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História Caçadora de estrelas -- Jotakase - Capítulo 12


Escrita por: ani__

Capítulo 13 - Capítulo 12


Era você, o tempo todo era você...

Como eu não percebi antes?

E até quem me vê lendo jornal na fila do pão sabe que eu te encontrei.

— LOS HERMANOS, “Último romance”






15

Mara

Saio para o meu primeiro dia de trabalho na manhã seguinte sem cruzar com ninguém, e acho ótimo, porque, convenhamos, não preciso de mais nenhuma chateação. Já me basta o namoro de João, o casamento do meu pai, minha condição financeira que deixou de estar no vermelho para entrar no preto fundo de poço, meu ex arrependido, o fato de eu não ter grana nem para o ônibus... Esqueci alguma coisa? Ah, o gato, que desapareceu depois que eu o trouxe para casa.

Caminho por três quilômetros, do canal 5 ao 2, sob um sol escaldante e ardido, praguejando em pensamento. Ontem passei horas antes de pegar no sono me punindo por ter espiado João e Amanda. Eu o amaldiçoei por tê-la encontrado, se apaixonado por ela, tocado nela. E cada um desses pensamentos me assusta, a dor sem fim que ainda posso sentir me consumindo aos poucos me assusta, não entender de onde tudo isso saiu me assusta. Além do medo, há um misto de culpa e fúria, como se João tivesse me traído, sido desleal comigo e com nossa amizade ao escolher Amanda.

Eu sei que nada disso faz o menor sentido, e é justamente por isso que paro de pensar desenfreadamente e me concentro em tentar esquecer para não fazer nenhuma merda hoje. Posso não ter mais dignidade, um gato que me ama, um pai só para mim, um carro e um melhor amigo solteiro, mas vou ter dinheiro e vou comprar muitos, muitos hambúrgueres para suprir a falta que o resto deixou.

Para que ter um homem se a gente pode matar um boi, colocar no meio do pão, adicionar mostarda e morder um pedacinho do paraíso? Homem nenhum nunca vai ser melhor que um boi! Alguns podem até ter chifres, mas garanto que não têm o mesmo gostinho de felicidade imediata.

E eu? Eu sou bem feliz comendo hambúrguer. Hambúrgueres curam tudo.

Olho por um breve instante para o prédio simples de quatro andares pintado de cinza-chumbo, no número indicado por Clara. Ofegante, respiro fundo e caminho para dentro a passos largos, fazendo pose de mulher bem-sucedida. Não dura muito: levo um tombo assim que passo pelos portões, na frente de um punhado de adolescentes que obviamente nem pensam em me ajudar e riem da minha cara até não poder mais. Pois é, o dia começou que é uma beleza!

Eu me recomponho com o máximo da dignidade que ainda me resta e... Ok, não resta nenhuma, eu sei. Só me levanto e entro, mancando de uma das patinhas, com meu orgulho ferido atrás de mim, ofendendo a mãe deles em pensamento.

— Bom dia. Sou a Mara, a nova psicóloga — me apresento com um sorrisinho falso.

— A sua sala fica no último andar, segunda porta à direita — a mulher resmunga, apontando para um elevador, sem levantar o rosto do monitor à sua frente. Ofendo a mãe dela também e vou batendo meus pezinhos até o elevador sem olhar para trás.

Quando chego à sala onde se lê “Psicóloga” e abro a porta, descubro que acho que amo minha madrasta, afinal, e prometo nunca mais chamá-la de... Caramba, não é que a mulherzinha do meu pai tem mesmo bom gosto? Eu tenho uma linda e enorme mesa com tampo de vidro e uma cadeira giratória. Pareço uma criança correndo para brincar com um brinquedo novo. Rodo nela por alguns segundos, até reparar na estante de livros que cobre uma parede, nos dois sofás brancos confortáveis e na televisão de tela plana equipada com um aparelho de DVD. Antes que eu possa surtar de empolgação, ligar a TV para assistir a um desenho e girar mais um pouco na minha cadeira, alguém bate à porta.

— Bom dia, Mara — cumprimenta Clara com um tom sério e profissional, parada à porta. Posso vislumbrar que há alguém escondido atrás dela, mas só consigo ter uma boa visão quando um garoto que não tem mais que quinze anos é arrastado para dentro da sala pela manga da camiseta. — Este é o Guilherme.

