”, foi o que Renjun sussurrou antes de cravar os dentes no pescoço exposto.
Diferente de todas as outras vezes, Renjun permitiu que seu veneno invadisse as veias de Donghyuck e se mesclasse ao sangue do mais novo, bombeando-o para todo seu corpo. Era um processo lento e que Renjun sabia bem que poderia ser doloroso, mas estava ali para ampará-lo quando fosse necessário e Donghyuck também sabia disso, mantendo seus olhos fechados enquanto o sorriso não desvanecia em seus lábios.
Havia uma eternidade pela frente para que descobrisse aquele homem, para que desvendasse cada pedacinho que o compunha e permitisse que ele também soubesse de cada particularidade sua. Renjun não tinha certeza se ainda sabia como o fazer, mas sabia que, por Donghyuck, valia a pena correr o risco de se tornar vulnerável mais uma vez e permitir que alguém entrasse embaixo de sua pele.
Vivera por um milênio sem Lee Donghyuck e, honestamente, Renjun nem mesmo sabia o que havia sido sua existência até os últimos meses serem preenchidos por risadas altas, piadas fora de hora e alguém que brilhava mais do que o Sol.
Agora, a única coisa que precisava se preocupar enquanto o corpo de Donghyuck amolecia em seus braços, entregue a inconsciência antes que retornasse dos mortos como seu igual, era nos próximos milênios e em como ter Donghyuck ao seu lado trazia uma perspectiva diferente para estar vivo.
Precisava agradecer a Jeno e Jaemin, em algum momento. Ir àquela festa realmente havia mudado sua vida irreversivelmente — e Renjun jamais estivera mais grato por isso.
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