História Confidences - 13° confissão: Lembranças.

Demorou até que saísse do quarto de Adrien. Ficou por horas velando o sono do filho, e quando percebeu, já passavam das duas da manhã. Levantou vagamente da cama tentando não acordá-lo, mas não pode evitar que ele se remexesse com o ato.

Parou por um momento para analisar o rosto adormecido do filho e sorriu ao ver o quanto continuava sereno. Sempre gostara de fazer aquilo, adorava a expressão de serenidade que seu rosto demonstrava e mesmo que seu dia tivesse sido horrível ai vê-lo assim tudo valia a pena.

Foi quando notou algo diferente, uma cicatriz longa e fina vinda desde sua orelha até metade de sua bochecha, precisa demais para ter sido um acidente. E por um momento sentiu as mãos gelarem ao lembrar-se de um acontecimento de anos atrás, algo que percorria sua mente a assombrando como um terrível fantasma. Passou a mão em sua nuca e balançou a cabeça tentando afastar aqueles pensamentos.

Saiu silenciosamente do quarto e desceu a longa escada, cruzando a sala e andou até a enorme e luxuosa sala de jantar. A primeira coisa que vira fora o enorme quadro de toda a família. Lembrava-se bem daquele dia, custou muito para que Adrien ficasse parado e depois de longos minutos o filho apenas se aquietou quando Gabriel finalmente concordara em esboçar aquele sorriso mínimo que estava gravado eternamente ali.

Sentou-se em uma das várias cadeiras e olhou em volta. A casa não mudara muito, mas ela sentia algo diferente no ar. Sentia que aquela casa já não era mais sua, que não pertencia mais a aquele lugar, sentia que faltava algo que a unisse a tudo aquilo. E em algum lugar ela sentia que o que faltava era Gabriel.

Mas ela mal sabia o motivo dele não estar ali. “Está preso” fora a resposta mais vaga que pode receber em sua vida e apenas não entrara em estado de pânico completo porque a vontade de encontrar Adrien era inegavelmente maior. Mas agora a poeira parecia ter baixado e isso voltou a sua mente de uma maneira avassaladora.

Ela precisava saber.

Mas o que Nathalie dissera sobre Adrien, que falar daquilo naquele momento seria extremamente doloroso para ele a fazia hesitar de um jeito que ela nunca achou que poderia fazer. Não queria arriscar aqueles momentos que passara com ele, mas ela tinha que saber, necessitava daquilo.

Tinha medo que tivesse uma parcela de culpa em meio a tudo aquilo, e se realmente tivesse, não sabia se conseguiria viver com aquele peso na vida.

Passou a mão pelos próprios cabelos e olhou em volta. Parou por um momento e respirou fundo, levantou-se e subiu novamente a escada dessa vez em direção a seu quarto. Abriu a porta e se deparou com aquele cantinho que tanto adorava praticamente intocado, a penteadeira branca permanecia com cada item em seu devido lugar, mal pareciam ter sido movidos um milímetro sequer. Abriu o guarda-roupa e tudo que era seu ainda estava lá, as roupas penduradas em seus cabides e os sapatos na parte de baixo.

Ele não havia mudado nada e aquilo fez com que os olhos ardessem por lágrimas contidas. Não mudara nada justamente porque tinha esperanças que ela voltasse esperanças que nem mesmo ela tinha. Porém, ali estava ela, de volta a sua casa.

Ele, no entanto, não estava lá.

Fechou as portas e acabou deitando-se em sua cama, no lado que sempre costumou ficar. Era nesses momentos que os dois trocavam um último olhar e definitivamente dormiam. Fechou os olhos com força e tentou inutilmente afastar aqueles pensamentos da mente, precisava apenas ter calma e teria suas devidas respostas.

Mas ela apenas não sabia o quanto podia esperar ainda com o mínimo de sanidade, afinal, havia chegado há poucas horas e já sentia várias coisas lhe apertarem o peito.

Naquele momento, restara a ela apenas agarrar-se as lembranças.

...

─Toque de novo mamãe!

Natasha riu. Não era a primeira vez nem a segunda que o filho a pedia para repetir a mesma música. Os dedos doíam, o dia fora longo e estava cansada, mas quando chegou em casa e a pequena figurinha loira puxou a barra de seu vestido e suplicou com o olhar de bebê que apenas ele sabia fazer não pudera dizer não.

Ela nunca conseguia dizer não.

Adrien, no alto de seus cinco anos adorava o piano. Poderia passar horas martelando as teclas sem nexo algum, causando sons inegavelmente estrondosos e dando a Gabriel uma terrível dor de cabeça à noite, mas ele estava feliz e nem mesmo seu pai poderia negar que se ele estivesse assim qualquer enxaqueca valeria à pena.

Estava a longos minutos com o filho sentado sobre as suas pernas, olhando fixamente para os dedos da mãe praticamente bailando sobre as teclas brancas e pretas. Umas poucas vezes ela tocava mais lentamente para que as pequenas mãos dele pudessem a acompanhar quando se arriscava a pedir que tocasse um pouco. Ela sempre deixava, mas ele tinha certo medo, o pai quando fazia o mesmo com ele não admitia interrupções, mas no fundo Adrien sabia que nem mesmo precisava se preocupar que a mãe o desse uma bronca séria como Gabriel fazia.

