14 de Fevereiro de 2018
Eu não via Finn desde sábado de manhã, quando discutimos e eu voltei pra casa, passando os dois dias seguintes sem fazer nada produtivo. Hoje, não pude dizer não, já tinha prometido para Sadie que vinha, e sendo o primeiro carnaval em três anos que eu pisava fora de casa, só podia ser uma piada cósmica ver Finn ali também.
Os três últimos carnavais foram comemorados com amargura. Na verdadade, só saí de casa no primeiro deles, também por insistência da minha melhor amiga, mas aquele dia de 2015 acabou sendo um dos melhores. Primeira vez que falei com Finn. Acabou não sendo como pensei que fosse, sendo que em 2014 eu tinha jurado que seria o último carnaval que eu ia comemorar, depois de levar um bolo.
É meio que engraçado pensar nessas coisas que mal têm importância agora. Um dia, depois do meu término com Finn, pensei que poderia me sentir sobre ele assim também quando superasse a coisa toda; não aconteceu. Mas também não vejo isso como algo ruim, não exatamente. A última coisa que eu iria querer, mesmo com tudo, era me esquecer de como ele me fez sentir e de como eu fui feliz com ele. De como eu quis que aquilo desse certo. De como eu quis que ele fosse feliz comigo, e de como eu tentei fazer isso acontecer. Mesmo que ele tenha me deixado no meio do caminho.
Cumprimento todo mundo, levando bronca das meninas por chegar tão tarde, já passam das cinco da tarde, e segundo elas eu já perdi muita coisa.
Pego uma cerveja e me junto à rodinha, até agora tentando não olhar pra ele. E conseguindo.
Mas Finn, eventualmente, vai e vem da roda, sai pra comprar bebida, vira fotógrafo de Sadie e Caleb e dá risada com eles, e fico secretamente feliz por ver que ele parece se divertir, mesmo que eu não esteja fazendo a mesma coisa. Com isso, alguma hora ele vem parar do meu lado. E enquanto o pessoal está distraído com alguma conversa e debatendo entre si, pra variar, ele me diz:
— Acho que a gente precisa conversar, né?
Me esforço para não me virar para ele:
— Não. Não temos nada pra conversar.
— Você queria conversar no sábado.
Cruzo os braços, finalmente me permitindo olhar pra ele.
— E você não quis.
— Eu não sabia se estava pronto.
Parte de mim entende ele, e isso me irrita, mas não posso e, no fundo, não quero lutar contra meu impulso de me preocupar sempre com Finn e de saber que ele tem seus motivos pra tudo. Me agarrei a isso por muito, muito tempo, e foi o que me impediu de ter raiva dele.
Não tenho nada pra dizer, ou tenho muita coisa. Escolho a primeira opção, me afastando dele.
Já está escurecendo quando me sento na calçada próxima, tanto que só então percebo que uma parte das pessoas já estão quase caindo de bêbadas ou indo embora.
Dali consigo ver bem nossos amigos. Finn está lindo, dessa vez sem glitter no rosto. Penso na primeira vez que Finn me chamou de linda; no colégio, durante uma gingana boba, depois nos perguntamos onde nos enxergávamos em 3 anos, e não respondemos em voz alta. Eu acho que nunca imaginaria isso aqui.
Tudo o que eu sabia, no fundo, era que eu queria ele lá. Nesses três anos depois. Ele está aqui. Agora. Mas por que eu não sinto isso?
— Mills, a gente pode conversar? - Noah pergunta, tão sutil que mal o vi chegar ao meu lado.
Dou de ombros enquanto ele senta na calçada ao meu lado. Vejo nossos amigos ali ainda, no meio da rua, e me distraio com eles para não ter que olhar para Noah agora.
— Primeiro, eu quero pedir desculpa por mentir pra você. Eu quero te explicar as coisas, tá bem? Odeio ficar brigado, Mills, você é a minha melhor amiga...
— Tá bom. Explica. - corto-o.
Noah respira fundo antes de começar:
— Eu comecei a ficar com o Jack faz um pouco mais de um ano e meio, você sabe, mas eu só fui no apartamento dele em janeiro do ano passado, você inclusive tava viajando na época... enfim, foi uma surpresa louca ter visto o Finn lá. O Jack nem suspeitava que eu conhecia ele, inclusive, o que levou uma longa conversa entre nós três. O Finn, ele... ele perguntou bastante de você, eu pedi pra ele contar como tudo estava indo e nisso, com eu passando bastante tempo com Jack e indo lá direto, nos reaproximamos.
