25 — Graphite
Draco Pov
Em diversas vezes, eu me sentia verdadeiramente indignado com a maneira que certas pessoas enxergavam o mundo.
Essa sensação de indignação aumentou com a terapia que eu estava fazendo.
De certa maneira, me ajudava bastante ir até lá. Eu me sentia confortável, e havia conseguido um bom vínculo com a psicóloga.
As vezes chegava lá mau humorado, e saia rindo, e as vezes chegava lá só querendo usar o período todo para chorar e me lamentar. Seja como for, as coisas pareceram ser menos terríveis com o acompanhamento.
É claro que frequentemente a psicóloga me dava algumas broncas, mas em minha defesa, a culpa era dela mesma por acreditar tanto no meu potencial.
‘Eu não vou te dizer o que fazer, Draco’
Ah, eu odiava isso!
Eu queria que alguém me dissese exatamente o que fazer, com detalhes e instruções minuciosas!
Ainda mais sobre Harry, que era o assunto mais corriqueiro dentro daquela confortável sala.
Sim, ele havia sido uma das minhas maiores motivações para procurar aquele ambiente, visto que eu estava surtando por dentro e por fora com os paradigmas de nossa confusa relação.
Mas não importava se eu jurasse para mim mesmo que não falaria sobre ele naquela sessão, eu sempre saia de lá com ódio de mim mesmo.
Porque eu percebi que era impossível separar Draco de Harry.
Não como se fossemos uma coisa só.
Mas... nós realmente tínhamos vidas conjuntas. Qualquer coisa que fosse contar sobre mim, tinha algum paralelo com algo sobre ele.
Eu falava muito sobre ele ali, embora contornasse algumas situações.
Mesmo com o sigilo profissional que a terapia garantia, eu não achava que poderia dizer para ela qual era a atividade que sempre realizava com Harry.
Havia explicado logo no início que havia esse segredo de Harry, sobre algo que fazíamos juntos e eu não poderia contar a ela, então combinamos que quando eu falasse ‘hobby do Harry’, ela sabia do que se tratava sem maiores perguntas.
A questão era que hoje eu tive um dia totalmente perturbado.
Começou quando eu acordei atrasado para uma prova de Snape, e mal tive tempo de ter uma quantidade adequada de abraços e beijos de boa sorte antes de ter que correr para a faculdade, sem tomar café e todo apressado.
Também havia esquecido algo que eu havia lido quatro vezes para a prova, o que provavelmente me renderia pontos a menos na nota, e quando fui comprar algo para comer, o lanche que eu sempre pedia havia acabado.
Na metade do dia, eu já estava com um humor totalmente duvidoso, até receber a mensagem que fez tudo ficar ainda pior.
‘Vou chegar tarde hoje. Estarei com Cedrico. Amo você’
Sim, exatamente nessa sequencia desgraçada de palavras contendo as informações mais desorganizadas e odiosas do mundo.
E, é claro, eu percebi que isso havia sido o que fez meu dia ruir.
Porque sem se quer controlar isso, eu passei a atribuir todas as desgraças unicamente a Cedrico Digorry, e na minha mente fazia sentido de uma maneira muito perfeita.
Ele havia sido o culpado pelo atraso. Pela minha falta de memória. Pelo meu lanche.
Ele era o culpado de tudo de ruim e perverso no mundo, e eu não estava me importando se parecia um lunático ao dizer isso para a psicóloga, porque eu tinha certeza que era verdade.
— Então... Harry está tendo um encontro com esse cara perverso.
— Sim — Havia resmungado de contra gosto, depois de uma longa sequencia de desabafos sem sentido.
— E como você se sente sobre isso?
Ali estava.
A cereja do meu bolo.
— Se você não sabe, como é que EU vou saber? — Disse, no auge do meu desespero, porque não sabia dar nome para todo aquele tormento, e esperava que ela me dissese o que eu estava sentindo, porque minha compreensão estava nublada pelo ódio profundo e rancoroso.
Ela realmente acreditava demais no meu potencial emocional!
Eu não sabia o que eu sentia, não entendia o que isso significava, e eu nem fazia ideia de como explicar tudo isso!
Quero dizer... Porque as pessoas ficam supondo que eu tenho que saber coisas sobre eu mesmo?
Às vezes tinha vontade de simplesmente berrar “Você não está vendo que eu sou BURRO???”
Ao fim daquela sessão, seja como fosse, eu sai dali me sentindo mais leve, e segui para casa.
Não, ainda não fazia ideia do que estava acontecendo na minha vida, mas não me importava o suficiente para pensar no assunto.
Continuaria deixando, contra tudo o que estava vendo na terapia, as coisas se tornarem uma bola de neve insolucionável, que fosse me arrastar até o fundo do poço, porque parecia muito mais fácil do que pensar.
Me restou tomar um bom banho relaxante, comer um lanche improvisado e por fim, ao me ver sem vontade de estudar ou assistir algo na TV, segui para a varanda, onde reguei e cuidei das minhas plantas, distraído enquanto o sol se punha e a noite chegava.
