História Chromo - Vermelho, tão vermelho quanto as minhas bochechas

Um de setembro, seis horas da manhã, meu aniversário. 

Acordei de uma forma diferente dos outros dias, não foi o meu despertador que tocou tão cedo em uma sexta feira, e sim três pesos diferentes em minha cama. Um deles era a minha mãe, ela segurava um cupcake pequeno com uma velinha no topo em suas mãos, sua cor laranja era alegre e cobria todo o seu corpo. Dahyun, minha irmã mais nova, também estava em minha cama. Ela usava uma camisola do seu desenho favorito e estava cheia de remelas nos olhos, mas mesmo assim se dera ao trabalho de se preparar para uma festa surpresa matinal. Ela tinha em sua cabeça um pequeno chapéu de papel e assoprava o tempo todo uma língua de sogra colorida. O terceiro peso ali na minha cama pequena era o meu cachorro, um vira-lata pequeno e branquinho que com  certeza não fazia ideia do que estava fazendo ali, mas como todos estavam ali ele estava também. 

Já acordei sorrindo grande, me sentindo a pessoa mais amada do mundo. Cantamos um parabéns um pouco desajeitado e logo descemos para tomar café da manhã que consistiu em algumas frutas picadas e torradas. 

Como acordei um pouco mais cedo que o normal pude sair de casa caminhando com tranquilidade até o ponto de ônibus. Selecionei a minha playlist matinal do Spotify - Cianaria do Jeongguk - para escutar durante a caminhada, nela coloquei todas as músicas que me fazem sentir bem pela manhã, tenho a sensação de que o dia vai ser ótimo quando escuto essas músicas, a manhã ganha um sabor especial quando acompanhada por elas. 

O clima estava agradável e por isso não fiz questão de pegar o agasalho do uniforme antes de sair de casa, até porque por ainda ser verão eu sabia que iria reclamar bastante da alta temperatura durante o dia, eu sou um reclamão de primeira, diga-se de passagem. 

Tive a sorte do meu ônibus passar apenas alguns minutos depois de eu ter chegado no ponto, ele estava lotado. Nada com o que eu já não estivesse acostumado. Os ônibus que passam perto de escolas nesse horário em 99% das vezes estavam lotados. Tive que fazer um pequeno esforço para chegar a um lugar em que eu pudesse ficar em pé dignamente. Como eu disse, parte da lotação se dava por alunos da minha escola, o lado ruim era o barulho que sempre estava muito alto, o lado bom era que a escola não era muito longe, então não demorava muito para o ônibus esvaziar e os demais passageiros suspirarem de alívio. 

Enquanto os passageiros suspiravam de alívio dentro do ônibus por termos saído de lá, nós alunos suspirávamos de desgosto ao encarar o terrível caminho que tínhamos até a escola. 

— Porque a nossa escola tem que ficar em um lugar tão alto? — Escutei alguém reclamando. Eu mesmo fazia essa pergunta todos os dias. 

As minhas músicas matinais continuavam tocando nos fones e por isso eu não me importava muito com o caminho que havia começado a fazer. Sempre era uma caminhada longa, mas nesse dia era uma caminhada cor ciano.

Como sempre as cores das pessoas a minha volta eram todas bem parecidas e tinham tons monótonos que não me davam animação alguma, os estudantes conversavam alto, o que me incomodava um pouco a essa hora da manhã, eu conseguia ver filetes coloridos por todo o lugar sempre que alguém falava alto demais e essa voz atingia os meus ouvidos, mesmo que preenchidos pela música. 

Entrei no prédio da escola enfim e peguei o elevador até o andar do terceiro ano, a aula de agora é a de inglês e sinceramente, não sou um dos melhores alunos nessa disciplina. 

Como ainda faltavam alguns minutos para o início da aula eu preferi passar um tempo observando a vista lá fora pela janela, muitos alunos ainda chegavam na escola. E naquele mar de cores tão iguais enxerguei uma que eu amo, a do meu melhor amigo, Jung Hoseok. Ele é laranja, eu adoro essa cor e adoro o fato de que Hoseok seja o dono dela, é uma cor que não é fácil de se encontrar, isso faz dele muito especial para mim.

Lá de baixo Hoseok me avistou e acenou animado para mim, acenei de volta com um sorriso no rosto, contagiado por toda a energia boa que Hoseok e seu laranja me trazem. 

Alguns instantes se passaram e Hoseok chegou ao nosso andar, não consegui segurar o riso ao avistá-lo no topo da escada respirando com dificuldade enquanto apoiava seu peso nos joelhos. 

Semana passada Hoseok chegou atrasado na aula, estava pálido e com as mãos geladas. Segundo ele, naquele dia, ele viu a morte passando diante dos seus olhos. Ele narrou a seguinte situação. 

Ele estava animado, em plena segunda feira. Pegou uma fila considerável formada por vários alunos para poder usar o elevador. Nesse dia ele estava se sentindo lindo, mais lindo do que o normal e por isso estava esbanjando seus sorrisos galanteadores por aí. 

