O maior sonho de Jyuimi estava se realizando naquele ano.
A garota era uma jovem normal. Vinte e três anos, cheia de sonhos e vontades. A chinesa agora estava realizando um dos maiores sonhos de sua vida: estudar na Coréia do Sul. Só ela e seu familiares mais próximos - vulgo sua irmã mais nova e seus pais – sabem o quanto ela se esforçou para conseguir a bolsa de estudos na faculdade de design de moda, logo ela não podia estar mais feliz de estar ali.
Já haviam alguns dias que ela havia chegado no lado sul da península coreana. Já havia saído e resolvido tudo o que tinha que resolver que fosse relacionado a sua matrícula ou com seus documentos, e já havia se instalado corretamente no dormitório - um apartamento maravilhoso que ficava perto do campus, que por sinal, só tinha a presença de amigas de anos da garota, ou seja, além de estar realizando um sonho, tinha suas melhores amigas junto com ela, não podia ser melhor.
Agora, com tudo resolvido, só haviam motivos para comemorar, e ela já sabia como iria fazê-lo. Com o período prestes a começar, começavam também as festas universitárias que Jyuimi sempre teve vontade de conhecer e participar, e ela teria uma bem naquela sexta-feira.
Ansiosa como era – e vaidosa também -, passou o dia todinho se arrumando. Lavou o cabelo, fez uma hidratação potente – seu cabelo era seu segundo maior orgulho depois das origens de sua família - e um skin care digno de um SPA. Fez as unhas, ficou umas três horas tentando escolher alguma roupa descente – Rara quase acertou uma almofada na garota por causa da tamanha indecisão – e agora estava ali, no banheiro do quarto que dividia com a sua irmã finalizando a sua maquiagem e seu cabelo.
- Jyui, você vai para uma festa universitária, não para um desfile de moda chiquérrimo, anda logo – Mayuimi, a irmã três anos mais nova que ela estava em pé encostada no batente da porta do banheiro - Já sabe que quando a Vic ficar pronta ela não vai te esperar né?
- Vai sim, ela late, mas não morde. É obvio que ela espera.
- Bom, eu vou esperar na sala. Não demora! - Gritou já saindo do quarto.
Jyuimi dava os últimos retoques na maquiagem. Fez um delineado tão simétrico que era digno de um prêmio. Usou uma máscara de cílios qualquer e ainda passou um iluminador no alto das maçãs do rosto e na pontinha do nariz. Finalizou tudo com um gloss. Deu uma última olhada no espelho, checando se o cabelo – Jyuimi era o tipo de pessoa que mudava de cabelo o tempo todo, o mesmo já estava há um bom tempo num tom de loiro acinzentado, era uma cor esquisita, mas combinava muito com ela – estava perfeito e totalmente alinhado como ela gostava.
Saiu do banheiro e deu uma olhada no espelho comprido que ficava em uma das paredes. O vestido estava ótimo, nada amassado e caía super bem nela. Saiu do quarto e apagou as luzes encontrando com quase todas as amigas na sala. Quase todas, pois, outra ainda se arrumavam em seus respectivos quartos.
- E depois sou eu quem demora a se arrumar! – Disse enquanto se sentava ao lado de Kimberly que já estava devidamente pronta, mexendo no celular, navegando por uma rede social qualquer.
Kimberly assim como as outras meninas era uma amiga de longa data de Jyuimi. A mulher era bonita até de mais e já estava famosa pelo campus da faculdade onde estudariam mesmo que tivessem chagado a pouco menos de duas semanas. Não só por sua beleza mas também pelo seu carisma que era tanto que simplesmente não dava para não adorar a brasileira. A pele negra, os olhos bem expressivos, os lábios cheios e o cabelo cacheado e volumoso eram suas características mais marcantes, além do sorriso lindo e brilhante. Kim, como era apelidada, sempre foi muito determinada e muitas vezes era a "mãe" dos grupos de amizade pois era sempre a mais racional e calma na hora de resolver os problemas.
- Amiga, você sabe que a Juliet sempre vai demorar pra se arrumar, muito mais do que todas nós sete juntas – Kim disse e Jyuimi não teve outra saída a não ser concordar.
