O jovem de dezessete anos sentou-se sob a sombra da uma árvore, seu inseparável mp4 e seu caderno em mãos. Quando colocou a música para tocar, deixou os pensamentos fluírem e sorriu quando começou a cantarolar baixinho.
- Yongnam? - O garoto estupidamente alto perguntou, fazendo-o se desviar de seu precioso caderno e mais importante, de sua preciosa paz. Aquele era seu momento, sozinho, sem ninguém por perto.
- Não, Yongguk. - Respondeu de mau-humor. Sempre, sempre lhe confundiam com seu irmão, o que era estupidamente comum se levado em conta o fato de serem gêmeos idênticos. O único problema era quando resolviam justamente diferenciar os dois.
Yongguk e Yongnam eram gêmeos idênticos, nascidos como quaisquer outros. Entraram juntos no colégio, e passaram juntos para o ensino médio. E foi aí que tudo desandou. Pois os dois podiam parecer iguais, mas eram radicalmente diferentes. Yongnam era naturalmente popular e atlético, costumava fazer sucesso com os times da escola e principalmente com as garotas. Yongguk também tinha um bom condicionamento, mas jamais fizera questão de se tornar popular.
Yongguk era mais introvertido, perdido em seu próprio mundo de ideias caóticas. Yongnam era mais aberto e receptivo. O relacionamento entre os dois era bom, até o irmão gêmeo decidir que Yongguk ofuscava seu brilho e que por ele ser mais velho, Guk não passava de uma réplica enquanto ele era quem havia nascido para brilhar.
Um adolescente idiota como qualquer outro, talvez.
Tudo teria continuado a mesmíssima porcaria se os dois não tivessem simplesmente se envolvido numa briga feia em que Yongnam jogara todos os podres do irmão no ventilador. Inclusive o fato dele não ser muito a fim de garotas. O que não era um podre, mas se tornara o motivo perfeito para boa parte da escola lhe apontar e lhe chamar de doente, lhe excluindo mais. Não que ele ligasse. Na verdade, fora tão divertido estourar o nariz do irmão que Bang no final não se importara muito com isso.
Não tinha ninguém mesmo, que diferença fazia?
- Ah, que bom! - Yongguk observou quando o garoto se jogou sem cerimônia ao seu lado. - Vocês são parecidos pra caralho. - Continuou lhe fitando de forma interrogativa. Ele o conhecia para ter intimidade?
O garoto ao seu lado parecia não ligar pra nada disso, ajeitando os cabelos ridiculamente loiros que voavam com o vento.
- Mas sabe, só um idiota pra não ver que vocês são diferentes... - Novamente, Yongguk estava pronto para cortá-lo e listar uma série de motivos para ser deixado sozinho, quando o garoto o interrompeu. - A aura dele fede a enxofre, a sua não.
Aura? Mas que porra era aquela? Ele era uma mãe de santo agora?
- O que? - Pela primeira vez se pronunciou, observando quando o menino colocou um cigarro entre os dedos longos. E ele tinha idade pra fumar? O garoto apenas lhe fitou divertido, com um sorriso de canto nos lábios.
- É, a aura dele é podre, não sabia não? - Claro que sabia que o irmão era um babaca, mas que papo era aquele? Aquele cigarro era de maconha ou o que? E a sua própria cheirava a que?
- A bumbum de neném. - Não percebeu quando falou alto e só pôde explodir em risadas quando ouviu o outro lhe responder como se fosse a coisa mais séria do mundo.
Bumbum de neném? Aquilo só podia ser uma piada.
- Certo, certo, fumar na escola já é um problema, mas maconha? Se te pegarem você tá fodido. - Guk pronunciou, largando seu caderno e seu mp4 de lados apenas para ser fitado de forma ofendida pelo outro, que parecia irritado com sua aparente descrença.
