CARTAS PARA UM SOLDADO
CAPÍTULO 28 — FOGO
Algumas horas antes...
O charuto foi aceso lentamente.
O fogo queimou abrasivo.
A fumaça expelida tomou conta pouco a pouco do cômodo. Ele, despreocupado, analisava documentos importantes e confidenciais sentado à mesa de madeira importada do seu escritório.
A mão direita, livre do charuto, buscou o copo de whisky pela metade que estava posicionado na frente do computador. Mais um gole foi dado na bebida e a embriaguez já era nítida nos olhos pretos e enrugados.
Desleixadamente o homem deixou as cinzas caírem em cima dos papéis e deu de ombros, pouco se importando para com aquilo.
Irritado consigo mesmo, sem saber o porquê, encostou na cadeira e deu uma longa tragada no tabaco, soltando a fumaça devagar, tentando se acalmar. Em seguida, deu um último gole para finalizar a bebida forte.
Sua mente bêbada e traiçoeira lhe levou a um tempo muito distante. Anos e anos atrás no passado sombrio e obscuro de Fugaku Uchiha.
Flashback ON
O salão de festa estava lotado de pessoas da alta classe militar.
A música clássica escolhida a dedo pelo comitê, enchia graciosamente os ouvidos dos militares que ali estavam. Até mesmo para ele que era jovem, e um mero primeiro-tenente prestes a ser condecorado capitão, a melodia parecia ter sido feita para aquele momento.
Rolando os olhos por todo o baile, ele a viu próxima de uma pilastra. Sozinha, mas não menos bonita que as moças acompanhadas, pelo contrário, ao seus olhos ela era de longe a mais linda dali.
Estava graciosa com sua farda militar de praxe, o cabelo ruivo preso em um coque firme no alto da cabeça, os lábios cheios pintados em carmim, e uma leve maquiagem nos olhos esverdeados. Ela era exuberante.
Fugaku sorriu galanteador para a mulher, e decidiu se aproximar. A passadas lentas ele foi chegando perto dela, que assim que o viu retribuiu o sorriso com um puxar de lábios tímido.
— Me daria a honra de dançar essa música? — perguntou com a voz grossa.
— Com toda certeza. — a mulher respondeu.
As mãos se entrelaçaram e os dois posicionaram-se no meio do salão. Os olhos estavam firmes um ao outro. Os corpos rodopiavam com classe entres as pessoas que também dançavam ali. O silêncio começou a incomodar, até que Fugaku decidiu quebrá-lo.
— Poderia saber o nome do meu belo par?
— Kin. Kin Shirogane. — ela disse após uma risada pela investida dele. — E o seu nome, qual é?
— Fugaku Akimichi, ao seu dispor. — respondeu apertando a cintura feminina.
— Então, senhor Akimichi, está gostando da festa? — Kin perguntou com o rosto corado.
— Com uma companhia dessa, como não irei gostar? — disse rente ao ouvido dela e recebeu um arfar surpreso como resposta.
Os corpos se juntaram mais, e a mulher, sorrindo boba, encostou sua cabeça no peito forte e másculo de Fugaku. Ele acariciou a bochecha dela e a apertou em seus braços, após isso, a melodia chegou ao fim e eles se separaram a contra gosto. Era um baile de respeito, e tinham que se portar como tal.
Resignado com aquilo, ele se despediu formalmente da linda moça e decide ir até a mesa de aperitivos.
Contudo, no meio do caminho, Fugaku é abordado por nada mais nada menos que Madara Uchiha, atual general do quartel militar. O maior posto do exército. O manda chuva. E o sonho de Fugaku.
— Tenente Akimichi! Quanto tempo…
— Senhor general. — bateu continência e reverenciou o Uchiha.
— Oras, não precisa dessa formalidade toda. Curta a festa. — Madara riu descontraído. — Venha, vamos beber e conversar.
Fugaku, obviamente, não negou o convite feito e deixou ser arrastado até o balcão de bebidas. Os dois sentaram no banco alto e pediram doses de whisky, onde engataram uma conversa duradoura sobre os trâmites do exército.
Papo vai, papo vem, muitas risadas e alguns copos de whisky depois, Madara resolve perambular com Fugaku pelo salão e comenta:
— Você é um bom garoto, rapaz. — riu levemente embriagado. — Adoraria tê-lo como genro, sabe… Minha filha precisa casar.
Fugaku se atenta às palavras do homem. Sua cabeça fantasia-se com um futuro brilhante após a frase do general.
