1. Spirit Fanfics >
  2. Como Surgiram as Estações >
  3. A chuva

História Como Surgiram as Estações - A chuva


Escrita por: nuwahours

Notas do Autor


olá, como estão? demorei um pouquinho, mas estou de volta com um capítulo fresquinho <3
aqui teremos um pouquinho da vida no palácio para saciar aquela dúvida sobre os personagens que ainda não apareceram

espero que gostem!

Capítulo 7 - A chuva


 

Chan conhecia o exercício extenuante mental de realizar uma prova, um cálculo complexo, uma estratégia num jogo. Ele já tinha passado horas sentado em uma sala para responder as questões elaboradas por seus professores e era familiar com a sensação que fazia sua cabeça doer e a mente virar uma massa pastosa, não querendo lidar com mais nenhum problema depois de passar por esses testes. Contudo, nada disso o preparou para o que era submetido pelo mago buscador, que puxava e repuxava a sua mente de um jeito bastante desconfortável.

Eles estavam naquilo há horas, mas parecia dias, pois era extremamente cansativo e Hyunjin, apesar de paciente, era bastante exigente. Ele não permitia qualquer deslize e vivia colocando os pensamentos do príncipe no lugar, como se estivesse ordenando animais no pasto. E quanto mais ele perdia tempo revolvendo a memória de Chan, mais ele se tornava escrupuloso.

— Podemos… parar por aqui? — Chan implorou após desconectar o contato dos seus pulsos com o mago buscador. 

A interrupção deixou Hyunjin desnorteado e o príncipe se arrependeu de ter feito aquilo sem aviso prévio, mas era necessário. Ele não tinha conseguido uma brecha desde que tinham se engajado naquela tarefa.

— Vamos continuar amanhã — Hyunjin decidiu, recolhendo as louças da mesa para levar à cozinha.

Chan se levantou e rumou para o quarto, a cabeça pulsando pelo esforço. Ele praticamente se jogou contra o colchão assim que o alcançou, os pensamentos embaralhados. Ele queria até adormecer logo para dar uma trégua a si mesmo, mas previu tarde que não seria tão fácil quanto gostaria. Ele podia estar até cansado, mas com a mente inquieta daquele jeito, ele teria dificuldade para dormir.

Lembrando-se dos ramos de alecrim, Chan se ergueu e os apanhou, indo para a cozinha e pedindo a Hyunjin a permissão de fazer o chá.

— Foi Jisung que te deu? — o mago quis saber.

— Foi sim.

Hyunjin exibiu um sorriso afável antes de dar as costas e buscar uma jarra de água. Quando voltou, ele entregou a Chan e, imperceptivelmente e de propósito, esbarrou a ponta dos dedos sobre o braço dele, captando depressa uma informação que há muito queria recolher para matar sua curiosidade. O príncipe nem sentiu seus pensamentos serem puxados mais uma vez de tão entorpecido que estava, achando que aquela movimentação era só outra sutil agulhada no meio de tantas outras. Encarou a água ferver e ficou parado, esperando, enquanto Hyunjin ainda estava ali, também de pé, remoendo o pedaço de impressão que pegou para si.

— Se precisar de mais alguma coisa, é só chamar — Hyunjin disse depois de alguns segundos, a voz soando mais leve. 

Chan demorou para processar a simpatia do mago de tão inesperada que ela era. 

— Durma bem, Chan. 

— Obrigado… você também — murmurou ao olhar para as costas dele.

Quando o chá estava pronto, Chan levou a caneca para o quarto. A deixou ao lado do hibisco por um momento, esperando seu conteúdo esfriar. Enquanto isso, ele se distraía mudando as cores da jarra luminosa, procurando adivinhar qual seria ideal para não atrapalhar seu sono. Honestamente, ele preferia que não houvesse tanta claridade no quarto e até pensou em esconder a luminária debaixo de sua cama, mas o problema era que ele estava em cima de um bloco de pedra grudado no chão do quarto e não havia nenhum espaço vazio debaixo dele.

Tentando descobrir de que jeito ele faria aquela jarra parar de brilhar, Chan escorregou os dedos até a base, reparando com satisfação que aquilo fazia a intensidade da luz misteriosa desvanecer até se tornar um disco prateado e sumir. Ele voltou os dedos até a borda e estreitou os olhos diante da luz que aumentava. Então era esse o truque, concluiu com satisfação. Ele deixou a luminosidade numa intensidade média e permaneceu assim até que tivesse terminado de beber o chá.