- Tenho culpa se eu nasci com esse dom? A coisa não é tão bonitinha quanto na tevê, Yongguk. - O garoto deu de ombros e deu um trago leve no canudinho, soltando a fumaça devagar. O mais velho lhe observou por alguns segundos, antes de pegar o cigarro dos dedos do mais novo e simplesmente atirá-lo longe. - O que você pensa que ta fazendo?!
- Esse troço vai te matar. E fede. Você saiu de perto de Yongnam por causa do cheiro, não venha soltar esse bafo de cigarro pra cima de mim.
- Arg, que saco você hein!
Ficaram em silêncio por alguns segundos, fitando o nada como se ele fosse deveras interessante, até que Yongguk se viu consumido por uma das perguntas que ele não fizera. Era sério tudo aquilo? Ou tudo não passara de uma brincadeira?
- Ei, moleque.
- Zelo.
- O que?
- Meu nome, é Zelo.
- E isso lá é nome de alguém? Bom, tanto faz. Zelo.
- Jello.
- O que é dessa vez?
- Tá falando errado, se fala Jello.
- Ah, vá se foder então, Jello!
- Você se estressa muito fácil. - O garoto observou, bufando e cruzando os braços. - Mas o que você ia perguntar? - A curiosidade ainda batia à sua porta, mas Bang já tinha se irritado com aquele moleque e seu orgulho bobo não lhe deixava voltar a perguntar.
Mas Zelo ainda podia falar.
- É verdade sim, Yongguk. Eu vejo a aura das pessoas. Eu não sei por que isso aconteceu comigo, talvez fosse para um propósito especial, mas colocaram na pessoa errada. - Ele riu, sem humor, parecendo mais melancólico a cada nova palavra. - Eu vejo as cores e sinto algo vindo delas, não sei o que é ao certo.
- E como, por que o cheiro...? - Era para ser um pensamento, mas o mais velho acabou verbalizando, fazendo o mais novo sorrir.
- Não sei também, sei que o cheiro vem e... Não há muito que fazer, eu só sei que as pessoas são como são e o cheiro delas me incomoda ou não. O seu é enjoativo, mas não me incomoda. Você tem uma aura boa, Yongguk.
O mais velho não concordava, mas não contrariaria o menino estranho que sentia cheiro de coisas invisíveis. Ele ainda era maior que si, afinal de contas. Não é como se fosse agradá-lo, mas apanhar de graça nunca fora de seu feitio. Já bastava que a escola inteira lhe odiasse por conta de seu maravilhoso irmão, não precisava de mais alguém no seu pé.
Ambos continuariam a conversa se não tivessem sido interrompidos pelo sinal estridente, que anunciou que o pequeno encontro estranho dos dois estava terminado. Bang apenas recolheu suas coisas e foi para sua sala, sequer ouvindo quando o garoto gritou seu nome, tentando marcar um outro encontro. Não era como se fosse complicado, mas... Zelo tinha que fazer as coisas do jeito mais difícil.
-x-
Uma semana havia passado desde o fatídico dia. Fatídico e trágico para Yongguk que nunca mais teve um momento de paz. Zelo o perseguia aonde podia e só não ficava dentro de sua sala porque era de uma série anterior. O garoto sempre puxava conversa, sobre os mais diversos e aleatórios assuntos e mesmo que Yongguk estivesse dormindo ele não calava a boca.
- Não fique me seguindo. Você é estranho e excluído.
- É, e você também, isso nos faz igualmente excluídos, logo somos um grupo.
- Cala essa boca! Não somos nem uma dupla, que dirá um grupo! Grupo precisa de pelo menos mais de dois, imbecil.
- Isso é fácil de arranjar. Se é esse o problema eu posso recrutar mais gente e...
- Não, não pode. Isso não vai a lugar nenhum, sabia? Eu gosto de estar sozinho, de ser sozinho! Já tenho dois irmãos para encher o meu saco, não preciso de mais um! - Guk era grosso, mas Zelo no fundo o entendia. Acompanhara ao longe o mais velho sofrendo os mais diversos tipos de ofensa. Ele só não apanhava porque certamente revidaria e ninguém queria pagar para ver o estrago que um soco dado por ele podia fazer.
