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História Clocks - Sobre coisas não ditas


Escrita por: versoacabado

Notas do Autor


Oláaaa!
Ainda estão vivos depois dos DVDs que abalaram a nação gazeteira essa semana?

Nem demorei tanto dessa vez, vai. Ganho um prêmio? Ok, acho que ganho um prêmio se eu demorar menos de 2 semanas... Em minha defesa, eu comecei a escrever o capítulo uns 2 dias depois de postar o último do Reita. Aí eu peguei gripe, mais gripe, infecção na garganta, blá blá. Enfim, cheguei!
E trago de volta o Ruki, como eu tinha prometido! Eu não sei se alguém aqui ainda esperava mais Reita... Eu até queria cobrir os acontecimentos todos do ponto de vista dele, mas eu acho que consegui deixar bem clara a personalidade e motivações dele ao longo desses 4, e se eu continuasse como PoV dele só ia ser mais enrolação :( Até eu tava ficando um pouco cansada dele haha.
Então voltamos ao tempo normal da história!

Obrigada a todos que leram e comentaram no capítulo anterior, obrigada pelo apoio de sempre! Vou responder todos os comentários pendentes em breve, então nada temam! Meu amor vai chegar a todos vocês <3
Obrigada ao pessoal que favoritou desde a última atualização, sejam bem-vindos e espero que continuem gostando! E esses lindos que começaram a ler e foram comentando capítulo por capítulo? Gente, vocês são demais ;-; <3 Prometo que essa semana tudo que ainda ficou sem resposta será respondido!

Obrigada a @thamiires que como sempre ficou me dando puxões de orelha, sofrendo com meu nível de enrolação pra terminar as coisas e me deu tantas ideias nesse capítulo <3

Sem mais delongas, boa leitura!
Vejo vocês no próximo!

Capítulo 15 - Sobre coisas não ditas


[Ruki POV]

 

Acho que fiquei umas 13 horas parado na porta daquela loja de cosméticos feito um idiota. Minha cabeça já começava a doer com o tapa de realidade que viera assim na minha cara sem aviso prévio, e a confusão entre sentir raiva de mim mesmo por ter sido tão descuidado e me deixado levar, raiva de Reita por ter me feito de idiota durante aqueles dias e raiva do mundo por mais uma vez me mostrar que eu tinha mesmo era que me lascar.

Meu contador zerado aos 14 anos, a incapacidade de ter um relacionamento decente que fosse depois disso, e então o contador mais uma vez resolvendo zoar comigo decidindo mudar de cor por motivo nenhum bem numa noite em que eu enchi a cara e não me lembrava de nada.... A vida continuava dando mais e mais mostras de como gostava de zoar com a minha cara, mas eu não aprendo e confiei em Reita. Eu o deixei entrar na minha vida.

É lógico que nada bom ia sair disso. Eu devia ter seguido meu sexto sentido quando vi seu contador, é claro que a possibilidade de ele não ter alguém era muito pequena, nunca vi histórias como a minha de contadores idiotas antes. Devia tê-lo confrontado e perguntado sobre seu histórico, não devia ter confiado.

Mas com seu jeito gentil e aparentemente sincero e interessado ele havia me enganado direitinho, era impossível não me deixar levar. Era difícil acreditar que ele era o tipo cafajeste, aliás, era difícil acreditar que ele era capaz de trair a alma gêmea. Mas pelo visto eu não podia estar mais enganado. Se ele só queria se divertir enquanto a namorada viajava, era mais fácil que tivesse logo me levado para a cama e pronto! Mas não, ele ficou nesse joguinho de conquista, me desarmando de todas as formas.

Se eu só tivesse ouvido a conversa na loja poderia ter pensado que era apenas uma enorme coincidência. Porém eu estava ali, vendo-o sentado naquele banco em frente à loja e seu olhar surpreso e assustado me diziam tudo que eu precisava saber.

Não era coincidência nenhuma, e nem havia uma explicação, os fatos estavam ali dispostos. Os fatos estavam estampados na expressão em seu rosto.

Parecia que eu estava o vendo em câmera lenta. Ele se levantou do banco sem jeito e fez menção de andar até mim mas a tal da namorada o alcançou antes e começou a falar algumas coisas que eu não pude ouvir, enquanto jogava a sacola de compras nos braços dele. Eu continuei parado no mesmo lugar, apertando a minha própria sacola nas mãos com força, como se ela tivesse alguma culpa da raiva que eu estava sentindo.

