Draco Pov
Eu nunca fiz o tipo de pessoa religiosa, e também nunca parava para pensar sobre o assunto. Não parecia ser algo que mudaria minha vida, pensar sobre entidades poderosas que regiam o universo. Bem, para mim, soava esperançoso demais.
Eu não achava que a humanidade merecia esperança.
Um pensamento amargo, como Harry adorava dizer o tempo inteiro.
Suspirei, batendo os dedos distraidamente sobre o balcão, tentando acompanhar um ritmo qualquer de música que soava nos fones que eu estava usando.
E foi quando algo realmente importante e relevante na minha vida aconteceu. Embora, é claro, naquele minuto eu não soubesse a importância daquele momento.
— Draco?!
Me virei automaticamente ao ouvir meu nome, somente para comprovar que não havia escutado errado. Porque é claro que eu reconheci a voz imediatamente, e talvez se estivesse mais atento ao que acontecia ao redor, até mesmo o cheiro me faria perceber quem era antes mesmo de olhar.
— Astoria — Constatei, sem saber exatamente qual reação ter diante da garota.
Nosso término não havia sido nada pacífico, e eu não soube o que dizer ou pensar.
Não existia um manual te dizendo como agir diante de ex namoradas, certo?
— Er... oi? — Falei, porque definitivamente ela era a última pessoa que eu esperava ver naquela loja de doces, enquanto aguardava minha encomenda.
— Quanto tempo, não é mesmo? — Ela sorria, e eu me perguntei naquele instante se ela havia esquecido todo o transtorno que havia acontecido entre nós. Os gritos, o término conturbado, o rancor... — Não me olhe assim — Ela pediu, parecendo adivinhar, e suspirou ao se aproximar, recostando ao meu lado do balcão.
— Eu não sei o que dizer — Confessei, com um risinho sem graça, deixando meus olhos se perderem no quadro desenhado da parede.
— Eu... sinto muito — Pelo tom de voz, seu sorriso havia desaparecido — Eu nem... pensei. Só... achei que deveria dizer um oi, ou...
— Tudo bem — Concordei, ainda sem saber como olhar para ela, que suspirou.
— Como você está?
— Bem — Respondi, deslizando os dedos de maneira distraída pelo balcão — E você?
— Bem. Realmente bem — Falou, com segurança, e eu ergui os olhos, desconfiado de que estivesse tentando se gabar por estar bem, mas ela suspirou e negou com a cabeça — Depois do nosso término, eu... comecei a fazer terapia — Disse por fim, quase como se sentisse obrigada a dizer — Então, sim, estou realmente bem.
— Eu fico feliz por você — Falei, e estava sendo sincero.
Havia deixado as mágoas no passado, e embora não fosse uma das minhas pessoas favoritas, eu não desejava o mal para ela.
— Você é um cara legal, Draco. Eu... sinto muito por tudo aquilo. Eu estava um pouco descompensada... e... fui uma pessoa detestável! Só agora consigo perceber essas coisas...!
Sorri, percebendo que ela estava sendo sincera. Astoria nunca fez o tipo de pessoa que se desculpava, então foi fácil ver como ela parecia, pela primeira vez, se importar.
— Terapia é legal. Entrar em conflito, chorar como um bebê, surtar... É, legal, legal, legal... — Resmunguei quase distraído.
Ela riu, dando um soquinho no meu braço, negando com a cabeça.
— Incorrigível — Reclamou como costumava fazer, e eu sorri minimamente — E... a faculdade? Como está?
— A mesma coisa de sempre — Dei de ombros, não querendo dizer que fazer faculdade era como pegar um trem desgovernado, que embora você saiba onde é o ponto final, não tem certeza se vai chegar lá vivo, seguro ou com o mínimo de estabilidade mental.
— E... Harry? Como ele está?
— Bem. Estamos todos bem — Reafirmei, vendo ela sorrir.
— Fico feliz com isso — Fez uma pequena pausa — Ei, me ajude a escolher um daqueles? — Ela pediu, apontando uma prateleira de ursos bonitos, e parecia realmente se esforçar para criar um clima ameno entre nós.