— Bom dia, Clara. — Mulherzinha. — Olá, Guilherme! — cumprimento ambos, sorrindo abertamente. Apenas ela sorri de volta, e esse é um sorriso de vitória que dispenso. Me comprou, está feliz?

— Você poderia conversar com ele? Houve uma briga hoje na sala de aula e acho que seria bom o Guilherme falar com alguém. Eu volto para buscá-lo daqui a uma hora — ela avisa, conduzindo o menino mais para dentro da sala e fechando a porta.

— Como você está, Guilherme? — pergunto educadamente. Eu me sento no sofá oposto ao que ele escolheu e o vejo revirar os olhos com desprezo. — Guilherme? — insisto. O menino olha para o chão, me ignorando completamente, e meus dentes se cerram. Tento de tudo e o moleque não fala comigo de jeito nenhum.

Quando Clara aparece, estou pronta para hastear a bandeira do meu fracasso, até que o menino para na porta antes de sair e sorri para mim.

— Obrigado pela conversa, Mara. E eu prometo que nunca mais bato em ninguém. Violência não leva a lugar nenhum, né? — Meu Deus, que dissimulado! Estou negando, mas paro quando noto o sorriso de Clara

— Como foi? — pergunta ela, parecendo ansiosa, assim que o garoto sai pela porta.

— Ótimo! — Sorrio. — Foi ótimo!

Depois que a mulherzinha do meu pai me informa que estou liberada para ir embora, fujo do prédio o mais rápido possível, desejando apenas um banho e um exorcista para rebocar comigo na próxima sessão. Assim que coloco o nariz na rua, meu celular vibra.

— Como foi o seu o primeiro dia? — pergunta João do outro lado da linha. Ouvir sua voz me faz sentir um misto de tristeza e raiva, ambos em uma disputa acirrada. Mas o cretino ainda é meu melhor amigo e eu preciso dele em dias como este, mesmo que ele seja um dos motivos por eu me sentir tão mal.

— Péssimo! — rebato, em um resmungo azedo, arrancando as sapatilhas que fizeram duas bolhas enormes, uma em cada pé.

— Para de ser tão dramática! — zomba. — Por falar em drama, por que você está andando descalça?

— As malditas sapatilhas fizeram bolhas enormes no meu pé — respondo, automaticamente, olhando feio para os sapatos na minha mão.

— É, parece que hoje não é o seu dia.

— Você não sabe da missa a metade. Você perdeu o tombo... — Ei, peraí... — Como você sabe que eu tô descalça? — Assim que solto a pergunta, sou surpreendida por uma buzina e Jei encosta o Lancer ao meu lado no meio-fio. Graça a Deus, carona! Saio correndo pela rua com os sapatos nas mãos e me jogo dentro do carro, beijando sua bochecha com entusiasmo. — Você vai me alimentar também? Diz que sim, por favor! — imploro, agarrando sua camisa.

— Sim, senhora — ele diz, sorrindo abertamente. — Eu vou te alimentar também.

— Pode ser McDonald’s? — pergunto, batendo palminhas. Eu sei que pareço uma criança, mas nem ligo, porque vou querer o brinquedinho também.

— Pode ser o que você quiser, Mara. — Ele se vira um pouco de lado, com um sorriso transbordando afeto pregado nos lábios. Retribuo seu sorriso ligando o rádio na minha estação preferida e colocando os pés no banco, enquanto Jota sai com o carro para a avenida movimentada.

João para no drive-thru e me deixa pedir o que eu bem entendo. Vejamos...

— Dois Big Macs, uma batata grande e uma Coca-Cola tamanho família, por favor — informo para a mulher atrás do guichê, sentindo minha boca salivar. — Não economiza nos sachês de ketchup, hein!

— E a sobremesa? — Jei pergunta, rindo.

Ele sempre ri dos meus pedidos, não sei por quê. Não é nada divertido não ter controle algum sobre um estômago com vida própria.

— Quero também!