Queria gritar “Vai ficar me encarando igual um babaca ou vai embora logo com sua namorada?”, mas tudo o que fiz foi ficar em silêncio olhando, sem reagir. Ele também parecia meio sem reação, mas devia ser só porque estava com medo que eu fosse fazer algum barraco na frente da sua queridinha.

E eu fiquei mesmo com vontade de fazer isso. Chegar lá e quebrar a cara dele na frente dela e mostrar pra ela que tipo de pessoa ela estava namorando mas... de repente ela sabia disso tudo e não se importava. De repente ela mesma tivesse seus amantes e os dois ficassem rindo deles nas costas, competindo para ver quem fazia mais pessoas de trouxa? Fazer um barraco talvez aliviasse um pouco minha raiva naquele momento, mas eu nunca fora o tipo que se humilha em público a troco de nada.

Eu respirei fundo, contendo minha vontade de xingá-lo, e olhei para ele uma última vez antes de dar as costas e seguir para o estacionamento. Seus olhos pareciam tão perdidos e... tristes. Por um momento eu senti minha determinação de nunca mais lhe dirigir a palavra falhar, mas eu apertei ainda mais a sacola em minhas mãos e segui meu caminho sem olhar para trás.

Meu coração batia muito rápido quando cheguei no carro, minhas mãos tremiam de raiva e eu quase não consegui destravar o carro quando finalmente achei a chave dentro da bolsa.

Joguei a bolsa e a sacola de compras de qualquer jeito no banco do carona – que não estava bagunçado, como era de costume – e até aquilo me deixou com mais raiva. A falta da bagunça característica no carro me fez lembrar do motivo de eu tê-lo arrumado: tinha tentado mantê-lo em ordem desde o dia em que havia dado uma carona para o cafajeste.

Que merda, agora tudo ia fazer eu me lembrar dele!

Encostei a cabeça no volante, respirei fundo e tentei me acalmar por alguns minutos. Mas era impossível tentar ocupar minha cabeça com alguma coisa que não fosse o rosto de Reita paralisado me olhando sem reação. Conforme as batidas do meu coração diminuíam um pouco de ritmo, comecei a sentir um certo queimar no canto dos olhos e então dei um tapa leve no meu próprio rosto.

Não, Matsumoto!

Você nunca chorou por homem e não era agora que ia começar a chorar!

Pensei comigo mesmo, decidido. Respirei fundo mais uma vez e ergui o rosto, me ajeitei melhor no assento, coloquei o cinto de segurança. Tudo bem eu sentir essa raiva, e também essa pequena tristeza mas... eu não ia deixar isso me arruinar.

Eu não ia derramar uma única lágrima por aquele idiota, era isso que eu tinha que fazer!

Minhas mãos já não tremiam quando eu dei partida no carro, mas quando comecei a manobrá-lo para fora da vaga e olhei pelo retrovisor percebi que uma pessoa estava se aproximando pelo final do corredor de carros.

Um cara alto, loiro e idiota.

Só faltava ele estar vindo atrás de mim. Tudo que eu menos queria no momento era ouvir as suas desculpas provavelmente esfarrapadas... e mesmo que não fossem, mesmo que um pedaço de mim talvez ainda quisesse que o que eu vi tivesse uma explicação, eu precisava de um momento para lidar com a minha raiva. E não queria que ele tivesse a satisfação de me ver num estado em que eu nem conseguia controlar minhas emoções direito.

Eu só queria que ele explodisse, mas também não queria ter que passar por cima dele com meu Porsche. Tinha sido caro demais para desperdiçar num idiota.

Apertei os dedos no volante e acabei fazendo a manobra de qualquer jeito, pra sair dali o mais rápido possível antes que ele me alcançasse, quase bati na droga do carro ao lado mas consegui tirar o carro da vaga e fugir dali antes que Reita chegasse perto demais.

Fiquei com uma vontade enorme de colocar a mão para fora da janela e esticar um dedo do meio pra ele enquanto eu dirigia para fora do estacionamento, mas perdi a vontade quando o observei pelo retrovisor.

Pelo pequeno espelho eu o vi desistir de caminhar atrás do carro e parar no meio do caminho, os ombros caídos e uma expressão desolada que de certa forma me apertou um pouco o peito.

Mas eu olhei para frente mais uma vez e fui embora.

Mal parei no primeiro semáforo fora da loja de departamento e meu celular começou a tocar dentro da bolsa, e quando peguei o aparelho ele acusava uma chamada de Reita. Eu apertei o botão de rejeitar a ligação da primeira vez, e da segunda...

Na terceira vez que ele tentou ligar eu deixei tocar porque o semáforo abriu, e não conseguia acreditar que ele ainda tentou ligar uma quarta vez até ele finalmente se tocar que eu não ia atender porcaria nenhuma e tudo tornou a ficar silencioso.