Estava fazendo de tudo para afastar meus pensamentos do rumo que estavam tomando, mas me vi sem controle ao mudar a posição do vaso de rosas, e em um instante me imaginar sendo o padrinho do casamento de Harry com Cedrico, segurando as alianças deles e tentando sorrir para disfarçar que meu choro não era de felicidade.
Eu não me orgulhava muito, mas era um pouquinho inclinado ao drama.
Assim que já não havia mais o que fazer, eu me deixei jogar no chão, olhando para o céu, ouvindo a movimentação da cidade abaixo, carros, sirenes, o vento e tudo o que significava existir.
Eu... estava cansado. E chateado. E... triste.
Sim, eu estava triste.
Sentia como se estivesse muito perdido.
Me encolhi contra meu próprio corpo, sentindo que a brisa estava começando a ficar gelada, mas não senti vontade de entrar em casa e vestir uma camiseta, então fiquei ali onde estava.
Por mais estranho que fosse...
Estava começando a considerar que eu já não poderia continuar pensando que era o melhor amigo de Harry.
O melhor amigo dele deveria estar feliz por ele estar em um encontro. Deveria querer cuidar dele, vê-lo sorrir, puramente por amizade.
O melhor amigo dele não deveria querer estar em um encontro com ele. Não deveria querer beijá-lo, e definitivamente, na noite passada, o melhor amigo dele não deveria ter tido um sonho muito quente e ardente com ele.
Eu me lembrava tão bem daquele sonho.
Fechei os olhos, deixando minha mente se levar, me recordando de como era bom tocar seu corpo, de como era bom poder vê-lo nu e ter liberdade para beijar toda sua pele, para tocar onde quisesse, para beijá-lo até perder o ar e...
Eu deveria ser realmente um cara muito podre para ter fantasias tão vividas sobre Harry.
Conhecê-lo tão bem deveria tornar estranho qualquer pensamento sexual sobre ele, mas... não era assim.
Eu me sentia estranho, porque se fosse possível pensar que era apenas tensão sexual, eu poderia colocar a culpa no fato de que estava sozinho há muito tempo.
Mas... não era sexo. Eu sabia que não era.
Todo o sonho que eu tive girou em torno de uma noite de amor intenso, muito carinhosa e afetiva entre nós.
E isso não ajudava em nada. Pensar em Harry assim não... não era bom.
Havia conversado na terapia sobre a questão da minha sexualidade, e me senti confortável em dizer ali que eu tinha entendido que não era hétero. Não era como se sentisse necessidade de colocar em termos, e preferia não criar rótulos.
Até porque, poderia acontecer daqui algum tempo da minha sexualidade mostrar outra faceta que agora era desconhecida para mim.
Mas, se parasse certamente para pensar... Bem, depois de descobrir que eu poderia sim sentir atração por um homem, eu percebi que na realidade não dava a mínima para questões biológicas ou qualquer porcaria do gênero.
Quero dizer... se você gosta de alguém, realmente faz algum tipo de diferença como essa pessoa se define? Como ela se identifica? O fato de ser um homem ou uma mulher tornaria o sentimento mais ou menos verdadeiro? Tinha poder de reduzir ou aumentar o carinho e a sinceridade do amor?
Bem, para mim não.
Minha compreensão do amor romântico era bem simples, e bem fácil de entender.
Você não escolhe os caminhos do coração.
E eu não deixaria de percorrer um caminho, por causa de algo tão pequeno quanto o gênero das pessoas.
Eu estava realmente com os pensamentos distantes e melancólicos, porque a cada segundo que se passava, eu era atingido por uma nova imagem dolorosa de Harry com Cedrico, e isso me fazia suspirar.
Quase como se adivinhasse, eu ouvi o som da porta se abrindo, e Harry chamando meu nome, ao ver a escuridão do apartamento.
Apenas pude suspirar, sem querer sair dali, e em alguns instantes ele se aproximou, franzindo o cenho.
Sentou ao meu lado, e eu fechei os olhos ao sentir seus dedos se enroscarem no meu cabelo, em um carinho muito intimo.
— Você está bem? — Eu senti a nota de preocupação na voz dele, e assenti — Tem certeza?
— Sim, estou bem — Respondi, abrindo os olhos, vendo ele me olhando com o cenho franzido.
— Você está triste — Falou, com sua facilidade em me ler, e eu não iria de maneira alguma tentar mentir para ele.
— Sim — Concordei — Mas não quero falar sobre isso.
— Tudo bem. Você quer... entrar?
— Não agora — Respondi, suspirando — Eu acho que quero ficar aqui mais um pouco.
— Tudo bem então. Eu te trouxe um presente. Está na sala — Disse sorrindo.
— Um presente?
— Sim, enquanto estava no shopping, passei na frente de uma loja e vi uma jaqueta que você precisava ter. Você vai ficar incrível nela! — Explicou, me fazendo rir.
— Então... me comprou uma jaqueta?
— Eu comprei três. Acabei achando outras duas no caminho para o caixa, e uma coisa levou a outra — Contou, e não era novidade ele ser tão impulsivo quanto eu no que se tratava de mimar um ao outro.