Quando chegou a sua vez de usar o elevador entraram apenas ele e um garoto que ele me dissera ter certeza de que nunca havia visto, pois não seria capaz de esquecer tamanha beleza. 

Um detalhe que ele não deixava ser esquecido durante toda a narração é o quanto ele estava gatinho nesse dia. 

Entrou no elevador e se encostou no espelho, o garoto olhou para ele, ele olhou de volta e sorriu galanteador, o garoto corou e seu coração deu um pulo. Queria ele que o pulo dado pelo seu coração fosse causado pelo garoto, mas não, foi causado pelo elevador parando bruscamente e apagando todas as suas luzes. 

Ele já não era um cara galanteador. Estavam com os braços e pernas abertos tentando de forma inútil se manter firme em um elevador que estava balançando levemente. O elevador deu um solavanco e ele gritou, gritou como se ele estivesse sendo torturado, como se estivesse em um filme de terror. E então as luzes se acenderam e o elevador voltou a funcionar normalmente. O garoto o olhava com os olhos levemente arregalados e um riso preso em sua garganta.

— Foi apenas uma queda de energia, por isso o elevador parou de repente. — O garoto comentou. - Espero que fique bem. 

As portas se abriram e o garoto se foi. Hoseok ficou alguns segundos parado ali dentro ainda sem reação, ainda sentindo as pernas tremendo, mas quando o elevador iniciou o fechamento das portas Hoseok saiu correndo dali e jurou nunca mais entrar no elevador daquela escola. 

E essa é a história de como o meu melhor amigo de um dia pro outro decidiu ser uma pessoa fitness que sobre lances e lances de escadas todos os dias ao invés de pegar um elevador. Estou contando nos dedos quantos dias ele aguenta essa tortura, todo dia ele chega cada vez mais exausto no topo da escada. 

— Eai… — Pausa para respirar. — Jeon...Gguk. — Meu amigo cumprimentou com certa dificuldade. 

— Eai Hobi, seu corpo ainda não se acostumou com as escadarias do colégio?

— Eu… Acho… Que… Está quase lá. — Ele tentava fingir que estava tranquilo mantendo uma pose forçadamente relaxada, mas as laterais do seus rosto estavam cobertas de suor e a sua voz saia com dificuldade. — Você pode ficar parado aí por tipo uns cinco minutos sem me perguntar nada? — Hobi pediu enquanto apoiava as suas costas na parede e fechava os olhos para respirar fundo. 

Soltei uma risada baixinha e esperei que ele se recuperasse. Não o julgo, subir aquelas escadas era uma verdadeira tortura para jovens tão preguiçosos quanto nós. 

Enquanto ele se recuperava pausei a música que ainda tocava em meus fones de ouvido, enrolei os fios no celular e os enfiei no bolso. Eu sempre enrolo o fone no celular e sempre me arrependo disso, todos os dias, mas continuo fazendo. 

— Então, Jeongguk! - Ele havia se recuperado. — Hoje é o seu aniversário, não é mesmo? — Bateu as duas mãos em frente ao rosto demonstrando animação. 

— Segundo a minha mãe é sim. — Respondi entre risadinhas. 

— Eu tenho um presente ‘pra você. — Disse me mostrando o seu indicador. — Não, na verdade eu tenho dois e tenho certeza de que vai gostar mais do segundo. 

— Como sabe de qual vou gostar mais se ainda não me deu nenhum? — Ergui uma das sobrancelhas. — Cadê? Cadê? — Coloquei as duas mãos em frente ao seu rosto pedindo os meus presentes. 

— Aigoo, deixa de ser apressando. — Reclamou enquanto mexia em sua mochila. — Mas agora eu só vou te dar um, feche os olhos, por favor. 

Fechei os meus olhos como foi pedido e esperei ansioso algo ser depositado em minhas mãos. Ele demorou alguns instantes para colocar algo ali e assim que senti o objeto em minhas mãos abri os olhos. 

— Hoseok? Você me trouxe almoço? — Perguntei curioso observando o bento depositado em minhas palmas abertas. 

— Não, seu idiota! Abre logo. — Suas bochechas estavam levemente avermelhadas, o que estranhei. — Não é grande coisas sabe, eu espero que goste, porque eu fiz isso com carinho, passei o fim de semana inteiro… 

— Hoseok! — Chamei a sua atenção. — O que há com você? Eu sempre gosto dos seus presentes, você me conhece melhor do que ninguém. 

— Ah, então abre logo, eu ‘tô ansioso.

Levantei devagar a tampa do potinho e não consegui evitar um gritinho animado de escapar dos meus lábios. 

— EU NÃO ACREDITO!!! — Exclamei muito animado tirando a tampa por completo e admirando aquele pote cheio de M&Ms amarelos, somente M&Ms amarelos. — Uau, como você tem a audácia de dizer que esse não seria o meu presente favorito? São M&Ms amarelos, você deve ter tido muito trabalho Hoseok, muito obrigado, de verdade. — Meus olhos estavam marejados. Eu já sou emotivo por natureza, mas me derreto todinho com demonstrações de afeto. — Você é o melhor amigo do mundo. 