Silencioso até demais para o meu gosto.

Minha cabeça doía de tantos pensamentos que rodavam por ela naquele momento, e a cada instante o aperto em minha garganta aumentava mais e mais. Eu precisava me distrair um pouco, tentar tirar aquilo da cabeça pelo menos enquanto dirigia para não fazer nenhuma besteira. Minhas mãos tremiam tanto que eu agradeci o fato de o carro ser praticamente todo automático, ou eu provavelmente causaria algum acidente muito retardado e meu dia seria uma vergonha ainda maior.

Eu estava me sentindo um verdadeiro idiota mas ao mesmo tempo... Não conseguia acreditar que aquele Reita com quem eu tinha convivido nos últimos dias, que tinha se mostrado tão doce, que era bobo de uma maneira adorável, que se mostrava tão interessado em mim... era capaz de algo assim. Ou eu estava mesmo tão encantado que não quis perceber os sinais...

Liguei a rádio na tentativa de distrair meus pensamentos, mas na primeira estação em que liguei o locutor anunciava o programa “No more heartbreak (em um inglês bem quebrado, diga-se de passagem) – Uma playlist para curar o coração partido!” que acabava de voltar da pausa para os comerciais.

- Só pode ser brincadeira. – Falei em voz alta, encarando o rádio do carro como se ele fosse culpado pelo meu fim de dia ruim.

Mudei de estação antes que a seção de músicas de chororô se iniciasse, mas mal coloquei na estação seguinte e me deparei com “Cry me a river” do americano Justin Timberlake já na metade. Decidi que talvez não fosse uma boa ouvir rádio naquele momento.

Quando finalmente cheguei em casa eu só queria tomar um banho e se tudo desse certo eu morreria afogado nele e não precisaria lidar com a sensação sufocante de angústia que começava a se formar no meu peito quando fechei a porta do apartamento.

Infelizmente não morri afogado no banho e a água correndo silenciosamente pelo meu corpo só serviu para acalmar de vez a raiva que me cegava antes, e tudo o que me restou foi uma sensação angustiante de vazio no meu peito. Antes fosse só a raiva, eu sabia muito bem lidar com ela. Mas aquela sensação de nada que começava a tomar conta de mim era outra história. Como eu podia ter me deixado envolver emocionalmente assim dessa forma em tão pouco tempo...?

Fui para a cozinha em busca de um remédio para a dor de cabeça que fosse forte o bastante e que me fizesse dormir pelo resto da noite para eu não ter que pensar muito naquele momento.

Deixei um pouco de comida para Koron que já estava triste num canto por estar sendo ignorado, e por enquanto continuaria sendo pois eu não estava com vontade nem de brincar com ele. Depois de pegar o remédio e tomá-lo, voltei para o quarto e me joguei na cama de qualquer jeito.

Apenas para encontrar mais 5 ligações perdidas de Reita no meu celular quando tornei a pegá-lo, abandonado em cima do travesseiro.

A última havia sido menos de 10 minutos atrás, e também havia uma mensagem de Uruha com alguma coisa qualquer sobre um workshop de guitarras que eu não estava com cabeça para responder naquela hora.

Joguei o celular de volta sobre o travesseiro e fiquei ali deitado encarando o teto, mas sem realmente olhá-lo. Porque eu só conseguia pensar naquela maldita hora em que saí da loja e avistei Reita, e sua expressão perdida era a única coisa que eu conseguia ver em minha cabeça.

Porque ele estava insistindo tanto em vir atrás de mim em vez de ficar com sua namorada, aquela que com certeza devia ser sua alma-gêmea? Não era ótimo pra ele que ela não tivesse me visto? Porque ele estava correndo esse risco de realmente estragar as coisas assim? Quem era eu na vida dele, pra ele fazer isso? Um cara que ele conheceu há 2 semanas.

Haviam sido apenas duas semanas... porque meu coração apertava tanto?

Me sobressaltei com o celular vibrando, me fazendo perder a linha de pensamento. Era ele de novo, mas dessa vez com uma mensagem:

 

[Reita 20h03

Eu... não sei se está ocupado ou me ignorando ou os dois mas... me deixa conversar com você? Por favor.]

 

Meus pensamentos eram uma mistura confusa entre responder “Tudo bem” ou “Não quero ver sua cara pelos próximos 30 anos”. Se eu lhe desse esse espaço para conversar.... que tipo de coisa ele teria pra me dizer?

“Não é isso que você está pensando”?

“Sim, eu estava te fazendo de idiota esse tempo todo. Só queria te dizer isso cara a cara, pena que não te levei pra cama antes de você descobrir”?

