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História Cabeça de Vento - Algumas lágrimas, uma carta e um adeus


Escrita por: Prolyxa

Notas do Autor


Oi!
Bom, eu trago o último capítulo, depois de um tempo, de Cabeça de vento. Ele ficou grande, foram mais de 8 mil palavras que escrevi muito feliz e triste também. Por isso peço que leia com carinho. Pode ser cansativo, eu sei, mas é a única coisa que peço (olhos brilhantes)
Agradeço muito por ter acompanhado essa fic. Muito mesmo. Por ter acompanhado, lido, comentado, favoritado ou apenas lido em silêncio.
Espero que gostem.
Boa leitura!

Capítulo 5 - Algumas lágrimas, uma carta e um adeus


Sempre gostei do som da palavra Honestidade.

O significado da palavra em si nunca fez sentido de todo para mim, ou fingi que não fazia sentido. Talvez fosse porque eu não era honesto e nunca seria honesto. Talvez fosse porque essa particularidade não estava mim. O som, pelo contrário, era como a palavra, honesto. Era suave e sempre definitivo. A palavra saía espontaneamente dos lábios e tinha uma sonoridade agradável. Quando alguém ia dizê-la, eu sentia vontade de gravar esse momento para mais tarde, assim que estivesse no silêncio do meu quarto em meu mundo vazio, pudesse ouvi-la sussurrada.

Honestidade, Kyungsoo. Você é honesto?

Seria como um segredinho. Aqueles segredinhos do fundamental que o amiguinho pedia que não contasse para ninguém, então juravam de mindinhos como se aquilo valesse sua vida.

Deve parecer estranho isso, mas eu era estranho de fato. E estranhezas faziam parte da minha vida. Coisas pequenas faziam meu dia. Palavras faziam meu dia; observar alguém e me utilizar de palavras para descrevê-lo fazia meu dia. Tentar guardar momentos registrando-os com minhas palavras fazia o meu dia. Meu mundo era vazio, nele nada ecoava. Nada nele se propagaria um dia. E era por isso que eu tentava preenchê-lo de palavras. Palavras não faladas e sim escritas. E Honestidade estava naquele dia. O professor a disse facilmente.

“Porque a qualidade de sermos honestos cabe a cada um. Você tem a honestidade dentro si?”, ele perguntou.

Eu não costumava prestar atenção nas aulas de filosofia. Para mim era uma matéria inútil na escola. Se tínhamos que pensar, que fosse em silêncio, em casa, admirando a natureza e divagando sobre isso com uma boa xícara de chocolate quente à mãos. Contudo, naquele dia, a aula de filosofia não foi inútil e sim perturbante. Tanto o som da palavra assim como seu significado ecoou por minha cabeça. Não consegui separar uma coisa de outra.

Do Kyungsoo não era honesto. Do Kyungsoo só gostava do som da palavra. Do Kyungsoo via aquela pessoa sofrer e não dizia nada a respeito por mais que ela perguntasse.

Ao meu lado, Baekhyun batia a ponta do lápis na folha de papel. Vezes ou outra seus olhos vagavam para a carteira próxima a ele, totalmente vazia, mais uma vez naquela semana. Então ele me olhava como se pedisse uma resposta e eu desviava o olhar. Ou então, um bilhetinho de papel pousava em minha mesa.

Eu sei que sabe sobre ele. Eu sei que Chanyeol conversava com você. Me diz o que aconteceu com ele. Me explica por que Chanyeol não responde minhas chamadas, minhas mensagens e por que não quer me ver!

E Do Kyungsoo bancava o desonesto. Apesar de ver os olhos de Baekhyun brilhando num fogo desesperado por respostas, pedindo que eu fosse honesto, pedindo que eu o ajudasse naquele momento, Do Kyungsoo se bancava de mudo, mais do que já é literalmente.

Baek, o amigo dele é você. Você é quem deveria saber de algo.

E eu me surpreendia no quão cretinamente eu podia agir cada vez mais. E doía lá no fundo, bastante. Doía quando via os olhos marejados de Baekhyun e a única coisa que ele podia fazer era deitar sua cabeça na carteira e fingir dormir escondendo as lágrimas. Doía quando o professor fazia a chamada e nem mais dizia o nome de Chanyeol. Era como se ele não existisse. Doía ter que abrir minha bolsa todas às vezes e me deparar com aquela coisa guardada no meio do meu dicionário velho levando o nome de Baekhyun. Doía muito.

E por que eu fazia isso? A resposta é: porque era preciso.

Porque um amigo no meio da noite veio até mim e me pediu um último favor. Porque um amigo no meio da noite veio até mim e disse que aquilo que fazia era necessário e preciso e mesmo que eu não entendesse e afirmasse ser egoísmo e burrice, era a maneira de ele não querer, acima de tudo, que a pessoa que mais amava no mundo sofresse tanto. Porque um amigo idiota no meio da noite veio até mim e disse essas bobagens e eu fui o mais um idiota ainda por concordar com ele e fazer o que pediu. E então esse amigo sumiu da escola, sumiu da cidade, sumiu do mapa. E você se pergunta todas as noites se esse amigo ainda está vivo.

Estou vivo, Kyungsoo. Não se preocupe que quando eu morrer você vai saber.

Aquela mensagem estava gravada no meu celular. Chanyeol mandou dois dias atrás. Mandou também onde estava porque eu exigi que o fizesse ou o seu último pedido ia para as cucuias.

 Como o Baekhyun está? , perguntou.

Como você acha que ele esteja? Vocês brigaram, aí disseram coisas terríveis um ao outro e então você sumiu e nem chamam mais seu nome na chamada e quando alguém pergunta, dizem que você viajou. Como você acha que o Baekhyun esteja, Chanyeol? HEIN?

Já está acabando, Kyungsoo, respondeu.

Olha, Chanyeol, eu nem sei por que estou fazendo isso. Sério. Você é um babaca egoísta.

Obrigado por tudo, Kyungsoo. Você tem feito isso, talvez, porque seja meu amigo.

Chanyeol, vá se catar.

Eu sentia ódio por mim mesmo. Como eu podia? Se eu soubesse que observar esses garotos daria nisso, quando estava no primeiro ano do ensino médio teria estapeado minha cara e dito para que me focasse nos estudos e não na vida alheia. Porque olhe só onde eu estava!

Eu simplesmente queria mandar tudo aos ares. Tudo deveria ir se catar. Melhor, tudo deveria se resumir numa palavra: Honestidade. Se amigos fossem mais honestos, se os amigos parassem de ter essa mentalidade mesquinha de “não quero que ele sofra tanto” mesmo sabendo, seu infeliz, que vai sofrer um bocado mais tarde; se os amigos fossem menos egoístas e burros, seria tudo mais fácil.

Se eu pelo menos fosse mais corajoso para chegar a Baekhyun e dizer, quer dizer, escrever que seu melhor amigo estava morrendo e que não queria que ele soubesse porque iria sofrer, juro que eu faria! Mas eu não era corajoso, era um covarde de carteirinha de ouro. Eu era um babaca egoísta dado a burro só pensando num lado da moeda.

