História Coração de Gelo - Descobrindo a verdade

~Hiei~

Depois que conversei com Kurama, já estava claro pra mim o que deveria ser feito, entretanto eu precisava ter cautela e muita, mas muita paciência para conversar com Touya sem mata-lo de uma vez. Despois de respirar fundo, me dirijo ao templo pensando em mil e uma maneiras de como começar essa conversa sem perder a razão.

Quando chego, sinto a energia de Arashi junto de Kurama e Yukina. A essa altura, Kurama já deve estar conversando com ela há algum tempo e descobrindo se de fato ela tem algum tipo de “resistência” em esquecer, o que me dá uma ponta de esperança de que um dia ela se lembre de mim e de tudo o que houve entre nós. Eu sei que o que fiz com ela era imperdoável, mesmo se o beijo entre ela e Touya tiver sido algo consentido entre os dois, eu jamais deveria ter agido daquela forma. E novamente começo a ficar irritado me lembrando daquela cena.

Preciso chamar a atenção de Touya, eu sei que ele está lá dentro, mas não dá pra chegar gritando ou, do contrário, todo mundo saberá que estou aqui. E, segundo Kurama, eu não deveria me aproximar de Arashi até ter descoberto o que de fato aconteceu. Não quero ter que lidar com a raposa raivosa que vi outro dia.

Tento elevar minha energia pra ver se consigo que esse maldito homem da neve me note e, depois de alguns instantes, percebo que ele se dirige até o lado de fora. Nem precisei me esforçar muito, e posso jurar que ele queria ter essa conversa, até mesmo mais do que eu.

- Até que enfim você apareceu Hiei – diz ele friamente.

- Touya – digo cerrando os dentes e sentindo o ódio crescer.

- Não vai querer iniciar uma guerra aqui, não é? – ele me pergunta cinicamente. Que vontade de arrancar a sua cabeça! Mas não deixo de dar razão a ele, aqui não é o lugar certo pra isso.

- Não – respondo ainda com os dentes cerrados – Vamos – ordeno que ele me acompanhe, me virando de costas.

Ele apenas me acompanha com o olhar enquanto eu caminho para me afastar do templo. Minha ansiedade me fazia ter vontade de correr, porém, mesmo tendo criado várias maneiras em minha cabeça de como iniciar essa conversa com ele, a expectativa era bem diferente da realidade. Então eu usaria esse tempo pra tentar mais uma vez encontrar uma saída.

Caminhamos por um tempo até eu sentir que estávamos longe o suficiente do templo. Dependendo de como fosse essa conversa, não poderia arriscar a vida de ninguém lá, já que eu estava disposto a acabar com ele. E, na melhor das hipóteses, apenas o chão sobreviveria à minha fúria acumulada.

Quando finalmente paramos, eu ainda permaneço de costas pra ele, respirando fundo e tentando me controlar. Ele, por sua vez, começa a elevar a energia e criar ondas geladas, o que me faz ter certeza de que ele também estava nervoso com o que aconteceria daqui pra frente.

Me viro lentamente e o encaro. Pela primeira vez vejo seus olhos emanarem tristeza e isso faz com que eu me sinta um burro, exatamente como Mukuro disse. Talvez o que Kurama disse naquele dia possa ser verdade afinal.

“Merda, merda, mil vezes merda” eu praguejava internamente enquanto ele permanecia em silêncio.

- Touya, o que aconteceu aquele dia? – finalmente tomo coragem e quebro o silêncio.

Ele apenas me encara e baixa a cabeça. Será que vou ter que implorar para que ele me diga alguma coisa?

- TOUYA, FALA LOGO, O QUE ACONTECEU COM VOCÊ E ARASHI AQUELE DIA!? – grito pra ver se ele esboça alguma reação. Esse silêncio dele está me irritando.

- Hiei, eu nunca vou te perdoar pelo que fez a ela – ele me olha e, aquela tristeza que vi antes se transforma em fúria, bem como sua energia aumentando rapidamente.

- Não estou te pedindo perdão de nada seu imbecil! – estou perdendo a razão.

- Você a maltratou demais, e nunca vou te perdoar por isso! – ele gritava e essas palavras me doeram na alma. Eu não conseguia imaginar nem um terço o que Arashi passou, mas ao julgar pela raiva com que ele estava falando, deve ter sido horrível. E isso me entristecia de forma absurda.

- Eu não vim lutar com você Touya...por favor, eu preciso...preciso saber da verdade – digo tentando me acalmar.