Na escuridão, ele voltou a pensar em Jisung, pois era inevitável. O hibisco, o chá, o motivo de estar ali, tudo o levava de volta para o mago da floresta. O que será que ele estava fazendo? Será que dormia na floresta mais uma vez? E será que… ele igualmente pensava no que estava pensando? Será que pensava em Chan?

O príncipe exasperou resignado. Isso é temporário, ele se reconfortou sem muita convicção. Era o tipo de pensamento que sempre o ajudava a atravessar situações difíceis, problemas insolúveis, mas ali parecia somente uma promessa vazia. Ele queria entender como a impotência o fazia tão fraco naquele quarto, a pressão esmagadora do acúmulo de pedras e terra ao seu redor o deixando quase sem fôlego.

Talvez eu possa pensar num plano para sair daqui e voltar à superfície, pensou levianamente. Ele queria tanto fazer uma pequena visita ao mago da floresta antes de retornar àquela toca e continuar a explorar a própria mente em busca de respostas. Sinceramente, este objetivo era a única coisa que o segurava para não ir até a porta e desvendar o caminho de volta sozinho.

O que o aborrecia muito era a perspectiva de que para alcançar a saída ele teria de atravessar um caminho muito longo. Seria a intenção de Jisung a de colocar uma distância tão grande (e tão cheia de obstáculos) entre eles? Essa suposição o fazia imensamente triste. Chan não gostava nem um pouco da ideia de que não mais veria o mago nem que fosse brevemente. Será que era tão ruim assim que eles se apegassem? Que ficassem próximos mesmo que as circunstâncias não fossem tão propícias?

Era tão ruim assim que eles fossem… amigos?

Revirando-se na cama e encontrando uma nova posição confortável, o príncipe desviou o foco dos pensamentos para o palácio, que provavelmente, naquele instante, devia estar todo decorado. Cheio de fitas adornando portas e janelas e com vasos de rosas espalhados por todos os cantos. As brancas sempre ocupando o lado oeste e as vermelhas no lado leste. Podia imaginar muito bem a impaciência de Seungmin diante da falta de criatividade e organização das flores. Todo ano, ele se aborrecia com o fato de que nem todos tinham a mesma preocupação que ele.

 Quando era bem pequeno, Chan costumava adorar a Época das Flores. Ele esperava o ano todo para poder provar das delícias preparadas especificamente para as festas e também para ter o rosto pintado de várias cores pelos artistas do reino. Foi graças à sua agitação e impertinência que o mestre pintor conseguiu produzir uma nova fórmula para a tinta não se desfazer no suor. A mãe do príncipe não apreciava nem um pouco o fato de que seu filho, após correr demais pelos aposentos do castelo, ficava com o rosto todo lambuzado e com os desenhos borrados. E como Chan não desistiria de ser a criatura extrovertida que era, foi preciso que os materiais para a pintura fossem melhor elaborados para se adaptar às necessidades dele.

À medida que ele foi crescendo, as responsabilidades foram aumentando, e a Época das Flores se tornou um lembrete de uma escolha que Chan precisava fazer. Como consequência, ele passou a esperar menos por essa época e ficar bastante irritado quando ela se aproximava. Todos no palácio estranharam sua mudança de humor e não entendiam sua falta de afeto pela festividade uma vez que havia grande expectativa em torno dela. Como poderiam compreendê-lo? Ninguém além dele estava sendo pressionado a decidir por algo sem ao menos ter vontade. 

Os maravilhosos bailes mudaram de encontro entre amigos para uma competição de quem conquista o coração do jovem príncipe. E Chan percebeu que não podia mais confiar em ninguém, pois não conhecia mais a intenção das pessoas que se aproximavam dele. Até mesmo aqueles que considerava de confiança se aproveitaram de sua boa vontade e tentaram colocá-lo em situações difíceis. Foi doloroso ter que cortar tantos vínculos, pois se tinha uma coisa que adorava era poder interagir com os demais sem qualquer resguardo de sua parte. 

Como será que as festas teriam sequência agora que estava desaparecido? Será que sua mãe e seu pai deixariam de realizar os bailes? Será que o clima no reino ainda era o mesmo sem a sua presença? Não podia deixar de imaginar. Logo ele, que precisava participar das cerimônias centrais, estava ausente. Sem querer, ficou até aliviado. Só de saber que estava longe de colocar uma máscara de educação e simpatia para aturar noites de cortejo… isso o fazia se sentir como há muito não se sentia. Era bom não estar sob tantas luzes e olhares. Era uma paz estar tão longe daquelas obrigações.