Ele pede minha sobremesa, seu próprio lanche e de última hora se lembra do brinquedo. Santo João! Eu seria capaz de fazê-lo voltar para buscar o bendito brinquedo assim que me desse conta de que tinha esquecido. Sorrio de orelha a orelha, pegando nas mãos o gatinho que fala, e percebo que Jota não consegue conter um sorriso ainda mais aberto que o meu por me ver animada com uma coisa tão simples.

Um sorriso cheio de carinho, que me faz prender os olhos nos seus por um momento longo demais... Somos interrompidos quando a mulher pergunta a forma de pagamento e eu admiro minhas unhas. Mas Jei nem hesita antes de lhe entregar seu cartão para pagar (graças a Deus por isso), depois seguimos para casa enquanto eu derrubo os farelos das batatinhas que vou devorando pelo caminho em seu carro sempre limpinho. Como ele. Como a casa dele. Como meu amor por ele. Tão limpo e cristalino quanto água.

— Quer ver um filme? — ele pergunta, abrindo os botões da camisa azul-bebê depois de colocar os lanches em cima da mesa de jantar. Nem chego a piscar ou mesmo escutar o que ele pergunta, por que a visão dos seus músculos se transforma em todos os meus pensamentos. Ele era tão gostoso assim antes? Forte. Imponente. Eu já disse gostoso? Sinto que minhas bochechas coram e viro o rosto antes que Gabs perceba.

Que merda está acontecendo comigo...? Ou melhor, que merda aconteceu com João? Ele não era tão divinamente atraente assim. Não era, eu repararia. Eu repararia, não é?!

— Mara — ele chama novamente, desta vez mais alto.

— Eu — respondo, admirando a planta que não morava aqui antes para fugir de seu olhar.

— Quer ver um filme? — ele pergunta, fazendo careta. — Tá surda?

— Um filme? Hum, pode ser — murmuro, chegando mais perto e pegando uma almofada e abocanho meu hambúrguer. Ele suspira, mas não diz mais nada, apenas coloca um filme com um cara seminu na capa segurando uma metralhadora e se senta no chão, entre as minhas pernas, com seu lanche, apenas para não comer no maldito sofá. Eu poderia reclamar da escolha do filme, mas acabo deixando quieto, afinal estou sendo alimentada de graça, e é realmente útil ter outro marmanjo sem camisa para olhar.

Meia hora depois, ele já subiu para o meu lado e eu estou, de verdade, tentando me concentrar apenas na história, quando de repente João suspira e pausa o vídeo.

— O que foi? — ele questiona, me encarando com curiosidade, me fazendo morder o lábio para segurar minha língua solta.

— Nada. — Puta merda, tanta coisa... Põe uma roupa?

— Estamos na metade do filme e você ainda não abriu a boca. Cadê a tagarela que não para de falar um minuto? Você nem reclamou da minha escolha. Isso está errado. — Ele ergue as sobrancelhas, convencido. — Então, qual o problema?

Não sou uma pessoa transparente, não mesmo, mas trinta anos enfiados no rabo de uma pessoa fazem isso, nos fazem conhecê-la tão bem quanto a nós mesmos. Sei que não vou conseguir mentir para ele por muito tempo, então lhe conto a verdade de uma vez...

— Eu estive aqui ontem. — Vou com calma, mas Jei se vira na hora para me olhar, com um semblante surpreso. — ... e você não estava sozinho. Por falar nisso,deixei um presentinho pra você no canteiro de flores da entrada! — Todo o meu piquenique da noite anterior digerido, penso.

— Acho que eu deveria mudar a chave de lugar. — Ele fica carrancudo e passa as mãos no cabelo para esconder o constrangimento. Imagino que já tenha entendido o que estou tentando lhe contar. Quanto à chave, temos um acordo silencioso de que ela é minha. E ele prefere que eu me esconda na sua casa a qualquer outro lugar, se eu precisar fugir de alguma coisa por um tempinho. — Quem sabe assim você faz como todas as pessoas normais e toca a campainha. Sabe o que é uma campainha, não é, Mara?

— Eu nunca precisei tocar a campainha antes. E eu ia entrar no quarto e... —tento falar, magoada.

— Merda! Você viu? — ele pergunta, sem graça, e eu mordo o lábio. — É isso que está te magoando? — Franze o cenho, sem entender por que isso me chateou. Bem, somos dois.