Ele respira fundo e vejo sua energia diminuir lentamente. Percebo que ele quer essa conversa tanto quanto eu, mas pra ele deve ser mais difícil.

- Hiei, o que você quer saber? – diz ele após alguns minutos.

- O que você e Arashi tem? Por que ela te defende tanto? Aquele beijo de vocês... – minha raiva de reviver aquele momento só aumenta.

Ele me olha e vejo satisfação, mas por pouco tempo. Logo, seu olhar baixa e sinto culpa vindo dele. Novamente o silêncio reina me deixando cada vez mais ansioso. Resolvi não perguntar novamente, se ele teve disposição de vir até aqui, era porque queria se explicar e acabar logo com toda essa situação.

- Hiei, eu e Arashi não temos nada, além de uma relação de aluno e mestre. Nunca tivemos – diz em um suspiro.

- Então por que ela te defende tanto? – maldito, ele está mentindo pra mim.

- Porque ela me vê apenas como um amigo, já que fui o único no Makai que estendeu a mão pra ela no momento em que precisou! – diz ele tristemente – Tudo o que ela sente por mim é gratidão, mesmo que...

- Mesmo que o que? – novamente começo a ficar irritado. Essas meias palavras me cansam o psicológico, aumentando a minha ansiedade.

- Mesmo que eu tenha me apaixonado por ela, no momento em que a vi – ele diz suspirando.

Meu ciúme nesse momento está me cegando. Eu luto contra minha imensa vontade de arrebentar Touya, quebrar todos os seus ossos e arrancar seus olhos. Respiro mais fundo que posso e meu coração não para de bater descontrolado. Se continuar assim, vou explodir.

- Continue – digo cerrando os punhos.

Ele me olha permanece em silêncio por mais alguns minutos. A culpa já evidente se mostra mais uma vez. Começo a ter receio do que virá em seguida.

- Aquele beijo...não era pra ter acontecido Hiei – diz ele e meu corpo repuxa – Eu...eu...

- FALA LOGO TOUYA! – eu gritava me descontrolando.

- Tudo bem – diz num suspiro – Eu agarrei Arashi aquele dia, ela não teve culpa de nada!

O chão se abriu abaixo de mim. Como pude ser tão estúpido? A lembrança do beijo, a dor que senti, os dias, semanas que passei me lamentando por algo que eu mesmo criei nessa merda de cabeça vieram todas de uma vez. A culpa de Arashi ter ficado doente era única e exclusivamente minha. Eu sou o maior idiota que existe no universo!

“Burro, burro, burro” eu praguejava internamente enquanto esmurrava minha cabeça e sentia meu coração sangrar. Eu carregaria essa culpa pelo resto dos meus dias! Não tinha motivos pra Touya mentir pra mim, já que com isso ele terminaria qualquer chance que teria de um dia conquista-la, pois eu não desistira dela.

- Por que você não me disse isso antes? – perguntei irritado.

- Porque eu queria que ela visse o quanto você é egoísta, mesquinho e que a faria sofrer! – dessa vez era ele quem gritava.

- Você não pode estar falando sério! – eu juro que daqui ele não vai sair vivo.

- Hiei, você não merece alguém como ela. Isso é evidente, entretanto...

Baixo a cabeça e infelizmente tenho que concordar com ele. Eu não mereço Arashi.

- Entretanto o que? – pergunto, levantando a cabeça e o encarando.

- Entretanto, não sou eu quem determina isso. O que eu acho ou deixo de achar não importa. Ela ama você e sei que você sente o mesmo. Eu estava cego de ciúme e só queria que você sentisse um pouco do que eu sentia toda vez que imaginava vocês dois juntos – ele dizia baixando a cabeça e pude sentir sinceridade em suas palavras.

- Você é um idiota! – digo – Sabe o quanto eu sofri nesse tempo todo? – pergunto irritado.

- Está vendo como você é um egoísta? – diz ele olhando diretamente em meus olhos – Não pensou um segundo sequer no quanto Arashi sofreu?

“Merda, ele está certo!”.

- Claro que eu pensei, ou você acha que não vi o estado em que ela estava quando cheguei aqui? – digo sentindo todos os músculos do meu corpo se contraírem.

- Então, você não estava aqui quando ela precisou, você não viu como ela ficou, não viu o desespero nos olhos dela, as dores que sentia, o sangue que escorria das anêmonas que ela expelia, e ainda sim ela se recusou a deixar de te amar, mesmo que isso custasse a própria vida! – ele realmente estava triste com isso, e vejo que estava sendo difícil pra ele contar essas coisas logo pra mim.