E naquela manhã, sob o olhar melancólico de Baekhyun, não aguentei. Saí da sala sem mais nem menos. Não queria ficar lá. Não queria ouvir mais sobre a droga de honestidade. Eu só queria uma exceção existencialista onde pudesse chorar um bocado em silêncio. Aí, quem sabe, a vergonha na cara batesse e eu criasse coragem para fazer o que era certo. Ou talvez o errado. Porque dizem que o certo muita das vezes é o errado. E nisso a gente só se ferra.

E eu já estava ferrado fazia tempo.

******

Kim Jongin estava ao meu lado, quieto.

Eu estava parado, olhando uma carreira de formigas que levavam folhas até o ninho. Era uma tarefa árdua, mas elas pouco pareciam com desejo de desistir. Continuavam em frente firmes e fortes. Mesmo que eu colocasse o pedaço de pauzinho na frente atrapalhando sua jornada. Kim Jongin estava ao meu lado, quieto ainda. De modo sinistro, ele não falava nada, apenas mantinha seu olhar negro para a carreira de formigas que Do Kyungsoo atrapalhava a jornada vez ou outra.

Esperei que ele dissesse algo. Ele sempre tinha algo para me dizer e eu só escutava. Gostava de escutá-lo. Todos os dias nós nos encontrávamos na construção perto da quadra e ficávamos de bobeira. Às vezes ele fazia um dever que se esquecera, às vezes ele deitava sua cabeça em meu colo e a gente escutava música juntos. Às vezes passava todo o intervalo me contando das brigas com Sehun ou como ele gostou do desenho animado noite passada. Às vezes ele apenas deitava a cabeça ali enquanto eu lia um livro. Mas ultimamente as coisas tinham mudado.

Eu já não conseguia me concentrar na sua conversa, ou não conseguia ouvir música. Não conseguia encontrar conforto em nada! Qual era o meu maldito problema? Só esperava o dia que ele se cansasse e me deixasse sozinho ali.

Meu Deus, eu estava impregnado pela morte. Nem conseguia me suportar.

Jongin soltou um suspiro.

― Ouça, Kyungsoo, você não quer fazer nada? ― perguntou. ― Eu estou bem aqui, esperando por você. Então vou repetir a perguntar: você não quer fazer nada?

Não entendi sua pergunta no início. Que queria dizer, afinal? Foi só depois que compreendi. Jongin estava ali, o tempo todo, esperando por mim. Ele era minha exceção existencialista. E em minha exceção eu poderia ser um pouco honesto, certo?

Sem medir esforços, puxei Jongin para mim e o abracei. Enterrei minha cabeça em seu peito e deixei que as primeiras bolhas salgadas me saltassem dos olhos e manchassem seu uniforme. Não demorou muito para que os soluços viessem, mas como som algum saía da minha boca, meu corpo apenas tremia como numa convulsão descontrolada e contínua. Apertei tanto Jongin que pensei que poderia quebrá-lo em mil pedacinhos diferentes. E em nenhuma vez ele se afastou ou me abraçou menos. Continuou ali, deixando que eu chorasse em silêncio.

Só uma pessoa tinha me visto chorar e isso foi por toda a minha vida. Minha avó era a única que sabia como eu chorava. Era a única pessoa que sabia o quanto eu queria gritar, o quanto eu amaldiçoava o fato de não dizer ou fazer som algum, o quanto era medonho derramar lágrimas sem poder me expressar corretamente. E ali nos braços de Jongin, era como se milhares de gritos saíssem da minha garganta, só que em silêncio.

Sua mão afagava minhas costas. Vez ou outra subia por meu cabelo e parava na curvatura de meu pescoço. O calor de seu corpo me envolvia e eu podia sentir o cheiro de sabão em seu uniforme, era um cheirinho bom que me fez sorrir enquanto chorava. A boca de Jongin estava no topo de minha cabeça, deslizando vagarosamente. Eu podia ouvir seu coração bater. Meus ouvidos estavam colados ao seu peito e eu podia ouvir seu coração pulsar no mesmo ritmo que o meu.

Minha exceção era tão viva. Minha exceção estava só esperando que eu fosse honesto. E minha exceção chorava baixinho comigo. Senti quando uma das lágrimas de Jongin escorreu lentamente de seu rosto e pingou em minha testa.

Meus olhos foram de encontro aos dele. As duas esferas negras estavam lacrimosas. Comecei a secar seu rosto com os lábios não deixando um pequeno sorriso triste me escapar na boca. Vê-lo chorando era como estragar uma obra de arte feita por Deus e de olhos abertos. Jongin era tão bonito que era uma ofensa fazer com que aquele garoto derramasse lágrimas por alguém como eu. Fala sério, ele merecia alguém melhor e era meio inacreditável que esse no instante fosse eu.

― Ver você chorar me faz chorar também, Kyungsoo ― ele murmurou rindo. ― Pode achar babaca, mas eu sinto tudo o que você sente.

Ao ouvir, deixei que meus lábios tocassem os dele. Foi apenas uma pequena pressão. Um roçar de peles sem compromisso ou desespero. A gente meio que sempre se beijava daquele jeito. Eu não sabia bem beijar e tinha medo do que duas línguas entrelaçadas pudessem fazer. Mas naquele instante eu só mandei minha razão ir se catar lá no inferno. Queria beijar Kim Jongin.

E de língua. Com direito a troca de fluídos e nossos corpos reagindo com todos os hormônios dançando por aquele tão esperado momento. Às vezes eu imaginava umas coisas, sabe. Umas coisas onde Jongin agia bruto e áspero me fazendo implorar por seus toques ― tinha lido essas coisas naqueles livrinhos só de sexo selvagem. Às vezes, quando eu tomava banho, sentia umas coisas sinistras em visualizar todo o corpo agitado de Jongin enquanto ele dançava. E o suor escorria por sua pele morena e eu tinha vontade de secá-lo com meu corpo. Eca, eu pensava. Mas meu corpo já estava vivo, todo acesso.

Como agora.

Não deveria num momento desses, só que estava. Assim, passei meus braços ao redor do pescoço de Jongin e o trouxe para mais perto. Não queria ter que escrever a ele dizendo que queria o beijar de língua. Torci para que ele entendesse minhas ações, que ele sentisse o que eu sentia.

Grudei nossos lábios novamente e dessa vez entreabri os meus. Deixei que minha língua saísse e molhasse os lábios dele. Aquilo foi uma autorização para que a coisa começasse. E começou. Jongin me ajeitou em seu colo e passou seus braços por meus quadris fazendo com que estivesse mais próximo a ele. Então ele mordiscou meu lábio e invadiu minha boca com sua língua.

Surpreendi-me com o fato de não saber beijar e já estar acompanhando o movimento de Jongin de modo afoito e desesperado. Minhas mãos se moviam em seus cabelos, meu corpo balançava ou como se dizia? Rebolava no de Jongin. Meus lábios estavam doloridos devido ao beijo, mas não significava que pararíamos.