— Talvez — digo, irritada. — Eu não sei!

— Ela não vai “roubar” — ele faz aspas no ar — o seu lugar.

— Tenho lá as minhas dúvidas, viu?

— Vocês só estão em posições diferentes, Mara.

— Como você conheceu aquela garota, para começo de conversa? — pergunto, lembrando que ainda não tivemos uma conversa sobre isso.

— Eu a conheci na sua casa. Fui jantar com o seu pai para comemorarmos o casamento dele com a Clara e ela me agarrou... Enfim, uma coisa levou a outra,e, bom, estamos namorando há alguns meses... Te contei que fui o padrinho? — ele fala com jeitinho. Legal da parte dele me contar em vez de esconder. Seria ainda mais legal se ele tivesse ficado com as patas longe daquela menina atrevida.

Meu pai não convida os próprios filhos para o casamento, mas o Jei foi o padrinho. Isso diz muito. Ele fala que não tem um preferido... Duvido! Olha aí a prova.

— Ouvi dizer — resmungo enciumada, me perguntando se meu irmão está sabendo dessa afronta. Deve ter achado lindo também. — Quantos meses faz?

— Alguns — Ele dá de ombros, mas eu quero os detalhes, porra, não essa respostinha evasiva de merda... Pensando bem, não. Eu não quero.

— Você a ama?

Três palavras que saem da minha boca grande antes que eu possa impedir. Não sei por que fiz essa pergunta; é mais uma cuja resposta não quero saber. João nunca namorou ninguém, então é claro que a ama, senão não estaria mais com ela. Mas, como sempre, eu adoro enfiar um dedo nas minhas feridas. Ele olha por alguns segundos para o filme pausado e, quando volta a falar, ignora minha pergunta.

— Por que você veio aqui ontem? — De repente fica preocupado ao se lembrar da primeira coisa que lhe contei.

— Por causa do Genilson — revelo, dando de ombros, porque a esta altura o que aconteceu depois do piquenique nem me parece mais um problema de verdade.

— O que aconteceu? — ele quer saber,evidentemente muito mais preocupado.

— Nós saímos para jantar.

— E o que aconteceu? — João repete, afiando o tom. A amabilidade já era.

— Ele me beijou — admito, e sua fisionomia muda.

Seus punhos cerram automaticamente e sua expressão se fecha. Não vejo mais um homem lindo de morrer preocupado comigo, e sim alguém prestes a cuspir fogo.

— E o que você fez? — A pergunta é feita entredentes. Posso ver que ele precisa de todo o seu autocontrole para não grudar nos meus cabelos e me sacudir.

— Saí do carro na hora, claro. Eu fiquei, eu... — Merda, preciso de um cigarro. Busco o maço no aparador e acendo um, dando uma tragada e voltando a me sentar antes de terminar a frase. — Eu fiquei confusa.

Aí ele explode.

— Confusa com o quê, Mara? — questiona, levantando em um rompante. — Ele te machucou feio, e você tem a cara de pau de me dizer que está confusa com uma porra de beijo? — Jei parece perplexo. — Você não deveria nem ter saído com aquele cara, pra começar!

— Eu não achei que ia acabar assim. Achei que ele queria só... — titubeio.

— Você sabia exatamente como ia terminar e foi assim mesmo, para se fingir de sonsa. Comigo não cola — corta, enquanto vai até a cozinha, voltando segundos depois com um objeto nas mãos, que me entrega grosseiramente. — Bate a cinza na porra do lugar certo. Usa o cinzeiro. A Amanda vai ficar puta se vir isso.Essa planta foi presente dela — briga.

eu explodo.

— Claro, porque a droga da planta da droga da Amanda é mais importante que eu, não é, droga? — grito também, pensando o que aconteceu com nós dois. Não conseguimos mais parar de brigar. Levanto, apago o cigarro no cinzeiro, odiando a maldita planta, pego minha bolsa e minhas sapatilhas e me dirijo para a porta, mas ele segura meu braço antes que eu saia.

— Não é assim, Mara — ele diz, com a voz firme, atrás de mim. — Você sabe como termina. Eu não quero que se machuque mais.