Ele foi muito mais esclarecedor que Kurama. Acho que a amizade que tínhamos não o deixava me contar de fato todos os detalhes, embora eu merecesse saber e me torturar por isso.

- Eu sou a pior criatura do mundo! Está satisfeito? – digo raivoso, mas era a pura verdade.

- Isso é algo que ambos concordamos – diz ele – Eu tentei contar a você logo que saiu atrás dela aquele dia, mas você desapareceu. Eu me arrependi quase que imediatamente pelo que tinha feito.

- Perai, você sabia que eu tinha visto? – pergunto.

- Sim – ele responde – Eu senti sua energia se aproximando e foi quando tomei coragem para agarrá-la. Eu sei que foi muito errado da minha parte, e tenho minha parcela de culpa. Mas você também não moveu um músculo sequer para descobrir a verdade – diz ele indignado.

- Como disse antes, você é um idiota! – na verdade o idiota sou eu que não percebi antes que tudo fazia parte de um plano exclusivamente dele - Touya...ah Touya, que vontade que estou de te matar! – minha energia se elevava eu estava disposto a realmente ceifar sua odiosa vida aqui e agora.

- Talvez eu mereça – sou pego de surpresa por essas palavras. Nunca imaginei que ele se renderia. Ele percebe minha surpresa e continua.

- O que eu fiz foi imperdoável. Eu não me preocupo com o que aconteceu com você, por mim se estivesse morto eu nem ligaria. Mas quando vi no que Arashi se transformou depois que você sumiu, no quanto ela mudou e no quanto sofreu, eu tentei encontrar maneiras de me punir eternamente. E já comecei a minha penitência.

- E qual é? – pergunto cerrando os punhos.

- Não é evidente? Eu estar aqui contando tudo isso é uma das primeiras penitências que estou cumprindo. E acredite, isso está sendo difícil pra caramba – novamente sou surpreendido por suas palavras - Eu só quero que ela seja feliz Hiei – ele conclui quando vê minha surpresa. Touya é muito mais maduro que eu, tenho que admitir.

- Isso é algo que ambos concordamos – repito o que ele me disse anteriormente e ele me encara com dúvidas.

- Será mesmo? Bem, só o tempo dirá – diz ele calmamente – Tem mais uma coisa que precisa saber, e que também faz parte da minha penitência. E não só você, mas direi isso a Arashi assim que ela se lembrar de tudo.

- E o que é? – começo a ficar ansioso.

- Você estava treinando ela, então suponho que deva ter percebido que muitas coisas óbvias e que fazem parte de um treinamento sério ela desconhecia, certo? – me pergunta e então me lembro que nem a percepção espiritual, que é o básico do básico ela sabia.

Apenas confirmo com a cabeça, me lembrando que naquele dia eu já estava louco por ela no momento em que ela se jogou sobre mim. Como eu sou burro em não ter percebido antes! E então ele continua:

- Eu não ensinei tudo a ela pois queria mantê-la o maior tempo possível comigo. É Hiei, talvez você não seja o único aqui que seja egoísta afinal – diz ele culpado.

- Mas...por que? Se ela fosse mais forte, saberia se defender. Você não tem ideia do que ela passou! – merda, eu sei que eu era egoísta, mas ele não ficava muito atrás de mim.

- Yukina me contou – diz num suspiro – E acredite, essa é mais uma das coisas que vou me arrepender pra sempre. Mas estou apaixonado por ela desde aquela época e achei que se ela recebesse um treinamento adequado, me abandonaria muito mais rápido.

- Você é um imbecil Touya! – digo com ódio.

- Eu sei – diz ele com a cabeça baixa – Mas você também é. Desperdiçou um sentimento tão puro como o dela, e agora ela não se lembra nem de quem você é.

Desgraçado, ele está curtindo com a minha cara. Maldito!

- Mas ela vai se lembrar – digo, mesmo sem ter certeza – E eu juro, nunca mais isso acontecerá a ela enquanto eu viver.

- Espero mesmo Hiei – diz ele – Ou eu mesmo irei encontra-lo e acabarei com você, nem que pra isso eu perca a vida.

E então ele se vira de costas pra mim e ruma de volta ao templo. Eu estava profundamente irritado comigo mesmo, tudo que Touya me disse me fez ver o quanto eu era imaturo, egoísta e um tremendo idiota. Agora entendo o porque de Kurama dizer que eu precisava amadurecer.

Preciso me acalmar e conversar com a raposa, só ele me trará respostas e me ajudará a me aproximar de Arashi. Não quero perder mais um minuto sequer longe dela.