Nessa confusão de pensamentos eu fechei os olhos e peguei no sono sem ter respondido nem uma coisa nem outra.

 

Acordei de um salto com o som da campainha, completamente desnorteado sem saber que horas eram e o que estava acontecendo. Será que era o takyuubin[1] fazendo uma entrega no último horário? Eu não lembrava o que poderia ser, já que fazia tantas compras na internet que às vezes perdia a noção do que ainda faltava chegar. Mas se ainda estivesse dentro do horário deles talvez fosse alguma encomenda.

Coloquei um robe por cima do pijama e saí apressado do quarto. Quando passei pela sala olhei para um relógio de parede e constatei que eram 22h30. Não tinha como ser um entregador, já tinha passado muito do horário deles, então o que raios...

Estranhei que Koron havia latido quando a campainha tocou mas depois parou, e então quando cheguei na porta de entrada ele olhava para a porta com o rabinho abanando. Isso só podia significar uma coisa: ele conhecia a pessoa que estava do outro lado.

Quando eu olhei pelo olho-mágico, era Reita quem estava parado ali.

Minha primeira reação foi nenhuma. Fiquei apenas paralisado, olhando-o ali de pé parecendo completamente perdido. Reita olhava para os próprios pés, para a porta, e de novo para os próprios pés e parecia não saber o que fazer com as mãos. Colocava-as nos bolsos da calça e tirava em seguida, fechava as mãos em punho e abria de novo em um movimento repetitivo de quem está claramente ansioso com alguma coisa, depois levava-as aos cabelos. Suas sobrancelhas estavam franzidas em uma expressão angustiada, e ele não sorria.

Depois eu senti raiva. Queria que aquela porta queimasse com ele junto. Queria abri-la e gritar com ele, mandá-lo se foder e dizer que ele não tinha direito nenhum de me forçar a conversar com ele daquele jeito.

Não dava pra tentar conversar naquele estado. Fui até a cozinha e com o coração batendo tão rápido que minhas mãos tremiam peguei a chaleira e comecei a esquentar água para fazer um chá. Quem sabe um chá de camomila me acalmasse e enquanto ele não ficasse pronto, Reita desistisse e fosse embora dali.

Eu estava demorando tanto para atender que ele devia ter se tocado já de que eu não ia abrir. Pelo menos foi o que pensei... mas depois que a água ferveu e eu coloquei um pouco de água na caneca com o saquinho de chá, voltei para a porta e Koron ainda estava abanando o rabo, encarando-a.

E Reita ainda estava parado ali.

Já devia fazer uns 15 minutos desde que ele tinha tocado a campainha, mas ele ainda estava parado como quem não iria sair dali nem tão cedo. E aquilo... começou a me amansar de certa forma. Ninguém nunca havia feito algo como vir bater na minha porta e me implorar para conversar e aquilo mexeu comigo.

Voltei para a cozinha para olhar o chá, pensativo. Peguei a caneca e coloquei-a na mesa, sentando-me no banco alto mas em vez de tomar o chá, eu encostei a testa na superfície da mesa e fiquei lá parado sem saber o que fazer.

Reita não faria isso tudo se ele realmente não tivesse algo para me dizer... certo?

E eu... apesar disso eu gostava dele. Eu já estava na merda mesmo, o que era ser mais trouxa ainda pra quem já está no patamar de trouxa?

Com isso em mente eu abri o armário, peguei uma segunda caneca onde preparei mais um chá. E depois de colocá-la junto à minha, eu fui de novo até a porta.

Mas dessa vez eu a abri.

E eu devia ser trouxa mesmo porque ao abri-la e me deparar com a reação de Reita, em vez de continuar sentindo aquela raiva, meu coração ficou ainda mais apertado e eu me senti mal por tê-lo feito esperar daquele jeito.

Quando eu abri a porta ele se sobressaltou e quase tropeçou nos próprios pés. Quando ele ergueu o rosto para me olhar, seus olhos estavam ligeiramente arregalados e eles brilhavam de uma forma que eu não sabia descrever exatamente. Parecia estar de certo modo emocionado ou... ele estivera chorando.

- Ruki... – Ele não disse mais nada, apenas me olhava como se não acreditasse que eu estava mesmo ali, que não era mais uma porta branca e fria.

Eu também não sabia o que dizer, e não queria encará-lo porque ficar olhando para ele assim me dava vontade de chorar. E eu tinha jurado pra mim, pelo menos isso eu não iria fazer.

Então eu entreabri a porta, indicando que Reita entrasse, e ele o fez.