— Diferente do que você pensa, as pessoas mudam — cuspo as palavras sem medir as consequências. Jota me olha decepcionado, o que faz com que eu novamente tente me soltar de seu aperto firme, mas ele não permite. Quando me puxa desta vez, não mede sua força e acabamos nos trombando. Meu corpo se choca contra seu peito sólido e uma chama se acende dentro de mim.

Não ouso me mover.

Só ergo o olhar lentamente; parece cena de filme...

Olho para seus lábios entreabertos, me perguntando se seriam macios. Por um momento, um único momento, imagino como seria beijá-los. Subo mais um pouco o olhar, encontrando seus olhos verdes cravados nos meus. Tem muitas emoções diferentes neles. Algo me diz que João está pensando na mesma coisa que eu, desejando que nossos lábios se toquem, o que me faz me aproximar um pouco mais.

Pouso a mão livre em seu ombro e inclino o rosto para cima, implorando com o olhar para que ele me deixe beijá-lo. E ele...

Ele me solta e se afasta.

— É melhor você ir embora. Agora — ele frisa baixinho, então se vira e sai pela porta que leva ao jardim, sem olhar para trás.


16

João

Eu sou um idiota que não acredita no que acabou de fazer. Porra! Eu não acredito no que ela acabou de fazer. Mas que diabo aconteceu aqui? Eu devo ter alucinado. Ando precisando dormir mais. É, é isso, não tem outra explicação! Aquele olhar, a mão no meu ombro, seus lábios se entreabrindo... Deve ter sido fruto da minha imaginação, mas por um momento, um único momento, eu achei que Mara queria me beijar.

Ando de um lado para o outro no jardim me sentindo perdido, como se faltasse alguma coisa dentro de mim, um pedaço. Algo que me fizesse funcionar melhor, ser mais feliz, e que eu simplesmente deveria ter. Estou cansado dessa sensação sempre que fico perto dela, porque é ela, só ela, que me falta para que eu seja completo.

Fui surpreendido e fiquei na defensiva: mandei Mara embora e ela foi. Ela é boa nisso, em ir embora. E ela nunca, nunca olha para trás. Mas não me importo. Não hoje, não mais. Estou cansado. Ela nunca se deu o trabalho de notar os meus sentimentos, e quando finalmente estou em um relacionamento saudável ela me dá uma dessas, porra!

Na noite anterior à partida dela nós tivemos uma briga. Uma das feias.

Ela me falou que estava certa de que Levi era o homem dos seus sonhos e que segui-lo para outro país era a melhor alternativa para encontrar a felicidade. Já eu achava que esse era o pior erro que ela poderia cometer. Mara queria abandonar tudo por alguém que mal conhecia, e isso doeu. Doeu porque sempre estive ao seu lado e ela nunca abandonou nada por mim, principalmente a venda que sempre cobriu seus olhos, impedindo que enxergasse o que eu sentia.

Todos sabiam, sempre souberam. Não que eu realmente tivesse contado para alguém. Mas imagino que meus sentimentos, que em nada se pareciam com amizade apenas, eram perceptíveis, quase palpáveis para quem quisesse ver. Infelizmente não para ela, nunca para ela. Eu sempre a amei. Não sei bem quando começou, mas provavelmente ainda nem sabíamos falar quando eu peguei na mão daquela garotinha e não quis mais soltar.

Ela sempre foi a minha garotinha.

Passamos por muitas fases diferentes ao longo dos anos. Incluindo uma em que não nos tolerávamos — algo a ver com uma pazinha de jardinagem que acabou parando no meio da minha cara por causa de um pacote de biscoitos de morango que era dela e eu devorei sem remorso algum na sua frente. Vivíamos apenas brigando e destruindo os brinquedos um do outro, mas depois de eu tê-la defendido naquele parquinho as coisas mudaram e nos tornamos inseparáveis. Mara diz que foi só porque comprei um pirulito novo para ela, mas foi mais, muito mais que isso. Naquele dia ela soube que teria alguém que jamais a abandonaria. E eu soube que jamais iria querer abandoná-la.

Era amor. O dela era diferente do meu, mas ainda assim era amor.

