Muita coisa havia mudado na vida daquele grupo ao longo dos anos, incluindo suas residências. Atualmente, a família Guerra vivia no último andar de um prédio padrão médio, após Roberto ter crescido na empresa em que trabalhava e Lilian ter voltado a trabalhar em período integral quando os filhos entraram no sexto ano e se tornaram mais independentes.
Na opinião dos irmãos, a melhor coisa do novo apartamento era a cobertura anexa, onde o pai havia construído uma piscina aquecida e uma área de churrasqueira. Frequentemente se reuniam com os amigos ali, e ou passavam as tardes estudando com os namorados.
Naquele dia, em específico, Paulo e Alicia estavam na praça andando de skate, aproveitando que o ritmo de trabalhos ainda não estava intenso. Mas Mário e Marcelina preferiram aproveitar a aparente tranquilidade para não deixar a matéria acumular.
─ Primeira semana de aula, e já temos trabalhos para entregar. ─ reclamou o rapaz, os dois com os olhos enfiados no livro de matemática ─ Imagina como vai ser o resto do ano?
─ É porque é o nosso último ano, grandão, eles precisam caprichar. ─ riu a menor, e ele sorriu todo bobo ─ O que foi?
─ É que eu adoro esse jeito que a gente se chama. Grandão e pequena. Seu irmão diz que é piegas demais, mas eu não ligo. Eu adoro.
─ Eu lembro quando a gente se conheceu, o menino revoltado que você era. Se aquele menino te visse hoje, ia vomitar. ─ ela riu, dando um selinho no rapaz.
─ Ele ia é ficar feliz, Marce. Eu não conhecia amor, carinho, afeto... Nada disso até conhecer vocês. E mesmo quando eu comecei a receber isso em casa, ainda faltava alguma coisa. E foi você quem preencheu isso. Por isso eu não ligo que me chamem de meloso, de bobo apaixonado, nada disso... Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, Marcelina. ─ ele se declarou, deixando-a toda boba ─ Tá, você e o Rabito.
─ O duro é eu ter que competir com o cachorro sempre. ─ ela dramatizou, mas os dois riam ─ Mas eu não ligo. Eu amo o Rabito, Mário, assim como eu amo você. Amo ele especialmente por ter cuidado de você lá atrás, quando nós não podíamos te ajudar.
O rapaz sorriu, beijando a testa dela e a puxando para se deitar em seu ombro. Eles entrelaçaram as mãos esquerdas no colo, deixando as mãos direitas livres para continuar escrevendo e resolvendo os exercícios.
─ Pequena... Você já pensou no que vai acontecer depois da escola? ─ perguntou Mário, depois de algum tempo.
─ Sim e não, grandão. Parece tão perto, mas ao mesmo tempo tão distante. ─ Marcelina começou a brincar com o lápis entre os dedos ─ Por exemplo, a professora Helena pediu para levarmos nossas ideias de cursos da faculdade na segunda-feira. E eu não faço ideia do que quero fazer.
─ Você está se sentindo que nem o Troy em High School Musical 3? ─ Marcelina não conseguiu evitar rir da pergunta.
─ Eu amo que você saiba fazer referência a um dos meus filmes favoritos. Mas não, não é como o Troy. O Troy tinha dois caminhos que o dividiam. Eu não tenho nenhum que me atraia. ─ explicou a garota, se afastando dele ─ Nem todos são que nem você, amor, que sabe o que quer desde criança.
─ Bom, então está na hora de confessar que quem está se sentindo o Troy sou eu, pequena.
─ Como assim, Mário? ─ Marcelina se surpreendeu ─ Eu achei que você ia prestar veterinária. Nós até pesquisamos as melhores universidades públicas no fim do ano passado!
─ Sim, Marce, eu sei. Eu amo os animais, amo muito, mais do que tudo. Você sabe disso. ─ ele encarava o caderno, rasgando a ponta de forma nervosa ─ Mas... Algum tempo atrás eu descobri que a minha mãe tinha o sonho de ser dentista. E desde então, eu comecei a pensar nisso.
─ Ser dentista, Mário?
─ Eu não sei, Marce. ─ ele a soltou e se levantou, caminhando até o parapeito e encarando a cidade ─ Eu passei a minha vida com uma ideia fixa na cabeça, ser veterinário, cuidar dos animais. Mas quando eu pensei em outra opção, outra alternativa... Eu me animei.
Marcelina o encarou por um longo tempo. Queria poder ajudá-lo naquela escolha, mas sabia que ela era apenas de Mário. Nunca tinha imaginado que ele poderia ser algo além de veterinário, aquela escolha parecia tão certa quanto o nascer do sol. Mas o amava independente dela, e estaria ao seu lado independente da escolha profissional que tivesse.
