Depois da inauguração, ele voltou em dias espaçados na semana. Sempre sorridente e soltando uma respiração mais demorada quando entregava o dinheiro e sua mão resvalada rápida e suave na mão alheia.
Sentava sempre na mesinha perto da janela, onde o led do letreiro parecia trazer tons de verde aos cabelos, ou era mesmo verde e se via apenas com luz neon.
Sempre que Shinsō deixava a bebida quente sobre a mesa, com pires combinando e um cookie para degustar, o rapaz dava aquele sorriso; isso mesmo, o famoso “maldito sorriso”. Porque fazia o coração de Shinsō bater mais rápido, destoante com sua feição estóica costumeira. Sentia-se sempre mais quente, suado e nervoso. Sorte que nem Katsuki nem Keigo o havia visto de tal maneira, ou a zoação não teria fim.
— Trabalha aqui há muito tempo? — Midoriya, o cliente de cabelos esverdeados lhe sorria enquanto bebericava do mocha. A clientela naquela hora era mais fácil lidar. Havia duas mesas depois um senhor fazendo palavras cruzadas, Hizashi atendia alguns outros idosos, ao que indicava, aquele era o horário mais calmo e os idosos da vizinhança gostavam de paz.
— Hm, há uns 10 anos.
Midoriya engasgou-se com o mocha, a espuma chegou a tocar o nariz deixando marcado enquanto ele levava a mão em punho frente à boca para tossir. Vermelho que só, suavizou quando olhou o sorriso do funcionário com o crachá indicando o nome: Hitoshi.
— Meus pais… — apontou para Hizashi, o único dos pais que estava presente ali, Aizawa estava absorto em papéis no escritório. — Não trabalho infantil, eu simplesmente gostava de vir pra cá por conta do cheiro do café, facilitou para não ter que contratar uma babá para deixar em casa comigo. — Havia falado demais, mas o sorriso o incentivou a não ficar com vergonha.
— Ah sim. Eles parecem ótimos pais. — Izuku acenou, em resposta à Hizashi que, do caixa, acenava como se fossem velhos amigos, ou no mínimo conhecidos, o que não eram.
Apesar do jeito extravagante do pai, Shinsō não podia e nem queria desmentir, afinal, Izuku havia acertado em cheio. Eles eram ótimos sim.
— Bem, vou deixar você desfrutar da bebida antes que esfrie. Mas, se precisar de algo, só chamar. — Com um floreio digno de cenas cafonas que Hizashi fazia para Aizawa, Shinsō se retirou com a bandeja em mão.
Para seu azar, Hizashi não fora o único a notar.
— Parece que nosso emo está caidinho pelo aluno do curso de veterinária.
— Hn? Emo?
— Sério que focou só nisso e não na informação riquíssima que eu te passei? — Keigo debruçou-se sobre a bancada, puxando Shinsō pelo avental e tirando a bandeja de sua mão, descansando-a por cima das demais com a logo do café gravado.
— Inclusive… como?
— Basta observar ele como um todo e não só o sorriso doce e as sardas e como o cabelo dele tem tom esverdeado na luz. — Revirar os olhos era quase um mantra quando Keigo tinha que explicar algo que ele achava tão na cara. — O cara tem capa de celular com orelha de cachorro, e uma mochila cheia de buttons com “I <3 Vet”, fuço de gato, cachorro e outros bichos. O cara é uma pelúcia ambulante, e sempre tenta levar o Azz.
A título de curiosidade, Azz era um dos gatos do Shinsō, um que seguia-o para a cafeteria, e voltava com ele… ou com Hizashi, ou com Aizawa, de forma quase forçada porque a verdade era que o bichano adorava ficar na poltrona destinada ao público leitor daquele café.
— Mas eu também ouvi aquele outro perguntando como estava o semestre de Vet.
Esse era o fato, Keigo tinha um excelente ouvido! Parecia uma ave de rapina em caça, olhos e ouvidos absurdamente atentos. Isso era bom, sempre sabia que o cliente da mesa mais distante estava tentando chamar a atenção de algum atendente, sabia identificar os murmúrios estranhos dos clientes tímidos, gravava rostos, timbre de voz até quando estava de costas para o cliente, sabia reconhecê-lo.
