História CMI - Crônicas de um Mundo Irreal - O Pacifista

Jason se olhava no espelho antes de sair para ver a luta da noite. A roupa estava boa, não era aquela coisa esplêndida, mas não estava ruim. Conferiu tudo antes de sair, carteira, chave do cadeado, tudo. A bicicleta estava encostada no muro. Seus amigos insistiam para que comprasse um carro, afinal ele tinha vinte e quatro anos, mas gostava mesmo era da sua velha e boa bicicleta. Fone no ouvido. Pedalou freneticamente durante o percurso.

Poderia ter morrido umas cinco vezes, mas para Jason só se podia andar de bicicleta assim. Depois de vinte minutos estava no ginásio. Já tinha prometido há uma semana que veria Guildo lutar, então ali estava. Todas as vezes em que via, ele sentia orgulho de seu amigo. Quer dizer, era algo difícil ser um lutador de wrestling e ainda assim ser contra a violência. Certamente contraditório. Mas para Jason e a legião de fãs que Guildo acumulava isso lhe dava um ar de cavaleiro honrado. Durante as próprias lutas Guildo apenas redirecionava o golpe do adversário para ele mesmo, isso acabava em hematomas de todo jeito, mas de certo modo podia-se dizer que não havia atacado. De qualquer forma, Guildo sempre abraça seus adversários e pedia desculpa. Não demorou muito e a luta se iniciou, houve toda aquela abertura um tanto quanto exagerada com os lutadores da noite. Guildo O Pacifista contra Teófilo Tesoura.

“Francamente”, pensou Jason, “Esses codinomes de lutador são horríveis”. Em seguida Teófilo e Guildo começaram a se enfrentar em meio aos urros da torcida.

***

Jonnes assistia a luta acompanhando cada movimento. Teófilo estava triunfal naquela noite, atacando sem dó aquele lutador meia-boca que era o Guildo Firelli. Hoje Teófilo ganharia. Sem dúvida alguma. Seu foco saiu da luta quando sentiu sua namorada acariciando seu cabelo. Ah, como Jonnes amava Marym. Ela sempre esteve com ele desde que se conheceram. Como amiga, e ainda mais depois que começaram a namorar. Era a melhor garota do mundo. Estava sempre linda não importando o que acontecesse.

-Jo. – Chamou ela, com a voz suave. – Depois daqui podemos passar na Mama Choco? Estou com vontade de tomar um milk shake de pétalas.

-Claro, meu pedaço de chiclete. Deixe apenas Teófilo dar um golpe de tesoura com sua pernas nesse mané do Guildo e então vamos para lá. – Jonnes olhou nos olhos de Marym. Cara, ela era linda demais. Seus olhos verdes escondidos entre o mar de cachos ruivos... Marym se aproximou silenciosamente e o beijou. Toda vez que isso acontecia, Jonnes explodia de amor. Cara. Era tão suave a sensação. Sua mente era jogada imediatamente para outro lugar.

Mas ele cometeu um erro que nunca cometia, abrir os olhos. Foi então que percebeu um garoto-peixe em uma outra parte da arquibancada estava olhando para Marym com uma expressão de escárnio. Ah não cara. Isso Jonnes não podia suportar. Como alguém poderia tirar sarro de Marym? Uma garota tão gentil e dócil como ela? Ele ia ensinar uma lição para aquele garoto.

***

Sério, aquilo estava começando a incomodar. Tudo o que Jason queria era assistir a luta, estava ali para isso afinal. Mas o garoto-peixe com cara de idiota ao seu lado parecia não entender isso, porque ficava rindo baixinho e acredite, aquela risada era EXTREMAMENTE IRRITANTE. Uma parte de Jason queria de todo jeito dar uma porrada naquele garoto, porém a outra parte apenas dizia para ele ter paciência e que se fosse para fazer algo, que fosse levantar dali em silêncio e sentar em outro lugar.

Como uma atitude vinda da parte pacífica, Jason olhou para o garoto-peixe e que pensou se talvez entendendo o motivo da graça ele pudesse relevar. Ele não pôde. O garoto-peixe estava olhando para outro garoto de características asiáticas. Certo, até aí tudo bem, pessoas idiotas gostam de rir da cara dos outros. Mas o pior ainda estava por vir. O garoto asiático gesticulava a boca e a língua, como se beijasse alguém. MAS NÃO HAVIA NINGUÉM ALI, apenas ele, sozinho. Cara aquilo era realmente estranho. No fim das contas os dois eram anormais. Jason queria parar de olhar aquilo, mas era estranho demais para ele parar, quase como se aquilo o hipnotizasse. Ele olhou até o asiático abrir os olhos e perceber o garoto-peixe rindo. Jason foi rápido o suficiente para não ser pego.

Agora o garoto vinha em sua direção com uma expressão nada convidativa. Ah cara, isso não ia acabar bem. Jason sustentou o olhar para a luta. Guildo ia muito bem,obrigado.Desviava cada ataque do Teófilo Tesouro. Logo acabaria. Jason só tinha que se manter olhando fixamente até perceber que o asiático havia voltado para seu lugar.

Infelizmente, isso não aconteceu. Jason só pôde ver o garoto-peixe voando longe com um soco do asiático. “EITA PERA”, pensou Jason. Agora toda aquela parte do ginásio olhava para o asiático. Ele, por sua vez, não parecia dar a menor intenção. Investiu contra o garoto-peixe, que o olhava com medo e um pouco de sangue saindo do nariz.

-Ei cara, calma aí um pouco. Não precisa disso. – Interviu Jason. O garoto podia saber lutar, mas ele também não era nenhum leigo também. No pior dos casos...

O asiático encarou Jason.

-Esse idiota estava rindo da minha namorada.

Jason pensou no que dizer.

-Tudo bem, ele foi um idiota. Concordo com você. Mas ele já levou um soco, é suficiente, certo?

-Sim, ouça ele, é o suficiente. – Concordou o garoto-peixe.

-CALE A BOCA. – Disseram em uníssono Jason e o garoto asiático.

-Apenas deixe para lá. – Retomou Jason. – Não vale a pena.

O asiático parou por um segundo. Pensou. Acenou com a cabeça. Olhou para o lado e sussurrou algo para o nada e saiu silenciosamente do ginásio.

Mais tarde Jason riu consigo mesmo sobre aquele episódio. Guildo tinha obviamente ganho. Na volta para casa pedalou no mesmo ritmo, mas um garoto de cabelo comprido acabou o ultrapassando. Inacreditável. Aquele havia sido um dia cômico. Mal podia esperar para contar para Lay. Daria um jeito de ir à Mama Choco nos próximos dias.