Só queria que ele sentisse minha frustração. Minha dor e minha desonestidade. Só queria que ele soubesse de tudo sem que eu tivesse que lhe explicar. Queria que ele sentisse meu coração por um instante que fosse. E todo aquele momento parecia que Jongin me descobria. Ouvia meus segredos e entrava em lugares que antes ninguém nunca entrou. Quando paramos para tomar fôlego, eu já não sabia mais onde começava meu corpo ou o de Jongin. Estávamos tão próximos, tão grudados, tão unidos que doeria quando nos separássemos.

― Kyungsoo, quando sentir seu peito doer, quando sentir vontade de chorar, venha sempre até mim. Nunca hesite. Nunca tente ser desonesto comigo e consigo mesmo. Nunca tente lidar com tudo sozinho. É para isso que eu existo. Existo pra estar ao seu lado... Entendeu?

Aquiesci.

 ― E sobre o que tem te deixado assim... ― Jongin puxou meu rosto para fitá-lo. ― Lembra-se que falei a você naquele dia no ônibus que ele, o Chanyeol, não é burro, mas ele só ama?

Não fiquei em choque ao ouvir tal coisa, Jongin certamente leu o que eu escrevia e durante as semanas tinha notado a ausência de Chanyeol.  

― Então, quando a gente ama muito, faz o que acha certo mesmo que não esteja. É por isso que dizem que o amor é cego, mudo e surdo, além de egoísta ― murmurou. ― E você só tem que fazer o que acha certo, porque se importa com eles dois.

O problema é que eu nem sei o que eu acho certo. Nem o errado. Nem nada. Só sei que acho tudo um completo dilema que só me ferra a vida. É esse o problema. Deixei essas palavras presas em minha cabeça.

Jongin passou a mão nos meus cabelos empurrando-os para trás.

― E eu vou te apoiar em tudo. Você não vai estar sozinho nessa.

Abracei-o mais forte.

― Quando você sentir que não suporta mais, eu vou suportar por você. Quando você estiver apoiando alguém e quiser chorar, é pra mim que vai fazer isso.

As palavras de Jongin explicavam o que iria acontecer um pouco mais tarde. Quando tudo fosse impossível de suportar e eu só quisesse cair. Quando eu tivesse que apoiar Baekhyun e me manter firme e minhas forças estivessem esgotadas e eu só sentisse vontade de chorar. Peguei meu bloquinho de notas e rabisquei algo para Jongin.

Por que faz isso pra mim, Jongin?

Ele leu a mensagem e revirou os olhos.

― Pensei que já soubesse, sua peste ― falou. ― Faço tudo isso porque eu te amo.

Senti minhas bochechas corarem. Perdi qualquer pensamento. Perdi o ar. Não pensava que fosse ouvir uma declaração dessas tão cedo assim e de modo tão espontâneo. Fitei bem os olhos procurando sinal de arrependimento de ter dito aquilo ou talvez uma mentira. Não havia nada.

Eu também.

― Também o quê? ― perguntou sorrindo.

Também te amo um pouquinho, seu bobo.

― Um pouquinho já é alguma coisa. ― Ele pensou. ― Numa escala de zero a dez, o quanto esse pouquinho é?

Deixei que minha própria boca respondesse colada a sua num beijo mais intenso do que o anterior.

― Isso passou da escala de zero a dez, sabia?  ― riu. ― E eu gostei. Obrigado, Kyungsoo.

Iríamos nos beijar de novo, eu estava gostando daquele tipo de beijo e de como meu corpo reagia a tudo, mas fomos interrompidos por Sehun que soltou um grito de espanto ao nos ver naquela posição. Eu não o culparia, a coisa estava mesmo complicada.

― Meu Deus! Vocês dois estão se pegando? Você tá pegando meu Jongin! ― reclamou. ― Cara, tentando roubar meu melhor amigo? Eu pensei que você fosse do bem!

Jongin bufou.

― O que quer, Sehun?

― O professor tá te procurando como uma fera. Acho bom correr e dar uma boa explicação do que fez.

― Mas eu não fiz nada! ― argumentou. Fitou Sehun demoradamente e bagunçou os cabelos, nervoso. ― Vou te matar, Sehun. Já falei pra me deixar fora dessas suas brincadeiras!

― O professor tá te esperando, acho bom correr.

Jongin despediu-se de mim com um beijinho nos lábios e correu para a diretoria. Sehun ficou e sentou-se ao meu lado sem qualquer autorização. Parecia resignado a ficar e me perturbar.

― Nossa, estou chocado  ― falou.  ― Pensei que você e Jongin fossem inimigos e agora estão vivendo como um casal.

Você já me odiou e veja como estamos agora. Quase amigos.

― Não lembro de dizer que te odiava menos. E que éramos quase amigos.

Você é um cretino, Sehun.

― Você está roubando meu Jongin.

Onde está a nota fiscal de que ele seja seu, hein?

― Ok, ok. Vamos parar. Já percebi que roubaram meu amigo e que está todo possessivo sobre ele. Ok, Kyungsoo, você venceu. Dessa vez.

Sehun bocejou e fechou os olhos. Pude ver que um pequeno sorriso cortava seus lábios finos. Era bem difícil ver Oh Sehun sorrindo sem que o motivo não fosse seu irmão. E isso me fazia questionar se os dois estavam indo bem. Quer dizer, depois daquele dia no parque acho que as coisas estavam indo mais do que bem. Sem querer, senti meus olhos lacrimosos de novo e os sequei rapidamente antes que Sehun visse. Imagina os absurdos que diria a respeito. Ele não perdia tempo em fazer um infernozinho básico para alguém. Mesmo assim, foi inútil. Sehun percebeu e ficou me encarando.

― O quê? ― perguntou. ― Eu fiz alguma coisa? Tipo, você tá chorando do nada! Ou foi o Jongin, não é?  Ah, mas só diz aí que eu vou pegar aquele traste e...

Balancei a mão numa negativa e tentei sorrir.

Sehun, só cala a boca e fica na sua. Tá tudo bem.

― Ah, você é do tipo sensível ― murmurou. ― Ok, que seja. E você é um rude ― resmungou encostando-se ao muro.

Voltamos a ficar quietos. Sehun não disse mais nada por um tempo e eu evitei pensar por todo esse tempo. O que foi difícil. O que eu mais fazia era pensar sobre algo até que me cansasse. Que droga, era uma merda. Se ao menos eu tivesse Jongin aqui, poderia manter meus pensamentos em outra coisa como, por exemplo, beijá-lo de língua até que meus lábios estivessem machucados. Droga, eu tinha que parar de ler aqueles livrinhos de sexualidade selvagem.

― Kyungsoo, você pensa demais. É até um porre ficar aqui do teu lado. Você deveria falar mais vezes.

