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Minha única certeza continua sendo você
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Flashback 02 – Garoto conhece o mal.
Os pés pequenos e descalços do garoto de seis anos andavam sem rumo pela areia branquinha da praia de Busan. Fazia frio. O casaco puído que Jungkook usava estava rasgado e sua derme já estava salpicada por bolinhas e os pelos arrepiados; os dentes avantajados e salientes batiam contra o outro.
Ele queria chorar.
Agachou-se naquela areia alva e abraçou os joelhos, descansando a cabeça ali. Fungou, deixando-se, assim, chorar baixinho. Um choro copioso e repleto de mágoa.
Jeon morava ali perto, numa casinha humilde. Seus pais haviam ido viajar para Daegu, em busca de melhores condições de vida, e deixaram o único filho sob os cuidados de sua avó. Jeon Dahyun, a anciã, era uma velhinha de saúde frágil, mas ainda assim, amava cuidar do neto e se prontificou a ficar com o garotinho.
Os pais ficariam fora por apenas três dias e voltariam para casa com boas notícias, como o esperado.
Entretanto, fazia uma semana que a criança e sua vózinha não tinham notícias.
Bem, até aquele fátidico momento.
Um policial acabara de passar na porta dos Jeon's alegando veemente que, durante uma troca de tiros entre duas gangues, muitos civis foram atingidos e mortos. Infelizmente, segundo dados da polícia, senhor e senhora Jeon estavam entre a linha de fogo da chacina que acontecera em Daegu.
O que mais deixava a criança desolada era o fato de que não haveria corpos para enterrar num cemitério para que ele pudesse se despedir dos pais. Os restos mortais dos Jeon's sequer foram encontrados pela perícia, apenas impressões de DNA que ficaram alojadas numa poça de sangue em uma das calçadas.
Era muito penoso e lastimo toda aquela situação.
Ali, em meio ao pranto, Jungkook permitiu-se chorar mais. Afogou-se nas gotas salgadas que escorriam de seus olhos infantis e puros até que não pudesse mais, deixando que toda a dor de seu cerne fosse posta para fora.
O garoto inocente, pela primeira vez, conheceu a face dúbia do mal.
[🐰🐱]
JUNGKOOK
Desde os seis anos tudo o que tenho feito é sobreviver.
Coexisto respaldado nas vagas lembranças de meus pais, nas memórias cruéis da morte de minha avó, por tristeza após um ano do falecimento de meus progenitores, e carrego no peito o mártir das consequências que segui após me recusar a ficar mais um dia naquele orfanato recheado de adultos podres — porque enquanto eu era uma criança ingênua, tudo parecia esperançoso e bonito.
Entrar na PPH foi como um respiro depois de tanto sufoco.
Foram sangue, suor e lágrimas para conseguir me adaptar aos treinamentos — psicológicos e físicos — e, sobretudo, mascarar o garoto amargurado que me tornei em mentiras, como também numa aura prepotente e autoconfiante. Mentir e enganar entre tantas outras habilidades aprimoradas na agência eram o que fazia de mim alguém com futuro.
E foi justamente essa parte enraizada de mim que, hoje, mais me dói.
Graças a uma pequena mentira contada, juntamente com uma paixão fora de hora e completamente comprometida, não só perdi minha — talvez — única chance de viver de verdade após tanto tempo.
Perdi Kim Malia, a primeira garota que gostei — e continuo gostando.
Depois da explosão no acampamento nossos caminhos não tornaram a cruzar. Visitas eram proibidas e médicos ficavam de plantão nas portas dos quartos por uma questão de segurança.
Então quando recebi alta, ela já não estava lá.
Minha primeira chance, esvaiu-se.
Consternado e consciente com o meu erro, afoguei-me em treinamentos pesados enquanto ouvia as reclamações de Yoongi-hyung à respeito do meu descaso referente a minha própria saúde, até que, numa tarde, Taehyung sunbae liga para o Min, querendo falar comigo.
Eu lembro que cada palavra dita ali foi como um baque para todos meus ânimos ao mesmo tempo que a vida parecia querer me dar uma segunda chance.
Malia viajaria naquela tarde, mas Taehyung alegava veemente que eu devia estar naquele aeroporto.
E eu fui.
Larguei tudo e agarrei o colar de coração não devolvido e a esperança de consertar meu — quase — relacionamento. Peguei um táxi, mas houve um engarrafamento numa das pistas principais e fiquei preso naquela selvageria de buzinas e estresse exacerbado de motoristas furiosos e empacados.
