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História Cassis (Série Alestia I) - Proposta Rebelde


Escrita por: JaneViesseli

Capítulo 8 - Proposta Rebelde


O dia havia passado devagar demais na opinião de Sara. Depois de sua refeição matinal ter sido levada por Margarida a seus aposentos, a copeira-chefe revelou à princesa o que ouvira sobre o sumiço do príncipe não-vivo. Os criados tentavam não demonstrar interesse no novo e estranho herdeiro do trono, mas todos cogitavam teorias a respeito de seu desaparecimento.

Margarida era uma senhora de cabelos grisalhos e corpo volumoso, possuía uma aparência bem mais velha que sua idade e, apesar de estar sempre sorrindo, seus olhos carregavam uma profunda tristeza em seu interior. Ela e seu marido Nicolas, o médico, eram alvos de um grande afeto da família real, apesar de humildemente reconhecerem o seu lugar na hierarquia social.

O sentimento era recíproco, consequência de algo que Arthur fizera a ambos no passado, mas que Sara nunca se interessou realmente em saber. Tal afeição colocava Margarida como uma servente fiel do rei e confidente devotada de Sara, a qual ajudou a criar depois da morte da rainha.

― As fofoqueiras da cozinha a ouviram gritar mais cedo – explicou-lhe Margarida afetuosamente –, e agora espalham boatos de que vossa alteza o ameaçou com uma estaca.

Sara não pôde ficar mais horrorizada com o potencial das mexeriqueiras de criar boatos terríveis a seu respeito, porque, mesmo desejando que os não-vivos desaparecessem da face da terra, ela nunca seria capaz de fazer tal atrocidade com as próprias mãos.

― Logo em seguida, o cavalariço veio à cozinha nos contar que ajeitou um garanhão real para o príncipe após o desjejum, disse também que ele estava equipado para passar muito tempo fora e, por causa disso, todos pensam que vossa alteza o afugentou. Quer me contar o que realmente aconteceu? – sugere a copeira-chefe, ouvindo atentamente a história que se seguiu e percebendo que a menina permanecera alheia ao sumiço do vampiro até aquele instante.

A saída de Cassis não seria mais um grande mistério se Sara tivesse tido a oportunidade de questionar o pai a respeito, mas o rei possuía seus próprios afazeres e políticas a cumprir, tornando impossível para a princesa, encontrá-lo disponível para uma audiência. E durante todo àquele dia, ela cogitou lugares onde Cassis poderia ter ido e o que fazia tão longe do castelo.

Será que ele sabia dos comentários maldosos espalhados sobre ela? Será que já não lhe bastava ter um marido não-vivo, sua reputação ainda tinha que ser alvo das línguas afiadas das criadas? Será que os boatos sobre a estaca se espalharam pela Cidadela Principal?

― Discrição e disfarce, ele definitivamente não sabe o que é isso – pensa ela antes de dormir, preferindo guardar sua fúria para quando o vampiro retornasse. – Ele terá de me dar satisfações!

Até aquele momento, a falta de notícias do príncipe pareceu fermentar ainda mais os bochichos, que realmente já se espalhavam pela Cidadela. As bocas maliciosas retornavam a criar boatos sobre o sumiço do príncipe, trazendo aos inocentes e bons de coração, o temor pelo fim de uma aliança que mal começara.

Cassis estava realmente muito longe dali, completamente alheio às fofocas sobre Sara e desinteressado o suficiente para não lhe mandar notícias. Equipado com uma armadura leve, uma faca, um odre cheio de vitae e uma espada de mão e meia, o vampiro passou o dia anterior inteiro num exaustivo galope em direção às fortalezas, seguindo primeiro para a do leste, tida como a mais próxima, que guardava uma pequena vila e parte da fronteira com Krush; depois a do sudeste, que também protegia um povoado e vigiava parte da fronteira com Narbor; e por último a do oeste, que lhe rendeu boas horas de cavalgada margeando o Bosque dos Refugiados e uma travessia bastante perigosa por uma ponte velha e precária, até finalmente chegar à construção que defendia uma terceira pequena aldeia e os limites com o reino de Aurora.

A cada fortaleza visitada, Cassis pôde contemplar os estandartes vermelho e dourado tremulando com o vento, e precisou apresentar a todos os generais uma mensagem lacrada do rei, cuidadosamente escrita para que eles lhe concedessem vitae, repouso, comida para o cavalo e uma conferência.

A parte falada da missão era sempre a mais difícil, pois convencer os velhos e experientes generais de que ele, um vampiro, era de confiança e extremamente capaz de guiar o exército de Alestia a uma vitória, estava se mostrando uma tarefa bastante trabalhosa. Contudo, apesar da resistência inicial, os generais e seus respectivos subalternos pareceram se conformar com o fato dele ser o sucessor do trono, confiando, acima de tudo, no julgamento do rei com relação a ele e a aliança.

O turno da noite lhe foi igualmente pesaroso, agora com o reconhecimento das fronteiras do norte. Saindo da fortaleza oeste, Cassis seguiu rio acima até uma quarta vila, atravessando outra ponte deplorável feita de tronco e cipó, e cavalgando por entre as casas adormecidas até os limites de Alestia.

Diferente das outras regiões, não havia fortaleza ao norte. Um montante da fronteira era bloqueado pelo rio que vinha das montanhas e cortava parte do reino, outro por uma floresta densa e o restante fazia divisa com a Terra dos Amaldiçoados, anteriormente tida como deserta, perigosa e amaldiçoada, o que levou os antigos reis de Alestia a acreditarem que nenhum exército se atreveria a invadi-los por àquele lado.