Ao ouvir aquilo, olhei para Sehun de olhos arregalados. O que significava aquilo? Como assim? Por que todo mundo diz que eu deveria falar mais vezes quando eu sou mudo?! Qual era o problema desses humanos?

Sehun, você é burro ou coisa do tipo? Se esqueceu que sou mudo, sua anta?

― Não coloca a mudez como empecilho pra tudo ― respondeu. ― É educado conversar com uma pessoa quando ela está do seu lado.

Não sabia que você queria conversar.

― Pensei que você não fosse tão burro. Por que acha que fiquei aqui? Pra ficar te admirando? Pra aprender a ouvir o vento com Kyungsoo? Claro que não, sua anta.

Sobre o que quer falar? É sobre seu hyung? Precisa de conselhos amorosos?

― Por que eu falaria do meu hyung com você? E por que eu pediria conselhos amorosos justamente pra você? Quer dizer, eu nem preciso de conselhos amorosos.

Sehun, vou fingir que sou surdo e você não disse isso. Só desembucha. O que tá acontecendo entre você e seu irmão?

― Ele tá me evitando ― falou rápido. ― Quer dizer, ele tem sido sútil e tal, mas está me evitando. E eu pensei que depois daquele dia no parque... Sei lá, a coisa ia mudar. Quando a gente fica sozinho e entra num clima, ele sempre inventa de arrumar alguma coisa pra fazer e ficar longe de mim. Quando a gente se toca, é tudo tão rápido e como se fosse pecado! Quando eu... ― Sehun colocou a mão na boca.

Quando você quer beijar Luhan loucamente , completei.

Sehun avermelhou.

― É, e ele evita. Daí fico me perguntando se ele gosta mesmo de mim. O que diz disso?

Coisa feia, Sehun, assediando Luhan, tsc. Bom, o que eu acho é A) Ele mentiu quando disse que gosta de você, foi só pena ― e vamos eliminar essa coisa porque depois daquele beijo de vocês... Nossa!  B) Ele gosta muito e tem medo do que um beijo pode levar. E um beijo pode levar a muitas coisas. E eu sei que você quer essas coisas.

― Por que tem certeza que quero essas coisas?

Porque é a sua cara. Tá escrito na sua testa que os hormônios estão fervendo pra isso. O Luhan só deve estar um pouco com medo.

― Medo por que, porra? Sou só eu!

Aff, você é mais burro do que eu pensava. Sehun, antes de você ser o cara que ele gosta, é o melhor amigo e o irmãozinho querido. Tente compreender. Aposto minha alma que o Luhan também quer essas coisas, ele é do tipo pervertido comedido que pede perdão a Deus por desejar o irmão mais novo.

― Sempre achei isso também, que ele é santinho de pau oco.

Enfim, vai com calma. O segredo pra tudo é honestidade, aí as coisas vão fluir. Não pense muito, e faça o mesmo com Luhan. É só... sentir e ser honesto com ele.  

― Hum. Tá bom ― resmungou. ― E não conta essa nossa conversa pra ninguém. Nem pro Jongin, ouviu?

Ou o quê? Vai quebrar meus dentes e me fazer gritar por misericórdia? Sehun, posso ser tudo, menos fofoqueiro.

― E agora, Kyungsoo, desembucha. Eu já fui, é sua vez.

Revirei os olhos. Ia conversar sobre tudo com Sehun? Quer dizer, ele não é nem aqui e nem na China o melhor ouvinte. E eu já tinha desabafado com Jongin mesmo sem dizer uma sequer palavra. Kyungsoo, que tudo se dane.

O negócio é o seguinte: tem dois amigos. Eles se gostam, se amam bastante. Mas tem O problema, um deles vai morrer. Esse desgraçado coloca na cabeça que o outro não deve saber por nada desse mundo e tudo por quê? Porque não quer que o outro sofra tanto. É uma idiotice egoísta, não acha? No meio desses dois está um cara, uma mula na verdade, que está ajudando o desgraçado. Só que essa mula está num dilema. A mula acha que o outro amigo deve saber da verdade e estar ao lado da pessoa que ama até os últimos minutos que puder. Mas a mula tem uma promessa com o desgraçado sobre manter segredo. Como faz? O que é certo ou errado a se fazer?

Sehun riu. Riu bastante, riu como eu nunca o ouvi rir em toda a minha temporada no colégio. Riu até ficar vermelho. Riu de se debruçar e colocar a mão na barriga porque doía. Riu de sair umas lagrimazinhas no canto dos olhos. Depois que terminou de rir, Sehun olhou bem para a minha cara. Ficou olhando como se eu fosse muito burro para não perceber a solução. E talvez eu fosse muito burro, até porque eu era a mula da história.

― Kyungsoo, você é mais burro do que eu pensava ― respondeu. ― Certo ou errado, tsc ― murmurou. ― Não acredito que ouvi uma porra dessas.

Esperei que dissesse alguma coisa a mais e não, não disse coisa nenhuma. Ficou ali, parado olhando para o céu. Até que ele se levantou e olhou novamente para mim.

― Você ainda não entendeu? ― perguntou. ― Tipo, você mesmo me disse! ― Fiz cara desentendido. ― Honestidade, Kyungsoo! Tudo não passa de ser honesto e que se dane o resto!

Eu era uma mula. Uma mula máster.

*****

Baekhyun leu o bilhetinho que joguei para ele. E leu mais uma vez. E outra. E outra. E outra. Até pensei que tinha escrito coisa a mais lá. Só havia uma frase. Uma simples frase pedindo que ele me encontrasse na quadra da escola mais tarde e só isso. Baekhyun olhou para mim então e jogou o papelzinho de volta.

― Se não for pra falar de Chanyeol, não espere por mim.

Ah, que pena. A gente ia falar sobre como as vacas têm mudado a vida das pessoas e como os puns alheios fedem (principalmente o do Lay quando come ovos em conserva). Mas tudo bem, Baekhyun, a vida é dura mesmo, escrevi e mandei o bilhetinho de volta para ele. Baekhyun leu.

Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Ah, como foi bonito de ver aquilo! Era daquela maneira que Baek deveria estar sempre que pudesse, ele deveria estar sorrindo e mostrando o quanto isso combinava com ele.

― Tá, eu vou ― ele respondeu.

No decorrer da aula eu me mantive avoado. Mantive minha cabeça nas nuvens. Mantive toda a minha concentração em coisas inúteis. Não queria pensar. Não queria criar covardia em mim justamente quando me decidi ser honesto de verdade e mandei as outras coisas se danarem. Afinal, amigos não eram assim às vezes?

Antes de ir me encontrar com Baekhyun no final da aula, fui ver Jongin. Ele estava em seu clube ensaiando uma coreografia com alguns colegas. Não o chamei, pois queria vê-lo dançar. Acompanhei cada movimento de seu corpo e senti todas aquelas coisas sinistras me acontecendo por desejar Kim Jongin. No final, acabei não resistindo e fui falar com ele assim que ficou sozinho.

― Oi ― ele disse.

Peguei meu bloquinho e rabisquei uma coisa.