A citada no caso era Julieta Lina, mas ela odiava que a chamassem assim então adotou o nome de Juliet e preferia que a chamasse assim. Ela passou pela sala de forma exuberantemente elegante no exatamente no momento em que Kimberly citou o nome.
- Sim, demoro e vocês vão tratar o meio de me esperar – autoritária, mas ainda assim não havia mentido.
Juliet é brasileira assim como Kimberly e Victoriane, mas diferente dessas duas, ela era descendente de coreanos por parte de mãe – que tinha bisavós coreanos que se mudaram para o Brasil muitos anos atrás – e também era descendente de turcos por parte da família de seu pai – este no caso era brasileiro, tendo os pais estrangeiros. Juliet já morava na Coréia há cerca de dois anos e meio junto com Jhong, sua namorada, que inclusive esperava sentada na sala assim como as outras.
- Eu só queria dizer que estamos atrasadas, vamos chegar lá e aproveitar duas horas de festa apenas se a gente não sair logo – Comentou vendo a namorada revirar os olhos e as outras meninas comentarem concordando.
Jhong era filha de um casal que consistia em um homem brasileiro e uma mulher tailandesa. Seu pai era um homem bem humorado que apesar de latino também tinha uma certa ascendência asiática, ela tinha uma ótima relação com ele e com seu irmão mais novo, que morava na Tailândia com sua mãe, esta já não tinha uma relação tão amigável consigo e as duas já não se falavam tinha muito tempo. Jhong estudava arquitetura e era dançarina profissional e professora de dança e ainda modelava quando era chamada ou quando podia também, mil e uma utilidades. Além dos talentos artísticos, Jhong também chamava atenção por sua altura – eram quase um e oitenta, mais precisamente, um metro e setenta e oito, e ela orgulha disso.
- Eu vou descer e ligar o carro – Rara se levantou e disse assim que viu Victoriane adentrar a sala de estar deixando todos os outros cômodos fechados e com suas luzes devidamente apagadas - Não demorem – a argentina avisou deixando o apartamento logo em seguida.
- Espera, eu vou com você - Mayuimi logo se ofereceu e a seguiu, sumindo logo depois da porta principal.
Rara e Victoriane eram amigas desde pequenas. Raridade Trindad era argentina, mas não viveu muito por lá, se mudando para o Brasil por conta do trabalho de seu pai – que era dono de uma empresa importante - ainda quando criança - o que se assemelhava muito com a história de Jyuimi e Mayuimi, que se mudaram para o Brasil ainda pequenas – e conheceu Victoriane nos primeiros anos de escola. As duas se conheceram e nunca mais se desgrudaram desde então se tornando "a dupla".
Raridade pintava o cabelo de vermelho desde que se entendia por gente. Tinha os olhos azuis mais bonitos do mundo, e as vezes Jyuimi se sentia como uma batata perto da outra que era tão bonita. Ela tinha curvas, um corpo lindo e atraía olhares. Mas a ruiva não levava nem um desaforo sequer para casa. “Beleza explosiva” era o nome do contato de Rara no celular da Zhou.
Já Victoriane era apenas.... Victoriane. Ela era a mais nova das sete e a que mais havia se mudado de país ao longo da vida por conta dos trabalhos que realizava. Ela trabalhava como produtora musical e fazia uma faculdade online do mesmo assunto.
Jyuimi se levantou e buscou o par de salto altos que havia separado enquanto pensava na roupa que usaria. Os calçou e seguiu todas as outras que foram em direção a porta, descendo pelo elevador todas juntas.
Rara já estava com o carro de sete lugares alugado parado em frente ao prédio do dormitório com Mayuimi sentada no banco do carona. Todas entraram no veículo e Jyuimi quase saiu em uma luta com Juliet para ficar na janela da fileira do meio dos bancos. No final, a loira ficou no meio e a chinesa conseguiu ficar na janela e elas trocariam na volta, mas Jyuimi tinha quase certeza que conseguiria ficar na janela mais uma vez se desse sorte da outra estar cansada o suficiente para discutir sobre o assunto.
O caminho até o local da festa foi bem tranquilo. Não havia tanto trânsito quanto havia nas noites habituais e movimentadas de Seul e o céu estava limpo. Não estava quente demais e nem frio. Não demoraram nem vinte minutos para chegar na casa noturna, e Rara ainda teve a sorte de conseguir a última vaga do estacionamento que pertencia ao estabelecimento.