— E você nunca pensou em me contar isso? Tipo, nunca achou que fosse me deixar muito feliz pelo menos me contando que viu Finn, que ele estava bem...
— Claro que sim, Millie! Eu quis te contar, mas o Finn me implorou pra não fazer isso. Que se vocês tivessem que voltar pra vida do outro isso ia acontecer em algum momento, e, bom... tá acontecendo, né?
Olho para Finn na nossa roda de amigos, quase sorrio ao vê-lo segurando a latinha de Skol e, se é que é possível, parecendo ainda mais irritado, provavelmente com a música ou com o calor, do que três anos atrás.
Depois me viro para Noah.
— Ele disse isso?
— Disse.
Não sei bem o que fazer. Parte de mim quer perguntar muitas coisas para Noah, o que ele sabe, o que vem acontecendo na vida de Finn... e parte de mim quer se levantar dali da calçada e perguntar diretamente pra ele, porque acho que mereço saber, afinal.
Ao invés disso, respiro fundo, e desculpo Noah, por mais que ainda esteja um pouco magoada. Respeito que Finn tenha pedido pra ele não me contar, e fico até feliz por Noah ter também ter respeitado isso durante esse tempo todo.
— Tem mais alguma coisa? - pergunto, nem sei bem porquê, mas quando vejo o olhar do meu melhor amigo sei que fiz o certo em perguntar.
— Tem. - ele murmura.
Espero que ele conte, erguendo minhas sobrancelhas. Noah coça a nuca:
— Você lembra do nosso sarau no terceiro ano, né? Na escola? - ele pergunta, e eu faço que sim, sem entender onde ele quer chegar. - Não sei se você percebeu que eu estava estranho no dia, acho que a Sadie também...
— Sim. Sim, eu lembro.
— Bom, o Finn apareceu naquele dia. Ele assistiu a apresentação toda, inclusive a sua parte. - Noah me conta - Eu o vi depois. Chamei a Sadie. Ele pediu pra gente não contar que ele estava lá, e a gente só obedeceu porque, Millie, ele parecia tão desesperado. Até hoje acho que tinha chorado, ele tava com o olho, o rosto todo vermelho, parecia muito, muito mal...
Fecho os olhos, tombando a cabeça a apoiando nos joelhos. Meu Deus. Finn estava lá naquele dia. Ele me viu.
Milhões de coisas rondam minha cabeça. Faço duas, apenas. Primeiro abraço Noah, sem ouvir mais nada. Depois levanto.
— O que você vai fazer? - pergunta ele ao me ver olhando ansiosa para onde nossos amigos estão.
— Vou falar com ele. - respondo, como se fosse óbvio, e não espero que ele diga mais alguma coisa.
Depressa, ando para a rodinha.
— Finn - chamo-o estendendo a mão, tremendo com a possibilidade de ele não a aceitar - Vem - peço, meus olhos provavelmente estão implorando.
Ele assente, segurando a minha mão.
— Vamos embora - aviso aos nossos amigos, ainda olhando para o menino à minha frente, que não sei se é ainda o meu menino, antes de sair dali com ele.
***
Chegamos no apartamento de Finn em quarenta minutos, porque o trânsito estava insuportável. Ele acende as luzes e tranca a porta, e eu caminho até o sofá, me distraindo com a visão do terraço, a cidade iluminada pelas luzes dos prédios e das ruas.
Finn senta do meu lado, com um suspiro, e tomba a cabeça para trás, levando as mãos ao rosto.
— Eu falei com o Noah agora - é a primeira coisa que digo desde que saímos do bloquinho de carnaval e entramos no carro dele para virmos embora.
— Ele te contou tudo? - Finn pergunta.
— Contou. Até do sarau.
Ele fica em silêncio por algum tempo. Em seguida, começa:
— Queria que você entendesse que eu sempre tive os meus motivos, Millie.
— Eu entendo - digo, porque é verdade.