Oi. Nesse momento eu só quero uma coisa de você. Quero um abraço. Apertado.

Jongin leu e por um minuto vi um leve rubor em suas bochechas. Aposto que as minhas também estavam. Eu normalmente não pedia coisas assim.

― Ok. Pode esperar que eu tome um banho e fique...

Antes que ele pudesse terminar de responder, o puxei. Queria abraçá-lo daquela forma mesmo, suado, ofegante e quente. Sempre tive esse desejo. E por mais eca que minha mente gritasse lá no fundo, abafei tudo com um longo que se dane. Apertei Jongin como mais cedo e ele correspondeu. Demorou um pouco porque talvez estivesse surpreendido comigo, até eu estava, mas no final me deu um longo abraçado apertado.

E tive bônus: Um beijão. E de língua.

Eu estava ficando bom naquilo.

*****

Baekhyun estava me esperando fazia tempo.

A primeira coisa que disse assim que cheguei foi que eu estava atrasado. E que ele não gostava de atrasos, ainda mais da minha parte porque estava bravo comigo. Ignorei seus protestos e peguei sua mão, o puxando comigo. Baekhyun a todo o momento perguntava aonde íamos e o motivo de tudo aquilo. Fiquei em silêncio. Arrastei o garoto até a sala de treinamento dos atletas da escola.

― Por que estamos aqui, Kyungsoo? ― ele perguntou.

Ignorei Baek mais uma vez e me sentei no chão da sala vazia, bem no centro. Puxei minha mochila e comecei a retirar algumas coisas de lá. A primeira coisa que tirei foi uma caixinha de Kit Kat tradicional, que coloquei ao meu lado no chão. Tirei, por fim, uma caixinha de lenços de papel.

― Por que essas coisas aí? ― ele perguntou.

A caixinha de Kit Kat era porque Baekhyun comia aquelas coisas como bebia água. Eu via muitas vezes Chanyeol comprar um bocado do doce para dar ao amigo nos intervalos ou durante uma aula. Baekhyun comia quando estava um pouco ansioso e aquilo o deixava de bom humor. E a caixinha de lenços de papel porque ele precisaria. Olhei em volta e avistei o terceiro objeto necessário. O saco de pancadas da sala de treinamento. Levantei-me e fui pegar um par de luvas para deixar por perto.

― Kyungsoo, desembucha! Por que estamos aqui e o que são todas essas coisas?

Senta aí , escrevi no meu bloquinho. Quer saber do Chanyeol, certo? Você vai saber. Sugiro que antes coma uns docinhos. Traga seu bom humor.

ANDA, BAEKHYUN. NÃO TEMOS O DIA TODO!

Baek pegou os tabletes de seu doce e comeu. Assim que terminou, comecei.

O negócio é o seguinte: Chanyeol está morrendo.

Estendi a ele mais um Kit Kat. Baekhyun leu o que eu tinha escrito e riu. Então ele olhou em meus olhos e viu que eu falava sério. Pegou o Kit Kat sem que eu mandasse. O garoto estava parecendo um papel de pálido. Expliquei a ele a doença de Chanyeol de acordo com o que tinha pesquisado para saber mais sobre a tal síndrome. Esperei que ele fizesse alguma pergunta e não teve nenhuma, ele só pegou mais um Kit Kat. Não falei mais nada depois disso.

― Desde quando? ― perguntou por fim.

Ele tem isso desde que nasceu, só que se desenvolveu faz pouco tempo.

― Por que ele não me contou?

Porque Chanyeol não quer que você sofra tanto quando ele tiver que partir.

― Eu já estou sofrendo agora! ― Baek gritou. ― Então, Kyungsoo, por que ele não me contou? Por quê? Eu sou o melhor amigo dele! É justo que eu soubesse. É justo que eu estivesse ao lado dele! ― Baekhyun gritava cada vez mais. Eu já podia ver seus olhos lacrimejarem. ― Por quê?!  

Suspirei.

Porque, Baek, Chanyeol te ama muito. E vê-lo sofrer o faria sofrer. Por isso.

Baekhyun soltou uma risada acompanhada de um soluço. Olhou-me por uns instantes esperando, talvez, que eu dissesse que tudo não passava de uma piada. E eu gostaria que fosse, juro. Ele se levantou rápido e ficou zanzando para lá e para cá na sala. Estava nervoso. Seguiu, então, até o saco de pancadas. Antes que eu o alcançasse e lhe desse as luvas de boxe, ele já estava esmurrando o saco. Toda vez que Baekhyun esmurrava o objeto, ele gritava ou dizia algo a respeito de Chanyeol. Algo como:

― Eu te odeio, seu orelhudo!

― Por mim pode arder no inferno!

― Por que mentiu? Justamente pra mim, Chanyeol?

― A gente não era irmão? Você disse que a gente era!

― Eu te odeio!

― Por que eu te odeio e gosto de você mesmo assim?

― Por que sinto tanto a sua falta, cacete?

― Por que, Chanyeol, eu me sinto um lixo sem você, hein?

― Por que você tem que morrer? Por que tem que me deixar?

Nesta última frase, Baekhyun desabou. Desabou literalmente. Caiu no chão, caiu com tudo. Corri até ele tentando levantá-lo, mas ele estava tremendo, chorando como um bebê. Suas mãos estavam machucadas por esmurrar o saco sem proteção e todo ele parecia muito frágil no chão.  Puxei Baekhyun o ajeitando perto de mim, colocando sua cabeça em meu colo e fazendo com que ele não se sentisse só apesar de tudo. E então ele chorou. E chorou e gritou e chorou e gritou. As lágrimas não paravam de sair. Parecia que eram infinitas. E sabe o pior de tudo? Era que eu não podia chorar, não agora. Tinha que ser forte, tinha que aguentar, tinha que fazer Baekhyun se sentir seguro. Por isso que fiquei com ele daquele jeito por um longo tempo, até o anoitecer.

E quando suas lágrimas cessaram e ele perguntou baixinho:

― Quanto tempo ele tem, Kyungsoo?

E eu não soube responder, porque não sabia mesmo quanto tempo Chanyeol dispunha já que podia ser uma semana, dois meses, um ano ou mais, não sabia; Baekhyun voltou a chorar, só que dessa vez em silêncio. Assim como eu. E sabe o pior de tudo? O pior de tudo era que doía. Muito. Doía e sangrava. Era um choro terrível esse silencioso. Até senti um arrependimento de ter contado. Talvez fosse por isso que Chanyeol não contou, sabia o quanto o amigo ficaria desolado. Eu sentia o desespero, a angústia, a tristeza, o coração partido, a alegria enterrada, a vontade de viver morta, ou melhor, assassinada.

Sentia Baekhyun tentando enxergar a perspectiva da sua vida sem um Chanyeol. E aquilo era para sempre, não tinha volta. Era diferente de quando brigavam porque sabiam que iriam se ver e fazer as pazes mais tarde. Mas ali não, ali não tinha esse lance de fazer as pazes ou de se ver novamente. Tratava-se de morte. A cessação da vida. A ruína. Um adeus incessante.