Só que sabia também que era muito difícil conversar com o namorado. Estavam juntos há três anos, e eram cúmplices e confidentes, e por isso ela sabia que ele se armava com facilidade. Qualquer coisa que dissesse naquele momento poderia ser interpretada de forma errônea por ele: e ela só queria que ele soubesse e sentisse que ela estaria ao lado dele para tudo.
Foi então que a ideia veio. Lembrando do trabalho proposto pela professora Helena, do que ele havia dito há pouco sobre o Troy e o filme que ela tanto amava e havia feito o namorado assistir com ela várias vezes, Marcelina resolveu recriar uma cena. Quando começou a namorar com Mário, descobriu que ele adorava dança de salão. Assistia inúmeros programas de competição, e algumas vezes tinham até tentado recriar alguns passos juntos, sem que ninguém visse.
“Se o Paulo visse isso, ia falar que entramos em um musical em que se resolve tudo com música. Mas acho que o momento pede.” Pensou a garota, escolhendo a música na playlist e ligando o celular na caixinha de som que ficava na churrasqueira.
Mário se virou confuso ao ouvir os primeiros acordes de “Can I Have This Dance”. Encontrou Marcelina sorrindo para ele, se aproximando e estendendo a mão. Começou a dublar a música, vendo um pequeno sorriso surgir no rosto do rapaz, enquanto ele segurava a mão estendida e aproximava seus corpos.
Claro que dançaram de forma bastante desengonçada, já que não tinham treino ou prática alguma. Na verdade, eles mais riam do que realmente dançavam, e Marcelina sentiu que Mário relaxava. Quando a música terminou, os dois abraçados, ele beijou a testa dela.
─ Obrigado.
─ Eu quero que você saiba que, independente do que decidir, Mário, eu estou do seu lado. Eu não sei do nosso futuro como casal, tudo pode mudar no ano que vem... Mas aqui, agora, eu estou do seu lado. E se você decidir pela veterinária, ou pela odontologia, ou qualquer outra coisa, eu vou te apoiar. ─ prometeu a baixinha, vendo-o sorrir ─ É uma pena que a vida real não seja como os filmes e não começou a chover no final da música. Teria sido bem romântico.
─ Não por isso. ─ ele deu um sorriso maroto, antes de erguê-la do chão.
─ Mário? Mário Ayala, o que você pensa que está fazendo?
Ele caminhou com ela suspensa nos braços até o chuveirão ao lado da piscina, e Marcelina começou a se debater e gritar, gargalhando alto. Ele pisou no acionador do chuveiro, que logo ensopou os dois, que se abraçaram aos risos.
─ Pronto, pequena, bem romântico. ─ ele aproximou seus rostos.
─ Perfeito, grandão. ─ concordou Marcelina, antes de se beijarem.
~*~
─ Qual é a graça de nós ficarmos aqui? ─ perguntou Jorge, sentado com Margarida, Koki, Bibi, Valéria e Davi no chão, todos apoiados em um muro grafitado, assistindo Paulo e Alicia fazendo manobras com o skate.
─ A graça é ficarmos todos juntos, Jorge. ─ explicou Koki, fazendo cafuné em uma Bibi quase adormecida ─ Eles vão andando de skate, a gente conversa e se diverte. E depois vamos para a lanchonete e comemos algo bem gorduroso.
─ E nós também estamos dando uma força para a Alicia, Jorge. ─ completou Valéria ─ Ela viu sobre um campeonato de skate que vai ter daqui algumas semanas, só para mulheres. E ela está louca para participar, mas está bem insegura.
─ A Alicia, insegura? ─ se surpreendeu o loiro ─ Eu acho que eu precisava ter me aproximado de vocês antes. Esse negócio de sempre ignorar vocês o máximo possível parecia uma boa opção, mas agora eu tenho um monte de coisa que preciso entender.
─ Marga, você pode ser adestradora no futuro. Está conseguindo adestrar o Jorge, ensinar um cachorro a fazer cocô no lugar certo é fichinha. ─ zombou Kokimoto, tomando um beliscão ─ Ai, Bibi, você não estava dormindo?
─ Para você ver como eu não posso descansar, Kokimoto. Você está sempre falando asneira. ─ resmungou a ruiva, de olhos ainda fechados.
─ Enfim... Sim, loirinho. A Alicia tem momentos muito inseguros. ─ explicou Margarida ─ Ela é toda trabalhada na marra, mas tem miolo mole. Ela é que nem uma pitaia, sabe?
─ Margarida, as suas referências são de morrer. ─ Valéria negou com a cabeça ─ Então todo mundo já sabe: quando ela e o Paulo vierem, nós vamos elogiar muito ela, falar que ela andou super bem, mas sem dar muito na cara, tá bom?
─ Esse negócio de ser sútil não é muito a minha praia. ─ reclamou Jorge, enquanto Margarida se enfiava mais no abraço dele, rindo ─ Pitaia é aquela fruta que parece sorvete de flocos?