— Senhor, seria uma honra imensurável… mas acredito que não esteja falando sério.
— Pare de me chamar de senhor, não sou tão velho! — o Uchiha exclamou irritado. — Você pode me chamar de sogro… Hm! Isso! Me chame de sogro. Vou lhe dar a mão da minha filha…
— Senhor Uchiha…
Antes mesmo que pudesse prever os movimentos do mais velho, o mesmo puxou o Akimichi pela farda militar até o outro lado do salão, onde parou na frente de duas mulheres que conversavam animadamente.
— Querida, venha cá, quero apresentar uma pessoa a você.
A moça mais nova sorriu e se aproximou dos dois homens. Ela estava usando um vestido formal branco, mas que caía perfeitamente no seu corpo, adornando suas curvas… e que curvas. O cabelo negro estava solto e ondulado até abaixo dos seios. A maquiagem leve destacava seus olhos pretos e o batom rosado trazia uma aura de pureza para a mulher.
— Sim, papai? — perguntou olhando para Madara.
— Este aqui é Fugaku Akimichi, um amigo muito querido meu.
Fugaku, sem saber o que fazer, se aproxima da mulher e puxa a mão para beijá-la, sorrindo em seguida.
— Você me daria a honra…?
— Mikoto. Mikoto Uchiha. — ela responde.
— Um belo nome para uma bela mulher. — jogou seu charme para cima dela, que corou com as palavras ditas.
Após isso, os dois dirigiram-se até o centro do salão, para iniciarem a valsa juntos. O nervosismo tomava conta de Fugaku. Aquela era sua chance de fazer seu futuro crescer.
Segurando na cintura e na mão de Mikoto, bailou com ela por várias músicas. Conversas foram levantadas no meio da dança, assim como risadas das duas partes. O clima era leve e confortável. Ela era uma boa moça.
No entanto, os olhares de Fugaku caçavam outra pessoa. A mulher exuberante que dançou primeiro. Kin.
A dita cuja estava próxima de uma pilastra, olhando-o atentamente. Um sorriso malicioso foi jogado e a piscada de olho deu a certeza que ele precisava.
Pedindo desculpas a Mikoto, ele se afastou dizendo estar com dor de cabeça. Ela ficou preocupada, mas o Akimichi assegurou de frisar que iria para casa descansar.
A Uchiha concordou com a decisão e se despediu com um beijo na bochecha dele, sussurrando que esperaria vê-lo mais uma vez.
A consciência de Fugaku pesou um pouco, pois descansar era a última coisa que ele faria em casa hoje.
[...]
3 meses depois...
A campainha tocou insistente pela terceira vez.
Irritado, Fugaku desceu as escada da sua casa até chegar na porta e abri-la, sem antes checar no olho mágico quem era.
A surpresa surgiu no rosto do Akimichi após ver os fios ruivos tão singulares da conhecida.
— Fugaku. — cumprimentou.
— Kin?!
— Precisamos conversar. — ela encarou com firmeza os olhos negros do homem.
Fugaku suspirou e deu passagem para a mulher entrar em sua casa. Ela estava muito diferente desde de a última vez que a viu, vestindo uma calça jeans clara, uma blusa preta de gola alta e um sobretudo marrom, e na mão segurava a bolsa de couro com um envelope pardo entre os dedos.
— Sente-se. — apontou o sofá, assim que Kin tirou o sobretudo para ficar mais confortável. — O que você quer falar comigo? — perguntou com a voz um pouco rude.
— É um assunto delicado.
— Continue… — pediu.
— Eu estou grávida. — ela falou de uma vez, com um leve sorriso nos lábios enquanto acariciava a barriga reta.
O homem petrificou no sofá com as palavras da moça. Como assim grávida? Grávida dele? Impossí…
.
.
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A maldita noite em que dormiu com ela… A maldita noite em que não usou o preservativo… Mas qual era a chance dela engravidar? Foi apenas uma vez! Uma maldita vez!
Fugaku se levantou rápido, com a face contorcida em raiva, e passou as mãos no cabelo. Ela, sem entender nada, se assustou com a reação dele e o seu sorriso murchou.
— E o quê eu tenho haver com isso? — o homem perguntou com a voz carregada em asco.
— Como assim o que tem haver? Tudo, oras! — Kin rebateu instantaneamente. — Você é o pai.
— Isso é impossível. — ele disse com um sorriso debochado no rosto.