Lembro-me que o acompanhei até perto de sua casa. Não dava para deixá-lo ir sozinho naquele estado deplorável. Estava desnorteado. Soube que seu melhor amigo morreria em breve. Lembro-me que Baekhyun acenou fraco e até tentou, e nossa ele tentou mesmo, abrir um sorriso. Tentativa falha. Lembro-me que ele falou:

― Quero vê-lo, Kyungsoo. Quero ver o Chanyeol. Preciso.

E lembro-me que aquiesci. Era seu direito. Era claro que não seria agora ou amanhã. Baekhyun estava destruído. Mas tudo bem.

Lembro-me que indo embora, parado no ponto de ônibus, senti vontade de chorar. Uma vontade desesperadora. Tinha me envolvido muito com esses garotos e me doía tudo o que neles doía; e ser forte para eles doía bastante. Lembro-me que peguei meu celular e procurei por um nome da lista de chamada. Lembro-me que digitei uma mensagem toda confusa. Pedia que viesse me encontrar. Rápido. Lembro-me que meu celular tocou e atendi trêmulo.

― Kyungsoo, ouça a minha voz, ok? Estou chegando aí. Calma. Calma. Estou chegando.

Lembro-me que mantive a calma, ouvia a voz dele e mantinha a calma. Lembro-me que quando ele chegou, eu praticamente corri e o abracei. Só queria dizer seu nome e dizia em silêncio.

Jongin! Jongin! Jongin!

Lembro-me que ele me abraçou forte e depois não me lembro de mais nada.

*****

Fomos ver Chanyeol dois dias após tudo isso.

Foi uma surpresa me deparar com um Baekhyun todo renovado, resignado e desesperado para ver o amigo no colégio. Tudo não passava de uma faixada, eu sabia. Por dentro ele continuava o mesmo menininho da sala de treinamentos que chorou em meu colo ao saber que perderia o melhor amigo em breve. Mesmo assim, atendi o seu pedido. Já tinha sido honesto e faltava só mais um pouco para completar tudo. Por isso mandei a Chanyeol uma mensagem que no fim de semana iria vê-lo. Ele se surpreendeu e perguntou o motivo.

Preciso de motivo pra ver o meu amigo? , respondi.

Assim, naquele sábado de manhã, Baekhyun e eu íamos para a casa de campo da avó de Chanyeol numa cidade ao lado. Íamos de trem. No caminho, ninguém disse nada. Não era necessário dizer, as palavras naquele momento não seriam suficientes. Então cada menino se aconchegou em seu assento, encolheu-se devido ao frio e ficou na sua. Quando chegamos, escrevi uma única frase num pedaço de papel e dei a Baekhyun.

Independente do que aconteça hoje, lembre-se do significado de amigos.

 ― Obrigado, Kyungsoo ― ele respondeu.

Pegamos um táxi. Chanyeol tinha insistido em me buscar na estação, neguei dizendo que queria chegar lá sozinho, era a primeira viagem que faria e gostaria que fosse independente. Enquanto o carro ia pela estrada de terra e o ar mudava com mais significado, permiti-me cochilar. Fui acordado por Baekhyun. O carro parara em frente a uma casa verde toda antiga de dois andares com uma grande varanda e cadeiras de balanço. Tínhamos chegado. Ignorei todo o resto. Apenas me foquei em subir os degraus da varanda, apertar a campainha velha e esperar que uma senhora viesse abrir a porta.

― Chanyeol está te esperando lá nos fundos. Ele tá pescando! ― Supus ser sua avó, tinha o mesmo jeito sorridente.

Quando ela viu que Baekhyun estava atrás de mim, espantou-se. Ficou alegre também. Conhecia o menino fazia tempo, mas não o via há anos. Além de que para ela apenas eu visitaria o neto.

― É uma surpresa! ― Baekhyun sussurrou.

Fomos até os fundos. Segundo a avó, tinha um lago lá e Chanyeol passava grande parte do tempo sentado perto do lago apenas olhando ou pescando ou dormindo. Ela explicou onde ficava direito e nos deixou ir por nós mesmos. Caminhei até o lago sentindo minhas pernas bambas. Sério, se Chanyeol não estivesse tão doente, me bateria pelo que fiz. Quebrei a promessa, quer dizer, parte dela. Mas ok. Era tudo por um bem maior.

Avistei o grandão sentado numa cadeira de balanço debaixo de uma árvore grande, um carvalho, com uma vara de pescar nas mãos. Usava um chapéu de palha, uma blusa muito grossa devido o ar gélido e parecia concentrado na tarefa da pesca. Aproximei-me dele e toquei seu ombro. Ele sorriu.

― Kyungsoo! ― gritou.

Percebi que ele estava mais magro, mais pálido, mais definhado. Ele se demorou em levantar da cadeira e quando o fez, pareceu ter sentido dor. Chanyeol iria me abraçar, mas seu sorriso sumiu dos lábios secos. Avistou Baekhyun vindo logo atrás de mim. O olhar que Chanyeol me lançou foi o suficiente para eu querer ser um avestruz e enfiar a cabeça num buraco bem fundo. Tipo, muito fundo.

― A promessa ― falou baixinho.

E eu queria dizer: Eu sei, eu sei. Mas é por uma causa maior. Mas limitei-me a retirar do bolso um pedaço de papel e entregar a ele. Chanyeol leu rapidinho, só havia uma palavra escrita ali, e me olhou mesmo assim, de modo triste.

― Kyungsoo, não ― murmurou. ― Pegue ele e vai embora. Agora.

― A gente não vai embora, Chanyeol. ― Baekhyun já estava ao meu lado. ― Vamos conversar.

― Não quero falar com você ― respondeu. ― Pensei que tivesse sido claro quando disse que nunca mais queria falar com você ou ver sua cara ou coisa do tipo. Você disse a mesma coisa.

― E desde quando eu ouço o que você diz? ― Baekhyun perguntou áspero. ― E desde quando você leva a sério o que eu falo? Sabe que tudo não passa de asneira.

― Baekhyun, vai embora. Não quero ver você, é sério. ― Chanyeol amassou o papelzinho que estava em sua mão.

Baekhyun soltou um “tsc” e aproximou-se de Chanyeol. Ficaram cara a cara. Eu conseguia ver, através da veia do pescoço de Chanyeol, que ele estava nervoso. Não nervoso de bravo, nervoso por estar vendo em semanas a pessoa que tanto gostava. Ele estava tentando muito duro se manter irredutível com sua postura distante, mas estava sendo difícil.

― Você sabe o significado de amigo, Chanyeol? ― A pergunta de Baekhyun foi baixa. ― Sabe que amigo a pessoa por quem se está ligado por uma coisa forte? Um sentimento recíproco? Sabe que amigo significa companheiro, aquele que se apoia? ― Baekhyun não dava espaço para Chanyeol. ― Independente da situação, Yeollie?