E ao mesmo tempo triste. Pois, tirando a parte desagradável, a Época das Flores era um momento para comemorar com as pessoas que realmente importavam: aquelas que serviam ao reino. Ele queria poder estar no meio delas, cantando, dançando e fazendo as travessuras combinadas. Ele queria estar com os seus amigos, os poucos que restaram e não mudaram com o tempo, e se divertir jogando tinta uns nos outros apenas para zangar os mais velhos. Também queria poder estar com seus pais, que deviam estar preocupados com seu sumiço. 

Ele devia mandar alguma mensagem a eles para avisá-los de que estava bem, mas não sabia o quanto era seguro e prudente. E se fosse como o oráculo disse? Se a situação no reino não estivesse boa? Ele precisava ter certeza das respostas presas na sua mente para enfim tomar novas atitudes. Não podia arriscar quando tinha a vantagem de se preparar para o que ainda desconhecia. 

 

 

Seo Changbin era muito bom em esconder suas emoções. Em dizer algo sentindo outra coisa. Atuar, como diria seu amigo, o príncipe Chan, era um passatempo que ele aprimorou com o tempo porque não havia nada mais engraçado do que fazer os demais acreditarem nele e depois assisti-los caírem em suas peças. Lapidar esse talento o levou a aprender algo de muito valioso: a discernir quando outras pessoas estavam fazendo o mesmo. Ele sabia muito bem perceber quando estavam mentindo, fingindo, dizendo alguma coisa que não fazia o menor sentido. Sabia só de olhar para a pessoa, a intuição vibrando no seu corpo, como um ladrão que reconhece o outro.

Foi por isso que quando ele ouviu dizer que o jovem príncipe fugiu depois de tentar matar o rei, ele não acreditou em uma palavra. Não era nem porque ele não acreditava que seu melhor amigo pudesse fazer algo tão atroz, pois era óbvio que ele jamais atacaria a vida do pai; era porque não conseguia conceber o rei dizer aquilo com um ar tão sóbrio e distante, como se mal estivesse presente no dia em que o atentado ocorreu. Era como se o rei fosse obrigado a empurrar aquela afirmação da boca para se livrar do peso dela. E fez isso com muito sofrimento, a dor da ferida ainda recente.

Não demorou muito para que a notícia se espalhasse. Por mais que apenas os membros mais próximos do rei tivessem recebido a informação e foram severamente instruídos a não deixarem que ela ultrapassasse os muros do castelo, ela vazou como água que escorre de uma pequena fissura na base de um vaso de barro e logo todos no reino cochichavam as hipóteses de como a tentativa de assassinato tinha acontecido. “Ouvi dizer que ele atravessou o pai com uma espada enquanto eles conversavam às sós”; “O príncipe envenenou a comida do rei para obter vantagem ao golpeá-lo com uma adaga”; “Meu amigo me contou que eles brigaram e o príncipe o empurrou contra uma estaca”. 

As ideias eram muitas, algumas mais absurdas que outras e Changbin não conseguia entender a falta de lealdade daqueles que preferiam se agarrar a uma mentira do que descobrir a verdade. Eles não sabiam quem era Chan? Se esqueceram de tudo o que ele havia feito pelo reino? Como poderiam acreditar que ele teria feito algo assim? Ainda mais contra o próprio pai. Eles estavam se desentendendo recentemente por conta de alguns posicionamentos em relação a determinados assuntos, mas nada que desencadeasse um acontecimento infeliz como esse. 

A rainha era outra pessoa desconsolada, procurando entender como o mundo tinha virado de cabeça para baixo da noite para o dia. Estava dividida entre acudir o marido e saber se o filho estava bem. Não queria tomar lados, embora seu coração de mãe sempre pesasse mais na balança. Changbin a viu perguntar várias vezes aos guardas se eles tinham visto por onde Chan tinha escapado e todos eles balançaram a cabeça em negativa. A tensão aumentava no palácio, pois o baile da época estava marcado para acontecer e ninguém sabia como dizer que o príncipe não podia comparecer.

A traição era um crime hediondo e o rei não tinha palavras para descrever aos súditos o que o próprio filho tinha feito. Ainda mais numa época em que ele era a atração. Não haveria uma desculpa boa o suficiente para explicar a falta dele. E não havia sorriso forte o bastante para sustentá-lo durante uma festividade tão importante como aquela.

— Podíamos dizer que o príncipe está doente — sugeriu a rainha. Ela tinha a cabeça baixa, as mãos no colo, o semblante frágil. Tinha passado a noite em claro e seus olhos tinham perdido todo o brilho. 