Da parte de não apanhar, Zelo já não entendia. Ao contrário do outro, o garoto mesmo sendo alto era quase sempre alvo de seus colegas pelo simples fato de ser alto e magro demais - isso sem falar em sua sinceridade afiada. As pessoas realmente eram cruéis e por mais que o garoto não tivesse dito uma só palavra sobre seu dom não podia escapar das habituais provocações e maldades que os outros gostavam de fazer.
Yongguk se sentia como um cão de briga, constantemente mostrando seus dentes para não sair na pior. E Zelo se via como a caça que foge dos cães, ambos ridiculamente diferentes enquanto estupidamente iguais. Exatamente como Zelo havia dito, excluídos e estranhos, talvez devessem mesmo formar um grupo, quem sabe poderiam proteger um ao outro? Foi o que o mais novo pensou, mas que o mais velho rejeitou.
Até aquele dia.
-x-
Yongguk não tinha o costume de andar pelos corredores da escola. Andar por lá significava encontrar pessoas que torceriam seus narizes perfeitinhos e lhe olhariam feio e isso era como um teste, um teste à sua tolerância que já muito desgastada acabava rápido. Guk só não batia em meninas porque tinha certeza que as quebraria ao meio, mas com os garotos a história mudava e ele realmente não se importava em quebrar os narizes alheios se isso fosse lhe render um pouco de paz. Mesmo que fosse pelo medo.
Era só mais um dia de merda em que ele teria uns mil tempos de matemáticas diferentes - Yongguk gostava mesmo era de literatura - e ele se arrastava pelo corredor, obviamente matando uma das aulas que ele não tinha o menor interesse em participar. Ele caminhava de forma morosa, sem prestar muita atenção no que estava acontecendo, mas um barulho de armários batendo lhe chamou atenção.
Mais alguém apanhando...
Normalmente ele ignoraria e era o que pensava em fazer quando moveu-se para dar o próximo passo. Mas algo não lhe deixou sequer colocar o pé no chão. Havia muitas vozes risonhas e debochadas que proferiam xingamentos e isso não era nenhuma novidade. Novidade eram os gemidos que havia entre elas. Bang tinha o costume de ouvir aquela voz durante os intervalos, lhe enchendo com assuntos completamente triviais.
E ele sem saber por que correu em direção ao barulho ensurdecedor, dando de cara com uma cena que inflamou todo o ódio que repousava em suas veias como gasolina, esperando apenas por sua combustão. Zelo apanhava sem ter para onde fugir, se encolhendo para se proteger.
Yongguk não pensava quando sua mão voou no rosto do primeiro dos garotos não muito altos que, sorrindo, batiam em um Junhong caído no chão. Ele também não se importou com o estalo que as costas do segundo fizeram quando ele acertou o armário com violência. Sua visão era vermelha, como se tingida de sangue e ele não pararia até que todos aqueles miseráveis estivessem implorando pra voltar para o útero de suas mães. Ou até que Zelo conseguisse falar.
- Bang...! - A voz saiu cortada e baixa, a dor pontuando cada pequena separação silábica, apagando a labareda que corria pelo sangue de Yongguk.
Zelo costumava sim aparecer com uns machucados que sumiam dentro da camisa de um número maior e Yongguk sabia que ele provavelmente se envolvia em brigas com os colegas porque ele simplesmente parecia ter um letreiro neon na testa escrito “confusão”, mas jamais imaginou que as coisas funcionassem daquela forma. Jamais imaginou que fosse se chocar tanto ao vê-lo jogado de qualquer jeito no chão, se protegendo de chutes e palavras rudes que ele não merecia ouvir.