Chamar o maior pelo apelido foi um golpe bem no coração, percebi isso. O apelido tinha um significado maior entre os dois. Tudo bem que o apelido era um tanto que babaca, mas os dois eram amigos. Era normal coisas babacas entre as amizades.

― Amigo é um aliado, Chanyeol ― falou sem respirar. ― Amigo é um irmão. E eu te disse que éramos irmãos! Em todas as situações!

― Baek... ― Chanyeol murmurou. ― Vai embora.

― Eu não vou. Não vou mesmo. Só saio daqui arrastado e você não vai fazer isso. Sei que está com muita saudade pra fazer uma coisa dessas.

Dessa vez foi a chance de Chanyeol rir.

― Por Deus, garoto, não entende que eu não quero te ver?

― Por Deus, Chanyeol, acha que eu vou ficar longe de você por mais tempo? ― Baekhyun se atreveu em pegar a mão do outro. ― Acha que eu suporto ficar longe de você? ― sussurrou. ― Acha que eu não sinto sua falta?

― Baek, você não entende a coisa... Você não entende que...

― Eu sei! ― gritou. ― Eu sei de tudo! Eu sei que você vai morrer, eu sei que isso é doloroso! Mas eu não quero te deixar sozinho nessa. Então não me deixa sozinho também. Por favor. Não me deixa.

Chanyeol me lançou outro olhar. Era um misto de irritação, sentimento de traição e, acima de tudo, desespero. Apenas tentei parecer sério e apontei para o papelzinho amassado em sua mão. Abri a boca e movi meus lábios. Gesticulei o que estava escrito lá. Seus olhos se desviaram dos meus e voltaram-se para Baekhyun.

Ambos se fitaram tão demoradamente que eu não conseguia desviar os olhos. Conversavam através dos olhares. Eu já deveria ter desaparecido dali e ido comer pasto longe, mas não conseguia. Uma parte minha queria ver o que ia acontecer e outra parte queria sair do local e deixar os dois sozinhos.

― Não vou te deixar... ― Chanyeol murmurou por fim. E foi nesse murmúrio que fui saindo de fininho. Era a deixa.

Sorri enquanto fazia o caminho de volta até a casinha verde. No final de tudo, ele seguiu o que escrevi no papelzinho. Graças a Deus. Chanyeol fez a escolha mais sensata e a mais simples da sua vida. Talvez, mais tarde, fosse parecer difícil e errada. Mas não seria. Ele teria ao seu lado a pessoa de quem mais precisava.

E tudo porque ele escolheu ser honesto.

******

Ficamos na casa da avó de Chanyeol naquele fim de semana. E a única coisa que tenho a dizer sobre isso foi que, de madrugada, eu estava saindo para ir ao banheiro e vi Baekhyun correndo até o quarto de Chanyeol. Pude ouvir a voz doce dele pedindo que o amigo deixasse que ele dormisse ao seu lado.

― Quero fazer como quando éramos crianças. Lembra que a gente dormia junto olhando pro teto e segurando na mão do outro?

Não precisei ouvir a resposta de Chanyeol. Soube que ele deixara quando Baekhyun riu baixinho e houve um estalo. Não me demorei em perceber que aquele estalo significava um beijo de boa noite. E um beijo de boa noite de língua. E que na manhã seguinte eles eram como unha e carne. E continuariam assim pelo tempo que tivessem juntos.

Eram amigos acima de tudo. E se amavam. Bastante. Para sempre.

******

Divagando incoerentemente com um túmulo:

Sabe, uma vez minha avó disse que a vida é efêmera.

Eu rebati dizendo que não, a vida não era efêmera. A vida era injusta. Uma vez, também, ouvi uma pessoa dizer que amizades não existiam, que não passava de bobeira. E eu descobri que sim, amizades existiam e que não, não era bobeira. Descobri também que amar alguém é tão mais problemático do que se imagina. Descobri que viver é tão difícil do que se espera porque há tanta dor, tanta desilusão e injustiça, e sei que você sabe bem disso, Chanyeol.

Já faz quanto tempo? Dois? Três anos? Mas ainda assim, dói saber que a vida é tão efêmera e leva para longe as pessoas que mais amamos num piscar de olhos.

Num momento estamos todos reunidos e no outro você já não estava mais conosco.

Sei que Baekhyun viera aqui. Ele trocou as flores. Colocou essas florezinhas amarelas que acho horrível, uma ofensa à natureza, mas que ele afirma que você gosta. Quem homem gosta de flor, hein? Vou perdoar você porque você era uma exceção em tudo. É outono. Você gosta dessa estação, não é? Baekhyun me contou. Na verdade, Baekhyun me contou tantas coisas sobre você! Acho que até sei a cor da sua cueca preferida. E eu ri, viu. Aquela cor é brega. Baekhyun passou longas horas falando comigo e divagando sobre você. Principalmente naquele natal, quando você partiu.

Inverno. Baekhyun odeia o inverno.

Consigo me lembrar de você rindo melancólico naquela noite e de pegar na mão de Baek e apertar forte. Consigo me lembrar do olhar que ambos trocaram. Eu tenho esse jeito de stalker, você sabe, e vejo tudo. Consigo me lembrar do último sorriso que deu a todo mundo. A gente percebeu, Chanyeol, a gente percebeu. Era a última vez que nos veríamos. Lembra que o Luhan chorou um bocado? E o Lay, então? Se Suho e Jongdae não o consolassem, ele estaria chorando até hoje.

Consigo me lembrar da sua última frase.

― Vocês são bons amigos e tipo, nossa, deveriam sentir inveja da gente.

Tinha que dizer uma babaquice dessas? Eu sei, você tinha. Era a sua cara. E no final de tudo ainda, para acabar com as nossas estruturas, você deu um daqueles sorrisos de sempre. Sorriso: eu-estou-feliz-apesar-de-tudo-galera. E depois, num piscar, você não estava mais com a gente.

Era inverno.

Baekhyun chorou um bocado, você sabe. Ele ficou muito deprimido, você sabe também. Ele só conseguia dizer seu nome, você sabe. Mas ele tinha a gente, você sabe. E a gente se ajudou, você sabe. E o inverno foi mais acolhedor, você sabe. Lembro-me que numa noite, quando Jongin estava longe de mim e eu só queria chorar, chamei Baekhyun para vadiar. Só nós dois. Onde fomos? No parque de diversões andar na montanha russa. Só tinha a gente lá.

Quando a gente estava prestes a descer uma das ondas da montanha, chamei a atenção de Baek e apontei para o céu. Estava tão estrelado, tão cintilante e ele parecia sorrir. Sim, sorrir! Tipo, um céu sorrindo? Eu fiquei desse jeito.

Baekhyun fitou o céu por um tempo e quando descemos a onda, ele gritou seu nome.

― Chanyeeeeeeeeeeeeeeeol!

Na outra onda, ele gritou outra coisa.

― Euuuuuuuu tee odeiiiiiiiiiiiiiiiio! Muuuuuuuuuuuito!