— Você comprou roupas para mim depois do seu encontro? — Falei por fim, vendo ele rir.
— Não foi um encontro, bobão — Disse pegando o celular, mexendo em algo antes de virar a tela para mim, na nossa conversa aberta.
E eu fiquei realmente surpreso com a maneira que minha mente poderia me manipular.
‘Vou chegar tarde hoje. Estarei com Hermione e Cedrico. Amo você’
Hoje, quando recebi a mensagem, eu se quer tinha notado o nome de Hermione no meio da frase!
— Nós fizemos um trabalho em grupo. Depois disso comemos alguma coisa, e quando Hermione foi encontrar com Viktor, eu e Cedrico demos uma volta enquanto conversávamos ... Foi quando vi a jaqueta.
— Ele foi com você? Achei que estivesse evitando ele por estar morrendo de vergonha.
— Eu estava. No começo foi estranho. Já havíamos combinado o grupo muito antes de tudo acontecer, então... não tínhamos muita escolha de não fazer com ele. Mas Ced é um cara legal. Fez parecer tudo uma grande piada, e não me constrangeu. Acabamos passeando um pouco juntos, conversamos...
— Você vai dar outra chance para ele? — Questionei ansioso, e Harry suspirou.
— Eu gosto dele. É um cara tão legal e gentil! Ele... me trata tão bem, sabe? Mas não quero enganar ele, e o iludir. Eu me afastei porque senti que ele queria coisas que eu não podia oferecer, e eu sinto que ainda não posso e... — Ele parou, negando com a cabeça — Quer saber? Não importa. Não vamos falar sobre meus dramas idiotas. Você parece mesmo muito chateado — Ele se deixou deitar ao meu lado — Hoje foi dia de terapia...
— Sim. Não se preocupe comigo. Só estou chateado, mas vai passar.
— Tudo bem — Ele se ajeitou ao meu lado, passando os braços ao meu redor, e mesmo que eu não sentisse que deveria, eu me acolhi contra ele, afundando o rosto em seu pescoço, e fiquei em silencio ali, sentindo ele fazer carinho no meu cabelo.
Estava tão confuso, e ouvir ele dizer que havia se aproximado de Cedrico não estava ajudando.
Era uma mescla de ciúmes, com uma agonia chata que eu não sabia lidar muito bem.
Tudo o que eu entendia era que não deveria me sentir daquela maneira sobre ele.
Harry confiava em mim, éramos muito íntimos. Eu não deixava de sentir que estava sendo um babaca com tudo isso.
Como... se estivesse me aproveitando da intimidade da nossa amizade para apaziguar os novos sentimentos por ele. Aproveitando de seus abraços despretensiosos, aproveitando de seus carinhos e da sinceridade da nossa relação.
— Draco?
— Hm? — Questionei, sem querer dizer algo, porque iria denunciar minha vontade de chorar.
Eu odiava me sentir tão... perverso.
— Vamos entrar?
— Eu não quero — Respondi baixinho.
— Está começando a chover — Me avisou, e eu ergui o rosto, só então notando os pingos singelos de chuva, e fiz o que pude para não deixar ele perceber as lágrimas querendo escapar dos meus olhos.
— Pode entrar.
— Você não vai ficar na chuva, Draco. Pode ficar resfriado — Ele disse, se levantando e me fazendo levantar também.
— Bem, deve ser um sinal de deus. Está mandando a chuva para que eu possa chorar na chuva e sofrer minha tristeza em paz. Você tem que respeitar isso, Harry.
— Eu imagino que deus realmente adore os dramáticos a ponto de mandar a chuva só para você chorar, mas eu não quero que fique resfriado. Se quer protagonizar uma cena de filme, então vá tomar um banho quente, e chore no chuveiro, tudo bem? É tão dramático quanto — Sugeriu sorrindo carinhoso, me arrastando para dentro, e seguiu meu puxando até meu quarto — Você realmente não quer falar sobre?
— Não — Afirmei, e ele assentiu.
— Tudo bem. Então... Chore tudo o que precisar no seu banho quente. Quando sair, vamos jantar. O que acha? Vou pedir comida japonesa, no seu restaurante favorito. Vamos ter um jantar gostoso, e depois assistir algum filme bem bobinho abraçados no sofá — Ele disse, segurando meu rosto para que eu o olhasse nos olhos — E eu vou cuidar de você.
— Sim — Concordei, sorrindo e ele retribuiu — Seja meu namorado hoje.
— Sempre que você quiser — Ele disse, se esticando para beijar minha bochecha, e eu o assisti se afastar, indo em direção a porta.
E percebi que eu estava ainda mais confuso do que no início do dia.
Porque a minha vontade, nesse instante...
Era que o namorado emprestado durasse para sempre.
Mas um novo dia sempre cegava, e com ele a realidade.
E ela não era fácil de lidar.
Doía muito perceber que eu já não era alguém bom para Harry.
Eu era um cara patético, me aproveitando das migalhas da nossa amizade.
Eu era o melhor amigo idiota, que depois de quinze anos de amizade... descobriu que queria ser o namorado de Harry.
Eu, sinceramente, estava me odiando.
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