Não dissemos nada enquanto eu voltava para a cozinha, com Reita atrás de mim parecendo uma sombra, e um silêncio quase de velório pois até Koron tinha resolvido ficar quieto, talvez percebendo o clima pesado.

Sentamos em bancos um ao lado do outro e eu peguei minha caneca de chá, empurrando a outra na direção dele, que ele aceitou com um aceno educado de cabeça.

Ele ficou olhando para a caneca nas mãos dele, talvez tentando encontrar algo para iniciar a conversa. Talvez estivesse procurando as melhores palavras, ou por onde e como começar, mas estava demorando tanto que eu começava a me arrepender de tê-lo deixado entrar.

Meu cérebro pensou em dizer algo como “Não sei se gosta de chá de camomila?” apenas para iniciar um diálogo, mas antes que eu fizesse a ligação entre cérebro e boca, eu já estava dizendo:

- Aquela é sua alma-gêmea, né? Bonita ela... – E o sarcasmo estava ali afiado em meu tom de voz antes que eu pudesse controlá-lo. Reita ergueu os olhos na minha direção, parecendo surpreso com o que eu tinha dito, e com o fato de eu ter começado a conversa antes dele.

- Ruki, eu...

- Agora você vai dizer que não é isso que eu estou pensando? – Continuei, cortando-o, e aquilo estava saindo sem que eu pensasse. Porque eu estava ferido e magoado, e é assim que eu era quando estava nesse estado.

- Não, eu ia dizer outras coisas. Mas agora eu vou dizer que você é mais bonito que ela.

- O que....? – Foi minha vez de ficar confuso. O que raios ele estava dizendo?

- Você... é bem mais bonito que ela.

Aquilo não tinha nada a ver com a conversa que eu achei que teríamos, e eu estava começando a ficar novamente com raiva.

- Ah, por isso você não resistiu e resolveu trair? É disso que você gosta então, tirar uma lasquinha de pessoas bonitas? – Eu não tinha planejado nada disso, mas a acidez nas palavras saía sem que eu pudesse filtrá-las. - E ai depois você volta correndo pra ela, como se nada tivesse acontecido...

- Agora sim não é nada disso que você está pensando. – Ele pareceu atingido pelas minhas palavras, mas não retrucou de forma raivosa ou alterada.

- E você espera que eu acredite?

- Não espero que acredite, mas que ao menos me deixe falar...

Abaixei a cabeça, agora um pouco envergonhado pela minha pequena explosão de antes. Passei as mãos pelos cabelos, tentando recobrar a calma.

- Desculpa, eu não quis ser estúpido assim. Eu... só estou com muita raiva.

- Você não tem que me pedir desculpas, e eu não posso pedir que não tenha raiva de mim. Eu... só quero poder me explicar. – Eu podia sentir seu olhar sobre mim, mas eu ainda não queria tirar os olhos da caneca em minhas mãos.

- Então se explica. Não precisa enrolar, abre o jogo logo.

Reita respirou fundo e então voltou o olhar para o próprio chá.

- Aquela é sim minha alma-gêmea... bem, era pra ser. O nome dela é Sakie.  - Não entendi o que ele quis dizer com “era pra ser”, mas não o interrompi. – E não, eu nunca a traí, nem pensei em traí-la. Até que eu conheci você...

- E porque eu? – Perguntei. – Você... não gosta de homens. Estou errado?

- Não... na verdade eu nunca tinha pensado muito sobre isso. – Ele suspirou antes de continuar. – Eu nunca tinha ficado com ninguém antes dela. E eu sempre pensei que quando eu encontrasse minha alma-gêmea seria como todos dizem e que minha vida ia mudar e...

- Não mudou?

- Eu nunca me apaixonei por ela. – Reita ergueu o rosto de novo e me encarou. – Eu não senti aquilo tudo que dizem... Nunca consegui vê-la como a coisa mais importante da minha vida como era pra ser, mas eu pensei que talvez isso fosse algo que vem com o tempo pra alguns.

- Desde quando vocês...? – Comecei mas não consegui continuar a pergunta, parecia que havia algo entalado em minha garganta.

- Eu a conheci há 8 anos.

- Oito anos? Por Deus, Reita, oito anos! – Levei as mãos aos rostos, massageando as têmporas que ainda doíam da dor de cabeça que não tinha ido embora.

- Oito anos de sentir que estava vivendo uma vida que eu não queria! – Ele continuou, seu tom de voz aumentando um pouco mas não parecendo brava. – Nós sempre... nos estranhamos demais. Nunca fomos como um casal de verdade tinha que ser... pensei que era só ficarmos juntos que isso ia se resolver alguma hora. Mas nunca se resolveu. E então eu encontrei você.