Lembro-me de ter ficado puto e ter batido a porta do táxi com força, pedindo desculpas ao moço logo após minha consciência pesar e ir correndo até o aeroporto.
Lembro-me também de sentir meus pulmões se comprimindo conquanto o ar faltava e eu tentava repor com lufadas exageradas e de como minhas pernas queriam se desmanchar e cair na fachada, num colapso exausto.
Todo esse esforço, no entanto, de nada valeu. O avião havia decolado a dez minutos, segundo Taehyung, e ele me consolou com uma garrafa de água e um tapinha nos ombros.
Perdi a segunda chance.
A fé que coisas boas poderiam, ocasionalmente, acontecer comigo se foi em seguida.
Aí tomei uma decisão.
A PPH era uma agência particular custeada por um grupo de segurança anônimo, sem financiamento do governo, todavia, ainda assim, agências governamentais se entranhavam sob nossa jurisdição e, entre as missões que fossem consideradas torpes, eles jogavam para nós, a chamada escória. Apresentando-nos, portanto, a missão Bielorussa. A C.I.A custearia o transporte e o arsenal bélico, mas os agentes seriam todos da nossa agência.
Voluntários se ofereceram, dentre eles, eu e Hoseok, o cara que pouco me comuniquei tanto no acampamento quanto aqui.
E essa foi a decisão que tomei. Uma missão suicida seria o bastante para manter minha mente longe do turbilhão que minha cabeça se encontrava.
Pedi permissão a Taehyung, que ainda era — na época, há quatro anos atrás — meu chefe de departamento para ficar com o colar de sua irmã, como desculpa de devolvê-la algum dia. Em função disso, ele me fez jurar nunca perder aquele pingente e fazer ele voltar para mão de Malia algum dia, de qualquer jeito.
Mas não prometi com sinceridade e isso acabou sendo uma das muitas mentiras que já contei, porque a certeza de voltar era algo utópico numa realidade rechaçada por coisas ruins.
Só que, mais uma vez, eu sobrevivi.
Sobrevivi com marcas e cicatrizes ainda mais incisivas, tatuadas na minha mente e espalhadas pelo corpo do inferno que aquela merda foi.
— Como se sente ao voltar 'pra casa como uma lenda, Jungkookie? — esse é Hoseok, o único que sobreviveu comigo e ele disse isso, ainda no carro do comboio da C.I.A, a caminho da agência.
Durante os dois anos infiltrado na Rússia, desenvolvemos uma espécie de afetividade um pelo outro, como o relacionamento que tenho com o Yoongi.
O Hobi é legal, mas é irritante numa proporção também legal da coisa. Ele é estranho.
Por isso que diante ao seu questionamento eu abro um sorriso pequeno e faço graça:
— Acho que finalmente o Namjoon-hyung vai me receber com flores e chocolate¹.
— Você não muda mesmo, não é? — ele ri, soando sincero.
Levo as mãos ao pescoço e toco instaneamente o colar que não é meu e engulo seco. Quero dizer que mudei, que não sou mais aquele menino de anos atrás, mas me contento ao devolver o sorriso, por mais falso que seja.
Hoseok sequer percebe e o diálogo morre aí. Ficamos apenas observando a janela de maneira nostálgica à medida que o comboio nos leva de volta à agência.
Encosto a cabeça, com os cabelos chegando à altura queixo, e descanso no vidro, fechando os olhos. É questão de minutos até que o sono me invada e eu ceda, sabendo que agora posso descansar sem a pressão de fechar os olhos e não acordar nunca mais.
[🐰🐱]
A fachada da PPH ainda continua exatamente da forma que me lembrei. O edifício é comum e não ostenta nada além da vidraria que reveste todos os andares.
Hoseok se despede dos presentes da nossa carona e eu permaneço apático à situação.
Entramos no prédio empresarial e andamos até a recepção. O hyung conhece a moça e ela logo nos libera e nos dá um passe até o andar onde a mágica acontece. Subimos no elevador e Hobi me diz superficialmente como agir numa situação assim, pois, era muito provável, que a notícia esteja disseminada na agência de maneira que comoções fossem geradas.
Em suma, o mais apropriado era passar por toda aquela gente era simplesmente ignorar e seguir até a sala do chefe — da qual descobri ser Yoongi porque Taehyung havia se aposentado.
Contudo, na hora H, a última coisa que fiz foi ignorar a algazarra. Minhas pernas empacaram no momento em que meus olhos conseguiram captar ela no meio daquele mundaréu de agentes.