— E dar uma festa enquanto o príncipe está doente é coisa que se faz? — o rei argumentou, igualmente vazio de esperança. — Não temos outra escolha exceto a de interromper os bailes.

— E o que diremos às pessoas? Há rumores por toda a parte sobre a tentativa de assassinato. E se as pessoas perguntarem durante a festividade? O que faremos?

— Por que não dizer a verdade, Vossa Majestade? — uma terceira voz soou pelo cômodo e Changbin se virou para avistar Daien, a maga do reino, entrar no quarto acompanhada de sua aprendiz, Arina. — O povo merece saber. Se Chan tentou matá-lo, seu reino deve ter conhecimento disso o mais rápido possível.

O rei encontrou o olhar de Daien e ficou rígido no lugar, a raiva, a indignação tomando posse de suas feições. 

— Enquanto eu não entender o que realmente aconteceu, eu não irei propagar uma notícia que tem potencial de ser uma mentira. 

Changbin observou calado a cena, a mão no punho da espada enquanto descia sua atenção pelo longo vestido que a maga usava até encontrar Arina na sombra de sua mestre. A aprendiz era praticamente uma adolescente, mas suas feições eram tão angelicais quanto as de uma criança. Ela estava assustada com a situação, sendo arrastada por Daien por toda aquela confusão como se ela fosse um mero saco de batatas. O cavaleiro sentia pena dela, pois provavelmente era difícil ter de decidir entre apoiar o rei ou a sua mentora.

— Como pretende fazer isso, Vossa Majestade? Não foi com seus próprios olhos que viu Chan atacá-lo? Não foi você que nos disse que ele esteve no seu quarto? 

— Eu sei o que eu disse. E não menti. Mas também não foi a única coisa que presenciei naquela noite — respondeu categoricamente. — O olhar do meu filho não era o mesmo.

Changbin se empertigou levemente, a nova informação se assentando sobre ele. Não havia escutado isso do rei até aquele momento e isso o fez entender o motivo de sua majestade não ter causado o alvoroço que seria esperado depois de algo tão terrível. É claro que ele não ia testemunhar a tentativa de assassinato; o rei não tinha certeza do que havia acontecido. 

— Meu filho podia estar se rebelando nos últimos meses, mas eu sei que ele jamais seria capaz de me matar. Eu conheço Chan e eu também sei que o que eu vi naquela noite não era ele.

Todos na sala ficaram em silêncio e até mesmo a rainha ficou aliviada, como se ela estivesse esperando apenas pela sentença do seu marido. Ouvir do rei que ele duvidava era, com certeza, a melhor notícia que havia recebido desde que o caos se instalou dentro dos muros do castelo. 

— Alguém pode ter se disfarçado — Arina disse num sussurro e todos se voltaram para ela. A aprendiz se encolheu diante de tanta atenção, mas ela continuou firme, querendo demonstrar um pouco de conhecimento. — Quero dizer, é possível, não é? Podem ter armado contra o príncipe. 

— Então por que ele ainda não retornou? — Daien questionou na direção geral de todos, querendo provar seu ponto de vista. — Por que continua desaparecido?

— Ele pode estar ferido — Arina continuou. — Ele pode estar preso em algum lugar. Quem se disfarçou pode ter escondido Chan em algum calabouço e o mantém preso.

— A menina tem razão — o rei apontou para ela. — O que devemos fazer agora é gastar nossas energias procurando por ele. E até lá, você irá produzir a poção da verdade — ordenou à maga do reino. — Assim que o encontrarmos, ele irá a julgamento e saberemos se ele realmente tentou me assassinar. O baile estará suspenso até segunda ordem. Farei um pronunciamento esta tarde sobre o ocorrido.

Changbin respirou fundo e fechou os olhos por um momento, agradecido. Ao abri-los encontrou o olhar de Arina e retribuiu o sorriso dela, grato pela existência da aprendiz. Se não fosse por ela, quem sabe o que Daien poderia ter incutido na cabeça do rei. 

Quando eles foram dispensados, o cavaleiro tomou a direção do quarto de Chan e lá se pôs a procurar por alguma pista, qualquer coisa que o levasse a encontrar seu amigo. 

— Precisa de ajuda? — a voz de Arina se fez presente. 

— Não — Changbin a olhou parada perto da porta. — Acredito que você seja mais requisitada ao lado de sua mestre. Ainda mais quando ela demonstra ter um ponto de vista bastante feroz contra o príncipe.