Os garotos que haviam passado de agressores à agredidos ainda fitavam-no apreensivos e quando Yongguk olhou para cada um deles, trincando os dentes e franzindo o cenho fazendo todos sentirem uma sensação gelada descer por suas espinhas. Ele podia ser realmente assustador.
- Se algum de vocês encostar nele de novo, estão mortos. - Sequer alterou seu tom, observando com prazer quando os garotos apenas cataram suas coisas de qualquer jeito e saíram correndo.
A partir daquele dia, o mais velho virara protetor do mais novo, se tornando além de um cão de briga, também um de guarda, que cuidava do filhote de cervo que quase fora devorado pelos lobos selvagens. Era estranho e rompia com todas as suas convicções de viver sozinho, sem se adequar a um grupo ou ninguém, mas ele não conseguiu simplesmente ignorar tudo aquilo. Zelo, mesmo sendo inoportunamente insistente e chato, fora uma das primeiras pessoas que lhe dissera coisas gentis, mesmo que elas estivessem embrulhadas no sarcasmo que ele muito bem conhecia, era um método de defesa.
Fora ele quem se aproximara com seus olhos pequenos e rasgados e sorrira diante de sua irritação, roubando seu caderno e opinando nas letras que deveriam ser só suas, mas que haviam se tornando meio que dele também quando, por atrevimento, o menino apagara uma linha inteira para inserir um verso diferente. Fora ele também que repousara um cigarro não-aceso nos lábios, apenas para matar seu vicio sem perturbar a paz de seu ar. Zelo fora tanto em tão pouco tempo que Bangguk seria um babaca maior que Yongnam se simplesmente assistisse o que estavam fazendo.
E foi por isso que preencheu aquele corredor com o som de portas de armário amassando, de ossos estralando e até de narizes quase quebrando. Tomara uns bons socos, mas quem fora para o hospital foram dois dos três rapazes, não ele. Tampouco Zelo que, abismado, lhe fitava como se ele fosse realmente um herói. Algo que ele até verbalizara, lhe arrancando risadas.
- Você é como o Batman! Não é o herói que essa escola merece, mas o que ela precisa! - O menor falava animado, pulando como se não estivesse com o braço quase deslocando e com arranhões chatos que arderiam depois.
- E você é quem? Robin? - O outro apenas riu sem saber o que dizer e ambos foram para suas casas, consertar o que haviam arrebentado na briga.
De imediato, Guk não teve uma resposta. Zelo era uma incógnita, uma caixa de pandora incerta, da qual as mais variadas coisas eram capazes de sair. Não dava para saber o que esperar, mas algumas semanas depois, Bang teve a resposta para sua pergunta. O mais novo era como o Coringa, um agente do caos que aparecera em sua Gothan apenas para bagunçá-la inteira. De uma forma não tão destrutiva quanto o original, mas ainda assim passando com um trator por cima de todas as suas idéias fixas.
Era tão amável quanto encantador e sua mania de pintar o cabelo de mil cores diferentes era tão adorável quanto irritante, mas ao menos fazia com que ele sempre soubesse lhe achar. Zelo sempre seria um ponto especial no meio de tantos iguais e aquilo lhe fazia sorrir mesmo que perto do garoto ele fosse estúpido e lhe dissesse que ele deveria parar de pintar tanto aquele cabelo ou ele ia cair.
A verdade era que o mais velho pouco a pouco se acostumava com o jeito do mais novo e se convencia que aquele “grupo” dos dois era realmente a melhor coisa que havia lhe acontecido em todos aqueles anos.
-x-
Yongguk bem estava achando que sua vida estava boa demais para ser verdade. Zelo havia finalmente quebrado a redoma de vidro em que ele se guardara, entrando e gritando com todas as letras que estava ali para ficar. Finalmente Bang havia encontrado alguém que compartilhava de gostos minimamente parecidos, alguém que lia suas letras e tomava o lápis de suas mãos, riscando umas partes e enchendo os papéis de setas, enquanto tentava encaixar um rap impossível de ser reproduzido por outra pessoa. Junhong brincava dizendo que seriam famosos rappers e que comporiam coisas sobre todos aqueles babacas que insistiam em lhes olhar torto. E Yongguk - pasmem! -, Yongguk ria.