— Hã... presente? Ou para você?
— Aniversário da minha irmã. Daphne. Se lembra dela?
— Ah, sim. É claro — Concordei, sem querer mencionar que simplesmente detestava a irmã de Astoria. Ela era sempre muito rude, e não costumava me aprovar como namorado de sua irmãzinha — Escolha o cor de rosa — Sugeri, e ela riu.
— Daphne odeia rosa — Ela comentou, e eu não quis mencionar que me lembrava, e que havia sido justamente a razão para indicar aquela cor — Mas ele realmente é o mais bonito. Sim, eu vou levar o urso rosa! — Pediu para a mulher que estava parada quase entediada do outro lado do balcão — E você? Presente?
— É, algo assim — Dei de ombros.
— Aqui, senhor Malfoy — A atendente escolheu esse momento para aparecer com meu pedido, pousando o bonito arranjo com aquele urso mediano, junto com pequenos ramos de rosa e uma caixa generosa dos chocolates favoritos de Harry.
— Vamos ver quem é a garota sortuda que vai ganhar esse pacote! — Antes que eu pudesse prever, Astoria se inclinou para ver o nome escrito do lado de fora do cartão, e eu apenas congelei.
Ela sempre foi impulsiva e curiosa, e um tempo atrás eu costumava gostar disso. De sua espontaneidade adorável.
Tão logo leu o nome, ela soltou o cartão, erguendo o rosto para mim com a sobrancelha franzida. Pareceu totalmente chocada, e não era de se esperar.
— Harry? — Ela questionou — Não que seja da minha conta, mas esse Harry... É o Harry?
— Ele estava chateado com o fim das férias, é só — Falei, puxando o embrulho para mim, sem saber o que dizer, entrando imediatamente na defensiva.
Até mesmo o urso parecia estar me encarando com algum julgamento por trás dos olhos vidrados e azuis.
Astoria suspirou baixinho, e pousou a mão no meu ombro.
— Isso nunca vai parar?
— Achei que você estivesse bem resolvida agora — Alertei, e ela sorriu quase sem humor.
— Eu estou. E você?
— Tori, isso não tem que significar nada — Respondi, e pela careta que ela fez, foi atravessada pela mesma sensação de dejavu que eu.
Era como se estivéssemos namorando novamente, e eu estivesse tentando explicar que o fato de ir sozinho com Harry para algum lugar não significava que éramos um casal.
— Vocês não saíram do mesmo lugar, não é? Continuam da mesma maneira? O relacionamento super romântico e exclusivo?
— Eu achei que não era da sua conta — Insisti, e ela sorriu.
— E não é mesmo. Eu só... fiquei surpresa. Eu tenho um namorado agora. É um relacionamento saudável. Eu esperava que você estivesse no mesmo rumo. Com alguém legal, e... você sabe. Uma relação de verdade.
— Eu não estou procurando uma namorada agora — Insisti, e ela deu de ombros.
— É claro que não. Você já tem uma, não é? — Indicou o presente com a cabeça, e eu decidi me calar.
Sabia que não tinha argumento que vencesse aquela discussão.
Não tinha com ela, com Ron, e qualquer outro amigo nosso.
Eles pareciam se convencer sozinhos!
— É por isso que seus relacionamentos não dão certo — Apontou, dando de ombros.
Eu arqueei o cenho em acusação, porque embora estivesse tentando soar natural e não guardar mágoas, ainda me lembrava das palavras cruéis dela, e do tapa no meu rosto. Minha reação fez ela revirar os olhos, suspirando baixinho.
— Comigo não conta. Sabemos que os dois erramos. Estou falando de maneira geral — Insistiu, assistindo a mulher montar o kit de presente para sua irmã — Você nunca vai encontrar alguém que queira estar em um relacionamento com você e com ele ao mesmo tempo. Ninguém vai ficar, Draco. Ninguém vai mergulhar nesse triangulo amoroso assim.
— É você, e todos os outros, que não entendem que...