Muitas fases vieram depois, à medida que crescíamos. Mas nunca deixei de me abaixar para amarrar seus cadarços, para que ela não se machucasse, mesmo se estivéssemos brigados, porque esse era eu, esses éramos nós, e eu acho que isso é a única coisa que realmente importa. O que temos é muito bonito.

Nem todas as épocas da sua vida foram fáceis para mim. Fui obrigado a vê-la se apaixonando, se entregando, acreditando e sofrendo todas as vezes que se envolveu com alguém. Fui obrigado a assistir a beijos, pedidos de namoro e términos. Fui obrigado a ser um espectador da primeira fila enquanto vários babacas machucavam o coração da minha garota, da garota que eu amava, e nunca pude fazer nada para impedir porque eu não era ninguém, era apenas o amigo que limpava a bagunça dos outros caras. Eu não tinha voz.

Como eu pediria a ela que parasse de procurar? Que olhasse bem à sua frente, porque onde eu estava existia alguém que jamais a faria sofrer, alguém que não a machucaria, que cuidaria dela e a amaria em todas as circunstâncias, até mesmo quando ela não merecesse, e nunca, jamais a deixaria?

Fui covarde.

Imaginei que a perderia se lhe contasse a verdade, porque sempre ficou claro que Mara não sentia o mesmo que eu. Para ela eu era apenas o melhor amigo, o ombro, o suporte, o cara com a capa de super-herói. O problema é que Mara sempre se apaixona pelos vilões, nunca pelo mocinho. Eu não tinha a menor chance! Então preferi tê-la como amiga a não tê-la mais e passar dor após dor vendo-a se destruir em como amiga a não tê-la mais e passar dor após dor vendo-a se destruir em relacionamentos fracassados. Preferi ser machucado, ferido e abandonado a não fazer mais parte de sua vida.

No fundo sempre esperei pelo dia em que Eva se daria conta de que eu era o cara que daria a vida por um sorriso seu, que faria o impossível para vê-la feliz e nunca derramaria uma lágrima sequer de seus olhos, mas isso foi antes. Eu lhe jurei que, se entrasse naquele avião, não ia mais esperar por ela. Claro que Mara não entendeu: saiu da minha casa batendo os pés feito a menina mimada que é, acreditando que eu estava me intrometendo em sua vida, podando suas asas e deixando de acreditar em seus sonhos. Eu? Eu só estava cansado de sofrer.

Eu fiz tudo por Mara, e ela simplesmente decidiu ir embora. Eu não sabia o que fazer para que ela compreendesse que eu era muito mais que um amigo que não aceitava sua escolha, que eu queria ser a escolha. Peguei o carro e dirigi por horas, desnorteado, aflito e arrasado, me torturando por pensar que a mulher que eu amava estava prestes a partir e poderia nunca mais voltar. E então eu descobri que não tinha mais nada a perder, porque Mara era a única coisa que eu queria. Segui até a casa dela, parei o carro, desliguei o motor e simplesmente não consegui ir adiante. Eu fiquei sentado lá, criando coragem para falar antes que ela fosse embora... Esperando um sinal de que eu estava fazendo a coisa certa, e o sinal veio.

Mara saiu de casa com sua mala e um sorriso apaixonado no rosto, e eu me dei conta de que ela não estava se importando com mais ninguém a não ser consigo mesma. Estava apaixonada de novo. Estava cega. Ela me viu, olhou dentro dos meus olhos e por um breve momento pensei que atravessaria a rua, abriria a porta do meu carro, entraria e me daria uma chance, mas ela foi embora e não olhou para trás.

Eu me culpei por não ter saltado do carro, pulado na sua frente, enchido Mara de beijos e implorado para que ela ficasse, mas àquela altura do campeonato eu já tinha feito muito. Não me pareceu justo me machucar ainda mais. Jurei para mim mesmo que a esqueceria, que amaria outra mulher e que não esperaria por Mara. Mas eu esperei... Esperei até o dia que em Amanda apareceu na minha vida. Aí tudo mudou. Não vou permitir que Maraestrague as coisas, mesmo que eu saiba que mulher nenhuma, nem mesmo Amanda, será capaz de preencher esse maldito pedaço que guardei só para ela.