Estava realmente tudo dando certo demais.
E Bang sabia, por experiência própria, que quando as coisas dão certo demais é porque tem uma merda enorme vindo no horizonte. Ele tinha essa consciência e quando 5 caras, mais altos e mais fortes que ele lhe cercaram ele teve certeza que aquele era o preço por tudo de bom que estava acontecendo.
Bom, ele pagaria mesmo assim.
O primeiro soco que ele revidou lembrou-lhe dos fios estupidamente loiros de Junhong. O segundo, que veio seguido de um chute que ele não soube dizer a direção, o fez imaginar uma nova letra que ambos fariam para tocar num lugar bem grande um dia. Quando caiu no chão gelado ele se lembrou do dia em que pegaram chuva até os ossos, Zelo congelando com seu casaco jogado sobre os ombros. E quando os socos e chutes se tornaram tantos que ele perdeu a conta, Yongguk apenas deixou-se estar, sentindo-se no limite de sua consciência. Foi abandonado sozinho, estirado no chão gelado com os braços largados ao lado do corpo dolorido. Ele nem sabia aonde doía mais, mas tinha um sorriso de canto no rosto.
Ao menos não fora com Junhong.
Quando havia ficado tão idiota assim?
Tempo depois - ele não sabia quantificar quanto - ele ouviu passos corridos no corredor e logo ouviu um gemido dolorido de alguém que sofria por ele. Logo se sentiu puxado para um colo fofo e finalmente abriu os olhos, se deparando com um Zelo que fazia uma terrível expressão de tristeza. E ele não ficava nada bem nela.
- Yongguk! O que houve!? - Guk apenas sorriu, sentindo o corpo inteiro doer quando o garoto resolveu lhe colocar sentado. Os olhos do mais novo marejaram e Bang não pode evitar o pensamento cretino de que ele estava excepcionalmente bonito daquele jeito.
- Jello, eu quero te beijar.
- Cala essa boca! Você ta todo fodido, olha pra você! A gente tem que ir pra enfermaria! - Junhong tentou levantá-lo, mas ele apenas sorriu e prosseguiu.
- Hey, eu sou o príncipe que apanhou pela princesa, quero minha recompensa!
- Você é o pior príncipe do mundo!
- E você um travesti no lugar de princesa. - Eles estavam mesmo tendo essa discussão?
- Certo, que seja! Agora vamos pra enfermaria.
- Não preciso de uma enfermaria, porra. Preciso de você, princess.
- Cala essa boca!
- Vem calar. - E Zelo soltou um grito irritado para então beijá-lo, com toda sua força. Que ainda era delicada para não lhe machucar mais.
- Ótimo, satisfeito, príncipe?
- Acho que sim.
- Agora vamos pra enfermaria, seu idiota!
Caminharam solitários pelo corredor, Junhong sustentando todo o peso do mais velho que tinha um sorriso bobamente convencido no rosto. O mais novo, por sua vez, só conseguia pensar no quão idiota ele podia ser por estar feliz estando todo machucado. Coisas que apenas Bang era capaz de explicar. O mais velho ainda levou um sermão da enfermeira do colégio que, completamente horrorizada com sua situação fez-lhe uns muitos curativos.
No final, Yongguk estava todo arrebentado, com alguns muitos curativos no corpo –quase uma múmia!-, mas sentia uma estranha vontade de rir. Rir de tudo, do mundo de sua vida, de todos os machucados que ardiam e que certamente iam inchar. Dos pais gastarem uma grana preta com Natasha e babarem o ovo de Yongnam, não importava. Ele não se importava mais em ser diferente, não quando um corpo magricela e desengonçado o apoiava da melhor forma que conseguia.