— Não, Draco. É você que não entende — Pontuou com seriedade — Você nunca vai encontrar alguém que ame tanto quanto ama ele. Nunca vai encontrar alguém... Porque você tem ele. Harry é a única coisa que você quer. Eu pensei por algum tempo que isso poderia mudar, mas... bem, parece que não vai. E que você não quer. Ele sempre vai ser sua prioridade, e você sempre vai usar ele para fracassar em seus relacionamentos. Porque nada nem ninguém está acima dele, e se alguém quiser estar em primeiro lugar no seu coração, você não permite. Porque o lugar já foi ocupado.
— Somos amigos de infância. Somos apegados. Só ficam enchendo nosso saco porque Harry é gay — Pontuei, dando de ombros — O fato de eu amar meu melhor amigo de infância não deveria significar nada.
— Não, não é verdade. É legal que sua amizade com ele não mude por causa da sexualidade dele. É um traço bonito em você. Sempre estar ali por seus amigos. Mas... sinceramente, Draco... Harry não é seu melhor amigo. Harry é sua namorada.
Abri a boca, mas ela me calou comum gesto.
— Não estou falando de agora. Nem disso — Apontou para o urso — Estou falando de sempre. Você se acostumou a ser o namorado dele. E não atente minha inteligência mencionando que estou confundindo isso com o namorado emprestado. É a coisa mais ridícula do mundo — Alertou, e eu revirei os olhos — Você nunca vai estar ‘procurando uma namorada’, porque você já tem uma. E sabe, não é só sobre você. Ele também não tem nenhum relacionamento que vá para frente. E também, é meio óbvio. Vocês já tem tudo o que querem um dentro do outro.
— Isso não é verdade — Resmunguei, sem olhar para ela, agora encarando o urso, ouvindo-a suspirar.
— Eu já pensei várias vezes que você deveria ser um gay muito preso no armário.
— Eu não sou gay — Respondi, vendo ela me olhar com um pequeno sorriso.
— Eu sei que não. Se você fosse, já teriam se casado há muito tempo.
Desviei os olhos da direção dela, sem saber como me sentir diante de suas afirmações.
— Eu sei que errei em tornar aquilo uma disputa sobre você. Sei que realmente fui intencionalmente maldosa com Harry. Eu odiava tudo sobre vocês dois... Porque não importava que você dissesse ser meu namorado, ou que nas redes sociais estivéssemos como um relacionamento sério, ou que... que você beijasse a mim. Você sempre foi dele.
— Eu sinto muito que tenha feito você se sentir assim. Mas... isso não é verdade, Astoria.
— Como você disse, não é da minha conta.
Caímos em um silencio estranho, onde eu não sabia se deveria ir embora e ignorar ela para sempre, ou qualquer coisa do tipo.
Só... não queria ouvir aquilo.
Não de novo.
Não dela.
Não agora que eu estava tão confuso.
Não agora que nossa intimidade havia aumentado. Não agora que eu sentia atração por ele.
Não agora que ele me afetava de uma maneira tão diferente.
Assim que ela terminou de fazer o pagamento, se virou para mim com um sorriso.
— Me desculpe se eu te incomodei. Apesar de tudo, eu te desejo coisas boas. Foi realmente legal ver você — Ela sorriu, e parecia estar sendo sincera.
E eu gostei desse novo lado dela.
Será que se Astoria fosse tão bem decidida e sincera no nosso relacionamento, ainda estaríamos juntos?
— Draco?
Ergui os olhos para ela, que levou a mão livre para meu rosto tocando minha bochecha.
Algo em seus olhos soava um pouco triste, ou talvez consternado, mas ela sorriu.
— Eu, sinceramente, espero que vocês fiquem juntos algum dia — Falou, séria, e se afastou gentilmente, caminhando para a porta, me deixando ali congelado, sem saber como agir diante disso.
O fato dela ter me olhado nos olhos ao dizer aquelas palavras fez algo dentro de mim se encolher, e por alguma razão... Eu fiquei chateado.