Ela era doce demais para fazer aquilo.

─Querido já está tarde. ─Ela o respondeu ao afastar as mãos do piano branco e estalar os dedos um por um. ─A mamãe está cansada e você precisa dormir.

─Mas mamãe... ─Sua voz soara manhosa e arrastada.

─Adrien, você vai me desobedecer?

A frase fez com que ele desviasse os olhos para qualquer outro canto. Não gostava de desobedecer às pessoas, principalmente a mãe, mas ele era uma criança esperta e como não era a primeira vez ─e nem a última─ em que ele fazia um acordo com a mãe, resolveu arriscar com um sorriso maroto.

─Toque de novo e eu durmo.

Natasha sorriu e estreitou os olhos como se realmente pensasse seriamente na proposta do filho, e no fim passou os dedos sobre os fios loiros e o indagou:

─Vai mesmo?

─Promessa de minou. ─Levou a mão ao peito e soltou uma pequena gargalhada.

─Então tudo bem mon minou. ─Ela o ajeitou confortavelmente em seu colo. ─Depois disso já para a cama.

Adrien sorriu e assim que a mãe começasse a tocar fechou os olhos e deixou-se ser embalado pela melodia doce.

...

Acordou com as mãos tremulas. As lagrimas quentes corriam por seu rosto, não por causa de um pesadelo ou algo do tipo, mas sim porque o sonho que tivera não passara de uma recordação de anos atrás. E ao lembrar-se da noite passada e ver que não havia um rastro sequer da mãe teve medo que voltaria novamente ao estado em que passou a vida desde o dia em que ela fora: Agarrado a lembranças.

Teve medo que tudo não tivesse passado de uma alucinação pelos remédios —que nem mesmo ele sabia porquê ainda tomava. Teve medo que tudo fosse um sonho como o que tivera minutos atrás.

─Adrien, o que foi? —A voz de Plagg soou perto de seu ouvido.

Não o respondeu. Levantou da cama sentindo cada músculo reclamar com aquele ato abrupto. A visão ficou turva e tropeçou nos próprios pés, saiu do quarto ignorando os murmúrios mal-humorados do Kwami, ignorando o fato de ainda estar com o pijama completamente amassado correndo pela casa. Tudo que queria era encontrá-la, queria vê-la.

—Mãe?

A chamou, mas a resposta não veio e sentiu o medo crescer. Ele andava pelos corredores lembrando-se do pequeno garotinho de oito anos que corria desesperado pela casa a procura da mãe e do quanto chorou ao não encontrá-la.

Sentia medo de que aquilo se repetisse.

—Mãe!

Ele gritou, mas parecia que não havia ninguém na enorme mansão. Cedeu ao luxo de não conter as lágrimas, estava chorando pelo seu medo. Medo de ter perdido novamente a pessoa que mais amava.

"Por favor, de novo não."

Fora tudo que conseguiu pensar. E no fim, apoiou-se em um canto qualquer, secou o rosto molhado e dirigiu-se ao que já considerava um esconderijo: A já abandonada sala de piano, escondia-se lá sempre que podia. Tocava o piano por horas a fio agarrando-se a lembranças.

Mas qual fora sua surpresa quando ao abrir a porta e a melodia doce do piano entrar em seus ouvidos de uma maneira que apenas ela sabia parecer fazer. Viu a mãe com os olhos completamente focados nas teclas do piano.

Adentrou a sala com passos hesitantes. Quando se deu por si pôs as mãos sobre o piano branco. Natasha levantou o olhar em meio ao momento de susto, estava tão concentrada que mal percebera o filho a gritar pela casa, mal o vira entrar na sala do piano.

E agora, o ver praticamente apoiando todo o peso do corpo sobre o piano fez com que a preocupação tomasse conta de seu corpo.

—Adrien?—Levantou-se rapidamente do banco do piano segurando firme nas mãos trêmulas. —Minou o que foi?

—Eu não te vi...—Murmurou com a voz embargada. —E por um momento achei que teria que me agarrar a lembranças outra vez.

Natasha sentiu a própria garganta secar e os olhos arderem pelas lágrimas que vieram aos olhos ao ouvir o soluço que escapou da garganta do filho.

—E isso doi porque foi o que eu mais fiz e... Machuca.

Em um puro impulso o envolveu em um abraço apertado. As mangas finas dos vestido sendo molhadas pelas lágrimas quentes do filho.

—Me prometa que não vai embora outra vez. —Balbuciou entre seus soluços. —Prometa que não vou ficar agarrado a lembranças de novo, por favor.

O que mais doeu em Natasha não chegou a ser o fato de seu coração bater dolorosamente apertado por ver o filho chorar por medo de que ela simplesmente sumisse outra vez.

O que mais lhe doeu, foi o fato de que por mais que tentasse, por mais que quisesse não conseguiu respondê-lo

Não conseguiu dizer aquele simples "prometo".