— Ela quer o bem do rei. Quer tomar as providências para proteger esse reino ainda que signifique repudiar o filho dele. Quanto mais cedo começarmos, mais chance teremos de evitar um ataque que pode ter sido premeditado — ela explicou calmamente.

— Mas nem você acredita que Chan possa ter cometido esse ataque — relevou.

— Não. É claro que não — disse timidamente, numa voz tão baixa. 

— Pelo menos alguém como você sabe enxergar a verdade — o cavaleiro abriu outro sorriso caloroso. 

— Estarei à disposição caso você precise de ajuda — a aprendiz disse.

— Obrigado, Arina — Changbin a viu fazer uma pequena reverência e deixá-lo sozinho no quarto. 

Changbin então olhou em volta e depois para janela, vendo através do vidro a planície se estender até encerrar em uma floresta a perder de vista. Ele não contou à rainha sobre ter visto seu filho sumir pelo caminho que levaria ao outro mundo, o mundo mágico. Não tinha certeza se Chan havia encontrado o portal que há muito buscava descobrir, mas a julgar por seu sumiço, provavelmente ele o havia desvendado e o atravessou sem promessa de retorno. O cavaleiro não apreciava a ideia de perder seu amigo dessa forma, mas esperava que, pelo menos, ele estivesse em um lugar seguro.

Naquela manhã, Changbin até tentou refazer o caminho para procurar por rastros, mas a floresta era um labirinto e ele se perdeu do mesmo jeito como havia feito na noite em que perseguiu o príncipe. Ela era misteriosa e traiçoeira, o levando de volta à planície como se zombasse dele e de seus esforços. O cavaleiro até pensou em dizer ao rei e à rainha por onde deveriam começar as buscas, mas o símbolo gravado na pele do seu braço o comedia. 

— Eu não tenho como te explicar agora, mas no tempo certo você vai saber — o príncipe dissera ao riscá-lo com a ponta de uma faca. — Me prometa que vai estar ao meu lado até mesmo quando não parecer certo.

— Você está sendo estranho de novo — Changbin o repreendera, mas não recuara perante a dor do corte. — O que vai acontecer? Você corre perigo?

— Ainda não. Mas vou precisar da sua ajuda. 

De volta ao quarto, Changbin investigou as gavetas, abriu os armários, olhou até mesmo debaixo do colchão, mas não encontrou nada a respeito do que seu amigo se referia quando pediu por sua confiança. Uma das coisas que mais detestava no príncipe era o fato de como ele sabia guardar segredos. Como ele sabia perfeitamente ocultar o que vinha pensando, pesquisando. Ele não era bom em disfarçar que tinha algo em mente, o sorrisinho sempre o entregando, mas nada era capaz de fazê-lo abrir a boca. Era impossível persuadi-lo. E Changbin nunca odiou tanto aquele aspecto da personalidade do seu amigo como naquele momento em que precisava saber onde ele estava. 

O que você está aprontando?, Changbin exasperou ao se sentar na cama, procurando por algum sinal, algum comentário que pudesse tirá-lo daquele nevoeiro. 

 

 

O ninho, como era chamado aquele buraco, não era, de fato, uma mera depressão no solo cheia de galhos secos configurados para abrigar uma família de pássaros. Era o esconderijo das taipans, raça de criaturas híbridas que foram caçadas juntamente com as mágicas há muito tempo devido a sua anormalidade genética ser igualmente temida pelos humanos. 

Após o conflito que separou mundos, as taipans que sobreviveram não foram bem aceitas em nenhum dos lados, sendo rejeitadas tanto por aqueles que não apreciavam sua natureza assustadora quanto pela Floresta que não tinha intenção de abrigar aqueles que tinham o desejo de vingança morando no coração. Por causa disso elas não tiveram outra alternativa exceto a de parar naquele lugar escuro, úmido e asqueroso, longe da luz do sol e dos olhares curiosos. 

— Vejo que você veio aqui para se explicar após ter cometido tantos erros… — uma voz grave e arrastada soou através das sombras, alcançando os ouvidos da nova presença que sequer precisava de luz para discernir a figura que estava à espreita. — Você falhou ao matar o rei. Falhou ao matar o príncipe. Você armou um plano e falhou na execução dele. O que tem a dizer em sua defesa?

A visitante ergueu o queixo, apesar de sentir seu corpo tremer pelo medo. Ela podia até pertencer àquele lugar, mas isso não queria dizer que seus aliados não a matariam na primeira oportunidade que tivessem após seu fracasso. Honestamente, ela não fazia ideia de como ainda remanescia viva. Eles teriam cortado sua garganta no instante em que atravessou as portas do ninho, mas isso não aconteceu. E talvez estivessem apenas esperando por sua explicação para enfim terminar com a vida dela. 

