Quando ouvi a pergunta de Félix eu paralisei. Foi como se uma nuvem escura estivesse surgindo acima de mim, me ameaçando com raios e trovões.
— Jeongin, não me diz que foi aquele desgraçado que fez isso...
Eu não o respondi, nem mesmo conseguia olhar para ele, pois estava concentrado demais tentando regularizar minha respiração para que eu não perdesse o controle na frente dele.
— Por favor, fala comigo! Você precisa me responder. — Ele segurou meus braços, falando com calma e firmeza.
— Não, não foi. Eu bati por aí, sabe como eu sou.
Todos os machucados e marcas em meu corpo arderam assim que terminei de proferir aquilo, e eu ainda lutava para não deixar as lágrimas caírem.
— Que droga, quando você vai parar de mentir pra mim?! Não tem jeito de eu acreditar que essas marcas não são de agressão, Jeongin.
Tapei meus ouvidos ao ouvir a última parte, eu não queria ouvir. Doía demais ouvir aquilo, doía porque eu sabia que era verdade. Eu não estava pronto para aquilo.
— Jeongin, me escuta, por favor. Olha só pra você, era um garoto tão alegre e cheio de vida... Olha no que ele te transformou. Você vive com medo e acuado, até mesmo desistiu dos seus hobbys e paixões.
Ficamos em silêncio. Eu ainda não conseguia olhar nos olhos dele, por medo de encontrar julgamento em seu olhar. Félix não entendia que, mesmo assim, eu amava Hyunjin.
O garoto segurava minhas mãos, deixando um carinho singelo ali, me assustei quando ele começou a subir a manga do meu moletom, entretanto eu não o impedi. Eu estava fraco demais para isso. Ele subia o pano por meus braços suavemente e eu criei coragem para direcionar meu olhar para seu rosto, ele parecia horrorizado enquanto descobria mais marcas roxas por meu corpo, algumas mais recentes e outras já sumiam. Eu me lembrava claramente de cada uma.
— Por que deixou ele fazer isso com você? — Perguntou baixinho e eu pude notar as lágrimas acumuladas em seus olhos.
Tive vontade de chorar também, porque eu não sabia como o responder.
— Ele não é assim, é só que... — Soltei um suspiro, buscando forças para continuar falando. — Ele só está chateado comigo, eu o magoei muito.
— Como você o magoou?
— Eu estava conversando com o Seungmin, me encontrando com ele... eu errei.
— Jeongin, você traiu o Hyunjin? — Me apressei em acenar negativamente. — Pena, porque ele merecia.
Não pude evitar de rir fraco, aquele garoto não tinha jeito.
— Alguma vez você deu abertura para que o Seungmin entendesse as coisas errado?
— Eu não sei, eu sempre deixei bem claro que não estava interessado e que estava comprometido.
— Então você não fez nada de errado. Não é culpa sua que ele gostava de você, não se pode controlar os sentimentos alheios.
Eu apenas o escutei, tudo o que ele estava dizendo era coerente, mas ainda havia uma certa resistência dentro de mim.
Depois daquela conversa eu tentei cortar o assunto da forma que sabia, ou seja: fugindo. Eu fui tomar um banho, deixando que Félix fizesse o mesmo logo em seguida. Fiquei algum tempo andando pelo quarto sem camisa — senti que não importava mais, já que o outro já havia visto tudo — e só entrei em estado de alerta ao perceber que o barulho do chuveiro havia cessado a algum tempo. Corri em busca de alguma blusa confortável, mas Félix entrou no quarto antes que eu vestisse uma.
— Jeongin, vem cá.
Me dirigi a ele desanimado, desejando que ele pudesse entender que eu não queria mais continuar aquela conversa. Quando me sentei ao seu lado recebi um abraço, era um abraço quentinho e confortável. No momento em que ele se afastou nos encaramos brevemente, foi quando ele subitamente pôs o dedo sobre uma das marcas roxas em meu ombro, em seguida se aproximou e deixou um selar ali. E eu fiquei completamente confuso.
— É pra sarar. Sabe, aquilo que fazemos com crianças... — Ele explicou sorrindo de modo fofo.
— Eu não sou criança.
— Claro que é! É até ingênuo como uma.