— Que isso... — Hoseok deu uma risadinha sem graça enquanto coçava a sua nuca. — Eu sei o quanto M&Ms amarelos te deixam animado, por causa daquele lance de cor, som e tal… Eu queria que você tivesse um ótimo dia e por isso separei M&Ms amarelos o suficiente para o dia inteiro. 

— Cara… — Suspirei emotivo. — Permissão ‘pra ser boiola? 

— Permissão ‘pra ser boiola concedida. 

Joguei os meus braços ao redor do pescoço de Hoseok e o abracei bem apertado para demonstrar o quanto eu estava feliz. 

— Você é o melhor amigo do mundo inteirinho, você me faz sentir que sou especial. E por mais que eu ame todos os presentes que você me dá eu preciso que você tenha certeza de que você é um dos melhores presentes que eu poderia ter. Muito obrigado por ser o meu amigo e me dar todos os dias a sua amizade de presente. — Confessei baixinho. 

— Você foi mais boiola do que o meu coração consegue aguentar. — Hoseok se afastou devagar de mim e deu um tapinha leve no meu ombro. — Você também é o meu presente, todos os dias. — Finalizou com um sorriso iluminado com cheiro de verão depois de dar uma fungadinha. 

Não prolongamos mais a nossa conversa sentimental, pois a inspetor surgiu no corredor e começou a mandar todos os alunos para a sala, eu e Hoseok não nos demoramos em entrar na nossa e ocupar os nossos lugares. 

— Ei, Hoseok. — Cutuquei as suas costas com a minha caneta. — E o meu segundo presente? 

— Só quando sairmos da escola. — Ele respondeu sem se virar para mim já que o nosso professor já adentrava a sala de aula. 

Me levantei junto com os outros alunos da turma para fazer a rotineira saudação ao professor comandada pelo representante parecendo um robô de tão automático que era esse ato. 

A minha cabeça não parava de trabalhar em suposições para o tal segundo presente de Hoseok. Eu geralmente sou muito ansioso quando se trata de surpresas, mas essa estava me deixando mais ansioso ainda a ponto de faltar sair fumaça pelas minhas orelhas. O primeiro presente que ele me deu foi maravilhoso, o que poderia superar aquilo? 

Tive que passar todo o período de aulas curioso, pois Hoseok se recusava sempre a me contar. Mesmo que eu tenha dado parte das minhas batatas fritas do almoço como suborno ele não se rendeu. Um absurdo. 

No fim da tarde quando as nossas aulas finalmente haviam chegado ao fim ele resolveu me contar. 

— Torta de morango. — Hoseok anunciou com um sorriso convencido. — Aquela torta, daquela cafeteria. Eu vou pagar tudo. 

— Eu não acredito! — Meus olhos estavam brilhando eu tenho certeza. — Permissão ‘pra ser boiola? 

— Permissão ‘pra ser boiola não concedida. Temos que correr e chegar lá antes que acabe a sua torta, sem tempo pra boiolagem Jeongguk. 

    Eu adoro esse lugar, é um dos meus favoritos no mundo inteirinho. Sempre está tocando músicas calminhas em francês, o que faz sentido já que o nome da cafeteria é C'est la vie. Nas paredes são  expostos quadros da torre eiffel e cenas famosas de filmes antigos. Também tem uma parede em que podemos escrever o que quisermos com giz, eu e Hoseok já escrevemos e desenhamos tantas vezes ali. 

    Estávamos na fila do balcão de atendimento e enquanto Hoseok olhava calmamente o cardápio eu estava ao seu lado passando os meus olhos lentamente por todo o local. 

    O clima aqui sempre é bom, parece nunca ter tempo ruim. O aromas das vozes dos funcionários quando me atendem sempre é doce, a pessoa que os contratou está de parabéns.

    Quando digo o nome da cafeteria sinto um leve gostinho de morango na ponta da língua e eu amo morango. Amo mais ainda torta de morango, principalmente a daqui. 

    As cores dos funcionários também me agradam, sempre estão se enrolando calmamente por seus corpos como se eles estivessem satisfeitos com o trabalho e acredito que deveriam estar mesmo. Como eu disse, o clima ali nunca parece ruim. 

    Chegou a nossa vez de sermos atendidos e deixei a missão de fazer os pedidos com Hoseok e enquanto ele fazia isso eu continuava a passar os olhos pelo local apreciando as cores que sempre encontrava por ali. 

Laranja, rosa, lilás e tinha até um novo funcionário que era vermelho... Espera aí. 

— VERMELHO? — Falei um pouco alto demais, o que fez Hoseok e metade das pessoas presentes ali me olharem com as sobrancelhas franzidas, minhas bochechas imediatamente coraram. 

Eu nunca havia encontrado alguém vermelho em toda a minha vida. E aquele funcionário que preparava cafés de forma atrapalhada do outro lado do balcão era dono dessa cor.  

Estava a beira de ter um surto, eu não sabia o que fazer, não sabia como reagir, eu estava pifando.

    Vermelho! Ele é vermelho, dá ‘pra acreditar?