No almoço nos reunimos na mesa larga. O que foi razoavelmente constrangedor.
Daniel comia como um animal raivoso, dilacerando a comida sem se importar. Yara o olhava com cara de nojo e o advertia em português, mas ele nem ligava.
Julian e Maria conversavam baixo, leve e tranquilos. Era nítido que eles se conheciam há muito tempo.
- Então, Theo certo? – Daniel disse em um inglês fraco. Theo levantou a sobrancelha para ele. – É verdade o que dizem? Você não é bem um lobisomem de verdade, é?
Meu corpo enrijeceu, sabia como aquele era um assunto delicado. Olhei para Theo que encarava Daniel fixamente, como se pensasse se deveria se dar o trabalho de responder.
- Daniel! – Maria o advertiu.
- o que? Só estou curioso. Afinal, uma fraude pode ter uma alcateia?
Aperto o garfo em minha mão tentando não rosnar para Daniel, nem sei porque me importo.
Apesar de tudo Theo continua impassível.
- o termo certo é Quimera. E acredite Daniel, tenho tanto de um lobisomem quanto você. – responde ele tranquilamente.
Dan da um riso de deboche.
- hilário. – diz em português e depois se volta para Maria. Por mais que não entenda a língua pude jurar que ele perguntava a ela porque estávamos ali.
Maria o ignorou observando Theo com curiosidade.
- então as histórias são verdade?
- isso depende de quais e de quem conta. – respondo quando vejo que Theo não o fara.
- doutores do medo? Anuk-ite?
- esses são os piores. – respondo. – mas não únicos. Há muita coisa por ai que não conhecemos.
- e muitas delas não queremos conhecer. – Theo completa.
Lhe dou um olhar que ele retribui. Concordo.
- acho que já temos problemas demais com o que conhecemos.
Maria olha de Theo para mim, a mesa fica em silencio.
- tem razão. Os maiores monstros são aqueles que se nomeiam como “normais”. – diz Julian com certo rancor.
- eles não são ruins Jules, apenas não entendem. – Maria defende e Julian a olha como se ela o tivesse apunhalado.
- não aceito ouvir isso de você Maria.
A senhora o olha com compaixão. Yara limpa a garganta e se vira para nós.
- vocês estão juntos à muito tempo? – ela pergunta em seu inglês chulo e eu engasgo com a comida.
Daniel ri, Yara fica vermelha, e Theo me olha divertido.
- ela quis dizer, se vocês se conhecem a muito tempo. – Julian reformula tentando esconder a diversão.
- vou tentar não ficar ofendido com essa reação. – Theo resmunga em sua pose tranquila e egocêntrica.
Dou um olhar feio para ele.
- fique a vontade para se ofender. – digo vendo os olhos de Maria brilharem. – há alguns poucos anos. Desde que ele matou minha namorada.
Todos olham para Theo que revira os olhos.
- os doutores a mataram, eu a revivi. De nada, por isso.
- é, pra ser sua marionete. – pondero.
- mas está viva, não está? Você só não superou o pé na bunda que ela te deu.
Rosno para ele.
- nunca deveria ter te trazido de volta. – resmungo irritado.
- ah por favor, Liam. Se comporte, somos visitas. – ele soa cínico como sempre, mas sinto meu rosto esquentar.
- desculpe. – peço a Maria que não está nada além de divertida.
- tudo bem, não se preocupe. – ela diz pra mim e depois algo baixo em português.
Theo a encara firme e reponde na mesma língua algo que acho significar “definitivamente não”.
Maria não se abala, ela sorri e volta a comer.
- então, qual a história de vocês? Sempre viveram aqui? – pergunto depois de um tempo.
- não exatamente. – Maria responde paciente. – como podem imaginar, viemos para nos esconder, tentar viver em paz.
- dos caçadores? – pergunto intrigado.
Ela assente e respira fundo.
- eu era da capital, cidade grande, movimento, bom para se camuflar, mas péssimo quando é descoberto. – ela olha para Daniel e torce o lábio. – Nasci assim, assim como meu filho. Éramos uma família grande em uma cidade grande. O pai de Julian, era meu irmão. Ele era o alfa. – sua voz falhou no final.
- o que aconteceu? – não consegui conter minha curiosidade.
- há alguns anos atrás houve um eclipse lunar. Vocês sabem o que acontece conosco no eclipse, certo? – assentimos. – bom, eles também sabiam. Na noite de lua cheia, no eclipse lunar quando estávamos fracos e sem poderes invadiram nossa casa. Os caçadores mataram todos que conseguiam. Peguei Daniel e Julian que eram mais novos e corri até ouvir um último tiro e o uivo do meu irmão.
Todos abaixaram o olhar, Julian tinha os olhos vermelhos e eu não soube se era mais tristeza ou raiva.