Os cabelos estavam mais curtos do que eu me lembrava e numa tonalidade loira. Estava maquiada e trajava um vestido um tanto mais ousado que achei que usaria, que realçava as poucas curvas que seu corpo um pouco mais lânguido possuía.
Kim Malia havia mudado muito, mas continuava tão linda.
E eu me vi ainda mais hipnotizado; preso ao passado de cada curto momento que passamos juntos.
Inopinadamente, meus pés se moveram por entre as pessoas e caminhei de forma automática até ela. O coração batia de forma espontânea dentro da caixa torácica e eu sentia seu olhar, tão mais chocado que o meu, encarar-me como uma espécie de fantasma. Sequer liguei para as consequências do que meu ato seguinte poderia gerar e a abracei. Afundei meu rosto entre seus fios claros como sol e minhas mãos apertaram suas costelas quase que desesperadamente, porque eu sabia que ela poderia me afastar a qualquer momento.
Surpreendi-me quando, ao invés de me repelir, ela devolveu o gesto e abraçou de volta.
— Me desculpa — foi tudo o que conseguir dizer, muito vago.
Havia muitas coisas que obrigatoriamente deveriam ser postas para fora, numa conversa civilizada e não regada por impulsos emocionais. Só que este é o momento menos inoportuno para isso. E estraguei tudo ao abraçá-la dessa forma.
Mas até parece que euzinho, com todo o meu histórico, iria executar alguma coisa na base da razão, não é?
Por isso mesmo que, o que se sucedeu a seguir, fora só decadência.
— Idiota — a voz saiu abafada por ela ainda estar em meus braços, mas o timbre raivoso era o mesmo que ela direcionava a mim no acampamento, acompanhado por tapas e alguns esmurros — Babaca.
Aí me toquei na confusão que estava fazendo e a soltei. Umedeci os lábios e pus a mão rapidamente no pescoço e escondi o colar debaixo da blusa que eu vestia, ocultando o artefato.
Aquela não era a melhor hora de entregar aquilo.
Olhares curiosos e embasbacados eram direcionados para nós, como se fossemos a atração principal.
— Olha só, eles já se encontraram — virei-me para ver de quem era a voz que me soou conhecida. Malia ainda parecia estar em um estado estranho de choque misturado à fúria. Ele também estava diferente, mas não irreconhecível. Era Park Jimin. O que ele faz aqui? Espera. O que a irmã de Taehyung também faz aqui? — Você me deve doze mil wons², Yoongi.
— Todos para seus devidos setores, agentes. Agora. — Yoongi ordena e caminha trocando alguns xingamentos com o Jimin como se fossem amigos de longa data e o de cabelos rosados revirava os olhos a cada palavra direcionada a si.
Logo, o corredor foi secando. Alguns ali protestam a fim de ver o desenrolar da bagunça que eu fiz, outros apenas davam de ombros e seguiam suas ocupações. Restando apenas Hoseok, este estava escorado na parede de braços cruzados, parecia desinteressado, mas sequer moveu um músculo para arredar o pé dali.
Também observei um branquelo de olhos verdes que olhava diretamente para uma Malia ainda chocada e parecia que não iria sair também.
Cerrei os olhos na figura alta e franzina do sujeito até minha mente ter um lampejo de quem ele era. O australiano metido. Merda.
— Achei que estivesse com saudade do seu hyung, pirralho ingrato — Yoongi resmungou, como um velho chato, assim que se certificou que a ordem no andar foi estabelecida, enquanto Jimin me deu um soquinho no braço e seguiu até parar ao lado da amiga e balbuciar algo em seu ouvido.
O transe de Malia, finalmente, parece ter abandonado a expressão robótica de sua face e ela levanta o olhar, preparando-se para me confrontar.
Mas antes mesmo dela o fazer, o irritante do August — leia essa merda de nome com muito desgosto —, pegou em seu braço e abriu aquela boca escrota, dizendo:
— Ei, princesa, vamos embora.
Lembram da parte que eu disse que não podemos deixar que impulsos emocionais tomem conta de nossas ações, mas como eu sou eu, isso não iria ser respeitado? Pois bem. Não respeitei mesmo, pois no momento que ele falou isso, meu tom vocal aumentou e acabei soltando um:
— Como é que é?! Desde quando vocês são próximos?!
E nem estava no meu direito de surtar mais, até porque são quatro anos perdidos sem ter o mínimo contato com ela.
— E desde quando isso é da sua conta? — a irmã do meu não-mais-sunbae, rebateu. Com razão, até.
Admiro minha capacidade de vacilar, sinceramente.