— Como impossível, Fugaku?! Naquela noit…
— Foi apenas uma noite! — interrompeu a mulher com grosseria. — Impossível você ter engravidado de mim.
— O que quer dizer com isso? — ela perguntou com a sobrancelha arqueada, e segurou forte na alça da bolsa. Não acreditava que aquilo estava acontecendo consigo.
— Você se acha muito esperta, não é? — Fugaku andava de um lado para o outro com as mãos na cintura, olhando fixamente para a mulher que ainda estava sentada no sofá.
— Mas...
— Acha que pode chegar na minha casa e mentir pra mim?! — berrou para Kin com raiva.
— Eu não estou mentindo! — ela se levantou, apertando o papel nas mãos e tentou se defender no mesmo tom de voz que ele.
— Cala a boca, mentirosa! — mas o Akimichi não deu brecha e avançou em cima dela, parando a poucos centímetros da mulher.
— Fugaku! — o nome saiu como um alerta.
— Sua vagabunda mentirosa! — ele xingou com raiva, apontando o dedo na cara dela. — Você quer tirar o meu dinheiro com essa história mirabolante, mas eu não vou cair no seu joguinho!
— Para! — pediu com lágrimas nos olhos esverdeados. Sua respiração estava muito acelerada. — Eu não quero isso!
— Então quer o quê?! — perguntou descontrolado. — Destruir o meu noivado?
— O q-que… — o choque da notícia estampou no rosto feminino e as lágrimas por fim rolaram pela bochecha alva.
— Quer destruir a minha carreira?! — ele continuou, se aproximando ainda mais.
— Fugaku… — Kin o chamou com a voz baixa. Estava se sentindo sufocada, pressionada, e sua mente começou a rodar.
— ESSE FILHO NÃO É MEU! — balançou ela pelos ombros e gritou sem se importar com os vizinhos, muito menos com a mulher na sua frente.
— Fugaku… — a Shirogane o chamou mais uma vez, e logo em seguida soltou um gemido de dor alto.
Sentiu uma pontada forte no seu ventre, e algo molhado e viscoso escorreu por suas pernas. Assim que olhou para baixo teve a visão do sangue descendo por sua calça jeans.
Por instinto suas mãos envolveram a barriga ainda plana e uma carícia foi feita, antes da fraqueza abater seu corpo por completo.
Algo dizia que seria a última vez que faria aquilo.
No fim, ela desmaiou.
Flashback OFF
Fugaku suspirou com a lembrança daquele fatídico dia.
Se levantou da cadeira, deixando o charuto aceso e apoiado de qualquer jeito no cinzeiro e foi em direção ao banheiro, tropeçando nos próprios pés.
O espelho refletia a imagem de um homem velho e destruído. Um homem que se destruiu sozinho e levou a família pro buraco. As rugas nos cantos dos olhos e as linhas de expressão na testa mostravam o descuido com ele mesmo. Não era tão velho assim, mas estava parecendo ser.
Encostou-se na parede e foi escorregando o corpo até o chão.
O sentimento de arrependimento brotou em si. Porque estava sentindo aquilo? O que havia de errado? Sua vida estava tão mal a ponto de relembrar acontecimentos passados e se arrepender de certas atitudes?
Acabou por lembrar mais uma vez de Kin, e o jeito como a socorreu para o hospital quando a viu sangrando em sua frente. Depois de horas de cirurgia ele recebeu a notícia, sentado na cadeira de espera do hospital, que Kin havia perdido o bebê e por causa de complicações do aborto ela nunca mais poderia ter filhos.
Pensou em Itachi e Sasuke, seus dois filhos com Mikoto.
Perguntou a si mesmo se havia sido um bom pai para eles. Mas sabia que a balança pesava mais para o não do que para o sim. Talvez na infância e adolescência dos filhos ele tenha sido um bom pai, mas agora na fase adulta deles, Fugaku cometeu erros imperdoáveis tanto com Sasuke quanto com Itachi.
Para um, mentiu por quase dez anos e escondeu um filho. E o outro, ameaçou sem pensar duas vezes, justo ele que só queria dizer a verdade, teve o casamento e a relação com o irmão arruinados.
Itachi, o primogênito, lhe deu tanto orgulho... Desde mais novo mostrava apreço pela carreira militar que era ensinada pelo patriarca. Assim que entrou no exército a família estava em festa. E como o esperado, ele recebeu inúmeras medalhas de apoio na guerra em que foi. Fez seu nome ser conhecido. Mas sabia que no fundo não era a vida que ele queria… Itachi era um gênio em números e cálculos, por isso decidiu migrar para a parte administrativa, no final.