Não quando ambos compartilhavam sonhos, quando Junhong era a princesa cor de leite com talentos especiais para rap que era capaz de iluminar seus dias e trazer sua inspiração. Junhong era uma peça errada em seu quebra-cabeça, mas estranhamente as peças ao seu redor haviam sido mudadas só para que ele pudesse caber e então tudo voltara a fazer sentido. Ou ganhara sentido pela primeira vez.
O que não fazia as porradas doerem menos mas ao menos compensava alguma coisa.
-x-
Quando o ano findou, ambos se sentiram perdidos. Aquele era o último ano de Guk na escola, ele seria chutado e Junhong ficaria ali, à mercê de todos que queriam lhe fazer mal, certo? Ledo engano. Por conta de sua costumeira mania de “dar os ombros” Yongguk acabara não passando no vestibular o que lhe fez tomar duas decisões. Iria trabalhar para ganhar seu próprio dinheiro, e ia com total certeza passar em seu próximo vestibular. Coincidentemente, a escola em que estudavam precisava de um típico “faz tudo” e ele não se fez de rogado ao se apresentar para a diretora que ficou desconfiada, mas por falta de coisa melhor...
No final ela não se arrependera.
Yongguk se tornara mais sério, trabalhava durante o dia todo e a noite estudava, por vezes adormecendo sobre seus livros ou sobre alguma letra que começara. Agora ele perseguia um sonho que sempre tivera, mas que nunca tivera coragem para buscar. Zelo lhe dera a coragem junto com um tapa estalado na nuca por ser sido tão frouxo. Ele não ia desapontar o garoto, e nem ia se desapontar mais uma vez. Ele queria aquilo!
A relação dos dois continuava nebulosa, como se caminhassem dentro de uma névoa espessa que não sabiam afastar. Nenhum dos dois jamais havia sido dócil ou gentil com alguém e quando os dedos se entrelaçaram pela primeira vez, os dois entenderam que aquilo era algo que aprenderiam juntos. Também, quase o mundo inteiro lhes odiava, quem mais restava para ensinar se não um e o outro? Junhong também não voltaria a dar o espaço que dera para Bang à mais ninguém. Não quando o outro entrara no seu coração.
No coração de Zelo só cabiam pessoas cheirosas como bumbum de neném.
E no de Yongukk... Bom, o de Guk talvez só tivesse espaço para Zelo e para sua mãe, a única que lhe olhava com ternura antes do garoto do cabelo de miojo - tudo bem que ele ficava ridículo tentando ser terno, mas ainda assim era bonitinho. Mas como Zelo dissera uma vez, os dois era um grupo e, portanto se entendiam. Como o mais novo havia dito, ambos eram excluídos, mas ambos também eram amados, um pelo outro. Mesmo que todos os vissem como verdadeiros freak shows.
Afinal, agradar o mundo era algo pequeno demais para duas pessoas grandes como os dois.
Que graça teria a vida se fossem normais?
De quem ririam caso fizessem parte de um padrão? Zelo e Guk simplesmente não se importavam porque, desde que tivessem um ao outro - e mais tarde mais outros 4 retardados que acabaram colhendo pelo caminho, mesmo que não quisessem mais ninguém no grupo altamente seleto formado de dois - e tivessem motivos para sorrir as coisas ficariam bem.
Bom... Mesmo que de fato não estivessem bem, Yongguk sentia que ao lado de Zelo podia simplesmente fazê-las melhorarem, como mágica, e Zelo tinha certeza que faria de todo possível para a aura de Guk ter sempre o mesmo cheiro doce da primeira vez em que se encontraram. Ah, se faria.
-x-
Anos Depois...
