Eu estava certa sobre o jantar. Patrícia e minha mãe quase esvaziaram a garrafa de vinho. A mulher era bastante simpática e descobri mais tarde que era advogado criminalista, como minha mãe.
— E você Lauren? — Patricia perguntou, depositando sua taça vazia sobre a mesa. — Quer seguir qual área do direito? — Finalizou a pergunta com um sorriso curto.
Limpei os cantos da boca, consciente dos olhares sobre mim.
— Ahn... — Pensei à respeito.
Ainda não tinha certeza se gostaria de seguir a carreira dos meus pais. Eu bem sabia quantos problemas aquela profissão havia nos trazido.
— Provavelmente a área civil. — Falei franzindo o cenho.
Minha língua ainda tinha o forte gosto de cominho.
Minha mãe fez uma careta, bebericando mais de sua taça.
— Ah! Eu também! — Allyson disse completamente animada. — Talvez até entremos na mesma universidade.
Sorri amarelo para ela, assentindo.
Podia sentir o olhar de bambi da minha mãe pesar sobre mim. A ponta do sapato dela me cutucou por debaixo da mesa e eu a olhei de soslaio.
Minha mãe escondia um sorriso por trás do garfo que levava um pouco mais de comida até a boca.
— Por que não mostra a piscina para Allyson? — Minha mãe disse com o tom de voz dócil.
Trinquei o maxilar impedindo que meus dentes rangessem.
— Acho que ninguém está interessado em ver a piscina mãe. — Tentei contornar.
O ruído dos talheres de Allyson batendo contra o prato me fizeram encará-la.
— Na verdade, eu adoraria. — Ela sorriu amigavelmente.
— Allyson participava da equipe de natação do colégio anterior. — Patricia sussurrou como se contasse um segredo. — Ela está planejando entrar na equipe do seu colégio.
Engasguei com o copo d'água.
— Então... Vocês estão se mudando? — Perguntei tentando controlar a voz.
Ninguém havia mencionando aquilo antes.
— Sim. Sua mãe propôs que eu trabalhasse em seu lugar na empresa, já que ela planeja aceitar o cargo no fórum. — Patricia esclareceu.
Arqueei as sobrancelhas para minha mãe. Ela sorriu fraco, como que pedindo desculpas por não ter dito antes.
— Entendo. — Falei um pouco receosa. — Bom, vamos até a piscina.
Levantei-me sentindo os ombros murcharem. Sabia o quanto aquele trabalho significava para minha mãe, mas também sabia que provavelmente ela teria que passar mais tempo fora de casa.
Allyson levantou-se pedindo licença e seguiu-me em silêncio até os fundos da casa. Destranquei a porta de vidro avistando a piscina que já não tinha mais utilidade. Eu não me interessava por aquele esporte e lazer, mas conhecia alguém que adoraria entrar na água. Sorri imaginando porque nunca havia convidado Camila para nadar em minha casa.
— Pensando em algo engraçado? — Allyson perguntou, tirando-me de devaneios.
Neguei com a cabeça.
— Não é nada. — Encarei-a. — Você nada desde quando?
— Desde sempre. — Ela assentiu. — Acha que tenho alguma chance na sua escola?
Cruzei os braços, vendo enquanto a água se movia lentamente.
— Eu não sou a pessoa certa para dizer.
Allyson assentiu com um suspiro.
— Você é uma atleta dos livros, não é? — Ela perguntou sorrindo, então aproximou-se devagar.
— Quase isso. — Sorri para ela.
— Sabe, minha mãe não disse que a filha de Clara era tão bonita. — Ela disse, chegando cada vez mais perto.
Arregalei os olhos sentindo todo o meu rosto queimar.
— A... O-o que? — Gaguejei rindo.
Ela estendeu a mão tocando meu rosto.
A garota batia em meus ombros, o cheiro forte do perfume doce invadiu minhas narinas.
— Lauren?
Allyson afastou-se num pulo.
O portãozinho de ferro rangeu e Camila passou com ele, com um rosto vermelho.
— Camila? — Indaguei confusa.
Ela se aproximou com um sorriso nervoso. Usava a calça do pijama de flanela e uma regata preta que marcava perfeitamente sua busto.
— Pensei em vim ver como está. — Ela disse com um quê de animação.
Suspeitei então que estava mentindo descaradamente.
— Oi, eu sou Ally Brooke. — Allyson disse estendendo a mão para Camila.
A latina encarou a garota menor dos pés a cabeça. E sorriu forçado.
— Camila Cabello. — Disse.
Allyson arqueou as sobrancelhas e abriu a boca.
— Ah! Então você é a capitã do time de natação?! — Ela disse animada.
Olhei para a baixinha imaginando como ela tinha aquela informação.
Camila assentiu cruzando os braços. Uma expressão de tristeza atravessou seu rosto, aposto que estava imaginando quando voltaria para as competições.