Me senti contrariado quanto a última afirmação, mas não retruquei.
— Então, você pode me dar mais beijinhos? Queria que sarasse logo... — Pedi meio envergonhado e meio carente, Félix apenas riu de mim.
— Você sabe que eu posso.
Ele segurou minha mão e distribuiu beijos estalados pelas marcas em antebraço, eu apenas sorria, me sentindo amado. Naquela noite eu não queria que o outro dormisse longe de mim e, felizmente, não precisei insistir muito para que ele levantasse do seu colchão e deitasse seu corpo ao lado do meu. Quase que imediatamente as mãos dele foram aos meus fios, me conduzindo a melhor noite de sono que tive em semanas.
[...]
Quando acordei eu ainda dividia a cama com o outro, e devia ser bem cedo, pois eu não ouvia o som dos sapatos da minha mãe fazendo "toc toc" pela casa. Olhei para o loirinho e ri internamente, sua cara estava amassada e seus cabelos um desastre. Comecei a chamá-lo baixinho, depois aumentei o tom, mas ao ver que ele não respondia adotei outra tática; passei a cutucar o garoto. Ele acordou com uma expressão realmente zangada, felizmente aquilo não era o suficiente pra me intimidar.
— Eu, hein. Cara feia pra mim é fome, viu?
— E é mesmo! O que tem pra comer? — Sua voz pela manhã conseguia ser mais grossa que o habitual, não combinando em nada com o garoto fofo com cara de sono.
Após bons minutos finalmente descemos para a cozinha, agora já estávamos devidamente apresentáveis. Tomamos café com a minha mãe e depois ela nos deu uma carona até as proximidades da escola.
Especialmente hoje a escola não parecia tão sombria. No fundo do meu ser eu quis acreditar que aquele seria um bom dia, mas minhas esperanças encontraram o chão quando uma voz muito conhecida gritou meu nome.
Era seungmin.
— Hey, quanto tempo! — Disse em alto e bom som enquanto caminhava na minha direção.
— Ah, oi...
— Jeongin, o que houve? Você desistiu do curso? — Ele parecia levemente preocupado, coisa que me fez sentir mal.
O que eu menos queria era mais uma pessoa se preocupando com minha maldita situação problemática.
— É, não estava dando muito certo pra mim.
Tentei esquivar do assunto ao apresentar o Seungmin e Félix um ao outro e, surpreendentemente, deu certo.
— Mas o que você está fazendo aqui? — Félix perguntou e algum momento.
— Vários universitários estão aqui, nós vamos passar nas salas e falar sobre o que estamos cursando. O de sempre.
Ficar parado no corredor conversando com eles me dava calafrios, como se eu fosse uma criança fazendo o que não deve, como se eu estivesse prestes a ser pego. Eu nem conseguia me concentrar na conversa, atento para qualquer sinal de Hyunjin por ali e virando minha cabeça para todas as direções possíveis quase o tempo todo.
— Eu vou indo para sala. — Declarei rapidamente antes de acelerar o passo, sem olhar para trás.
O resto do dia fui tomado pelo nervosismo, uma sensação horrível de que algo ruim se aproximava e que eu não podia fazer nada a respeito. Minha mente me culpava o tempo todo, como se eu tivesse cometido um ato de traição, meu estômago revirava e não conseguia controlar meu coração sempre que sentia olhares sobre mim. Era como se eu estivesse perdendo o controle sobre mim.
Minhas ações já não me pertenciam.
Tampouco meus pensamentos.
No fundo eu sabia e sentia que ele estava tirando tudo de mim, me transformando num corpo sem vida a mercê de suas vontades. Mas eu estava realmente disposto a ser aquilo apenas para receber o seu amor, até porque ninguém irá me amar como ele. Certo?
— Jeongin, você está bem? — Félix perguntou, me segurando pelos ombros.
Coloquei as mãos sobre a boca e balancei a cabeça de modo afirmativo, nem pude pedir desculpas antes de sair correndo para a sala e pegar minha mochila. Eu não sabia para onde ir, não queria ir pra casa, então apenas permaneci encostado no muro baixo da escola enquanto tentava me decidir.