- E o que tem eu?

- Quando eu te vi eu.... senti um monte de coisas. – Reita levou uma das mãos ao peito e seus olhos brilhavam de uma forma estranha, como se ele estivesse se lembrando de algo que o emocionava demais e aquilo... me deixou desconcertado. – Eu nunca achei que fosse possível uma coisa assim... você bater o olho em uma pessoa e sentir algo assim tão forte. Eu nem sei colocar em palavras.

Por acaso ele estava tentando me dizer...

- Mas você tem uma alma-gêmea!

- Eu sei! Mas... e se os contadores errassem? Isso tudo que eu senti... – Ele fechou as mãos em punhos e abriu-as de novo, nervoso. – É o que sempre me diziam que você sente quando encontra sua alma-gêmea... que eu não senti com Sakie, mas senti com você.

Eu levantei do banco e comecei a andar pela cozinha, as mãos nos cabelos sem saber o que dizer.

O que aquilo tudo significava? Porque raios a vida continuava fazendo essas brincadeiras comigo? Primeiro o meu próprio contador me zoando e o cara misterioso me abandonando naquele quarto de hotel. E então logo em seguida surge um cara aparentemente maravilhoso mas que de repente tem uma alma-gêmea, mas a situação é complicada e... porque a vida não podia me dar alguma coisa simples?

- Eu passei esses anos todos vivendo uma vida conformado, e que eu não queria de verdade... Mas então eu encontrei você e eu... me encantei com você. – Ele continuou falando e eu parei em um outro canto da cozinha, mas me virei para olhá-lo. – Eu queria te conhecer mais, conversar mais com você, te ver mais... estar com você me faz sentir realmente vivo. E não como se o tempo estivesse passando e eu fosse um expectador da minha própria vida.

De todas as coisas que ele poderia me dizer, eu não estava esperando nada disso. Isso era praticamente uma declaração mas... como raios ele poderia me amar?

Ele tinha uma alma-gêmea. Eles estavam juntos há 8 anos, mesmo que ele dissesse essas coisas, como você fica 8 anos com alguém sem sentir qualquer coisa por ela? Ele só devia estar confuso, não era possível ele querer comparar 8 anos de relacionamento e um de 2 semanas. Ele devia estar passando por uma fase confusa e não sabia o que fazer com isso.

Pelo visto ele nunca tinha ficado com mais ninguém além de sua namorada e era normal que ele tivesse curiosidade a respeito de outras coisas em algum momento. Ele devia estar confundindo essa curiosidade com algo mais, e quando essa curiosidade fosse sanada ele cansaria de mim e voltaria para ela.

Porque ela era sua alma-gêmea afinal, e as almas-gêmeas sempre ficam juntas no fim das contas... não é mesmo?

- Eu acho que... você está confuso. – Passei as mãos pelos cabelos de novo de forma nervosa, eu não sabia mais o que pensar ou o que falar. Essa conversa só estava me deixando confuso e aumentando ainda mais a minha dor de cabeça. – Você tem sua alma-gêmea, você me conhece há menos de 1 mês... você só está confuso porque está num momento ruim no seu relacionamento.

- Eu nunca tive tanta certeza de alguma coisa. – Agora ele me olhava nos olhos, e seu olhar parecia tão convicto que eu não consegui responder nada, e ele continuou falando. – E meu relacionamento sempre esteve ruim, não é só um momento.

- Você não fica oito anos com alguém se não sentir pelo menos alguma coisa por ela.

- Mas eu não sentia. E também não sentia por mais ninguém... até encontrar você.

Por mais que eu quisesse acreditar que as coisas que ele me dizia eram verdade, um lado em mim sabia que aquilo era impossível. Mesmo se ele próprio acreditasse no que ele estava dizendo, ainda assim ele tinha uma alma-gêmea e ele não iria abandoná-la assim. Se não tinha abandonado em 8 anos, não era agora que isso aconteceria e... o que seria de mim quando ele se cansasse de mim? Se eu deixasse isso ir em frente, seja lá o que isso fosse, como eu ia ficar depois que ele decidisse que isso era uma fase e resolvesse ficar com sua namorada?

Porque isso iria acontecer cedo ou tarde. Eu sempre era só uma fase pra todo mundo. Não tinha um lugar na vida de ninguém para um zero como eu.

- Mesmo se eu acreditar nisso tudo que você está me dizendo... – Comecei, tentando organizar meus pensamentos. - Você estava esperando isso ficar mais sério pra me contar uma coisa dessas?