─ Tem casal que a gente não imagina junto, e mesmo quando dá certo junto, a gente ainda estranha. ─ suspirou Kokimoto, vendo que Paulo e Alicia se aproximavam, pingando suor ─ Esse casal, por outro lado, se completa. São dois gambás fedorentos.
─ Para você ver que aquela ideia de me deixar fedorento, na primeira vez que eu me apaixonei pela Alicia, não serviu para nada. ─ lembrou Paulo.
─ Serviu sim, porque me fez pegar nojo de você por uns bons anos. ─ Alicia sentou em cima do skate, enquanto o namorado fazia o mesmo ─ Mas tá calor demais, gente, dá para fritar ovo na pista. Minha mão tá toda queimada.
─ Mas você arrasou nas manobras, Ali. ─ garantiu Valéria.
─ É mesmo, amiga, mandou super bem. ─ concordou Margarida.
─ Sim, estava ótima. Pode até participar de uma competição de skate. ─ disse Jorge, e todos o fuzilaram.
─ Paulo, você falou para eles? ─ Alicia reclamou com o namorado, e o Guerra lançou um olhar mortal para Jorge.
─ Eu falei que eu não sei ser discreto, desculpa. ─ o garoto deu de ombros, e Margarida negou com a cabeça.
─ O Koki tá certo. Ensinar um cachorro a fazer as necessidades no lugar certo é mais fácil do que te deixar sútil.
─ Nossa, obrigado, amor.
─ O que cocô de cachorro tem a ver com o que está acontecendo aqui? ─ perguntou Alicia.
─ Não pergunta, aqui é tudo louco. ─ garantiu Davi ─ O nosso ponto, Ali, é que, sim, o Paulo nos contou sobre o campeonato. E nós estamos aqui porque queremos te apoiar a participar.
─ Não sei, gente. Eu nunca participei de algo assim, eu sempre andei de skate só porque gostava. ─ explicou Alicia, brincando com o cadarço do tênis ─ Essas meninas que participam dos torneios são muitos boas.
─ Mas você também é, Alicia. Melhor do que metade dos meninos que a gente conhece. ─ lembrou Bibi, e Kokimoto apenas concordou ─ E eu to vendo uns moleques por aqui, fazendo manobras... Você realmente manda muito bem.
─ Alicia, se você não tentar, nunca vai saber o resultado. ─ lembrou Jorge ─ Se você quer participar de um campeonato, em algum momento você vai precisar dar o primeiro passo. Quanto mais demorar, mais difícil vai ser.
─ O Jorge é meio tapado, mas está certo, Ali. ─ Paulo segurou a mão da namorada ─ Não é um campeonato profissional, você sabe. O máximo que vai acontecer é você ser desclassificada nas primeiras eliminatórias. De qualquer jeito, nós todos estaremos muito orgulhosos de você por ter tentado.
─ É isso mesmo. ─ concordou Valéria ─ E pode ter certeza: vamos estar todos lá, na primeira fila, torcendo para você.
Alicia levantou os olhos, encarando os três casais à sua frente. Então encarou o namorado, ainda segurando a sua mão e dando aquele sorriso que ela sabia que era só dela. Havia uma parte de Paulo Guerra que era apenas dela, assim como havia uma parte dela que era só dele. Aquele sorriso, que ele já havia lhe dirigido inúmeras vezes, era a forma dele de dizer que confiava nela e em sua força, e que ele sabia que ela conseguiria tudo.
E tendo isso em mente, ela por fim concordou.
─ Tudo bem... Mas se eu vou participar desse campeonato, eu vou precisar treinar muito. ─ disse por fim.
─ Ótimo. Então volta para a pista, continua treinando. Marga, vamos buscar água de coco para ela, ou ela vai ficar desidratada nesse calor. E nada de comer hambúrguer gorduroso depois, vai ter que cuidar da alimentação. Eu vou ligar para a minha nutricionista, pedir para ela fazer uma dieta para você se preparar bem. ─ Jorge se levantou, sendo encarado de forma surpresa por todos ─ Dá para vocês pararem com isso?
─ Jorge, nós estamos presenciando um milagre, que talvez ajude a canonizar a Margarida no futuro. Deixa a gente reagir de acordo, obrigado? ─ pediu Davi, vendo o loiro bufar.
─ Deixa ele, gente. ─ Alicia levantou rindo ─ Obrigada, Jorge, você está certo. Eu vou voltar a treinar.
─ E nós vamos buscar a água de coco. ─ avisou Margarida.
─ E eu e a Bibi vamos começar a ver um uniforme para você usar na competição. ─ anunciou Valéria, e a amiga ruiva de animou.
─ E quanto a nós dois? ─ reclamou Koki.
─ Assiste a Alicia, e vê se aprende alguma coisa de skate, ruivo. Porque você passando vergonha com os meus primos, de novo, eu não mereço não. ─ pediu Bibi, fazendo o namorado fechar a cara e Davi explodir em risadas.
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