Quando Jyuimi entrou no local, sua animação triplicou. Era a primeira festa em que ela ia no país. Estava parcialmente cheio, provavelmente lotaria alguns minutos depois. A pista de dança era iluminada pelo próprio piso e haviam luzinhas coloridas por todas as partes. A música era alta. Haviam muitas cadeiras e sofás nas laterais e ainda havia um segundo andar, que por sinal, era para onde elas e as amigas estavam indo.
Se sentaram em um canto qualquer com uma mesinha logo à frente. Rara e Kim já foram logo atrás de bebidas e algo para comer. Jyuimi não era lá muito fã de bebidas alcoólicas, - na verdade, ela era fraca pra álcool, ela ficava bêbada muito fácil, então só preferia passar longe - ficaria com algum coquetel que não levasse nada do tipo, mas fome ela tinha, e bastante.
O tempo foi passando e a festa foi enchendo cada vez mais e mais. Agora sim aquilo parecia uma balada digna de jovens adultos universitários. Pessoas dançando, bebendo, outras estavam mais entretidas em se pegar com alguém em algum cantinho, coisa que fazia o estômago da Zhou revirar, não estava adepta a nenhum tipo de relação que não fosse uma bela e linda amizade desde seu último relacionamento catastrófico.
Mas o destino nunca nos permitiu fazer escolhas.
- Gente esse lugar é incrível - Mayuimi disse se sentando no sofá com um copo com alguma coisa que parecia ser bem doce por ser totalmente colorida – Espero que não haja nenhum desastre.
- Vira essa boca pra lá garota, tá doida? - Juliet já foi logo repreendendo. Ela acreditava bastante na frase “quanto mais você pensar na situação mais chance ela tem de acontecer e de dar errado”, a lei da atração também poderia funcionar nesse caso.
- Foi mal, mas quando tem a gente envolvido sempre dá alguma merda, já percebeu? - disse se lembrando das várias confusões que acabaram se metendo nos últimos anos. Agora eram apenas histórias hilárias, mas no momento em que aconteceram, foram simplesmente desesperadoras.
- É o dedo podre da Rara que só arrasta a gente pra furada – Victoriane brincou com a melhor amiga que fez uma cara feia.
- Quem foi que te levou para a melhor festa de ano novo da sua vida mesmo? - Perguntou se referindo a virada do ano de 2018 para 2019. Uma festa que envolveu muitos amigos, piscina e uma vista panorâmica para a cidade do Rio de Janeiro com direito a queima de fogos e tudo. Realmente, inesquecível.
- Ok, você tem um ponto – afirmou para a amiga que sorriu convencida.
Jyuimi apenas observava as pessoas da festa. Ela nunca foi tímida, mas não era extrovertida o suficiente para ir lá naquela pista de dança sozinha e arrasar como fazia na frente do espelho do quarto quando estava sozinha em casa – ela era ótima em apresentações para si mesma -, então ela só iria para lá com um incentivo.
Que veio em forma de tapinhas em seu braço dados tanto por sua irmã quanto por Juliet.
- Sai do mundinho Jyuimi Br e vem pra vida, vamos dançar, vem – Juliet começou já puxando a garota para fora do estofado onde estava sentada.
Tudo isso bateu de forma exata com o momento em que a música preferida de sua irmã começou a tocar.
- CARALHO TA TOCANDO BONAMANA VEM LOGO PELO AMOR DE DEUS – Mayuimi saiu correndo puxando a irmã descendo as escadas extremamente animada.
Jyuimi estava ferrada.
- Vou aproveitar pra ver o Hyungwon – Jhong disse se levantando e viu a namorada olhar pra ela surpresa.
- Ele veio? Logo ele que é super avesso a esse tipo de festa? Ok eu tô surpresa. - Juliet comentou vendo a namorada se afastar lentamente.
- Você sabe, o motivo tem nome e sobrenome! - Jhong respondeu falando mais alto pela distância sorrindo enquanto via Juliet gargalhar.
A vida as vezes era engraçada demais.
Dali para frente foi história. Jyuimi ficou extremamente travada no início, mas o tempo foi passando junto com as músicas e ela foi se soltando. No fim de tudo ela pulava no meio daquele monte de gente junto com as amigas, se divertindo totalmente, comemorando a nova fase da sua vida que começaria na semana seguinte.