— Você tem muito tempo livre. — Shinsō rebateu, só pela implicância.
— Uhum, talvez, mas ele tá acenando.
Shinsō virou, e de fato ele estava. Era algo tímido, nervoso. A bochecha de sardas estava tomada também pelo tom vermelho, o que deixava-o ainda mais fofo.
— Esses cookies… são feitos aqui?
— Cookies? São. Comprávamos antes, era terceirizado, mas quando o outro trainee se mostrou muito bom na cozinha, além de ser um bom barista, deixamos ele responsável pelos cookies de degustação. A quantidade para venda extra é menor, mas vale a pena. São curiosamente amassados com-
— Amor?
— Ódio.
Riram. Shinsō conseguia imaginar muito bem o Katsuki na cozinha amassando a massa dos cookies com ódio, ira e palavrões. O segredo de uma massa leve e crocante não era o “tempero do amor”, mas sim o aerado do palavrão. Nem todo cliente precisava saber, claro.
— Ele é bem explosivo, mas empenha a força na massa, então tudo bem.
Conversaram um pouco mais, Keigo segurou as pontas quando Shinsō saiu com Izuku até a porta, uma despedida com aperto de mão, um aperto demorado e com os dedos de Izuku segurando-se aos de Shinsō com relutância a deixá-lo de vez.
— Ele tá muito na sua.
— Não. Está?
— Uhum, tá na cara.
— Sabe o que mais tá na cara? Aquele cliente ali, que sempre vem aqui. — O cliente em questão fora apontado por Shinsō enquanto atravessava a porta para seguir ao balcão, pedindo o café de sempre. Era cliente desde antes da reforma. Estava ali sempre no início e fim de expediente de trabalho.
— Saiu mais cedo hoje? — Keigo basicamente empurrou Shinsō de seu caminho, os braços logo no balcão para inclinar o corpo como se estivesse inteiramente despojado no âmbito de trabalho. O sorriso matreiro e o piscar de olhos demorado como sempre fazia para aquele cliente em questão. — O de sempre?
Era um café expresso, sem adoçar, forte e amargo. Puro. Exceto nas vezes que ele parecia arrasado ou cansado demais com algo, e isso Keigo teve que aprender com o tempo, visto que as feições do cliente eram puro gelo, embora os cabelos parecessem de fogo em brasa. Os olhos também eram gelo puro, a voz rascante ao dizer um simplório “sim”.
Keigo sabia que aquele havia sido um dia de cão, então, no café colocou a dose de whisky para um irish coffee. Servido quente, entregue numa daquelas poltronas destinada a leitores, ou a pessoas que queriam sossego e visão obstruída por algumas estantes de livros.
Keigo tirava sempre uns minutos para ele.
Entregava o café numa bandeja, deixando-o na mesinha ao lado da poltrona. Sentava-se na mesinha menor de frente para a poltrona, mais baixo, o suficiente para olhar aquele homem grande de baixo para cima, vendo aqueles olhos azuis turqueza numa frieza inenarrável deixando escapar apenas um lampejo de algo a mais.
— Um especial para você hoje. — Ele era de toques, discretos, mas presentes. Esticou a mão para um singelo tapinha no antebraço do cliente à sua frente. — Esse é por conta da casa. — A piscadela era um flerte que ele não sabia deixar quieto, mas não flertava assim com todos, era seletivo, e sua seleção levou-o àquele cliente carrancudo, sisudo, gostoso!
Quando deixou-o bebendo o café batizado, encontrou-se com um Shinsō ouvindo o pai.
— Se eu fosse você, dava conselhos pra ele chamar aquele garoto pra sair.
— HAWKS!
— Agora me chama pelo apelido, huh?
Era o fim, ou o começo. Porque todos sabiam o quão romântico Hizashi era, e o quão desastroso isso poderia ser…
To be continued
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