— Eu vim dizer que já pensei em como contornar essa situação e tornar meu plano ainda mais eficaz. O meu fracasso me levou a enxergar algo que será ainda mais benéfico para o nosso povo. Por favor, meu amo, peço humildemente por mais esse voto de confiança.

A sombra se moveu devagar e se aproximou, os contornos sinuosos de uma cobra se transformando em braços e pernas. A faixa de luz que fazia uma cortina entre eles foi cortada por um corpo que era metade serpente e metade humana, as escamas reluzindo e refratando cores por todo o ambiente. 

— E o que é que você tem em mente?

 

 

Hyunjin suspirou finalmente impaciente ao explorar mais uma vez a mente do jovem príncipe, se frustrando consigo mesmo por não obter sequer um vislumbre da ponta daquele selo que amarrava a memória de Chan. Já tinha se passado mais um dia e eles ainda não tinham feito qualquer progresso. No máximo, o buscador ganhou conhecimento da vida no palácio, o que não era de nenhuma serventia.

— Existe algum outro método para fazer isso? — Chan perguntou cansado, a dor de cabeça golpeando suas têmporas. 

— Me desculpe se pareço um incompetente pra você — Hyunjin retorquiu acidamente. 

— Não quis dizer que você é incompetente. Estou tentando apenas não entrar em colapso e dificultar ainda mais as coisas. 

O mago batucou os dedos sobre o braço e observou o príncipe apoiar a cabeça nas mãos. É lógico que um humano ficaria exausto depois de todo aquele exercício. Além de não estar habituado, ele não tinha capacidades sobrenaturais que tornariam aquele processo mais agradável e fácil.

— Vamos fazer outra pausa — Hyunjin disse e se levantou para buscar um copo de néctar. 

Ele retornava à mesa quando sentiu algo molhado bater em seu ombro. Olhou para a manga de sua blusa e uniu as sobrancelhas. Água. Mas de onde ela tinha vindo? Outra gota caiu e desta vez o acertou no rosto. 

Uma goteira.

— Era só o que me faltava — murmurou. 

— Isso é água? — o príncipe também ficou surpreso, recolhendo o líquido entre os dedos. — Esse lugar pode ter goteiras? Não estamos praticamente soterrados por uma camada enorme de terra?

— Incrível, não é? — debochou. — Não parou de chover desde que você colocou os pés aqui. E o mais alarmante disso é que não parou um segundo sequer. É um aguaceiro daqueles.

— Isso não costuma ser normal? — perguntou com curiosidade.

— Nada é normal desde que você chegou… — Hyunjin murmurou. 

— Jisung tem a ver com isso?

O mago encarou o príncipe, sem saber como responder exatamente àquela pergunta. 

— Ele sempre está relacionado com o que quer que aconteça na natureza — escolheu dizer.

— A chuva… então… significa o quê? 

— Significa… que ele está triste. E é por isso que ele tem um relógio na parede que indica quando ele precisa fazer chuva — disse como se já esperasse ouvir um comentário do príncipe. 

Ter ficado na cabeça dele por muito tempo o tinha feito conhecer muito além do que tinha premeditado e agora não precisava nem tocar o príncipe para saber quais caminhos o raciocínio dele fazia. 

— Se Jisung dependesse de suas próprias emoções, a floresta não saberia o gosto que a água do céu tem.

— Eu… posso vê-lo? — pediu timidamente. 

— Não tenho certeza se isso é do desejo dele.

— Mas… — começou a torceu a boca, inconformado. — Eu não entendo. É tão ruim assim? Que eu e ele…

— Sejam amigos? Ora, Chan, eu acho que você é mais inteligente do que isso.

O jovem príncipe emudeceu e assistiu o momento exato em que outra gota atingiu a mesa, espirrando água para todos os lados. 

— E o que eu devo fazer? — sussurrou, mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa.

Hyunjin sentiu pena do príncipe naquele momento, pois sabia como ele estava se sentindo. Esteve na cabeça dele. Viu pelos olhos dele a afeição que ele sentia por Jisung, a vontade que tinha de se aproximar, de tocá-lo. O príncipe tinha se comedido uma série de vezes por causa do medo, do limite que existia riscado entre humanos e magos, embora soubesse por outro lado que aquela seria a única chance que teria para estar ao lado de alguém que era diferente dos outros que já conheceu. Alguém que o compreendia, que o fazia se sentir bem e o deixava estar tão à vontade com a própria existência. 