Foi tão bom que ela nem viu o tempo passar, quando menos percebeu a festa já havia finalizado e havia uma tremenda multidão esperando para sair do estabelecimento. Se enfiaram no meio de toda aquela gente e saíram daquele tumulto.
- Eu achei que fosse morrer! - Kimberly disse quando chegaram até o carro - Eu tenho certeza que tentaram puxar meu cabelo de propósito.
- Que gente doida – Raridade disse entrando no carro e esperando que as outras fizessem o mesmo.
Jyuimi estava pronta para começar outra guerra com Juliet pelo assento da janela quando percebeu algo péssimo. Bem que ela sentia que estava faltando algo.
- Merda! - exclamou e viu todas as amigas olhando para ela com um belo de um ponto de interrogação na face – esqueci a minha bolsa lá dentro.
- Só não esquece a cabeça porque tá presa no corpo! - Rara reclamou – Vai lá amiga, a gente espera, mas corre porque se não a casa vai fechar!
Jyuimi correu mais do que tudo que existia.
Quase torceu o pé umas duas vezes durante o trajeto e bateu em um monte de gente no caminho – a chinesa nunca foi tão xingada na vida – mas um momento específico ficaria marcado em sua vida para sempre.
Corria olhando para trás se desculpando com uma pessoa aleatória quando bateu com tudo de frente com um garoto que pacificamente andava pro lado de fora da casa. Chegou a doer, e Jyuimi até hoje não sabe como não caiu de cara no chão.
- Meu deus, desculpa! - Foi o que ouviu do garoto que foi quase que agredido por seu corpo. Tentou olhar para trás para vê-lo, mas não conseguiu por conta das pessoas que iam e vinham.
A única coisa que conseguiu fazer então foi responder
- Foi mal!
Jyuimi seguiu seu trajeto e conseguiu recuperar a tão valiosa bolsa. A volta já não foi tão caótica, conseguiu voltar andando e sem causar nenhum acidente maior e em segurança.
A volta para casa foi tão tranquila quanto a ida. Jyuimi acabou não ficando na janela por puro cansaço, esse que foi aumentando até ficar tão insuportável que a única coisa que queria era se jogar na cama e dormir até segunda feira.
Nem falou nada com nenhuma das meninas. Foi direto pro banheiro e entrou logo de baixo do chuveiro, estava cansada, mas não iria simplesmente conseguir se deitar daquele jeito.
Terminou e botou o primeiro pijama que achou na gaveta e se jogou na cama. Uma Jyuimi normal não dormiria com o cabelo molhado em hipótese alguma, mas estava cansada o suficiente para sequer aguentar esperar um tempinho para o cabelo secar. Simplesmente “tacou o foda-se" . Seu cabelo rebelde seria um problema para a Zhou Jyuimi do futuro. Deitou, virou para um canto e dormiu.
Jyuimi acordou se sentindo estranha. Parecia que coisas faltavam em seu corpo, mas a acinzentada concluiu que isso ainda deveria ser um resquício do cansaço da noite anterior. Decidiu se levantar para realizar sua sagrada rotina matinal. Constatou que a irmã não estava no quarto e foi preguiçosamente até o banheiro. Ligou a torneira e jogou uma água fria no rosto e escovou os dentes.
Mas Jyuimi definitivamente não esperava ver o que ela viu no reflexo do espelho.
Ela viu um garoto.
O mais bonito que ela já viu na vida.
Ficou completamente estática observando o rosto bonito. O cabelo era de um tom castanho claro, um pouco puxado para o loiro, passou a mão pelos fios constatando o quanto eram macios.
Era realmente bonito.
E foi pensando nisso que a ficha caiu.
Jyumi começou a ter uma verdadeira crise de pânico quando finalmente percebeu que estava vendo o reflexo de um homem lindo mas não estava vendo o seu próprio. Olhou o próprio corpo. Os seios haviam sumido. Ela estava vários centímetros mais alta do que antes. E agora haviam coisas em seu corpo que nunca estiveram ali e nem eram para estar.
Jyuimi contou até dez, vinte, trinta, quarenta, podia contar até cem e aquele desespero nunca desapareceria.
Ela agora era um garoto.
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