— Acho bom vocês acalmarem os ânimos — Yoongi-hyung interviu, de qualquer forma. Só aí vi que Jimin estava ao lado de Hobi e eles estavam batendo um papo. August queria me matar com os olhos. Insuportável. — Agente sênior August, se importa em ir ao seu departamento, isso não lhe diz à respeito.
— Mas, senhor! — o filho da mãe protesta.
— Isso não foi um pedido, agente. É uma ordem. — diante do olhar felino do hyung, o metido bufa, intercala seu olhar para mim e suas íris verdes-feias me fuzilam mais uma vez, então olha para Malia e a chama outra vez para ir com ele. — Ela não. A agente 022, vai ficar.
Inconformado, ele se vai.
Meu queixo vai ao chão, porém. No tempo em que estive fora, Malia ingressou na agência e virou cadete também.
— Agora, vocês dois, o que pensam que estavam fazendo se agarrando num corredor?
— Não estávamos nos agarrando! — Malia guincha.
— Certamente, não. — completo, incapaz de pensar em algo coerente.
As informações se juntam ao meu cérebro de uma vez e o processamento de todas elas demoram. Pareço um computador com defeito que está a um fio de dar pane.
— Então podem me explicar o que foi aquilo por que-...
Um cara, de ímpeto, corre até onde estamos conforme uma sirene reverbera pelo corredor, as luzes escurecem e se acendem. Isso não é bom sinal.
— Senhor! Senhor! — o homem exclama afobado. — Senhor!
— Respira, cadete, e depois fale.
O homem faz consoante o que hyung diz. Jimin e Hoseok se aproximam e param de conversar à proporção que ele expira e inspira. Malia se empertiga e franze o cenho, alerta.
— Byun Baekhyun apareceu, senhor. Está aqui em Seul. E está atrás de Park Chanyeol. A prisão em que ele estava está emitindo alerta vermelho.
— Quando o alerta foi emitido, moço-ssi? — Malia indaga, joga o pé para o lado, livrando-se dos saltos.
— Há cinco minutos.
— Eles ainda estão lá — ela conclui. — Me dê seus tênis, Chim.
— O que pensa que está fazendo, 022? Tenho motivos suficientes para não lhe deixar ir atrás do Byun. — Yoongi intervém mais uma vez, me sinto perdido como nunca antes e não entendo os motivos. Mas nem o tom de voz sério do hyung faz Malia perder a pose. Jimin tira os tênis dos pés sem contrariar a outra e a entrega. Ela calça rapidamente o tênis e ignora o que foi lhe dito. — Está me escutando?
— Não posso obedecer suas ordens, Sunbae. Eu vou com sua permissão ou não.
Yoongi bufou, frustrado, mas não se opôs.
— O Jungkook vai com você então. — aí ele abre a boca e fala isso.
— O quê? 'Pra onde? — continuo perdido, por isso.
— Sem chance. — bate o pé, inconformada.
— O tempo está passando. É pegar ou largar.
— Droga. — xinga e se vira para mim, pega minha mão e me guia por entre o corredor.
Eu fico calado, deixando-me ser guiado. Adentramos e elevador e descemos os andares. Ela vai na frente, passa pela saída e vai até o estacionamento de funcionários. Há alguns carros parados, mas ela não anda para esses veículos. Malia para de frente a uma moto preta.
— Isso é seu? — esboço uma reação perplexa. — Nossa.
— Sobe. Não temos tempo.
Dita, meio rude. Tira um capacete da garupa, põe em mãos e me entrega. Seguro aquilo com a maior cara de idiota, pois estou fascinado demais em cada nuance nova que ela me mostra. Ela monta primeiro, pega na marcha e impaciente me espera montar também.
— Me segura.
Parecendo um garotinho, me acanho ao colocar meus braços em sua cintura, mas ao menos ainda tenho a chance de perguntar:
— Será que podemos conversar quando isso acabar?
— Não sei, Jungkook. Me diga você. Não fui eu que sumi do mapa. — os motores ligam e ela manobra a moto pelo estacionamento, com familiaridade. Sinto o peso de suas palavras. — Mas é bom te ver, a propósito.
E é com essas últimas palavras que o vento bate por meu rosto quando acelera de vez a moto, que corre entre as ruas asfaltadas de Seul em direção à prisão que detém um dos caras que orquestrava sua morte no acampamento.
Nunca tive muitas certezas na minha vida e estava me inserindo em mais um mar desconhecido, no entanto, só o fato de ainda culminar esperanças em relação a Kim Malia fazia tudo valer a pena, igualmente com uma vertente certa na meu coração:
Ainda estou apaixonado por ela.
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