Sasuke era outro que também encheu-o de orgulho. Sabia que a carreira militar dele iria prosperar mais do que a de Itachi, que se afastou dos combates rápido demais, por isso insistiu para o mais novo dar tudo de si. Acompanhou de longe todo o desempenho dele desde quando passou no alistamento, até as coisas na guerra ficarem complicadas. Nunca imaginou que aquilo poderia acontecer com seu filho.
E Mikoto?
Ah, Mikoto. Nunca a amou. Amava as oportunidades que um dia ela lhe deu. Na verdade, que o pai dela tinha lhe dado… Porém não tinha mais o que fazer nessa altura do campeonato. Foi e é um péssimo marido para ela, frio e distante. Não se surpreenderia se ela procurasse calor em outros braços, assim como ele já fizera…
Sem dar-se conta, passou um longo tempo sentado no chão do banheiro, remoendo o passado. Com raiva dessa atitude própria, decidiu se levantar para sair do cômodo.
Ao segurar a maçaneta, notou uma luz estranha, forte e inconstante vindo pela fresta da porta, juntamente com uma fumaça cinza e densa.
De supetão ele abriu a porta, e viu toda a sua sala em chamas.
As cortinas brancas, a mesa lotada de papéis, o tapete caro e importado, o sofá cinza, e até o computador estava com a tela trincada do calor…
Tudo estava pegando fogo.
Alarmado e ainda embriagado, Fugaku tenta sair do escritório tropeçando em seus próprios pés, mas antes mesmo de chegar na porta, algo desperta em sua mente e ele retorna a mesa para vasculhar as gavetas.
O calor aumentou. Os pulmões e os olhos ardem com a fumaça do fogo. Seus sentidos estão prejudicados e as tosses se fazem presente. Sua cabeça começa a rodar e o ar denso aos poucos vai ficando difícil de respirar.
Depois de pegar o que queria, decidiu correr para a saída, visto a situação grave em que se encontrava não podia demorar, porém não contava que seu pé iria enroscar no tapete queimado e seu corpo despencar com força, resultando nele batendo a cabeça no chão.
Em meio ao fogo, escutando as labaredas crepitarem a sua volta e o calor insuportável das chamas lhe abraçar, ele pensou em Kin, enquanto segurava o papel do exame de gravidez dela que tinha sido guardado com tanto cuidado…
Cuidado para que ninguém descobrisse que Kin esperava um filho seu, e que essa criança morreu por sua culpa.
Consternado, Fugaku aceitou sua punição por todos os males que cometeu, e fechou as pálpebras, lembrando o quão esverdeados eram os olhos de Kin…
Muito parecidos com os de Sakura Haruno...
[...]
Atualmente...
Point Of View – Sakura Haruno
— Você precisa voltar, desculpe, mas você precisa voltar...
— Diga logo o que aconteceu! — berrei impaciente.
— Uma tragédia, Sakura...
— Itachi, você não está ajudando desse jeito! — passei a mão no cabelo nervosa. Estava começando a me irritar com ele.
— Pegue o primeiro vôo para Nova York. — mais um vez o Uchiha disse palavras vagas. Qual era o problema de me contar o que aconteceu?
— Nova York? — questiono confusa. — Pra quê? Porquê?! — apertei o celular com força. Minha mente trabalhava arduamente em me mostrar situações desesperadoras.
— Houve um incêndio… e Fugaku está em coma no hospital.
— Oh meu Deus… — arregalei os olhos.
Meu corpo paralisou diante da notícia inesperada. De todas as tragédias que se passavam na minha cabeça, Fugaku não estava em nenhuma delas.
Ofeguei, fechando os olhos, pensando em como Sasuke deveria estar. Meu coração apertou-se instantâneamente imaginando o estado mental dele…
Isso não podia estar acontecendo. Não.
Não depois de tudo.
Eu preciso ir para Nova York.
— Sakura? Você está aí? — Itachi me chamou.
— Eu estou indo, Itachi. Me passe o endereço do hospital por mensagem.
Desliguei a ligação sem me despedir dele. Eu não tinha tempo nenhum a perder, por isso corri pelo quarto juntando todas as minhas roupas para jogá-las na mala de qualquer jeito.
[...]
Algumas horas mais tarde...