— Sim, no momento estou afastada. — Camila disse mantendo a voz firme.
Allyson abaixou a cabeça.
— É uma pena, esperava que pudesse me aceitar no time. — Ela disse.
Tive a leve impressão de que estava fingindo toda aquela tristeza. Allyson com certeza tinha a aparência de um anjo, mas estava longe de ser um.
Era estranhamente semelhante à Camila.
— Quem sabe na próxima. — Camila disse com descaso.
Encarei a latina, e ela olhava para mim com um brilho nos olhos desconhecido por mim. Imaginava qual era o real motivo por ela estar ali.
— Ally? — A porta da casa fora aberta e Patricia surgiu, juntamente de minha mãe.
— Camila! — Minha mãe saudou, feliz até demais.
Ela desceu os pequenos degraus e abraçou Camila fortemente.
Assisti a cena com a estranha sensação de que aquilo se repetiria mais vezes.
— Oi Clara. — Camila sorriu para minha mãe.
— Bom, nós já vamos. — Patricia disse segurando a filha pelos ombros. — Foi um prazer, Clara.
Minha mãe sorriu, abraçada aos ombros de Camila. Suspeitei que se ela soltasse a garota, cairia.
— Sempre serão bem-vindas! — Minha mãe finalizou.
— Tchau, Lauren. — Allyson virou-se para mim e abraçou meus ombros demoradamente.
— Tchau. — Falei baixinho, sem saber o que fazer.
Minha mãe finalmente largou Camila e acompanhou as duas mulheres para fora da casa.
Camila continuou a me encarar com os braços cruzados abaixo dos seios.
— Então... — Balbuciei.
— Amiga interessante. — Camila cortou.
Revirei os olhos e sentei-me na espreguiçadeira de madeira.
— Ela não é minha amiga. Acabei de conhecer. — Esclareci.
Camila sentou-se aos meus pés apoiando as mãos dos dois lados entre minhas pernas.
— Aposto que ela adoraria te conhecer melhor. — Camila resmungou.
— O que? — Fingi não ter entendido.
Eu poderia não ser experiente em muitas coisas, mas eu sabia um pouco sobre ciúmes. Havia visto muito disso com Alexa e seus outros relacionamentos.
— Nada. — Ela balançou a cabeça. — Você está bem?
Suspirei assentindo.
— A parte mais estranha é que eu não sinto nada a respeito disso. — Admiti.
E não sentia mesmo. Não estava me importando de namorar ou não com Alexa, mas tinha certeza de que sentiria falta de sua amizade.
— Só fico pensando se ainda vamos ser amigas.
Camila me encarou com um sorriso fraco.
— Vocês vão superar, Laur. — Ela afagou minha canela.
Sorri para ela e encolhi-me na espreguiçadeira, fazendo sinal para que Camila se deitasse ao meu lado.
— Eu preciso voltar. — Ela disse apontando para a casa.
Puxei sua mão.
— Você me deve essa. — Semicerrei os olhos.
Camila fez uma careta cedendo, e deitou-se ao meu lado em silêncio. O céu estava estrelado acima de nós, mesmo que houvesse algum sinal de chuva de aproximando.
— O que você vê? — Camila indagou de repente.
— No céu? — Perguntei, olhando para a garota de soslaio.
Seu cabelo castanho se espalhava por todo seu busto e parte do meu braço, emanando um cheiro de shampoo de cereja. Camila assentiu.
— Órion. — Falei apontando para as três estrelas próximas.
Camila seguir o meu dedo e riu baixinho.
— Você quer dizer, as três marias, não é? — Ela disse deitando a cabeça em meu ombro.
— Não, Camz. O nome correto é Órion, são três estrelas próximas que possuem o mesmo brilho e são perfeitamente alinhadas. — Expliquei.
— Camz? — Ela levantou a cabeça me encarando.
Senti meu rosto enrubescer e sorri fraco.
— Eu gostei. — Ela disse e voltou a se deitar.
Ficamos em silêncio por alguns instante até que ela voltasse a falar novamente.
— E o que você vê em mim? — Sussurrou.
Camila dedilhou seus dedos por meu braço até que encontrasse minha mão, e entrelaçou nossos dedos.
— Tudo o que eu vejo é você. — Falei devagar. — Como luta para que sua irmã tenha uma boa vida. Sei que tenta deixar sua mãe menos neurótica, e sobrevive aos seus "amigos." Sinceramente, pra mim eles não passam de um bando de ditadores, Camz. — Ri e ela fez o mesmo. — Acho que você é extraordinária quando não está tentando manter a pose. Eu gosto da Camila que aparece na minha casa de pijama só para saber se eu estou bem, ela é linda. E para mim, a sua melhor versão.
Camila riu baixinho, brincando com os meus dedos.
— Obrigada.
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