— Matando aula? — Novamente sua voz ecoou em minha mente e eu me assustei.
— Ah, não! Eu só sai pra respirar.
— E isso é o que chamamos de matar aula, querido. — ele respondeu sorridente e desviei o olhar. — Hey, o que rolou depois daquele dia na cafeteteria?
— Nada demais.
— Ele brigou com você?
— Não. Seungmin, por que você não dá o fora? Se eu for visto perto de você só vai me trazer problemas.
— Então é isso?
— Isso o quê? — Uma terceira voz se fez presente e, naquele momento, senti como se meu corpo estivesse imobilizado.
— Nada não. – Seungmin respondeu por mim.
— Ah, mas o que é isso? Incluam-me na conversa, por favor. — Ditou com o tom carregado de deboche ao mesmo tempo que passava o braço por meus ombros.
— Não é nada, Hyunjin. A propósito, ele já está indo embora mesmo, certo Seungmin?
— Meu deus, Seungmin?! Você era o cara que estava saindo com meu namorado, certo? Que engraçado te encontrar aqui...
— Eu não estava saindo com ele, tenho certeza que você entendeu as coisas errado.
— E eu tenho certeza que tem várias pessoas por aí pra você dar em cima. – Ele deu um passo para mais perto do outro garoto, me levando junto no processo. – Essa vadia aqui já está comprometida.
E de novo lá estava aquela sensação, a repulsa por receber aquele palavra direcionada a mim. O nojo por ter de ocupar aquele corpo sujo onde eu estava preso. Minha única vontade era de puxar meus cabelos e arranhar minha própria pele até que eu me sentisse melhor, mas era provável que outro cuidasse da minha punição depois; só que ele sempre me fazia sentir pior.
— Você não pode falar assim dele. Qual o seu problema?! — Ele parecia extremamente chocado.
Nada mais foi respondido, Hyunjin apenas saiu me puxando rua a fora, segurando meu pulso com força. Embora um sorriso convencido adornasse sua bela face eu sabia que ele estava irritado, muito irritado.
[...]
Eu encarava as paredes pálidas do quarto escuro do meu namorado, o garoto havia mandado que fosse para sua casa e o esperasse, só que isso já fazia uma duas horas. Havia uma marca fraca em meu pulso direito, porém não me incomodava.
Ouvi a porta do andar de baixo foi aberta, me fazendo ficar alerta. Quando o outro abriu a porta subitamente não me assustei, eu esperava por aquilo.
— Você demorou. Onde esteve? – Perguntei calmamente.
— Sou eu quem faço as perguntas aqui. Por que você estava com aquele cara? Eu te disse que não queria te ver perto dele de novo.
— Ele apareceu a escola, o que eu deveria fazer?!
— Com certeza não deveria estar do lado de fora de papinho com ele. O que ia fazer? Matar aula pra ficar com ele, é isso? – Ele já havia se aproximado de forma significativa de mim, tanto que eu podia sentir sua respiração.
Os olhos negros dele me encaravam de um modo bem conhecido por mim, e eu sabia que ele planejava algo por debaixo deles.
— Não, eu não ia.
— Mentiroso!
O garoto gritou e seguidamente se afastou, passando as mãos pelos cabelos e dizendo algumas coisas que eu não conseguia entender. Ele direcionou o olhar novamente para mim, me encolhi num ato involuntário.
— Jeongin, você tem medo de mim? – Questionou com uma expressão neutra, me deixando totalmente confuso e sem saber o que dizer em resposta.
— Não...
Respondi sem muita confiança, eu sou um péssimo mentiroso em certas circunstâncias. Um sorriso sádico surgiu em sua face e eu tremi. Meu cérebro me dizia para correr e a adrenalina começava a correr loucamente por minhas veias, todo o meu corpo gritava que aquilo era perigo, ainda assim meus pés se negavam a se mover.
[...]
Cheguei atrasado para o jantar, minha mãe parecia irritada, mas isso passou quando eu disse onde estive. Claro, ela tinha plena confiança no garoto com quem eu namorava. Neguei o jantar justificando que havia comido na casa do ouro, coisa que era mentira, mas ela acreditou. Apenas subi as escadas, sentindo todo o meu corpo doer em resposta.
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