Depois de problemas para comprar a passagem, e um voo muito conturbado por meus pensamentos nada positivos, finalmente cheguei em Nova York.
Minha primeira vez pisando em solo novaiorquino.
Tinha saído do hotel mais estressada ainda. Como estamos em alta temporada, tudo estava lotado, o que rendeu um furo no meu bolso com o único quarto disponível do estabelecimento.
Me sentia em um pesadelo.
No caminho para o hospital minha cabeça decidiu pregar peças. Pensamentos sobre como estariam Ryou e Sasuke passavam de um lado para o outro. Será que Ryou estava bem? Será que Sasuke estava bem?
Pra mim, a resposta seria um grande "NÃO".
Mais uma experiência traumática na vida dos dois. Óbvio que não estava tudo bem. Mais uma vez! Isso fazia meu coração se partir em mil e um pedaços. Eles estavam tão felizes juntos pelas fotos que Sasuke me mandava, um momento único de pai e filho que foi tão esperado...
O táxi estacionou na entrada do Hospital Militar e eu fechei os olhos para respirar fundo três vezes antes de sair do carro e caminhar até o saguão da recepção.
— Boa noite. Estou procurando por Fugaku Uchiha. — disse para a recepcionista que estava atrás do balcão branco.
— Qual o seu parentesco com o senhor Uchiha? — ela me perguntou com a voz arrastada e a feição desanimada.
— Hmmmm… — mordi o lábio pensativa. — Sou a nora dele.
— Desculpe mas... o senhor Itachi já entrou acompanhado. — disse depois de um tempo, olhando para a tela do computador com o cenho franzido.
— Não, não, não é o Itachi, é o Sasuke. — suspirei alto. — O outro filho.
Ela iria perguntar mais alguma coisa? Eu já estava impaciente com todo esse interrogatório. Tudo bem que era um hospital para militares, mas precisava mesmo de tudo isso?
— Aqui o seu crachá. Não perca.
— Nora? — no momento de devaneio acabei lendo em voz alta o que estava escrito no adesivo.
— Você não disse que era a nora dele? — ela perguntou sem ânimo nenhum, e eu assenti temendo ser pega na mentira. — O senhor Uchiha está no décimo andar da UTI especial, quarto 1003.
— Obrigada. — agradeci, e corri para o elevador.
Apertei o botão do 10° andar, e colei a identificação acima do meu seio esquerdo. Passei a mão tentando ajeitar o cabelo que estava uma bagunça e as portas se abriram no andar solicitado.
Andei pelo saguão e de longe vi a cabeleira escura de Mikoto, abraçada com um homem grisalho. Aproximei-me deles devagar, até parar em sua frente.
— Mikoto? — a chamei com sutileza.
— Oh Sakura, graças a Deus! — sua voz estava embargada em choro. — Que bom que você chegou… — fui abraçada de supetão pela a Uchiha, que começou a chorar nos meus braços.
— Mikoto, querida, solte ela. — o homem, que era muito familiar para mim, pediu segurando nos ombros da mulher. — Lembra de mim, Sakura? Kakashi Hatake.
— Oh, claro. Me desculpe, Kakashi, não lembrava do seu nome. — fiquei envergonhada. Ele estava lá no dia da audiência do Sasuke! E também é um dos responsáveis que cuida das crianças na ONG…
— Onde estão suas malas? Itachi disse que você vinha do Texas… — Mikoto perguntou. — Sinto muito em ter atrapalhado suas férias assim…
— Dona Mikoto, calma, está tudo bem comigo. — segurei as mãos trêmulas dela. — Como está o Fugaku?
A Uchiha observou todo o meu rosto até que parou em meus olhos e franziu o cenho com dúvida. Após um longo minuto ela suspirou e falou:
— Como você consegue, Sakura? — rebatendo minha pergunta com outra.
— Como eu consigo o quê?
— Perguntar sobre o Fugaku mesmo depois de tudo que ele lhe fez…
Seu comentário me pegou desprevenida. Eu não esperava que ela falasse aquilo e as milhares de interrogações surgiram na minha mente de repente.
Como eu conseguia? Não sei, mas meu coração não queria ser igual a ele, eu não queria ser comparada a ele, por isso e outras coisas, Fugaku Uchiha e tudo que ele me causou foi e é apenas um passado que eu quero enterrar.
Mas a questão muda exatamente quando tem o meu filho e o meu homem envolvidos no meio…
Meu homem?