Olhei ao redor, vendo que as atendentes não pareciam prestar atenção em mim, e como já tinha feito o pagamento, apenas peguei os doces e sai dali.
Enquanto caminhava até meu carro, aquela sensação de mágoa apenas foi crescendo dentro do meu coração, se espalhando em mim e se tornando uma angústia palpável.
Ao dirigir para a faculdade, eu só conseguia pensar em como me sentia chateado.
Ouvir aquelas coisas não costumava me chatear assim.
Mas ela ter dito daquela maneira, que esperava que ficássemos juntos, fez parecer que eu era alguém em constante sofrimento por um amor não correspondido. Ela agir daquela forma, me fez soar patético...
E era assim que eu me sentia.
Patético.
Ainda assim, resolvi a burocracia chata da rematrícula, que eu estava tendo um problema para conseguir, e enquanto aguardava minha senha, me senti tentado a mandar mensagem para Ronald, porque eu precisava falar sobre aquilo para alguém.
‘Eu vi Astoria hoje. Ela parecia bem. Nós conversamos’
É claro que eu contaria para Harry, mas mandar mensagem para ele agora só iria provar que ela tinha razão.
Que eu sempre corria para ele, porque ele era tudo o que eu precisava.
E eu não queria que ela estivesse certa. Não sobre isso. Não hoje.
Não queria que, quando chateado, minha primeira vontade fosse estar com ele. Não queria confessar que os olhos verdes me acalmavam, e me faziam feliz.
Ela fez parecer tão errado!
E por isso eu tentei mandar mensagem para ele, mas me vi apagando elas em todas as vezes, antes de enviar.
Só... não poderia. Não conseguiria.
E essa foi a grande razão, para, enquanto estava dirigindo, totalmente chateado, eu ter decidido parar em uma rua qualquer.
Eu só...
Não poderia lidar com isso.
Não... não queria.
Peguei o presente de Harry, descendo apressado do carro, e o estendi para aquele morador de rua que estava sentado em um banco, pedindo dinheiro para os pedestres.
Ele, assim como as pessoas ao redor, ficaram me encarando, talvez se perguntando o que havia acontecido, mas eu se quer conseguia me importar.
Voltei para o carro, e terminei o caminho de volta para casa, apenas querendo me encolher debaixo de uma grossa camada de cobertores e não sair dali por todo o final de semana.
E talvez essa seja a principal razão para eu sentir aquela pontada ardida dentro do coração quando entrei em casa, fechando a porta atrás de mim, e vi Harry ali, parado ansioso andando de um lado para o outro.
Parecia estar me esperando, e eu o olhei sem entender.
— Não fique bravo — Pediu, com os olhos verdes em mim, soando preocupado — Ron me mandou mensagem dizendo que você estava super estranho depois de encontrar com Astoria — Ele disse, e isso provavelmente justificava a ansiedade e nervosismo nos olhos dele.
— Eu... — Abri a boca, e voltei a fechar, sem saber o que dizer.
‘Astoria seguiu em frente’
‘Astoria tem alguém’
‘Astoria está feliz’
Soava como...
‘Eu não segui em frente’
‘Eu não tenho ninguém’
‘Eu não estou feliz’
— Está tudo bem? — Ele perguntou, e eu neguei com a cabeça, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas quando ele abriu os braços para mim.
Caloroso e acolhedor. Era meu lugar favorito no mundo inteiro.
Harry não disse absolutamente nada quando eu o abracei forte, afundando o rosto em seu ombro, deixando as lágrimas virem. Ele não disse nada, nem fez qualquer coisa além de fazer carinho no meu cabelo, deixando que eu desabafasse.
Tentando me consolar por causa de Astoria.
E, é claro, ele jamais saberia que aquelas lágrimas não eram por ela.
Eram por ele.
Por mim.
Por nós.
Porque no fundo, o que estava doendo era saber que... Ela tinha razão.
“Você nunca vai encontrar alguém que ame tanto quanto ama ele. Nunca vai encontrar alguém... Porque você tem ele. Harry é a única coisa que você quer”
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