- eu os escondi em um beco perto e voltei correndo. Encontrei meu irmão no chão da sala, ao lado da esposa já morta. Ele, porém, estava vivo, sofrendo com a bala envenenada no abdome. – ela suspirou, os olhos vidrados com a lembrança. – os deixaram lá, para sofrer antes de morrer, sabiam que não havia como sobreviverem aquilo. – engoliu em seco. – tentei ajudar, mas era um tipo diferente de acônito, mais forte, venenosa o suficiente para matar um alfa.
- amarelo. – deduzi baixo, ela assentiu.
- não sabia o que era, como tirar. Então meu irmão pediu que eu o matasse, assim teria o poder de um alfa e poderia proteger nossos filhos, o dele e o meu. – Maria solta a respiração frágil e me olha sofrida. – vocês devem imaginar a cor dos meus olhos atrás do vermelho.
Me mexo desconfortável na cadeira, não sei o que dizer a ela, mas Theo sabe.
- você fez o que precisava fazer. – ele diz convicto. – ele iria morrer dolorosamente e você não teria metade da força que sei que tem hoje. – o vejo encarar os betas da alfa. – você os salvou, não deveria se arrepender por isso.
Maria dá um riso cortado.
- não me arrependo por isso garoto. – seus olhos ficam vermelhos em um instante. – me arrependo de não tê-los caçado antes que eles nos caçassem.
Contenho o arrepio na espinha que isso me causa.
- mesmo assim você veio para cá, para se esconder. – digo mais como uma pergunta.
Ela suspira.
- vim para cria-los, para protege-los.
Concordo com a cabeça, entendendo a situação.
- e você? – pergunto a Yara.
Ela olha para a alfa que responde:
- Yara chegou alguns meses depois. Ela sempre viveu aqui e todos acham que está morta. Quando os caçadores se revoltaram de vez e Gerard disponibilizou recursos, ou seja, “a bomba estourou”. A família da Yara foi uma das primeiras a serem atingidas. A casa pegou fogo, Dan a salvou e eu a transformei para que sobrevivesse.
- então ela não era lobisomem? – pergunto confuso.
- não. O irmão mais velho era, mas ninguém perguntou, não é mesmo? Apenas tacaram fogo na casa e mataram a família toda. – Daniel disse rancoroso.
Olho para Yara que tem os olhos atentos em Theo e eu, observando nossa reação.
- sinto muito pela sua família. – digo sincero.
Ela apenas assente e não diz nada.
- e você decidiu tentar viver sozinho? Deixando sua tia que te salvou? – Theo pergunta a Julian que da nos ombros.
- eu decido o que quiser.
- muito maduro. – Theo murmura.
Limpo a garganta.
- não estamos aqui para julgar ninguém. – digo em advertência a ele que me ignora.
- não. Estão aqui para nos levar com vocês. – Maria deduz.
- estamos aqui para convidar vocês a irem.
- convencer, é a melhor palavra. – Julian destaca.
- pode chamar do que quiser, mas vocês viveram na pele a crueldade de Gerard e agora é Monroe que está no comando. Devo dizer que ela não é nada melhor.
Eles absorvem minhas palavras, todos olham para Maria que me fita pensativa.
- pelo que vejo Liam, Scott McCall sabe converter seus betas a sua causa.
Meu sangue ferve.
- “sua causa”? Caçadores matando todo e qualquer ser sobrenatural não é sua causa também?
Seu olhar endurece assim como a rigidez de todos na mesa.
- dos caçadores da minha área cuido eu, garoto.
- e os que não tem um alguém como você para cuidar de sua área? E os novos que mal sabem o que está acontecendo? E então Maria, quem irá cuidar dos caçadores daqueles que não conseguem se defender?
Ela ficou um momento me encarando, o clima pesado ao redor coberto de silencio. Então Maria sorri relaxando.
- você tem bons pontos Liam. Mas vou te falar uma coisa: não estão pedindo para ajudarmos apenas, estão pedindo para que saiamos de nossas casas e enfrentamos uma guerra na linha de frente. – ela pega seu prato e levanta. – Não vou levar minha família para a morte.
Com isso ela simplesmente sai. Yara logo se põe de pé e vai atrás dela, Julian pega nossos pratos e faz o mesmo.
- Não se exalte tanto. – Dan diz pra mim. – minha mãe tem problemas com descontrole. Além disso, você não pode culpa-la por ter medo.
Respiro fundo puxando minhas garras que nem lembro quando saíram.
- não culpo. Eu entendo, mas também entendo o outro lado.
Daniel aperta os lábios ao se levantar.
- nós somos o outro lado Liam. – diz baixo, quase dolorido antes de sair.
Ouço Theo suspirar e me viro para ele.
- o que?
- isso foi muito bom. Parabéns, nossas chances se reduziram 60%. – diz ele com ironia.
O encaro irritado e sem nem pensar soco seu nariz. Theo grunhe com a mão endireitando o nariz quebrado.
- porque isso!? – indigna ele.
- pra você calar a boca. – solto nervoso já me levantando.
- se sente melhor agora esquentadinho?
O ignoro e subo para o quarto sem olhar para trás.
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