Como ela tem coragem? Como ousa agir dessa forma justo agora? Agora que encontrei alguém e estou quase feliz sem ela, quando finalmente aceitei que não era para ser, que não era para ela ser minha. Penso muito no assunto e chego a duas conclusões. Primeira: Mara está com ciúme, e eu já esperava por isso. Ela é mimada e não sabe dividir. Na verdade, a culpa é minha, porque nunca a fiz aprender a dividir nada, principalmente minha atenção, então não posso julgá-la por não saber lidar com isso.

Segunda: a proximidade de Genilson já está causando efeitos negativos no comportamento da Mara. Por que justo ele tinha que voltar para a vida dela? Eu lidaria mais facilmente com o maldito palhaço! Será que ele não faz nenhuma ideia do mal que causou e não vê que nada de bom vai sair disso?! Decido me meter. Desta vez não vou ficar parado assistindo a mais um babaca fazer Eva de brinquedo, uma boneca de pano para brincar e jogar fora. Procuro na carteira o cartão que Genilson me deu no dia em que nos encontramos e ligo para ele. Depois do terceiro toque, a chamada é atendida.

— Genilson — digo, nada amigável.

— João, eu já estava esperando a sua ligação — ele responde, conformado.

— Tem tempo para aquela cerveja? — Meu tom de voz não deixa dúvida de que o convite não é uma oferta de paz.

— Claro. Quando e onde? — ele pergunta, com um suspiro, após uma pausa.

— Passa aqui em casa quando puder. — Mais fácil de enfiar uma bala na cara dele e me livrar do corpo. Puta merda, que ideia tentadora!

— Estou indo para a sua casa, então.

Não me dou o trabalho de me despedir. Ele sabe que a visita vai ser uma declaração de guerra.

Desabo no sofá depois de jogar o celular de qualquer jeito em cima da mesa. Mesmo com toda a raiva que sinto dela, não posso mais deixar que se machuque e definitivamente não posso deixar que ele seja o responsável. Rumino nossa futura conversa por alguns minutos e acabo sendo distraído por Cupido, que entra sorrateiramente pela janela da sala, como se morasse aqui e estivesse apenas voltando de um passeio pela vizinhança, e não caminhado por vários quilômetros pelos telhados para me achar. Ele voltou há dias, mas ainda não contei. Vou esperar que Mara descubra sozinha. Ele provavelmente está tão puto com ela quanto eu estou, e quem poderia culpá-lo? Eu o chamo e ele sobe no sofá, se aninhando no meu colo e deitando de costas para que eu afague sua barriga. Não tem como resistir a esse gato.

— Ela vai ficar uma fera quando descobrir onde você se meteu, sabia? Ah, quem liga? Você é a coisa mais linda do papai. — Dou o que está me pedindo, e ele ronrona. Viu? De mim ele gosta.

Vinte minutos depois, a campainha toca e eu abro a porta para um Genilson carregando um pacote de cerveja debaixo do braço e um sorriso no rosto. Babaca.

— Fique à vontade — resmungo, pegando a cerveja de suas mãos e colocando-a na geladeira. Retiro duas long necks, que já estavam geladas, e volto para a sala para constatar que Genilson realmente seguiu meu conselho: ele está sentado confortavelmente no meu sofá, fazendo carinho na porra do meu gato! — Pega — suspiro, entregando a ele uma das garrafas e abrindo a outra. Tiro Cupido de suas garras e o mantenho no meu colo com uma das mãos. Ele fica quietinho, ronronando. Pois é, sou ciumento. O gato pelo menos eu posso decidir se ele toca ou não.

— Obrigado — ele diz, abrindo sua garrafa e dando uma boa golada. — Me deixe adivinhar. O assunto é a Mara.

— Lógico. O que mais eu teria para conversar com você?

Ele parece ofendido, até mesmo magoado, mas fica quieto.

— Ela me contou o que aconteceu ontem — falo.

— Eu passei dos limites, apressei as coisas... Acho que estraguei tudo, não foi? — diz, afundando o rosto em uma das mãos. Pouco me importa. Eu não acredito nessa preocupação fingida dele.

— Você acha? — Sou sarcástico.

— Ela está bem? Eu tentei ligar, mas ela não atendeu nenhuma das minhas ligações.

