História Cartas para o Deus Desconhecido - Sensações

// BEATRICE //

Estou deitada na minha cama, encarando o teto e ignorando a mistura de sons vindo do andar debaixo. 

É mais um típico feriado na minha cidade encarado  pelos meus parentes distantes como a oportunidade perfeita para vir a minha casa para bancarmos a família tradicional de filmes perfeita e feliz. Nessas reuniões fingimos ignorar que a tia Liz traí o marido com o jardineiro, esquecemos que os primos Lindsay e Andrey cometem incesto quando bebâdos e fingimos ser comovidos com os sermões alienados sobre a volta de Jesus da tia Grace. Ah também tem eu, a bastarda invisível mas isso é assunto para outra hora.

Respiro fundo, arremessando a minha matéria para fora da cama e ajeitando um pouco o tecido amarrotado do vestido floral dado pela a mamãe no meu último aniversário. Me sinto patética. Por que devo me vestir como uma cópia da Taylor Swift em 2012 se isso não transparece como realmente sou? Por que devo sorrir das piadas ditas pelos meus familiares se a maioria delas não são engraçadas? As respostas dessas perguntas não são importantes para o momento, o importante é somente fingir estar bem - algo que sou completamente familiarizada.

– Bea! Meu deus, como você está linda com esse novo corte! – a minha prima Karen diz assim que desço para a sala de estar. Você não precisa fingir, Karen! No fundo sei que não me perdoou por ter roubado o seu namorado na segunda série. 

– Obrigada Ka, o seu cabelo também está ótimo. Adorei essa cor – Isso foi o que eu disse mas eu gostaria mesmo era oferecer um espelho e um tubo de tinta para ela tirar essa cor sangue de menstruação da cabeça. 

Se não pode contra eles, se junte a eles.

E foi isso que fiz, fingindo tão cinicamente assim como eles faziam comigo. Nenhum deles se importavam de fato comigo, o único dia em que eles lembravam da minha existência era no dia do meu aniversário quando meus pais liberavam dinheiro para fazer algo grandioso, se não nem no meu aniversário seria lembrada por eles. 

Depois de algumas horas sentada, forçando uma simpatia incomparável, finalmente sentamos na mesa para comer e ouvir as mesmas histórias seguidas das mesmas piadas sem graça dos meus tios. Era impossível não rolar os olhos a cada novo assunto, isso está sendo pior que eu me lembrava.

De: Kath
Consegui uma erva com meu irmão e estou estacionada na sua porta, saia já vadia ou vamos chapar sem você x

Quase saio aos berros mandando um vá se ferrar para meus familiares quando acho uma desculpa perfeita para sair daquele circo. Após terminar de comer, sussurei baixinho para mamãe que iria sair com Kath para o shopping e voltaria antes do final da tarde para ajudá-la no jantar e ingênua como ela é, concordou e deu-me ainda um beijo na bochecha. 

Saio de fininho para não ser questionada sobre o que iria fazer e minutos depois estou dentro do carro, estacionada perto do parque onde costumo levar Sam para passear e acendo o primeiro baseado. Kath, Emma e eu não somos viciadas em maconha, longe disso. Nós apenas arrumamos algumas vezes para neutralizar nossos pensamentos e lidar com nossos problemas particulares - e algumas vezes bolamos alguns baseados apenas por sentir-nos anestesiadas pela a dor física e preencher o vazio que tentamos fingir que não existe em nós. 

– Você foi embora e eu tenho que ficar chapada o tempo todo para parar de pensar em vocêeeee – Emma e Kath cantam em um  uníssono ridículo para alguma rede social enquanto a fumaça invade o carro e eu me perco, sendo levada de olhos fechados para outra galáxia pelo efeito da maconha

– Beatrice? – uma voz surge do lado de fora, abafada e abro os olhos rapidamente deixando ser invadida pela a vergonha de ser vista naquela forma logo por ele: Nicolas.