Era doloroso ter consciência desses sentimentos que afloraram e, ao mesmo tempo, entender que eles podiam ser perigosos. Tanto para o mago da floresta que tinha plena influência sobre a natureza quanto para o príncipe que possuía uma estadia limitada.

— Eu vou… sair um pouco — Hyunjin disse por fim. — Tome um pouco disso. Você vai se sentir melhor. Descanse. Amanhã daremos continuidade.

O mago buscador empurrou a garrafa de néctar na direção do jovem príncipe e buscou por uma capa antes de sair.

 

 

Jisung tinha retornado à sua casa naquele dia. Ele precisava ficar por mais uma noite na floresta, mas com aquela chuva era impossível. O solo estava encharcado e lamacento, dificultava seu caminhar e estava fazendo uma bagunça na vegetação, carregando folhas e flores por todos os lados. Por mais que tivesse conjurado uma proteção para não ser atingido pela água, falhava inúmeras vezes em mantê-la e sua roupa ficou molhada e pesada, esfriando seu corpo desagradavelmente. 

 Ele temia adoecer daquele jeito e encerrou seu ritual com antecedência, pedindo desculpas à floresta. Cuidou do cavalo e o deixou em segurança antes de entrar na cabana e mergulhar numa banheira com água perfumada bem quente. Preparou chá de gengibre com limão e ficou postado perto da janela, observando o céu escurecer até virar um carvão. Mundungus veio ao seu encontro e se enrolou em seu colo, algo que raramente fazia, e o mago ficou imensamente grato pelo gesto. Se embolou junto com ele e ficou a cantarolar, o fogo dançando no ritmo da sua voz.

Quando estava prestes a se levantar para fazer o jantar, ele foi pego de surpresa por batidas na porta. E não foi nem preciso dizer que sua expressão desmoronou assim que viu Hyunjin desacompanhado, seu coração traidor desejando a presença de outra pessoa no lugar de seu amigo.

— Essa chuva é bem persistente — Hyunjin comentou amigavelmente ao deixar a capa pendurada. — Acho que faz muito tempo desde que enfrentamos um temporal. Não é mesmo?

— É verdade — apertou os lábios. — Você está com fome?

— Sim. E… não querendo ser rude, mas… você tem certeza de que vai fazer o jantar? 

O mago da floresta acanhou-se e olhou para as mãos, sem jeito. O mago buscador então foi até à cozinha e ajudou-o a preparar uma refeição que não fosse totalmente influenciada pela tristeza que todos sabiam reinar no peito do morador daquela casa. Ela acabou ficando com um gosto de comida requentada, que num dia foi muito boa, mas agora restava apenas uma lembrança do sabor original. Eles comeram em silêncio e depois foram se sentar perto da lareira, aproveitando do calor que afastava o frio da umidade.

— Isso… vai passar — Jisung disse depois de um tempo, prevendo uma pergunta que não foi feita.

Hyunjin, que não tinha ido até ali com a intenção de cobrar o amigo em relação ao que vinha acontecendo, demorou-se ao olhá-lo, pesando a escolha que rondava seus pensamentos. Ele queria fazer algo, mas não sabia ao certo se devia e ver o mago da floresta daquele jeito, encolhido, fechado no próprio mundo, murcho como flor que morre, ele soube que a única coisa que queria era que ele ficasse bem independentemente de como. 

— Me dê a sua mão um instante — pediu e Jisung a estendeu sem titubear, segurando os dedos de Hyunjin por um pequeno pedaço de tempo. 

Pelos olhos do mago da floresta, Hyunjin viu. Entendeu os sentimentos dele. E ficou ciente daquilo que se encaixava na peça que roubou mais cedo da segunda metade daquele contexto.

— Está bem. Eu já me decidi. 

— O que quer dizer? — arregalou os olhos ao ver o buscador se levantar.

— Chan está bem, aliás — disse. Não era um bobo de assumir que o mago não se importava apenas porque ele deixou de perguntar. — Não sei se bem é uma palavra adequada, pois ele está… assim como você, embora expresse de uma maneira bem menos dramática — gesticulou na direção de Jisung. 

Ele tirou de dentro do casaco um espelho de bolso e o entregou fechado para o amigo que o aceitou sem entender muito bem para o quê ele serviria. 