Ao nordeste, próximo a algumas colinas, ficava outro minúsculo amontoado de casas que recebiam guarnição da fortaleza leste na medida do possível, mas que, na opinião do vampiro, ainda estavam desprotegidas. O príncipe não tinha intenção de visitá-las naquele momento, não agora que todos dormiam e que não haveria ninguém para repor-lhe o estoque de vitae animal.

Dando como terminada a sua tarefa de reconhecimento, Cassis se preparava para montar em seu cavalo quando o cheiro de sangue lhe atingiu, o doce aroma de sangue fresco, que por um momento fez suas pernas bambearem, lembrando-o que seu odre estava vazio e que em breve precisaria se alimentar.

― Sente suas forças se esvaindo, príncipe Cassis? – questiona uma voz grave e baixa, cortando o silêncio da madrugada e chamando a atenção de Cassis para suas roupas manchadas de sangue fresco e, evidentemente, humano.

― Meu odre pode estar vazio, mas minha força ainda é a mesma, posso lhe garantir – responde em tom de ameaça.

― Entendo, mas não acredito muito! O vitae animal tem uma durabilidade muito pequena e, se bem me lembro, vossa alteza está há bastante tempo com o estoque vazio. Ouso dizer que não teria forças suficientes para enfrentar um rebelde bem melhor alimentado.

― Então é assim que você joga? Espera o oponente atingir o final de suas reservas de vitae para finalmente ficar em vantagem? Essa é a estratégia mais covarde que já conheci, esperava algo mais elaborado de alguém de minha espécie – lança com certa ironia, fazendo o semblante do rebelde se fechar numa carranca.

― Somos da mesma espécie, mas não do mesmo lado – rosna.

― Certamente! – concorda com seriedade. – Lembro-me de tê-lo ouvido citar o meu nome, acredito estar em desvantagem nesta conversa por sequer saber o seu – comenta com paciência, instigando o vampiro a revelar-lhe algo, assim com vira Thorkus fazer uma vez.

― Sou Justino, servo leal de Tibérius, o verdadeiro dominador das terras que pisa. Receio que tenha conhecido o irmão de meu mestre, Zino, em sua festa de noivado. – Pausa. – Meu mestre tem uma proposta para você.

Justino analisa a fisionomia de Cassis com um sorriso debochado nos lábios, ao mesmo tempo em que era analisado pelo príncipe. O traidor do clã possuía os cabelos loiro-escuros e os olhos castanhos, além de um corpo magro e uma estatura um pouco mais baixa que o vampiro a sua frente. Ele estivera no clã por tempo suficiente para conhecer Cassis, o Sanguinário, e aprender que enfrentá-lo de igual para igual era impossível.

― O tempo está passando – alerta o príncipe.

― É visível o choque de forças pelo domínio destas terras, caro príncipe, de um lado está vossa alteza e do outro, meu mestre. Contudo, meu senhor está disposto a resolver esse problema de forma amigável.

― E o que seria uma forma amigável para o seu mestre? Ao que me consta, minha presença aqui não seria necessária se os rebeldes não causassem tantos problemas.

― Não me venha com estes argumentos pré-moldados pelo clã, pois deles eu já estou farto! Os rebeldes têm planos muito mais gloriosos para essa raça que o conselho insiste em se aliar. Meu mestre quer liberdade para se alimentar em Alestia, deseja andar livremente e abater quantos pedaços de carne lhe forem necessários para manter seu pequeno grupo. Em troca, ele está disposto a evitar um confronto direto com o clã ou com o seu exército, além de garantir distância do castelo e de sua amada mulher.

― Não aceito! – responde rapidamente. – Segunda regra do mundo vampiro: teu domínio é tua responsabilidade, todos te devem respeito e ninguém poderá desafiar tua palavra enquanto pisar em tuas terras.

― Por que está citando um dos seis tratados da antiga ordem vampírica para mim? Sou um recém-rebelde, mas não sou idiota, conheço muito bem as regras – rosna, revoltado com a insinuação que o príncipe fizera a sua inteligência. – Acho que é vossa alteza que está se equivocando, aquela máscara caiu e suas leis ruíram junto com ela.

― Não no meu reino – rebate com autoridade –, minha resposta continua sendo: não! E quanto à princesa, não ouse tentar usá-la contra mim, pois não há nada nela que me faça vacilar em minha decisão.

― De certo você saiu a seu mentor, perdoe-me por insultá-lo com esta insinuação tão fútil, não entendo como me passou pela cabeça que estivesses enfeitiçado pelos sentimentos humanos. – Sorri de forma debochada, evidentemente se referindo ao passado de Cassis, que somente os membros do clã conheciam. – Mas não se apresse em dar-nos sua resposta, meu mestre é paciente e está disposto a esperar trinta luas por uma resposta final.

― Não aceito, essa é minha resposta final! – responde convicto, estreitando os olhos para Justino, que já desconfiava ser um traidor, apesar de nunca o ter notado na fortaleza do clã.

― Pense direito, príncipe, sangue humano sempre foi e sempre será melhor que o animal, você já saboreou, sabe do que estou falando. Não nos prive de nosso melhor alimento.

Cassis sente a verdade daquelas palavras e as lembranças àquele respeito rodearem sua mente, queimando sua garganta, o impulsionando a subir em sua montaria e cavalgar em direção ao castelo sem qualquer tipo de despedida, deixando para trás um rebelde evidentemente satisfeito por ter tocado numa profunda ferida.



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