— Cadê o Sasuke? — perguntei, ignorando completamente o que Mikoto tinha dito. Não foi por mal, apenas tinha uma questão mais urgente, e essa questão era Sasuke. — E o Ryou?
— Não sei, querida. — respondeu com a voz baixa, o que fez meu coração falhar uma batida.
— Como assim?!
— Ele entrou no quarto para ver o Fugaku e saiu de lá transtornado. — contou, e os olhos voltaram a lacrimejar, ameaçando outro choro. — Não está atendendo o celular…
— On-onde está meu filho? — pergunto preocupada. — Cadê Ryou? — o medo me atingiu. — Sasuke está com ele?
Eu tinha achado que ele e o pai estavam juntos, longe do hospital para aquele clima pesado não afetar nosso filho, mas se Sasuke estava sumido, então...
— Ryou está no hotel com Shisui e Ino. — Kakashi é quem me responde, tirando um peso imenso do meu coração. — Eles não vieram para cá.
— Por favor, Sakura, ache o Sasuke… — Mikoto pede com lágrimas escorrendo pelas bochechas alvas, enquanto se vira para abraçar o Hatake.
Me afastei do suposto casal e andei por todo o andar vasculhando cada canto por Sasuke. Mas era claro como água que ele não estaria ali, na vista de todos…
Minha mente deu um estalo com o possível lugar onde ele estaria. Entrei no elevador outra vez, apertando o botão do décimo quarto andar.
Assim que as portas se abriram, vasculhei o ambiente com os olhos até encontrar as escadas de emergência que levam para o terraço…
Subi a escadaria num pique. Sasuke tinha que estar lá… Com esse pensamento atravessei a corrente que impedia a passagem até o telhado.
Tudo estava escuro. A única iluminação vinha de um refletor acima da casa de máquinas, deixando o local numa penumbra só. Olhei ao redor, tentando enxergar algo naquele escuro, sem sucesso.
— Mas que merda! — grunhi irritada por não achar Sasuke.
Até que uma sombra se mexeu no chão. Uma sombra com formato humano. Segui o trajeto dela até chegar no telhado da casa de máquinas, onde estava o refletor. Era de lá que a sombra vinha…
Só podia ser ele!
Corri até a construção quadrada e me empertiguei em como Sasuke subiu ali. Pelo o que dava pra ver, o local era alto e cheio de antenas parabólicas que dificultavam a locomoção.
— SASUKE! — gritei sem rodeios. — VOCÊ QUER LEVAR UM CHOQUE, SEU DOIDO?!
Escutei alguns movimentos pelas pedras que deviam ter na laje, seguido de um arfar de surpresa, e logo pude ouvir sua voz.
— Sakura?! — ele perguntou com o tom surpreso, e eu finalmente respirei por tê-lo encontrado. — O que você está fazendo aqui?
Não respondi. Minha mente arquitetava um jeito de subir até onde Sasuke estava.
Circulei o perímetro e encontrei uma escada numa das paredes laterais. Estava velha e enferrujada, além de que era muita alta e eu não alcançaria sem um apoio.
Maldito seja!
Andei procurando por algo que pudesse me ajudar, e voltei com dois caixotes de madeira em cada mão. Empilhei um em cima do outro, rente a parede, e consegui o apoio que faltava para subir a escada.
No primeiro degrau a escada rangeu e eu paralisei. Aquela coisa estava caindo aos pedaços e o medo injetou nas minhas veias. Continuei a subida com cautela até chegar no topo do telhado. Puta da vida.
Eu estava puta da vida. Sasuke precisava se esconder logo num lugar como esse?! Tentei relevar pela situação mas ainda sim eu daria um belo puxão de orelha nele.
Olhei para frente e me deparei com uma infinidade de cabos e antenas, uns emaranhados nos outros. Como ele não levou um choque?!
Não tinha outro jeito de chegar em Sasuke a não ser passando por aquele labirinto de cabos e aço. Teria que virar contorcionista por alguns segundos.
Respirei fundo e estiquei a perna para passar o primeiro fio. Para o outro, tive que apoiar minha mão no chão. Depois, bati a cabeça em uma das antenas. E por fim, ralei meus joelhos no chão tentando me apoiar sem cair por cima dos fios ou levar um choque.
Enquanto eu caminhava até Sasuke, fui estudando a sua postura. Ele estava sentado, abraçando os joelhos dobrados, com as costas arqueadas e a cabeça entre as pernas.