E na outra onda.

― E euuuuuuu sintoooo suuuua faaaaaaaalta!

E na outra também.

― Muuuuuuuito.

Assim que chegamos ao chão, ele desabou em chorar. Ficou falando seu nome e chorando e chorando, e eu o abracei. E sei que você não sabe disso, ele não te contou, aposto. E foi a primeira noite onde Baekhyun bebeu para dormir.

Ah, definitivamente o outono é melhor que o inverno.

Quando a gente se formou, foi o pior inverno de todos. Muito frio, muito doloroso. Ninguém quis se lembrar do dia. Muita gente estava feliz, muita gente estava pulando de alegria. Baekhyun não. E porque a sua cadeira estava vazia ao lado dele. E sabe aquele trabalho de amizade que o professor pediu? Então, eu não entreguei. Fiquei com um zero bonito lá e quase não me formei por causa dele. E sabe por quê? Não queria entregar meus amigos. Não queria que o professor lesse sobre vocês, principalmente sobre você, Chanyeol.

Eu virei um egoísta babaca. Culpa sua.

Ah, Chanyeol, todos esses anos se foram e você faz falta. Muita.

Sabe a nossa promessa? Bom, quero falar sobre ela. Eu cumpri. Tudo bem que não foi como você pediu, mas no final foi o melhor, não foi? De todos os modos, dei a Baek a carta que estava guardada em meu dicionário velho um tempo depois de sua partida. Foi naquela noite quando fomos ao parque de diversões e ele bebeu. Depois disso ele nunca mais colocou álcool na boca por sua causa. Confesso que eu li. Sim, me condene. Eu li e chorei. Reli e chorei. Reli e li. Li e reli. Acabei comigo mesmo e lembro-me dela de cor e salteado. E Baekhyun guarda a carta junto do seu coração. E ele conseguiu forças para ir vivendo através dela.

Baekhyun está bem, Chanyeol, e você sabe disso.

E antes de ir, Jongin está me esperando, só tenho uma coisa a dizer: Você é o melhor amigo que eu poderia ter tido. Você continua sendo meu melhor amigo. Mesmo à distância.

*****

Hã, oi? Ou, saudações, Byun Baekhyun da Terra.

Rsrs.

Então, Baekhyun, é a primeira vez que escrevo uma carta. E uma carta para um garoto. Veja só! Bom, essa carta deveria ser de despedida. Mas será uma carta onde quero dizer a você tudo aquilo que nunca tive coragem. (E tempo). Não vai ser muito longa, eu não sei usar bem as palavras. Ia até pedir ajuda pro Kyungsoo, ele sabe escrever, mas decidi me esforçar. E justamente por sua causa.

Você uma vez me perguntou se eu me lembrava de como nos conhecemos. Sim, Baek, eu me lembrava, só disse que não porque estava com vergonha de dizer que aquele momento foi o mais importante na minha infância. A gente se conheceu no jardim de infância e você riu de mim porque eu tinha orelhas estranhas e eu te xinguei de nanico mimado e viramos amigos. E nossa, eu tinha te achado fofo, admito. E gostei muito de você.

Você uma vez me perguntou se eu tinha gostado de dormir na sua casa e eu só disse “sim, gostei, vamos repetir”. O que eu gostaria de dizer, na verdade, era que se pudesse, gostaria de dormir na sua casa com você todos os dias da minha vida. Mas eu não disse, ia ser estranho.

Sim, eu desejei dormir com você todos os dias da minha vida. (E desejo ainda).

Lembra quando a gente acampou e ficamos olhando pro céu estrelado e você disse que o céu estava sorrindo como eu sorria? Eu ri da sua cara. Mas sabe, meu coração acelerou. E naquele momento eu tive vontade de beijar você. Na realidade, naquele momento eu descobri que gostava de você como meu pai gostava da minha mãe. E eu senti que era errado, mas continuei gostando de você mesmo assim.

Eu gostava de te ouvir cantar e sentia ciúmes quando cantava para outra pessoa que não fosse eu. Eu gostava de ver seu sorriso. Combina com você. Eu gostava de estudar com você, me sentar ao seu lado era mágico. Gostava de quando precisava de mim. E, acima de tudo, gostava quando estávamos juntos.

É engraçado como a gente se apaixona, Baek. Um dia a gente até discutiu sobre isso. Falamos que paixão era muito clichê, e você odeia clichês. O menininho que se apaixona pela melhor amiga. Ela morre e ele fica sofrendo. Ou a menininha que é uma nerd e se apaixona e o cara só usa a garota e então descobre que a ama. Puro clichê.

Eu me apaixonei por você no clichê. Meu amigo, meu melhor amigo, meu irmão, meu companheiro, era a pessoa que eu amava. E no final de tudo, não poderia ficar com ele. Eu ia morrer. (Droga de vida. Muito clichê). O mais engraçado em tudo isso é, Baekhyun, que apesar desses fatos, foi o clichê mais lindo que alguém já viu.

Provavelmente neste momento eu não estou com você. Não posso dizer isso sussurrado no seu ouvido, sinto muito por isso.  Mas a verdade é que você foi a melhor coisa que me aconteceu. O nanico mimado que me completou. Meu melhor amigo.

Finalizando, saiba que eu vou estar com você independente da situação.  Vou estar aí, com você. No seu coração. (Ele é meu, só meu, ouviu?)

É clichê o que vou dizer, e eu descobri que amo clichês, então, Baekhyun, eu te amo muito.

Amo tanto. Tanto. Tanto. Tá bom?  

Mesmo estando longe.

De Seu, para sempre, Chanyeol

Ps.: Obrigado por existir. Continue existindo, muitas outras pessoas precisam de você, nanico. 


Notas Finais


Hum, acharam bom? Espera, antes, chegou vivo até aqui depois de ler tudo isso? Espero que sim, rsrsrs!
Escrevi esse capítulo à base das músicas mais deprimentes que já ouvi, e nossa, tenho certeza de duas coisas depois de escrever esse capítulo: Só falta eu me enterrar (deveria estar dormindo, amanhã/hoje tenho vestibular, kkk) e eu preciso de um namorado. Urgentemente. Do tipo Luhan oppa *deixa eu sonhar*
Já agradeci, mas vou agradecer de novo por ter lido tuuuuuudo isso (Karla ama agradecer). Obrigada mesmo, de coração por ler essas minha loucura. Agradeço as pessoas que comentaram e me fizeram surtar (eu viajo nos comentários, vocês viram) quando diziam que se identificavam com Kyungsoo no modo de pensar. Às vezes é tão duro ter amigos, né? Agradeço a quem leu em silêncio e mesmo assim gostou. Obrigada! De verdade.
E vou responder os comentários do capítulo passado, juro.
Além disso, lembram que falei que ia postar um capítulo a mais na visão do Jongin? Vou postar em breve. Já está escrito na metade.
Para finalizar, dou-lhes um adeus! POR ENQUANTO UAHAUHAA
Até mais!
XoXo


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