Pelo menos isso. Se fosse antes ela já estaria fazendo as malas para segui-lo quando fosse embora. Nem tudo está perdido, afinal.

— Ela está confusa. — Sou sincero. Tomo um gole, coloco Cupido em cima da mesa e me encosto nela. — Está tentando compreender o que você pretende voltando para a vida dela, se eu bem conheço a Mara. — E eu conheço. Ah, se conheço! Ela já deve estar escolhendo a cor das toalhas de mesa para o casamento e o nome dos filhos. Se eu bobear, deve estar neste momento comprando minha gravata para a cerimônia.

— Não foi uma coisa que eu planejei, João. Eu estou aqui a trabalho, mas vê-la... — Ele faz uma pausa e olha dentro dos meus olhos. — Ver a Mara novamente mudou tudo.

— Você não quer que eu acredite que, assim que a viu, você se deu conta da merda que fez, né? — Rio sem achar a menor graça, porque o olhar que ele está me dando, um misto de tortura, culpa e ilusão, me diz que, sim, é justamente nisso que ele quer que eu acredite. Sabe o que é pior? Ele parece acreditar também.

— Eu já sabia a merda que tinha feito assim que entrei no avião.

— Você poderia ao menos ter contado para ela antes, como me disse que faria. — Poderia não tê-la maltratado. Poderia não ter feito Mara chorar... Eu não faria.

— Eu era um garoto idiota, João. Não sabia o que estava fazendo, no que estava pensando e o que estava perdendo. — Genilson se desespera.

— Você nem pensou nela...

Ele teve a chance que eu sempre desejei e jogou tudo pelos ares.

— Não, eu não pensei. — Ele me faz ter vontade de partir para cima dele. — Eu nunca fui igual a você, certinho. Eu fui egoísta — admite. — Mas as pessoas erram, e tem gente que perdoa.

Essa é boa.

— Disso eu não tenho dúvida. A Mara é burra o suficiente para perdoar um babaca como você. — Sorrio cinicamente.

— Já faz muito tempo, João. — Ele dá um suspiro profundo. — Não podemos apenas esquecer o passado?

— Para você é fácil falar, dar desculpas, achar que está tudo bem. Mas não está. Não foi você quem ficou. — Dou de ombros.

— Foi tão ruim assim? — Ele faz cara de quem não quer ouvir a resposta. Mas ele vai escutar. Cada detalhe.

— Você não imagina quanto! — digo, me lembrando dos meses que se seguiram à sua partida. — Dias sem conseguir fazer a Mara comer absolutamente nada. Semanas dormindo ao lado dela, segurando a mão dela, pronto para acalmá-la quando acordasse chorando. Anos tentando convencê-la de que a culpa não era dela, era sua. Totalmente sua, por jogar fora uma garota maravilhosa como ela, como se não valesse nada.

— Para! — ele corta meu discurso e esconde o rosto nas mãos, envergonhado. Aproveito o momento para arrancá-lo do sofá pela camisa e falar olho no olho o que está engasgado.

— Você tem ideia do que tirou dela? Você arruinou o momento mais importante de uma garota. Da minha garota. Desculpas fajutas não reparam isso nem o resto. Então escuta bem o que eu vou te falar — ordeno, sem um pingo de paciência. — Se você dormir com ela e entrar em outro avião, eu acabo com a sua vida, e nem por um segundo se deixe enganar pelo que lembra de mim. Não vou sentir o menor remorso em te enfiar embaixo do tapete da minha delegacia e pisar em cima todo dia. — É um blefe, eu não sou assim. Mas espero que ele acredite, porque uma boa surra no mínimo eu vou dar. De novo. — Estou avisando: pare agora, porque eu não vou te deixar machucar a Mara outra vez. — Eu o empurro de volta para o sofá, fazendo-o cair sentado.

— Eu não vou! — ele sussurra, olhando nos meus olhos, me fazendo uma promessa.

— Para o seu próprio bem, eu espero que não, Genilson.

Mas eu sei que ele vai.


Notas Finais


Amabilidade:amável,termura
Titubeio:vacilo

e aí estão gostando??
amanha provavelmente tem mais galeris
espero que tenham gostado bjs
a,nao odeiem o Ge ainda ok?
treta e choro no prox capítulo
amo vcs hehe


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