Quando novamente se encolheu com o Tiger de Yongguk nas mãos, Zelo sorriu. O brinquedo tinha o cheiro do mais velho e aquilo era o suficiente para fazer o vazio da rejeição que havia se instalado em seu peito desfazer como poeira no vento. Antes que pudesse controlar, seus olhos pesaram e ele cedeu ao sono que lhe puxava com insistência para seu mundo, deixando-se levar.
Minutos depois, Yongguk entrou no quarto, sorrindo aberto ao ver que seu pequeno grande garoto dormia tranquilamente. Junhong era realmente um achado, não era? Quando em mil anos podia imaginar que o garoto marrento ia se tornar o eixo central de sua vida. Junhong era o céu do sistema solar de Yongguk que como um planeta sem graça, orbitava ao redor da presença radiante.
E ele não se incomodava.
Deitou-se ao lado do corpo grande, empurrando-o com delicadeza para o lado, só para que pudesse se ajeitar na cama de novo e puxar o garoto para si. Assim que foi movido, Junhong se enroscou em Bang com mais força, apertando o Tiger entre os corpos e suspirando em deleite, como um gatinho que ganha carinho. Aquele era o melhor lugar do mundo.
Não demoraram muito para dormir, os dedos levemente entrelaçados enquanto as respirações se chocavam, tranqüilas e harmoniosas. Aquela cama apertada podia não ser nenhum hotel cinco estrelas, mas nenhum dos dois se importava, aquele era o lugar deles, o santuário dos excluídos por vontade própria. Que ambos haviam construído no decorrer dos anos que haviam passado juntos.
Muita coisa mudara e mesmo que ainda não fossem estrelas da música como planejavam, desfrutavam de uma vida confortável em um apartamento num bairro mais afastado e mais modesto onde, novamente, foram tachados e julgados, o que provocou apenas risadas nos dois que já estavam plenamente acostumados.
O futuro era apenas um borrão monocromático –que eles certamente coloririam pelo caminho- e tão legível quanto os garranchos que Yongguk rabiscava no ônibus voltando da faculdade que ele tinha orgulho em dizer que estava quase terminando. E mesmo que as contas fossem apertadas, os dois às vezes se permitiam a umas extravagâncias que tornavam toda a rotina ainda mais especial. E os outros, que continuavam lhes apontando eram apenas fantasmas murmurantes e sem rostos que não os atingiam mais, junto com toda a história de Yongnam e o resto.
Afinal, não importava o quanto lhes achassem estranhos, há muito eles não se incomodavam porque como Zelo lhe dissera na noite em que, pela primeira vez, haviam preenchido o quarto com gemidos e amor, fitavam o teto meio descascado.
“- Sabe, você é realmente é meu herói.
- O que?
- Eu sinto como se pudesse fazer qualquer coisa se você ‘tiver comigo. - O mais novo lhe fitou e Bang apenas puxou-o mais para perto, sorrindo de canto.
- Então você é o meu também, princess. Eu seria só mais um babaca se você não tivesse aparecido com o papo estranho de que a minha aura cheira a bumbum de neném.
- Gosto do seu cheiro de neném.
- Isso é coisa que se diga?
- Saranghae, melhor? - Junhong não viu, mas Bang enrubesceu violentamente com a confissão que não havia sido feita antes. E quase morreu entalado com suas próximas palavras.
- S-Sarangheyo...! - E Zelo riu, explodiu em gargalhadas que deixaram o mais velho ainda mais vermelho.
- Nunca achei que fosse ouvir você dizendo isso.
- E eu não achei que fosse dizer para alguém, mas... Você é impossível. É irritantemente adorável.
- Ya! Isso é jeito de responder?!
- Ei?
- O que foi?
- Eu te amo. - E foi a vez do mais novo ficar vermelho. - Não se perca jamais de mim e se perder, não pare de me procurar. “
E naquele momento o mundo lá fora realmente não importava. Sorrisos cruéis e machucados do passado ficavam pequenos e até a maior das montanhas parecia transponível. Nada importava muito quando estavam juntos.
Não quando terem um ao outro bastava.
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