Não se parecia em nada com aquele homem que eu vi no aeroporto à quinze dias atrás. Sasuke parecia derrotado como nunca antes.
Sentei ao seu lado e vi sua cabeça levantar até me encarar. Os olhos inchados e vermelhos denunciavam o choro. Sorri triste e amuada antes de cumprimentá-lo.
— Oi. — falei baixinho.
— Porquê você está aqui? — disparou no mesmo tom de voz baixo.
— Por sua causa. — pousei minha mão no ombro tenso dele. — Por você…
— Sakura, não precisava disso. — sua voz saiu mais rouca que o habitual. — Você estava de férias… Eu… Você…. Não devia… — gaguejou.
— Sasuke! — chamei sua atenção. — Tá tudo bem.
— Não está não. — ele me cortou. — Você nem gosta do meu pai.
— Isso não se resume a seu pai. — rebati no mesmo instante. — Sim, eu não gosto dele, mas não o desejaria mal em hipótese alguma. — fui sincera. Fugaku poderia ser o que for, e ter feito o que fez comigo, mas isso não me dá razão para rir do seu estado de saúde. — A minha vinda até aqui é por você. Meu motivo é você.
Sua resposta foi encostar a cabeça no meu ombro. Alguns segundos depois eu senti minha camiseta molhar, aos poucos, com as lágrimas que vinham de Sasuke.
Seus soluços, por mais que fossem baixos e curtos, eram as únicas coisas audíveis naquele lugar. O corpo dele tremia a cada fungada, e eu podia sentir sua dor sendo compartilhada.
Por tudo que era mais sagrado, meu desejo no momento era tirar essa dor de Sasuke.
— Minha consciência está pesada. — ele desabafou depois de muito tempo no silêncio.
— Porquê?
— Não sei. — fungou mais uma vez. — Com tudo. — ele parecia sem rumo. Aquilo estava destroçando o meu coração. — Me desculpe.
— Pelo o quê? — franzi o cenho sem entender.
— Ryou. Ele…
— Sasuke, pelo amor de Deus… — me ajoelhei ao seu lado e coloquei minhas mãos em seu rosto. Um arrepio cruzou minha espinha. Tremi sob a sensação de tocá-lo. — Ryou está bem, e você não tem culpa de nada. Agora cala a boca.
Vi um pequeno sorriso tronxo e desajeitado despontar em seus lábios, e os olhos se arregalaram de leve após minha fala. Acariciei sua cicatriz com carinho antes de afastar as mãos.
— Desculpe.
Bufei vendo que na atual situação ele estava com a mente frágil demais pra notar as coisas que fazia, como pedir desculpas por pequenas coisas. Resolvendo mudar de assunto, perguntei:
— O que foi que aconteceu com seu pai?
O suspiro dele foi alto.
— Não sabemos o que houve de verdade. — passou as mãos na cabeça, bagunçando o cabelo. — Ele estava no escritório quando teve o incêndio. A perícia tá trabalhando no caso para descobrir como e o que foi que começou. — seus olhos se fecharam com força antes dele continuar. — Ele foi achado desmaiado no meio do fogo e… está em coma induzido por conta da dor… Teve 80% do corpo queimado.
Nessa altura as lágrimas já desciam por meu rosto, silenciosamente. Agradecia por Sasuke estar de olhos fechados e não ver o choro, porque nesse momento não vai ajudar ele em nada.
Enxuguei minhas bochechas discretamente, eu preciso mostrar força e apoiá-lo.
— Vai ficar tudo bem, Sasuke.
— Não, Sakura, é praticamente impossível ele sair dessa. Os médicos disseram. — meu coração se apertou outra vez. Ele já tinha aceitado. Era isso. — Fugaku vai morrer e não tivemos a chance de conversar. O meu pai…
Ele não conseguiu terminar a sua linha de raciocínio porque as lágrimas não deixaram. Mais uma vez Sasuke chorava por Fugaku Uchiha.
Abracei desajeitadamente seu corpo, enquanto acariciava seus cabelos. Sasuke chorava e eu consolava-o. E esperava do fundo no meu coração que essa seja a última vez.
Nada dói mais que ver a pessoa que você ama chorar.
[...]
13 dias depois...
Estávamos sentados nas cadeiras da sala de espera do 10° andar da UTI. Sasuke, Itachi, Mikoto, Kakashi e eu.
Pela manhã, havia sido informado que Fugaku seria acordado para uma avaliação médica de urgência. Ninguém deu muitos detalhes sobre isso, mas no fundo nós sabíamos o que viria a acontecer...