- Eu estava esperando um bom momento pra entrar nesse assunto... Isso não é uma coisa qualquer que eu podia simplesmente virar e falar no meio de um jantar descontraído!

- Você só estava testando terreno. – Retruquei. Apesar de ouvir isso tudo, eu ainda me sentia enganado e usado. E aquilo doía. - Quando percebesse que não é isso que você quer, daí era só voltar pra ela!

- E você acha que eu estaria aqui tentando me explicar se isso fosse uma coisa qualquer pra mim? Se eu não me importasse com você? – Ele apertou a caneca de chá em sua mão, que ele sequer havia bebido até então.

- Mas você estava me fazendo de idiota! E se eu me deixasse levar ainda mais por... sei lá o que é isso que nós temos? Só pra quebrar a cara depois. – Continuei, nervoso. - Não sei se isso é melhor ou pior do que me levar pra cama e não ficar nem pra dar um bom dia na manhã seguinte.

E aquilo saiu da minha boca antes que eu pudesse pensar direito, e então Reita olhou para mim assustado, virando-se ainda mais no banco em minha direção e quase derrubando a caneca de chá no chão.

- Do que você está falando? – Sua voz era trêmula quando ele falou. Eu estranhei sua reação, mas logo me arrependi de ter falado aquilo, pois não tinha nada a ver com a situação e eu... não queria falar daquele assunto.

 - Foi algo que me aconteceu e que eu quero esquecer. Esquece isso, não é da sua conta. – Aquilo saiu mais grosso do que eu pretendia, e Reita pareceu até se encolher em seu assento diante da acidez em minhas palavras. – De qualquer forma, até quando você ia continuar escondendo isso de mim?

- Quando aparecesse o momento... eu ia te falar tudo. Mas ainda estávamos nos conhecendo melhor e eu não.... não queria estragar tudo entrando nesse assunto.

- Era bem mais fácil me fazer de idiota.  

- Ruki, por deus! Eu nunca quis te fazer de idiota! Eu nunca quis magoar você. – Ele me olhou daquela mesma forma perdida com que ele tinha me olhado quando eu o vi esperando do lado de fora daquela loja, e eu desviei o olhar para a geladeira. – Eu também... tinha minhas dúvidas e receios. Mas eu estava esperando o momento para conversarmos sobre essas coisas...

- Que coisas? Eu nunca escondi nada que você precisasse saber.

- Mas o seu contador... Eu... achei que você também tivesse alguém.

E então foi minha vez de me sentir um pouco mal. Meu contador estava preto e... ele não tinha como saber do que havia me acontecido. Daquela noite estranha em que o contador ficou doido e voltou a funcionar, e depois disso deixou de ser vermelho. Quem olhasse para o meu braço hoje em dia poderia tirar conclusões erradas de que eu tinha alguém, mas... não precisava me conhecer por muito tempo para concluir que eu não tinha. E talvez ele tivesse chegado a essa conclusão, mas estivesse confuso e esperando um momento de entrarmos nesse assunto e...

Céus, que confusão.

Mas agora já era tarde para pensar nisso. E eu não queria falar sobre aquilo naquele momento, já estava magoado demais para entrar em mais um assunto que me fazia sentir humilhado.

- Isso é um assunto... complicado. E eu não quero falar disso agora. Mas eu não tenho ninguém, e é só isso que você precisa saber.

- Eu percebi depois que talvez não tivesse outra pessoa, mas nós nunca entrávamos nesses assuntos de relacionamentos e contadores e....

- Mesmo assim. Eu nunca iria atrás de um relacionamento se eu já tivesse alguém. Eu não sou esse tipo de pessoa.

Eu sabia que aquilo era algo cruel para se dizer mas eu disse mesmo assim. Ele abaixou a cabeça, resignado, e achei que ele não fosse dizer mais nada. O silêncio perdurou por um tempo até que ele respirou fundo, e em uma voz um pouco trêmula e fraca ele disse:

- Mas eu gosto de você. E eu não tenho vergonha disso. Ou de ter tentado fazer algo a respeito.

Eu senti meu coração apertar em meu peito. Embora eu estivesse com raiva, e magoado, ouvir aquilo me fazia sentir de certa forma feliz... mas eu não podia ficar feliz com aquilo. Não ia dar em nada, só em mais mágoa.

- E o que você espera que eu faça com isso? Reita eu... também gosto de você. – Quando nos encaramos seus olhos brilharam com certa esperança, mas eu a vi morrer assim que eu tornei a falar. – Mas não dá pra continuarmos com isso. Eu não posso exigir que você termine um relacionamento de 8 anos por mim, e eu nem espero que você pense nisso. Mas eu também não quero ser o outro. Eu não quero isso pra mim.