— Eu fiquei pensando se era uma boa ideia fazer isso. Você sabe que não sou muito inclinado a aceitar situações que eu não concordo, mas eu sempre fiz isso na intenção de proteger você e a Minho. Vocês são os dois únicos amigos que tenho, são as pessoas mais importantes da minha vida. São como a minha família e é por isso que eu não quero que nada de ruim aconteça a vocês. Não quero perdê-los e quero fazer tudo o que eu puder para evitar que vocês se machuquem. 

— Hyunjinnie…

— Mas eu também não quero ser o tipo de pessoa que impede você de conhecer algo incrível. Não quero tirar sua felicidade apenas porque sou egoísta. Então vou apenas ser o seu amigo e estar aqui para o que você precisar. O espelho é pra você. Considere-se sortudo. Você tem o privilégio de ser o primeiro a conhecer uma das minhas mais novas habilidades.

Jisung o abraçou e eles se despediram, a chuva forte dando lugar a uma calma e menos barulhenta. O mago da floresta se refugiou no próprio quarto e sentou-se de pernas cruzadas na cama, o espelho fechado nas mãos guardando um segredo que parecia pesar um mundo inteiro. 

Ele respirou fundo. E então o abriu.

 

 

Hyunjin tinha o hábito de fechar os olhos enquanto caminhava sozinho pela floresta. O adquiriu depois de desafiar a si mesmo a se tornar como seu avô, um mago buscador cego que não precisava da visão para saber onde tudo estava. O admirava imensamente e queria ser como ele, que sempre o flagrou roubando biscoitos da cozinha sem sequer ter como confirmar que era o neto. Queria ter o mesmo talento de não precisar depender dos olhos para saber ver e para isso começou a empregar atitudes como essa, como a de andar sem espiar o caminho.

No começo foi penoso, pois quase não conseguia resistir ao impulso de abrir os olhos para enxergar o que estava à sua frente. Vacilava pelo desequilíbrio e praguejava seu corpo por ser um obstáculo. Se frustrou inúmeras vezes e se perguntava como seu avô podia simplesmente saber sem precisar enxergar. 

— Você precisa confiar mais em você — seu avô dissera em tom de segredo. — Precisa saber que um buscador pode ouvir e ver com o que está dentro dele e não com o que está aqui fora. 

Um conselho inútil, o neto pensou consigo ao tentar desvendar aquelas palavras carregadas de sabedoria, mas dificilmente interpretadas por alguém que tinha tão pouco conhecimento. Ele queria saber como poderia confiar mais em si mesmo e, principalmente, como poderia ver e ouvir com o que estava dentro dele. Eram duas coisas tão abstratas para o seu limitado modo de pensar. 

Mas, com disciplina e persistência, Hyunjin se manteve na promessa de superar seu avô e realizou o feito ao se tornar um exímio mago buscador, orgulhando as gerações passadas com seu desempenho e mantendo a tradição da família de exercer aquele posto. E agora, toda vez que fechava os olhos, se lembrava da figura do ancião, a imagem trazendo força e tenacidade para cada desafio que engajava, repetindo a lição dele cada vez que sentia uma vontadezinha de desistir. 

Vagando pela floresta, sem vê-la com seus olhos físicos, Hyunjin sopesou os acontecimentos e finalmente sentiu que tinha feito uma escolha certa, o peso evaporando dos ombros e do peito. Agora podia se livrar daquele incômodo que o vinha perturbando nas últimas noites e não o deixava dormir. Vinha refletindo sobre Chan e o aparecimento dele, sobre Jisung e suas emoções à mostra em cada centímetro daquela floresta e, por mais que ferisse o seu orgulho voltar atrás com a opinião que havia formado, ele sabia reconhecer quando havia imprecisão no seu ponto de vista. 

Quando chegou ao portal de um túnel que levaria à sua casa, Hyunjin sentiu a firmeza das pedras sob suas botas e só então abriu os olhos, se deparando com semelhante escuridão. Mas havia uma coisa diferente no ambiente e ele sorriu ao voltar o olhar para o céu.

Não estava mais chovendo.

 


Notas Finais


e aí, o que pensam sobre o que aconteceu por aqui? sobre chan... sobre o que jisung viu?
alguma coisa está fazendo sentido por aqui? ou ainda não dá pra desenrolar nada?

espero não demorar para atualizar essa daqui na próxima vez
mas é por uma boa causa... obrigada por serem pacientes <3
já estava com saudade desse universo mágico
(chansung combina com tanta coisa né? penso em tantas histórias com eles)

é isso ♥ espero que tenham gostado
boa semana para nós ~


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...