Assim que os médicos responsáveis pelo o Uchiha saíram do quarto mesmo, Sasuke se levantou inquieto e ansioso por notícias.
— Boa tarde. — cumprimentou o médico. — Senhora Mikoto, ele deseja vê-la. — disse em seguida, sem dar brechas para perguntas de Sasuke ou quem quer que seja, e se afastou com os outros doutores.
Enquanto Mikoto se levantava para ir até o quarto de Fugaku, reparei que os médicos conversavam entre si com expressões muito duvidosas e suspeitas. Vi um deles balançando a cabeça em negação e logo seus olhos viraram na nossa direção.
Suspirei baixinho e encarei Sasuke que apoiava o cotovelo nas pernas e tinha o olhar perdido no chão. Assim que procurei por Itachi, percebi que ele estava do mesmo jeito, ou até pior, que o irmão.
Meus devaneios se perderam entre aqueles dois por um longo tempo.
Desde que foram avisados sobre o acontecido com Fugaku, nenhum deles arredou o pé do hospital. Apenas quando o cansaço falava mais alto, e eu com a ajuda de Mikoto ordenávamos que fossem descansar um pouco no hotel.
Mas a situação era preocupante. Os irmãos apresentavam claros sinais de que não estavam cuidando das suas saúdes. As olheiras profundas nos rostos dos dois, a perda de peso visível nas bochechas e clavículas, a barba grande sem fazer, os cabelos que estavam oleosos e maltratados, e até a lerdeza mental para responder certas perguntas que eram feitas por nós…
Meus pensamentos foram interrompidos pelo soluçar alto de Mikoto. Um burburinho se fez, e enfermeiros e médicos entraram apressados pela porta em que a senhora Uchiha acabara de sair.
A mulher cambaleou pelo corredor em nossa direção, mas as pernas fraquejaram no meio do caminho e ela se apoiou na parede com apenas uma mão, porque a outra segurava um envelope de papel pardo.
Kakashi se levantou rápido, e foi ao seu socorro para ajudá-la, segurando Mikoto entre os braços enquanto ela se desfazia em lágrimas no ombro do homem grisalho.
Sasuke e Itachi não tinham reação. Os dois pareciam em estado de choque, sentados na cadeira sem mexer nem um fio de cabelo, com os olhos arregalados e marejando, sem conseguir proferir uma única palavra.
Assim que a Uchiha mais velha se aproximou de nós, tendo em vista que os irmãos estavam em um estado catatônico, eu tirei coragem pra fazer a pergunta que todos queriam saber a resposta.
— O que aconteceu?
Mikoto me olhou com o olhar penoso e triste, antes de confirmar o esperado:
— Ele morreu.
As primeiras lágrimas rolaram pelas minhas bochechas, e Itachi se levantou aturdido indo abraçar a mãe. Kakashi limpou os poucos rastros molhados no rosto e se afastou, deixando claro que aquele era um momento delicado apenas da família, pondo-se a caminhar em direção dos médicos para saber de mais detalhes e tomar as devidas providências.
Fiz menção de levantar da cadeira para dar um espaço à eles, mas a mão de Sasuke foi mais rápida em agarrar meu pulso e me manter no lugar.
Encarei-o e meu coração se partiu ao ver as lágrimas escorrendo por seus olhos até se perderem nos pêlos de sua barba comprida. Seu corpo estava trêmulo e as mãos fechadas em punho agarrando o tecido da calça jeans com força.
Os seus lindos pares de ônix que eu tanto amava, estavam… vazios.
— Sasuke? — chamei com a voz baixa. — Você não quer um momento sozinho?
— Não! — exclamou com a voz profunda e embargada. — Não me deixe só, Sakura. — ele pede e entrelaça a mão áspera na minha. — Não me deixe… Eu preciso de você. Apenas de você.
O choro entalou-se em sua garganta e ele apertou os olhos com força. A cabeça balançou em negação e a respiração se tornou irregular. A boca de Sasuke abriu para puxar o ar com força várias vezes seguidas. Ele estava em pânico.
— Sasuke, calma, respira. — pedi agoniada com seu estado. — Eu não vou te deixar. Não vou…
— Você não vai embora? — perguntou-me como um menino assustado.
— Não... irei ficar ao seu lado.
Abracei ele com força, vendo-o se render ao choro enquanto deixava-me velar seu corpo.
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