Bonnie não acreditava que estava junta de Amy novamente. As duas se conheciam desde a infância. Tinham crescido juntas em Hiperville. Bonnie realmente amava a amiga, mas tudo havia sido interrompido abruptamente desde aquele dia, na Praça da Matilha de Hiperville.
A leporídea afastou aquela lembrança chacoalhando a cabeça de leve.
-Nibo? – Chamou Amy, olhando para a amiga enquanto mordiscava um pedaço de chocolate lovecraftiano. A franja cobria um de seus olhos, caindo em diagonal, enquanto a cauda volumosa e de pelos vermelho alaranjados se mexia suavemente por de trás de seu vestido.
-Ah, oi, Amy. – Respondeu Bonnie, sorrindo amena. – Eai… Como está sua família? O tio Teguxin e a tia Mornella estão bem? A Silt, o Jin…
-Ah… - O rosto da amiga perdeu um pouco do brilho.
-O que foi? Aconteceu algo com eles?
-Que? – Exclamou Amy, com um sorriso sem graça no rosto. – Nada disso. Eu.. Bom, eles estão bem. É que… Fugi de casa.
-O QUÊ? POR QUÊ? – Gritou Bonnie, levantando e batendo na mesa. As pessoas ao redor na praça de alimentação do hospital a olharam, curiosas. A leporídea abaixou a voz no instante seguinte. – Por que fugiu de casa? Tá maluca?
-Não… Eu só… Queria te ver, Nibo. – Amy sorriu, sem graça. – Senti sua falta desde que foi embora de Hiperville.
-Mas… Amy, isso foi há seis anos atrás. Porque só agora você… - A garota parou ao perceber o olhar da amiga. Algo neles dizia “por favor, não insista”. – Bah, tudo bem. Mas depois vai me explicar isso certinho. Seus pais e sua irmã devem estar preocupados.
-Certo.. – Concordou a vulpina, tímida.
Ela não podia dizer à amiga leporídea sobre as vozes. Sobre o que elas lhe falavam.
***
A garganta de Moon já havia se esgotado de tanto gritar e suas mãos estavam vermelhas de tanto bater na porta de madeira refinada, ordenando pra que a tirassem dali. A garota até mesmo proferiu ameaças, mas todas foram igualmente ineficazes.
Ela estava em casa, ouvindo música como sempre, quando a campainha tocar.
-Já vou. – Respondeu, imaginando ser o amigo humano.
A campainha soou novamente, ignorando completamente seu aviso.
-Espera um pouco, Jason. – Disse, descendo as escadas. A campainha tocou uma terceira vez. A garota avançou até a porta e a escancarou. – Caramba, eu não disse pra esperar? Vocês humanos… - A voz falhou no instante em que notou que não se tratava de Jason, mas sim de um garoto desconhecido, de cabelos pretos jogados para trás, como num undercut. Seus olhos de íris vermelhas traziam uma atmosfera de deboche, assim como o sorriso torto matreiro. Uma jaqueta vermelha sangue combinava com uma calça rente ao corpo de mesma cor.
-Oi, gata. – Disse ele. – Eu me chamo Leo Picerrak. Vim aqui para…
O garoto foi interrompido pelo impacto da mão de Moon em seu rosto.
-GATA É A SUA VÓ, RETARDADO. – Gritou ela, antes de fechar a porta em sua cara. – Francamente. – Bufou, virando-se para as escadas novamente.
Moon não tinha subido nem três degraus quando notou a voz do garoto próxima.
-Mas que gatinha rebelde, hein? – Resmungou ele, em pé no topo da escada, batendo a ponta dos dedos no braço cruzado.
-Que droga você está fazendo aqui? – Questionou Moon, cerrando os punhos.
-Eu estava prestes a dizer quando fechou porta na minha cara. Acontece que, devido a galera com a qual ando me disse pra te levar até eles. Então… Gostaria de ver de livre e espontânea vontade? Não gosto de bater em garotas, e tu é bem gata, então isso reduz ainda mais minha vontade de…
Pela segunda vez, o garoto foi interrompido, dessa vez por um gancho certeiro que o fez cair sobre a porta à suas costas, arrancando-a do lugar. A peça de madeira se dobrou fazendo um som seco.
Leo gemeu enquanto se mexia vagarosamente, tentando voltar a si. Apesar da aparência um tanto inofensiva, aquela garota tinha um punho bem forte.
-Olha só, agora eu vou ter que comprar uma porta nova. Tsc, tsc. – Resmungou ela, subindo os degraus que faltavam e entrando no quarto. Alguns pôsteres repletos de jovens coloridos e com expressões estranhas – ao menos era assim que Leo via tudo aquilo. A garota se agachou próximo ao seu rosto. Aqueles olhos totalmente negros pareciam devorar sua alma. Ele ficaria com medo, se já não tivesse visto aquilo inúmeras vezes e outras coisas ainda mais assustadoras. Ela segurou se colarinho, erguendo seu tronco a uns cinco centímetros do chão. – Escuta aqui. – Vociferou ela. – Você vai sair da minha casa agora e nunca mais vai voltar. – A garota parou por um segundo. – Mas antes…
Moon largou Leo e foi para algum lugar fora do seu campo de visão, voltando segundos depois com algo que parecia uma caneta em mãos.
-Tinta P-E-R-M-A-N-A-N-T-E. – Sussurrou ela, tirando a tampa do objeto e começando a rabiscar na testa do garoto. Ela estava quase terminando quando cometeu o grande erro de olhar mais uma vez em seus olhos, que dessa vez pareciam estar com a pupila menor e o vermelho mais denso.
-Pa oksigjen. – Disse o garoto. No mesmo instante as expressões no rosto de Moon se atenuaram e ela caiu inerte sobre Leo. – Caramba, essa aqui foi bem chatinha de derrubar. – Bufou, jogando o corpo dela para o lado e se levantando. Em seguida jogou-a sobre o ombro e passou pelo vão do quarto, saiu da casa, subiu em sua moto e sumiu no meio da noite.
Agora Moon estava num quarto um tanto luxuoso e com uma vontade insana de meter um soco na cara daquele moleque. Ela estava justamente pensando nisso quando ouviu os trincos da porta abrindo pelo lado de fora e ele surgir, com o mesmo sorriso babaca de antes.
-Eai, gatinha.
Na testa dele, estava escrito “Otário” e uma carinha feliz do lado.
***
-Então aí está você, irmãzinha. – Sussurrou a silhueta pequena e esguia, na escuridão da imensa sala, iluminada apenas pela luz débil lilás do holograma a sua frente. – Vejamos se você ainda se lembra de mim.
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