Não sei se quero cobrá-lo de me responder todas as coisas agora, nem sei se quero falar disso ou não. Boa parte de mim já entende tudo mesmo.
Ficamos em silêncio por tempo demais em seguida. Finn permanece com os olhos fechados, quase poderia achar que ele adormeceu se não fosse pela sua inquietação, a perna balançando a todo tempo, uma mania que ele tem desde o conheci.
Respiro fundo:
— O que você tem feito esse tempo todo?
Finn levanta a cabeça e os olhos pra mim, pensando na minha pergunta antes de responder.
— Eu... fiz bastante coisa. - ele diz. - Passei um tempo no Rio naquela época. Não muito. Voltei assim que pude, entrei na faculdade... Acho que só.
Por nada nesse mundo acredito que foi só isso. Nem sei ao certo como, mas sei que ele tá mentindo. Acho que é culpa dessa sensação que eu tenho de que ele mudou e muito. Ao passo em que eu me sinto a mesma. E essa não é lá das melhores sensações não.
Ele não me pergunta de volta o que fiz, sei que já sabe. Olho para as paredes pintadas de azul no corredor do apartamento e me lembro das tardes que passei aqui com Finn, e o que não faltava era assunto. Dos beijos no sofá, dos filmes cult que ele amava ver, de ler livros juntos sentados no tapete e mais um monte de coisas que poderiam deixar até o silêncio entre nós confortável. Como sinto saudades disso.
— Já fomos menos complicados. - digo a ele, meio que pensando alto - O que aconteceu com a gente?
— Eu mudei. - Finn responde, sem me olhar - Você também. Nós dois mudamos muito.
Não. É o que eu quero responder. Não mudei. Se tivesse, não estaria me sentindo dessa forma agora. Como se ainda fosse a mesma garota com você.
Nem me decidi se isso é bom ou ruim ainda. Só me sinto muito mais frágil do que o habitual e sei que é por causa dele.
— É - concordo, por fim. - Deve ser isso.
Meu celular toca, e é a Sadie. Recuso a chamada, me lembrando imediatamente do que Noah me contou do sarau, que ela também sabia. Não sei se Finn pensou a mesma coisa, mas quando olho para dele, guardando o celular de volta, ele hesita para falar alguma coisa.
— Eu teria feito as coisas diferentes se pudesse, Millie. Mas eu precisava ir embora naquela época, não tinha outra opção. Eu... eu preciso te pedir desculpa. Eu não sei se fiz as coisas do jeito errado, eu só não sabia lidar com tudo o que estava acontecendo. Eu te amava tanto, Millie.
— Você não tem que pedir desculpa - respondo - Eu explodi sábado, mas não tenho raiva de você, nunca conseguiria ter, Finn. Eu não devia ter dito que a culpa era sua.
— Não sei o que fazer - ele murmura.
— Você vai continuar por perto?
Ele me olha:
— Acho que sim. Você... me quer por perto?
Faço que sim com a cabeça, sem nem pensar antes.
— Acho que a melhor coisa é a gente não falar mais sobre isso, então. - ele propõe. - Quer dizer, uma pessoa me disse uma vez que não tem porque remoer coisas antigas se não fazem mais diferença...
— Você acha que o que aconteceu entre a gente não faz mais diferença? - pergunto.
Finn me olha com uma fragilidade tão pura que consigo compreender naquele mesmo instante que não é isso que ele está dizendo, mas espero pela resposta:
— Não. É claro que faz. A gente não estaria aqui se não fizesse. Mas não acho que precisamos recorrer àquilo toda hora. A gente mudou. E o tempo, bom, tempo passa, né? Não vai nos fazer bem trazer aquilo de volta sempre.
— Você acha mesmo? - pergunto, e ele assente.
Viro os olhos para a vista da cidade iluminada, pensando em quanto tempo será que isso vai durar até que alguma coisa desmorone, mesmo que só por dentro de um de nós.
Ainda não sei como me sinto sobre Finn agora, e sobre esse resquício do que fomos. Eu não faço ideia do que vai acontecer quando descobrir e isso me enche de medo.
Pego o celular outra vez para ver que em alguns minutos já será dia quinze de fevereiro, coincidentemente a data que nos falamos pela primeira vez. Mas acho que preciso ir embora daqui antes disso.
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