- Escolher entre você ou ela não é uma decisão que cabe a você.

- Mesmo que você diga isso, mesmo que diga que quer largar dela pra ficar comigo... Ela ainda é sua alma-gêmea. Uma hora você vai cair na real e enjoar de mim. E como é que eu vou ficar? Você nem pensou nos meus sentimentos quando resolveu fazer isso.

Aquilo pareceu tê-lo pegado de surpresa pois ele não conseguiu responder nada, e ficou pensativo me olhando com a boca entreaberta como se estivesse esperando as palavras se escolherem sozinhas.

- É melhor você voltar pra sua casa. – Eu mesmo falei antes que ele pudesse pensar em alguma coisa, caminhando até a porta da cozinha.

- Ruki... – Reita parecia querer dizer mais alguma coisa, mas eu o cortei.

- Por favor.

Ele percebeu que a conversa estava encerrada e sem dizer mais nada lentamente se levantou do banco e ajeitou a camisa, suspirando fundo, sem me olhar.

Eu apertei o robe que usava contra meu corpo e observei-o enquanto ele começava a andar, vindo na minha direção já que eu estava parado na porta da cozinha. Mas em vez de continuar andando para fora dela, ele parou à minha frente e... colocou as mãos em meus ombros, e puxou-me para ele.

Eu tentei me soltar mas ele me apertou mais em seus braços, me fazendo encostar a cabeça em seu peito e me prendeu em um abraço. Eu sentia um de seus braços em volta dos meus ombros e o outro em minha cintura e eu queria me soltar mas ele era mais forte que eu, por mais que eu o empurrasse com ambas as mãos era impossível.

Então eu desisti, e fechei os olhos, esperando que ele resolvesse me soltar. Mas então eu me senti envolvido pelo seu cheiro, pelo som de seus batimentos cardíacos tão próximos de meu ouvido, uma vez que eu estava com a cabeça encostada em seu peito. E eu deixei que ele continuasse, e antes que eu percebesse eu estava com as mãos fechadas em suas costas, agarrando o tecido da camiseta dele como se minha vida dependesse daquilo.

E eu senti raiva de mim mesmo por ser assim tão fraco, que um simples abraço me deixava incapaz de pensar coerentemente e me fazia repensar se eu estava tomando a decisão certa.

- Me desculpa... Eu nunca quis te magoar. – Ele disse novamente, ao pé do meu ouvido, e eu me senti estremecer. Não era justo ele ter esse poder sobre mim... e ainda assim... eu só queria ficar ali confortável e quentinho em seus braços pelo menos mais um pouco.

Eu podia perceber o quão nervoso ele estava, pois seu coração batia muito rápido e os braços em volta de meu corpo tremiam ligeiramente. Quando dei por mim eu estava passando as mãos por suas costas em movimentos circulares, tentando confortar seu nervosismo... e ao perceber que eu estava fazendo isso eu tentei empurrá-lo novamente pra longe de mim, mas ele continuou me segurando, apesar de ter diminuído a força do aperto. Ele abaixou o rosto para me olhar no mesmo momento em que eu ergui o meu, e seu olhar era tão triste que por um momento eu senti vontade de beijá-lo e fazer aquela tristeza sair de seu rosto.

- Reita, por favor... Não faz isso ficar mais difícil do que já está. – Eu disse, antes que eu cedesse.

E então ele me soltou. E sem que nós dois disséssemos mais nada, ele se virou e eu o observei enquanto ele calçava os sapatos novamente e saía do meu apartamento, com os ombros baixos e os olhos tristes.

Quando a porta se fechou eu sentei ali mesmo no chão do corredor de entrada e Koron, que estava num canto olhando tudo, provavelmente sem entender porque Reita tinha ido embora sem lhe dar atenção, veio correndo para cima de mim e colocou as patinhas nos meus joelhos, pedindo carinho.

- Oi, bebê. – Eu disse, com a voz cansada. – Hoje você pode dormir na cama do papai, ok? Mas só hoje.

Nunca quis tanto dormir e acordar no dia seguinte e descobrir que um dia nunca aconteceu.

 


Notas Finais


[1] Takkyuubin (宅急便 – Serviço Expresso de Entrega) é um serviço privado de entregas, separado do correio normal. É mais rápido que o correio japonês comum, e também mais caro claro. E você tem a opção de agendar o horário de entrega da sua encomenda, que eles efetuam das 9h às 21h, todos os dias da semana. Tem várias empresas de Takkyuubin, as duas maiores do Japão são a Kuroneko e a Sagawa.


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